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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.1 Brasília mar. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000100017 

NOTA DE PESQUISA

 

Caracterização das exposições ocupacionais a material biológico entre trabalhadores de hospitais no Município de Teresina, Estado do Piauí, Brasil, 2007 a 2011*

 

Characterization of occupational exposures to biological material among hospital workers -Teresina, Piauí State, Brazil, 2007 to 2011

 

 

Solange Sousa SantosI; Nairicéia Alves da CostaI; Márcio Dênis Medeiros MascarenhasII

ICentro de Ensino Unificado de Teresina, Teresina-PI, Brasil
IIUniversidade Federal do Piauí, Fundação Municipal de Saúde e Centro de Ensino Unificado de Teresina, Teresina-PI, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever as exposições ocupacionais a material biológico (EOMB) em hospitais do município de Teresina, estado do Piauí, Brasil, no período de 2007 a 2011.
MÉTODOS:
estudo descritivo sobre dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), analisados segundo estatística descritiva; estudaram-se variáveis demográficas (idade, sexo, ocupação) e de ocorrência dos acidentes (tipo de exposição, material orgânico, circunstância, instrumento).
RESULTADOS:foram notificados 268 casos de EOMB, com predomínio no sexo feminino (84,0%), na faixa etária de 18 a 29 anos (40,3%), entre auxiliares e técnicos de enfermagem (67,2%), por exposição percutânea (65,3%) e com sangue como material orgânico (83,2%); a maioria das EOMB ocorreu durante a administração de medicação (22,8%), com agulhas (74,2%).
CONCLUSÃO: verificou-se a vulnerabilidade dos profissionais de saúde à ocorrência de EOMB, principalmente dos trabalhadores de enfermagem; é necessário dar visibilidade ao agravo e intensificar as estratégias de prevenção entre os profissionais de saúde.

Palavras-chave: Exposição Ocupacional; Exposição a Agentes Biológicos; Epidemiologia Descritiva; Vigilância Epidemiológica; Saúde do Trabalhador.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe occupational exposures to biological material (OEBM) in hospitals in Teresina, Piauí State, from 2007 to 2011.
METHODS: a descriptive study with datafrom the Information System for Notifiable Diseases (Sinan), analyzed using descriptive statistics. Demographic variables (age, sex, occupation) and the occurrence of accidents (type of exposure, organic material, circumstances, devices) were studied.
RESULTS: 268 OEBM cases were reported, majority females (84.0%), aged 18 to 29 years (40.3%), among nursing assistants and technicians (67.2%), by percutaneous exposure (65.3%), and organic material like blood (83.2%). OEBM cases were more frequent during administration of medication (22.8%) and by needles (74.2%).
CONCLUSION: it was possible to identify the vulnerability of health professionals against the occurrence of EOMB, especially the nursing staff. It is necessary to give visibility to the EOMB occurrence and to intensify prevention strategies among healthcare professionals.

Key words: Occupational Exposure; Exposure to Biological Agents; Epidemiology, Descriptive; Epidemiological Surveillance; Occupational Health.


 

 

Introdução

As exposições ocupacionais a material biológico (EOMB) representam um grande desafio às instituições de saúde.1 No Brasil, os dados sobre esses agravos ainda são escassos. O Ministério da Saúde divulgou 50.897 notificações de EOMB no período de 2006 a 2009. Desse montante, somente 55 (0,14%) notificações foram realizadas no estado do Piauí.2 Estudo realizado em 2007, em um hospital público de Teresina-PI, revelou que foram notificados 53 acidentes de trabalho (AT), sendo que os acidentes com material perfurocortante (n=33) representaram 62,3% dessas ocorrências, atingindo sobretudo auxiliares e técnicos de enfermagem.3

No âmbito dos serviços de saúde, os profissionais mais expostos ao risco de infecção com material biológico são aqueles envolvidos diretamente na assistência ao paciente. Enquadram-se nessa situação os trabalhadores de unidades de serviços, como unidades básicas de saúde, clínicas e consultórios médicos, consultórios odontológicos, banco de sangue, centro de hemodiálise, laboratório de análises clínicas, centros de pesquisa e serviços de emergências, incluindo-se o pessoal das equipes de limpeza e lavanderia.4,5

Frente à necessidade de aprofundar o conhecimento acerca do padrão de ocorrência desses eventos, e considerando-se a escassez de estudos sobre a realidade local, o presente trabalho tem como objetivo descrever as exposições ocupacionais a material biológico em hospitais de Teresina-PI, no período de 2007 a 2011.

 

Métodos

Estudo descritivo realizado em Teresina-PI. Em 2010, a população residente no município era composta por 814.230 habitantes e a rede serviços hospitalares era constituída por 30 estabelecimentos, entre públicos, privados e filantrópicos.6

A população de estudo contemplou os casos de EOMB notificados nos hospitais de Teresina-PI, no período de 2007 a 2011. Foram utilizados dados secundários obtidos das fichas de investigação de EOMB, já digitados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Considerou-se a definição de EOMB proposta no Sinan:7 acidentes envolvendo sangue e outros fluidos orgânicos, ocorridos com profissionais da área da Saúde durante o desenvolvimento de seu trabalho, quando os mesmos profissionais estão expostos a materiais biológicos potencialmente contaminados.

