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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.2 Brasília jun. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000200003 

ARTIGO ORIGINAL

 

Evolução da mortalidade por causas externas no município de Pelotas e no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, 1996-2009

 

Evolution of mortality from external causes in Pelotas city and in Rio Grande do Sul state, Brazil, 1996-2009

 

 

Juvenal Soares Dias da Costa; Michel Cerioli Giraldi; Maria Laura Vidal Carret; Ana Maria Teixeira Borges Ferreira; Eliane Schneider Strauch; Maurício Moraes

Departamento de Medicina Social, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever a mortalidade por causas externas no município de Pelotas-RS e no Estado do Rio Grande do Sul entre 1996 e 2009, e investigar sua tendência temporal.
MÉTODOS: realizou-se estudo ecológico com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM); as taxas de mortalidade foram calculadas por biênios e analisadas mediante regressão de Poisson.
RESULTADOS: as taxas de mortalidade foram maiores entre homens e maiores de 39 anos de idade; em Pelotas-RS, foram observadas diminuições significativas nas taxas de mortalidade por acidentes de transporte terrestre em homens até 39 anos e aumento de 11% na taxa homicídios em homens de 15-39 anos; no Rio Grande do Sul, as taxas de mortalidade por outras causas externas diminuíram 11% e os homicídios aumentaram 6% em homens de 15-39 anos, no período.
CONCLUSÃO: as taxas de mortalidade por causas externas seguem constantes; o problema é prioritário e exige esforços na articulação de políticas sociais.

Palavras-chave: Mortalidade; Violência; Coeficiente de Mortalidade; Causas Externas; Estudos de Séries Temporais.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe mortality from external causes in Pelotas-RS city and Rio Grande do Sul (RS) state between 1996 and 2009 and investigate its time trend.
METHODS: We conducted an ecological study of Mortality Information System data. Mortality rates were calculated by biennia and analyzed using Poisson regression.
RESULTS: mortality rates were higher among men and among those over 39 years. In Pelotas there were significant reductions in mortality rates from road traffic accidents in men up to 39 years whilst homicide rates increased by 11% in men aged 15-39 years. In Rio Grande do Sul state mortality rates from other external causes decreased by 11% in the period whilst homicides increased by 6% in men aged 15-39 years.
CONCLUSION: mortality rates from external causes maintain constant. This problem is a priority and requires efforts in the articulation of social policies.

Key words: Mortality; Violence; Mortality Rate; External Causes; Time Series Studies.


 

 

Introdução

De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, as causas externas de mortalidade estão entre os principais motivos de óbito no mundo, principalmente na faixa etária dos 15 aos 44 anos.1,2 Lesões resultantes das causas externas levam a óbito cerca de 5,8 milhões de pessoas em todo o mundo, anualmente, sendo responsáveis por 10% da mortalidade mundial no ano de 2004, e para cada morte, estimam-se dezenas de hospitalizações, centenas de visitas a unidades de pronto atendimento e milhares de consultas médicas.3

No Brasil, em 2010, as causas externas de morbidade e mortalidade foram o terceiro maior motivo de óbito da população total. Entretanto, quando se restringe a análise ao grupo de pessoas na faixa etária de 10 a 39 anos, as causas externas ocuparam o primeiro lugar nas causas de morte.4 No mesmo ano, as causas externas ocuparam o quarto lugar entre todos os motivos de óbito no Estado do Rio Grande do Sul (RS).5

Entre os eventos ditos acidentais, destacam-se os acidentes de transporte terrestre, quedas, afogamentos, envenenamentos e queimaduras. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o ano 2004, os acidentes de transporte terrestre foram responsáveis por aproximadamente 1.275 milhões de mortes e mais 50 milhões de feridos em todo mundo. As quedas vitimaram 424 mil pessoas ao ano, acometendo principalmente a população idosa. Afogamentos e submersões causaram 388 mil mortes anuais, atingindo principalmente crianças. Os envenenamentos acidentais levaram a óbito 346 mil pessoas afetando, principalmente, jovens adultos. Já as queimaduras vitimaram principalmente as crianças menores de cinco anos e os idosos, sendo responsáveis por 310 mil mortes no mundo.6

