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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.2 Brasília jun. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000200001 

EDITORIAL

 

40 anos do Programa Nacional de Imunizações: o desafio da equidade

 

 

Cesar G. Victora

Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

 

 

O Programa Nacional de Imunizações (PNI) completa 40 anos, com uma trajetória invejável em termos de inovação tecnológica, desenvolvimento de autonomia nacional, e particularmente por haver logrado atingir e manter altos níveis de cobertura populacional. Para nós brasileiros atuantes na saúde pública, é impossível deixar de sentir um enorme orgulho pelo que este programa representou e continua representando para nossa população.

Nos últimos anos, tenho participado ativamente da monitoração do progresso de distintos países que buscam alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), em especial no que se refere à mortalidade de crianças menores de cinco anos. Sem dúvida alguma, o Brasil tem sido internacionalmente reconhecido como um dos melhores exemplos de sucesso. A meta de redução em dois terços da mortalidade de menores de cinco anos, entre 1990 e 2015, foi alcançada três a quatro anos antes do prazo estipulado pelas Nações Unidas e compactuado por 190 países.1 Fazemos parte do seleto grupo de países de renda média ou baixa que efetivamente conseguirá alcançar a meta global.

Como parte das várias estratégias que contribuíram para colocar nosso país nesta posição invejável, o PNI logrou alcançar altas coberturas populacionais em todas as regiões do país, o que levou a um efetivo controle de várias doenças imunopreveníveis.2 Neste editorial, no entanto, não pretendo me ater aos sucessos alcançados, mas refletir sobre o que o estudo das desigualdades sociais em cobertura vacinal pode indicar sobre os futuros desafios a serem enfrentados pelo PNI.

Nossas desigualdades sociais em cobertura vacinal, historicamente presentes, já haviam sido consideravelmente reduzidas por ocasião da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) de 1996. Reanálises recentes desse banco de dados, realizadas com metodologia padronizada pelo Centro de Equidade em Saúde da Universidade Federal de Pelotas - UFPel (www.equidade.org) para o Observatório Global de Saúde da Organização Mundial da Saúde (www.who.int/gho/), estimaram os percentuais de crianças de 12-23 meses que haviam recebido todas as doses de vacinas recomendadas para o primeiro ano de vida. Em 1996, estes percentuais eram de 57% no quintil mais pobre da população, crescendo para 74%, 85% e 83% no segundo, terceiro e quarto quintis, e caindo novamente para 74% no quintil mais rico. Cabe notar que o indicador utilizado - se a criança havia recebido todas as doses preconizadas - é altamente exigente, e que coberturas com antígenos específicos tendem a ser muito maiores, em alguns casos, praticamente universais.

Mas como vêm evoluindo estas desigualdades desde a PNDS de 1996? Infelizmente, os dados de cobertura vacinal da pesquisa nacional de 2006 não puderam ser aproveitados, mas uma ampla pesquisa realizada nas capitais estaduais em 2007-2008 mostrou um padrão algo distinto em termos de desigualdades.3 O percentual de crianças com vacinas completas aos 18 meses variou de 79% no quintil mais rico de setores censitários a 82% no quintil mais pobre, com valores mais elevados (87%, 85% e 84%) nos três quintis intermediários. As mais baixas coberturas ocorrem entre famílias mais ricas vivendo em bairros ricos.3

Esta tendência recente é motivo de preocupação, pois reflete o que já vinha sendo observado em países ricos. No Reino Unido e nos Estados Unidos, onde as doenças imunopreveníveis apresentavam baixa incidência por algumas décadas, preocupações descabidas com os riscos associados à vacinação contribuíram para reduzir as taxas de cobertura, particularmente entre as famílias onde os pais apresentavam maior escolaridade.3

Há alguns anos, propusemos a existência de uma "hipótese da equidade inversa": indivíduos mais ricos tenderiam a ser os primeiros a adotar novas tecnologias em saúde, e isso consequentemente levaria a um aumento nas desigualdades, pelo menos em curto prazo.4 Posteriormente, ficou evidente que isso também se aplica a tecnologias que, embora sejam prejudiciais, são percebidas como benéficas pela população mais privilegiada. Um exemplo notório é a taxa de cesarianas no Brasil, que atinge mais de 80% no quintil superior de riqueza.5

Um grupo de pesquisadores ingleses,6 lançou mão de nossa hipótese para propor que a recusa em vacinar crianças seguiria um padrão paradoxalmente similar: uma vez que as vacinas são - equivocadamente - percebidas como nocivas, as coberturas cairiam entre os mais ricos, o que levaria portanto a uma redução nas desigualdades de cobertura e, em alguns casos, a uma inversão em seu gradiente social.

Os motivos para a redução da cobertura vacinal em crianças de famílias ricas são complexos, e sem dúvida passam por sua percepção da qualidade dos serviços públicos, pela noção equivocada de que doenças imunopreveníveis não representariam uma ameaça para esse grupo social, e possivelmente por recomendações de médicos privados.3 Minha maior preocupação, como epidemiologista e sanitarista, é que um grupo social que tende a ditar padrões de comportamento, e a ser emulado pelo resto da sociedade, venha a prejudicar este esforço de décadas que transformou o Brasil em um dos líderes mundiais em cobertura vacinal.

Em sua quinta década, o PNI sem dúvida terá de enfrentar novos desafios. Estes incluem não apenas alcançar a autossuficiência na produção de um número cada vez maior de vacinas atualmente desenvolvidas e testadas, mas também garantir que o aumento de cobertura com a concomitante redução nas desigualdades sociais, alcançadas com tanto esforço nas últimas quatro décadas, não sejam ameaçadas pelas tendências acima descritas. Engajar as famílias de nível social mais elevado, assim como o setor privado, será fundamental para enfrentar este desafio.

 

Referências

1. Victora CG, Aquino EM, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011 May;377(9780):1863-76.

2. Barreto ML, Teixeira MG, Bastos FI, Ximenes RA, Barata RB, Rodrigues LC. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environmental context, policies, interventions, and research needs. Lancet. 2011 May;377(9780):1877-89.

3. Barata RB, Ribeiro MC, de Moraes JC, Flannery B. Socioeconomic inequalities and vaccination coverage: results of an immunisation coverage survey in 27 Brazilian capitals, 2007-2008. J Epidemiol Community Health. 2012 Oct;66(10):934-41.

4. Victora CG, Vaughan JP, Barros FC, Silva AC, Tomasi E. Explaining trends in inequities: evidence from Brazilian child health studies. Lancet. 2000 Sep;356(9235):1093-8.

5. Barros FC, Matijasevich A, Requejo JH, Giugliani E, Goretti Maranhao A, Monteiro CA, et al. Recent Trends in Maternal, Newborn, and Child Health in Brazil: Progress Toward Millennium Development Goals 4 and 5. Am J Public Health. 2010 Oct;100(10):1877-89.

6. Middleton E, Baker D. Comparison of social distribution of immunisation with measles, mumps, and rubella vaccine, England, 1991-2001. BMJ. 2003 Apr;326(7394):854.