As variáveis de estudo foram agrupadas em: (i) dados demográficos (idade, sexo, ocupação); e (ii) dados do acidente (tipo de acidente, material orgânico, circunstância do acidente, instrumento, exames do acidentado e paciente-fonte). Realizou-se análise segundo estatística descritiva, pelo programa Epi Info 3.5.1.

O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Centro de Ensino Unificado de Teresina, em 10 de fevereiro de 2012, sob o Protocolo no 13.507/2011, conforme recomendações da Resolução CNS no 196/96, do Conselho Nacional de Saúde.

 

Resultados

No período de 2007 a 2011, foram notificados 268 casos de EOMB entre profissionais de saúde no município de Teresina-PI, sendo 166 casos em hospitais da administração municipal, 56 em hospitais estaduais e outros 46 em estabelecimentos filantrópicos (Figura 1). Não houve notificações em serviços ambulatoriais, tampouco em hospitais privados.

 

 

A maior ocorrência de casos deu-se entre os profissionais do sexo feminino (84,0%) e no grupo etário de 18 a 29 anos (40,3%). A idade dos casos variou de 18 a 62 anos, com mediana de 32 anos. As exposições foram mais frequentes entre auxiliares e técnicos de enfermagem (67,2%). Em menor proporção, identificaram-se casos em enfermeiros (7,5%), trabalhadores da limpeza (6,7%), auxiliares e técnicos de laboratório (3,4%), médicos (3,4%) e cirurgiões dentistas (0,7%), entre outras categorias profissionais (Tabela 1).

 

 

Predominaram as exposições percutâneas (65,3%), envolvendo sangue (83,2%) e ocorridas durante administração de medicação parenteral (22,8%), punção venosa (17,2%) ou descarte inadequado de material (14,2%). O instrumento mais frequente foi a agulha (74,2%) (Tabela 1). O estado sorológico dos acidentados foi desconhecido (não realizado/ignorado) na maior parte das notificações: 43,7% para anticorpo contra o vírus da imunodeficiência humana (anti-HIV); 50,8% para anticorpo contra o vírus da hepatite C (anti-HCV); 53,7% para antígeno de superfície do vírus da hepatite B (HbsAg); e 79,8% para anticorpo contra o antígeno de superfície do vírus da hepatite B (anti-HBs). Das 268 notificações de EOMB, o paciente-fonte foi identificado em 195 (72,8%) delas. Desses pacientes-fonte, 6 (3,1%) foram identificados com resultado positivo para anti-HIV, 4 (2,1%) soropositivos para anti-HBs e 1 (0,5%) com soropositividade para HbsAg. Percebeu-se elevado percentual de não realização de exames sorológicos, principalmente o anti-HBs (79,4%). De maneira inversa, a sorologia anti-HIV foi o exame realizado com maior frequência (Tabela 2).

 

 

Discussão

O sexo feminino predominou nos casos de EOMB, devido ao grande contingente de mulheres nas equipes de enfermagem.1 Com relação à faixa etária, verificou-se que adultos jovens foram a maioria, o que pode estar relacionado à presença de jovens profissionais no mercado de trabalho, sendo relevante observar a inexperiência e insegurança na realização das técnicas entre esse grupo.4 Também foi evidente a maior frequência de EOMB na categoria de auxiliares e técnicos de enfermagem, os quais permanecem a maior parte do tempo na assistência direta ao paciente, desenvolvendo atividades de maior risco para a ocorrência desses eventos.8,9

A via percutânea foi a predominante entre as ocorrências de EOMB, o que se deve à dimensão da superfície corporal percutânea ser maior que a superfície mucosa, além daquela região estar envolvida diretamente no manuseio de instrumentos para realização de procedimentos.9 Em relação ao material orgânico envolvido, o sangue apareceu na maior proporção dos casos notificados, achado condizente com o de estudo realizado em hospital público do Rio de Janeiro, onde se observou presença de sangue em 86,3% das EOMB.9,10 Com relação à atividade realizada durante o acidente, sabe-se que materiais perfurocortantes, principalmente agulhas, são os principais instrumentos responsáveis pela exposição dos profissionais de saúde. Portanto, os procedimentos de risco, como descarte inadequado de material perfurocortante e reencape de agulhas, são práticas cotidianas que oferecem risco constante aos profissionais de saúde.8,11

Quanto ao estado sorológico dos acidentados e dos pacientes-fonte, os resultados são semelhantes ao observado na literatura: baixa realização de exames sorológicos entre as vítimas de EOMB e maior preocupação com a realização do teste sorológico anti-HIV.12 Neste estudo de Teresina-PI, assim como em outras pesquisas,13-14 os testes sorológicos não foram realizados em grande parcela dos casos notificados, o que pode comprometer a monitorização sorológica para evidenciar a soroconversão.