Assim como as causas acidentais de morbimortalidade, a violência apresenta-se sob diversas manifestações, destacando-se os homicídios e suicídios. As taxas de homicídios são três vezes maiores em homens do que em mulheres e acometem principalmente os adultos jovens. Os suicídios ocorrem mais nos homens e aumentam com a idade, em ambos os sexos, tendo sido responsáveis por 844 mil mortes em todo o mundo no ano de 2004.6

Frente a tal impacto, percebe-se que o enfrentamento do problema representado pelas causas externas é multideterminado e deve envolver políticas e ações intersetoriais, que alterem e melhorem as condições de vida da população.7 Conhecer a magnitude, caracterização e tendências da mortalidade por causas externas pode proporcionar informações valiosas sobre a necessidade, a orientação e o desenvolvimento de políticas que visem reduzir e prevenir esses agravos. Além disso, permite avaliar ações de saúde e seus impactos produzidos.5

O presente estudo tem por objetivo descrever a mortalidade por causas externas em Pelotas-RS e no Estado do Rio Grande do Sul, e investigar sua tendência temporal no município e no Estado, no período de 1996 a 2009.

 

Métodos

Foi realizado um estudo ecológico a fim de avaliar a evolução das taxas de mortalidade por causas externas, em ambos os sexos, no município de Pelotas-RS e no Estado do Rio Grande do Sul, no período de 1996 a 2009.

Foram utilizados dados secundários do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) - cuja fonte é a declaração de óbito - referentes aos anos de 1996 a 2009, conforme local de residência. Os grupos específicos de causas de morte por causas externas foram categorizados conforme a Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). Foram utilizados quatro agrupamentos de causas:

Acidentes de transporte terrestre

• Pedestres (V01-V09), ciclista (V10-V19) motocicletas (V20-V39), ocupantes de veículos (V40-V79) e outros acidentes de transporte terrestre (V80-V89);

Suicídios

• Lesões autoprovocadas voluntariamente (X60-X84);

Homicídios

• Agressões (X85-Y09), intervenções legais e operações de guerra (Y35-Y36); Em intervenções legais (Y35), são incluídos traumatismos infligidos por agentes da Lei no comprimento de suas obrigações;

Outras causas externas

• Demais acidentes (V90-V99, W20-X59), outras causas externas de traumatismos acidentais (W00-X59), eventos cuja intenção é indeterminada (Y10-Y34), demais causas externas (Y40-Y98).

Também foi analisado todo o conjunto de causas externas (V01-Y98).

Os dados censitários e as estimativas populacionais elaboradas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), necessários para a elaboração das taxas, estão disponíveis no sítio eletrônico do Departamento de Informática de Sistema Único de Saúde (Datasus), segundo faixa etária e sexo, desde 1979.

Foram analisadas três faixas etárias (<15 anos; 15 a 39 anos; >39 anos). Optou-se pelo uso dessas faixas etárias porque na análise inicial dos dados do Rio Grande do Sul, constatou-se que, entre todos os motivos de óbito, as causas externas foram a terceira causa de morte em menores de 15 anos, superadas pelas afecções de período perinatal e malformações congênitas. O mesmo comportamento foi observado em maiores de 39 anos, nos quais as causas externas ocupam a sétima posição entre as causas de mortalidade para essa faixa etária. Nos adultos jovens de 15 a 39 anos, as causas externas ocupam a primeira posição.5

Com os dados extraídos do SIM, foram elaboradas planilhas pelo programa Microsoft Excel®. Posteriormente, os dados foram analisados utilizando-se o programa Stata 11.1. A análise foi estratificada de acordo com o sexo, pois as taxas de mortalidade por causas externas nos homens são maiores do que nas mulheres.8

A fim de estabilizar as taxas de mortalidade, estas foram agrupadas em biênios (1996-1997, 1998-1999, 2000-2001, 2002-2003, 2004-2005, 2006-2007, 2008-2009), de acordo com os grupos etários e o sexo.9 As taxas foram calculadas utilizando-se a seguinte fórmula: total de mortes por grupo de causas, por faixa etária e sexo no biênio / total da população por faixa etária e sexo no biênio x 100 mil habitantes.

A análise dos dados foi feita com uso de regressão de Poisson, com variância robusta. O coeficiente da regressão de Poisson mostrou a variação dos coeficientes por causas externas ao longo do período.9 Os resultados foram considerados significativos a partir do valor de p<0,05.

Todos os dados fazem parte de bases nacionais de informações em saúde, de acesso público pelo sítio eletrônico do Datasus. Essas bases omitem dados que permitem a identificação dos sujeitos. O estudo segue as recomendações éticas da Resolução CNS no 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, e foi aprovado em reunião do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pelotas realizada no dia 29 de novembro de 2009, mediante Ofício no 121/09, não havendo conflito de interesses por parte dos autores.

 

Resultados

No período analisado, o número de óbitos por causas externas em Pelotas-RS variou de 152 (1998) a 229 (2007), com média de 184,4 óbitos por ano. No Rio Grande do Sul, o número de óbitos por essas causas variou de 6.422 (1999) a 7.397 (2007), com média anual de 6.894,5 óbitos.

Em Pelotas-RS, as causas externas de morte variaram de acordo com o grupo etário e o sexo. Entre 1996 e 2009, a taxa de mortalidade por causas externas foi maior entre os homens do que entre as mulheres. As taxas mais elevadas foram observadas no grupo de idade maior de 39 anos, em ambos os sexos. Deve-se ressaltar que a maior taxa total foi observada em homens de 15 a 39 anos, no biênio 1996-1997: 146,6 por 100 mil habitantes.

Na faixa etária dos menores de 15 anos, em ambos os sexos, a principais causas de óbitos foram aquelas classificadas como outras causas externas, seguidas pelos acidentes de trânsito (Figura 1). Em todo o período, foram observadas diminuições estatisticamente significativas nos óbitos por outras causas externas no sexo feminino, em que o coeficiente de regressão mostrou queda de 16%. Também foi constatada diminuição da ordem de 18% nos acidentes de transporte terrestre no sexo masculino, durante o período. Ainda entre o sexo masculino, foi constatado diminuição do coeficiente de regressão de 11% para o total de causas externas (Tabela 1).

 

 

 

 

Particularmente, os acidentes de transporte terrestre foram a principal causa de morte entre os homens de 15 a 39 anos no primeiro (65 óbitos por 100 mil hab.), terceiro (44,2 por 100 mil hab.), quarto (36,5 por 100 mil hab.), quinto (32,5 por 100 mil hab.) e sexto biênios (32 por 100 mil hab.); e os homicídios vitimando homens assumiram o primeiro lugar no segundo (27,5 por 100 mil hab.) e no sétimo biênios (59,5 por 100 mil hab.). Já entre as mulheres, os acidentes de transporte terrestre foram a principal causa de morte, exceto no segundo e quarto biênios, sendo que a maior taxa foi de 10,1 óbitos por 100 mil habitantes no biênio 1996-1997 (Figura 1). No sexo masculino, constatou-se diminuição estatisticamente significativa dos óbitos por acidentes de transporte terrestre e por outras causas externas: os coeficientes de regressão mostraram quedas de 8% e 12%, respectivamente. Por sua vez, os homicídios apresentaram aumento estatisticamente significativo, elevando-se em 11% no período. O coeficiente de regressão do total de óbitos em ambos os sexos diminuiu, embora não alcançasse significância estatística no período estudado (Tabela 1).