A partir do pequeno número de registros identificados, pode-se inferir a existência de subnotificação de EOMB nos hospitais de Teresina-PI: somente 46,7% (14/30) desses hospitais informaram esse tipo de evento no período analisado. Logo, apesar do aumento das notificações entre 2007 e 2011, estima-se que ocorra maior número de EOMB, o que limita a disponibilidade de informações acerca do perfil das ocorrências e interfere no desenvolvimento de medidas de prevenção e controle de EOMB no ambiente de trabalho.

O estudo permitiu verificar a vulnerabilidade dos profissionais de saúde frente à ocorrência de EOMB, principalmente dos integrantes de equipes de enfermagem. É necessário um olhar singular para essa categoria, no intuito de desenvolver estratégias efetivas de prevenção e investigação epidemiológica ativa e contínua dos casos, dando visibilidade ao agravo entre gestores e profissionais expostos, com vistas à sensibilização e prevenção das exposições ocupacionais a material biológico.

 

Contribuição dos autores

Santos SS e Silva NAC contribuíram no planejamento da pesquisa, coleta e tabulação de dados, redação e aprovação da versão final do artigo.

Mascarenhas MDM colaborou no delineamento do estudo, análise dos resultados, revisão crítica e aprovação da versão final do artigo.

 

Referências

1. Marziale MHP, Silva EJ, Hass VJ, Robazzi MLCC. Acidentes com material biológico em hospitais da rede de prevenção de acidentes de trabalho-REPAT. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. 2007; 32(115):109-119.

2. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Sinan-NET 2009 [acessado em 05 jun. 2012]. Disponível em http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/.

3. Ribeiro PC, Ribeiro ACC, Lima Junior FPB. Perfil dos acidentes de trabalho em hospital público de Teresina, PI. Cogitare Enfermagem. 2010; 15(1):110-116.

4. Lima LM, Oliveira CC, Rodrigues KMR. Exposição ocupacional por material biológico no Hospital Santa Casa de Pelotas - 2004 a 2008. Escola Anna Nery. 2011; 15(1):96-102.

5. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Exposição a materiais biológicos. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.

6. Teles MAAC. Diagnóstico do pólo empresarial de saúde de Teresina/PI. Relatório de pesquisa; 2011.

7. Ministério da Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Ficha de investigação de acidente de trabalho com exposição a material biológico [acessado em 05 jun. 2012]. Disponível em http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/novo/Documentos/SinanNet/fichas/DRT_Acidente_Trabalho_Biologico.pdf

8. Balsamo AC, Felli VEA. Estudo sobre os acidentes de trabalho com exposição aos líquidos corporais humanos em trabalhadores da saúde de um hospital universitário. Revista Latino-Americana de Enfermagem. 2006; 14(3):346-353.

9. Coutinho LH, Castro JPO, Costa CA, Stival MM. Perfil dos acidentes com perfuro-cortantes em um hospital de Anápolis no período de 2005 a 2007. Anuário da Produção Científica Discente. 2008; 11(12):39-55.

10. Valim MD, Marziale MHP. Avaliação da exposição ocupacional a material biológico em serviços de saúde. Texto & Contexto Enfermagem. 2011; 20(esp):138-146.

11. Simão SAF, Souza VS, Borges RAA, Soares CRG, Cortez EA. Fatores associados aos acidentes biológicos entre profissionais de enfermagem. Cogitare Enfermagem. 2010; 15(1):87-91.

12. Almeida CAF, Benatti MC. Exposição ocupacional por fluidos corpóreos entre trabalhadores de saúde e sua adesão a quimioprofilaxia. Revista da Escola de Enfermagem da USP. 2007; 41(1):120-126.

13. Guilarde AO, Oliveira AM, Tassara M, Oliveira B, Andrade SS. Acidentes com material biológico entre profissionais de hospital universitário em Goiânia. Revista de Patologia Tropical. 2010; 39(2):131-136.

14. Oliveira AC, Lopes ACS, Paiva MHRS. Acidentes ocupacionais por exposição a material biológico entre a equipe multiprofissional do atendimento pré-hospitalar. Revista da Escola de Enfermagem da USP. 2009; 43(3):482-487.

 

 

Endereço para correspondência:
Rua General Lages, 545, Apto. 1202,
Jóquei Clube, Teresina-PI, Brasil.
CEP: 64048-350
E-mail: mdm.mascarenhas@gmail.com

Recebido em 03/10/2012
Aprovado em 06/12/2012

 

 

*Elaborado a partir de monografia de conclusão do Curso de Bacharelado em Enfermagem do Centro de Ensino Unificado de Teresina, defendida em junho de 2012.