Nos homens maiores de 39 anos de idade, os acidentes de transporte terrestre foram a principal causa de morte, sendo as maiores taxas observadas no biênio 2000-2001, quando chegaram a 58,4 óbitos por 100 mil habitantes. Entre as mulheres, observou-se alternância do primeiro lugar entre os acidentes de transporte terrestre e o grupo de outras causas externas (Figura 1). Na análise por causas e para o total de óbitos, em ambos os sexos, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (Tabela 1).

No Rio Grande do Sul, também foi encontrado maior número de mortes por causas externas em homens, quando comparados com as mulheres, em todos os períodos estudados. As taxas mais elevadas foram observadas no grupo maior de 39 anos, em ambos os sexos.

Na faixa etária dos menores de 15 anos, em ambos os sexos, o grupo de outras causas externas destacou-se, seguido pelos acidentes de transporte terrestre. As maiores taxas foram verificadas no biênio 1996-1997, alcançando valores de 9,5 óbitos por 100 mil habitantes e 5,2 por 100 mil habitantes entre os indivíduos do sexo masculino e do sexo feminino, respectivamente (Figura 2). No período analisado, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de causas (Tabela 2).

 

 

 

 

Para o grupo etário dos 15 aos 39 anos, a causa mais frequente de óbitos entre os homens constituiu-se dos homicídios. A maior taxa de óbitos por homicídios foi encontrada no último biênio, com 70,6 óbitos por 100 mil habitantes. Já entre as mulheres, os acidentes de transporte terrestre foram a principal causa de morte, sendo sua maior taxa de 10,7 óbitos por 100 mil habitantes no primeiro biênio (Figura 2). Nos homens, o grupo de outras causas externas apresentou uma redução de 11% no período; já a mortalidade por homicídios no sexo masculino aumentou em 6%. Na análise do total de óbitos em ambos os sexos, foram encontrados coeficientes de regressão negativos, embora sem diferenças estatisticamente significativas.

Nos maiores de 39 anos, os grupos de outras causas externas e os acidentes de transporte terrestre alternaram-se como a principal causa de morte por causas externas entre os homens: a maior taxa observada para os acidentes de transporte terrestre foi de 46,4 óbitos por 100 mil habitantes, no primeiro biênio (Figura 2). Já entre as mulheres, os acidentes de transporte terrestre destacaram-se no primeiro biênio, sendo ultrapassados pelo grupo de outras causas externas. A maior taxa no grupo de outras causas externas atingiu 19,8 óbitos por 100 mil habitantes e foi observada no último biênio. Na análise por causas e no total de óbitos, na mesma faixa etária acima dos 39 anos, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas apesar de as mulheres apresentarem coeficiente positivo.

 

Discussão

As taxas de mortalidade por causas externas em Pelotas-RS, quando estratificadas por sexo e grupo etário, mostraram variações estatisticamente significativas em alguns grupos, como diminuição dos acidentes de transporte terrestre em homens de zero a 39 anos de idade, diminuição no grupo de outras causas externas em menores de 15 anos e aumento dos homicídios em homens de 15-39 anos. Para o Rio Grande do Sul, a série temporal mostrou-se constante e somente o grupo de outras causas externas apresentou queda nas taxas de mortalidade em mulheres de 15-39 anos; da mesma forma que em Pelotas-RS, os homicídios aumentaram entre homens de 15-39 anos. Quando analisados os totais de mortes em Pelotas-RS e no Rio Grande do Sul, encontraram-se coeficientes de regressão negativos exceto nas mulheres maiores de 39 anos, embora sem significância estatística.

As causas externas de óbito sempre aparecem com destaque no grupo mais jovem, enquanto no grupo mais idoso as causas externas são superadas por outros grupos de doenças como as do aparelho circulatório e as neoplasias. Entretanto, deve-se destacar que o segmento acima de 39 anos, tanto em Pelotas-RS como no Rio Grande do Sul, apresentou as maiores taxas de mortalidade por causas externas.

Ao se analisar a mortalidade proporcional em capitais brasileiras, entre 1930 e 2005, Barreto e Carmo10 revelaram que os óbitos por causas externas, após aumentarem nas décadas de 1980 e 1990, retornaram lentamente a níveis próximos a 1980. No Brasil, os óbitos por homicídios seguiram a mesma tendência: a taxa de mortalidade elevou-se desde a década de 1980, atingiu um pico em 2001 (31,8 por 100 mil hab.) e começou a apresentar redução em 2003 dessa taxa; no ano de 2007, seus níveis haviam retornado ao que eram em 1991 (26,8 por 100 mil hab.).10

Em Pelotas-RS, a taxa de homicídios aumentou entre os homens de 15-39 anos. Diversos estudos têm apontado a ocorrência de violências como reflexo de baixas condições socioeconômicas, da vulnerabilidade social, de baixa escolaridade e de desorganização urbana.11-13 Há também estudos associando homicídios, tráfico de drogas e posse ilegal de armas.14,15 Marinho de Souza e colaboradores16 encontraram uma redução na mortalidade por arma de fogo após a introdução de Legislação de controle específica. Um estudo transversal de base populacional realizado em Pelotas-RS demonstrou que 72,3% da população ganhava menos de três salários mínimos por mês,17 revelando um elevado percentual de pessoas com baixa renda e um cenário de tensão social propício para o aumento dos homicídios.

Os acidentes de transporte terrestre representavam quase 30% dos óbitos por causas externas no Brasil no ano de 2007.18 De acordo com dados do Departamento Estadual de Transito do Rio Grande do Sul (Detran/RS), o número de veículos automotores circulando no período de 2004 a 2009 aumentou 36% no Estado e 39% em Pelotas-RS.19 Inicialmente, poder-se-ía supor que as taxas de mortalidade se elevariam. No estudo aqui apresentado, apesar de os acidentes de transporte terrestre terem se mostrado como as principais causas de óbito por causas externas, ao se analisar os óbitos por acidentes de transporte terrestre em Pelotas-RS e no Rio Grande do Sul, verificaram-se coeficientes de regressão negativos para todas as faixas etárias. Em Pelotas-RS, particularmente, houve um decréscimo estatisticamente significativo em homens de idade inferior a 39 anos.

No Brasil como um todo, apesar de o número de veículos automotores praticamente duplicar entre 1998 e 2007, as taxas de óbito caíram de 23,9 para 23,5 por 100 mil habitantes no mesmo período,8 o que pode indicar uma mudança de comportamento no trânsito. Duarte e colaboradores20 também relataram a diminuição dos óbitos por acidentes de transporte terrestre, apontando como razão dessa diminuição a introdução do novo Código de Trânsito Brasileiro e alterações da letalidade das lesões em conseqüência do aprimoramento de serviços de saúde de algumas capitais, no resgate e atendimento dos acidentados adequadamente.

Quanto aos óbitos por suicídio, as menores taxas de mortalidade observadas entre as mulheres podem estar associadas a fatores socioculturais, como a baixa prevalência de alcoolismo, a religiosidade, as atitudes flexíveis em relação às aptidões sociais e ao desempenho de papéis durante a vida.21 Meneghel e colaboradores,22 ao analisarem as taxas de suicídio no Rio Grande do Sul, encontraram tendências ascendentes entre homens e levemente descendentes em mulheres. O presente estudo encontrou as mesmas tendências para os maiores de 15 anos de idade em Pelotas-RS, enquanto no conjunto do Estado, os coeficientes de regressão foram negativos em todas as faixas etárias.

Este estudo também encontrou que o grupo de outras causas externas, que engloba os acidentes - quedas, envenenamentos, afogamentos e queimaduras -, eventos cuja intenção é indeterminada e as demais causas constituem a principal causa de óbitos em menores de 15 anos de idade. Esta faixa etária encontra-se predisposta a acidentes devido ao rápido crescimento e desenvolvimento, vulnerabilidade e imaturidade das crianças e adolescentes.23 O sexo masculino é o mais acometido nessa idade, o que pode ser justificado pelos diferentes comportamentos de cada sexo e pela educação diferenciada, em que os meninos desenvolvem atividades mais vigorosas.24 Em Pelotas-RS e no Rio Grande do Sul, os óbitos classificados como decorrentes de outras causas externas tiveram um coeficiente de regressão negativo em menores de 15 anos, em ambos os sexos, sendo que em Pelotas-RS esse decréscimo foi estatisticamente significativo. Um dos fatores associados a essa diminuição pode ser explicado pelas campanhas que visam à prevenção desse agravo. Estudos sobre a morbimortalidade nessa faixa etária apontam para a necessidade de investimentos em prevenção e no papel das equipes da Atenção Básica na promoção da saúde, a fim de evitar qualquer tipo de acidente.23-25

Como limitação deste estudo, vale ressaltar que pesquisas ecológicas não permitem revelar fatores etiológicos. Também se pode mencionar, entre as limitações encontradas por estes autores, o próprio uso de dados secundários e o período de tempo da análise selecionado: embora os dados sobre mortalidade estivessem disponíveis no SIM desde 1979, eles estavam codificados pela CID-9 até 1995, e a partir de 1996, pela CID-10. Outrossim, em uma análise preliminar, quando se observa o estudo da mortalidade por causas externas desde 1979, constata-se uma queda abrupta na maioria das causas em 1996, possivelmente resultante da mudança de classificação promovida.

Mesmo com essa limitação, o Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM - vem sendo aprimorado e largamente utilizado para construção de indicadores epidemiológicos.26 Os dados vitais, conjuntamente a outros sistemas de informações de morbidade, constituem fonte valiosa de conhecimento do perfil epidemiológico de uma área, além de subsidiar inúmeras análises epidemiológicas.27

Deve-se apontar também, como limitações do estudo, o ponto de corte de maiores de 39 anos de idade, incluindo adultos e idosos, bem como o grupo de outras causas externas. Optou-se pela categoria de maiores de 39 anos porque até essa idade, as principais causas de óbitos no município de Pelotas-RS e no Estado do Rio Grande do Sul são as causas externas. Os óbitos incluídos em outras causas externas são muito heterogêneos e isoladamente apresentaram baixa magnitude em Pelotas-RS, se assim agrupados; e a criação de uma categoria para os idosos, assim como a apresentação de cada causa específica, prejudicaria a visualização gráfica dos resultados.

Na analise detalhada de mortalidade por causas externas de acordo com o sexo, local e período, verificou-se aumento das mortes com significância estatística em Pelotas-RS e no Rio Grande do Sul apenas para o grupo dos homicídios em homens de 15-39 anos. Evidentemente, os óbitos por causas externas continuam a ser um dos principais problemas de Saúde Pública por sua transcendência e impacto nos anos de vida perdidos, tanto no município de Pelotas-RS como no Estado do Rio Grande do Sul.

Entre suas principais conclusões, este estudo mostrou que, apesar do aparente aumento das taxas de mortalidade por causas externas - tantas vezes alardeado pelos meios de comunicação -, essas taxas estabilizaram-se no período estudado, o que, por sua vez, exige esforços na articulação de políticas sociais em todos os níveis de gestão, visando à prevenção desses óbitos.

 

Contribuição dos autores

Costa JSD, Giraldi MC e Carret MLV participaram de todas as etapas da pesquisa, da elaboração do artigo e de sua revisão final.

Ferreira AMTB, Strauch ES e Moraes M participaram da concepção e orientação da pesquisa, revisão crítica e revisão final do artigo.

 

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Endereço para correspondência:
Juvenal Soares Dias da Costa -
Universidade Federal de Pelotas,
Faculdade de Medicina,
Departamento de Medicina Social,
Avenida Duque de Caxias, 250,
Pelotas-RS, Brasil.
CEP: 96030-000
E-mail: episoares@terra.com.br

Recebido em 04/01/2013
Aprovado em 28/05/2013