SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.22 número2Evolução da mortalidade por causas externas no município de Pelotas e no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, 1996-2009Anos potenciais de vida perdidos por acidentes de transporte no Estado de Pernambuco, Brasil, em 2007 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.2 Brasília jun. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000200004 

ARTIGO ORIGINAL

 

Estudo descritivo sobre a morbidade hospitalar por causas externas em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, Brasil, 2008 - 2010*

 

Descriptive study about hospital morbidity due external causes in Belo Horizonte/Minas Gerais - from 2008 to 2010

 

 

Luiza Oliveira Lignani; Lenice de Castro Mendes Villela

Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever as internações por causas externas no município de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, Brasil, no período de 2008 a 2010.
MÉTODOS: estudo descritivo com dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS); calcularam-se as taxas de internações hospitalares segundo causas, faixa etária, sexo e a razão masculino/feminino.
RESULTADOS: a primeira causa de internação hospitalar para ambos os sexos, em todas as faixas etárias, foram outras causas externas de lesões acidentais (36,9/10 mil habitantes); entre os agravos que compõem esse grupo, as quedas foram os mais prevalentes, seguidas dos acidentes de transporte (8,2/10 mil habitantes).
CONCLUSÃO: os principais agravos foram as quedas, acidentes de transportes e agressões; as informações de morbidade hospitalar, apesar de restritas, são de extrema importância para o diagnóstico situacional e possibilitam a definição de ações para prevenção das causas externas.

Palavras-chave: Morbidade; Causas Externas; Acidentes por Quedas; Acidentes de Trânsito, Epidemiologia Descritiva.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe hospital admissions owing to external causes in Belo Horizonte between 2008 and 2010.
METHODS: Data were extractedfrom the Unified Health System (SUS) Hospital Information System. We calculated hospital admission rates by cause, age group, sex and male/female ratio.
RESULTS: the primary cause of hospital admissions in both sexes and by age group was other external causes of accidental injuries (36.9/10,000 inhabitants). Falls were the most prevalent complaint among this group, followed by road traffic accidents (8.2/10,000 inhabitants).
CONCLUSION: the results highlighted falls, road traffic accidents and assaults as the main complaints. Despite being limited, hospital morbidity information is of extreme importance for situational diagnosis and enables the definition of actions to prevent external causes.

Key words: Morbidity; External Causes; Accidental Falls; Accidents, Traffic; Epidemiology, Descriptive.


 

 

Introdução

As causas externas de morbidade e mortalidade englobam as lesões decorrentes dos acidentes de trânsito, afogamentos, envenenamentos, quedas, assim como as violências que incluem as agressões, homicídios, suicídios e abusos sexuais. Segundo informações do Ministério da Saúde,em 2009, a mortalidade por causas externas constituiu a terceira causa mais frequente de óbito no Brasil.1

No ano de 2007, a Organização Mundial da Saúde - OMS - divulgou que 9% da mortalidade mundial é devida a causas externas e que para cada óbito por causas externas, ocorrem dezenas de hospitalizações, centenas de atendimentos de emergência e milhares de consultas ambulatoriais decorrentes desses eventos.2 No Brasil, as internações hospitalares por acidentes e violência apresentaram aumento no período de 2000 a 2010, com destaque para as lesões causadas por quedas e acidentes de trânsito.3 Os custos gerados para o sistema de saúde pelas causas externas abrangem desde gastos hospitalares até gastos com reabilitação: no Brasil, em 2004, o custo total de atendimento às vítimas por causas externas pelo sistema público de saúde foi de R$2,2 bilhões, ou seja, 4% dos gastos totais com Saúde Pública naquele ano.4 Essas vítimas podem necessitar de internações prolongadas e apresentar sequelas altamente incapacitantes, com grande impacto negativo na qualidade de vida, na realização de suas atividades cotidianas, na produção econômica e no convívio social.5-6

A redução da morbimortalidade por causas externas depende de ações multidisciplinares e intersetoriais. É necessária uma melhor compreensão do problema por meio de informações completas e fidedignas sobre os traumas e lesões fatais e não fatais,7-10 uma vez que os dados de morbidade e mortalidade refletem perfis epidemiológicos diferentes. A utilização conjunta dessas informações permite um delineamento mais específico do perfil epidemiológico das causas externas.9-11 Dessa maneira, o banco de dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) pode ser utilizado como fonte de informações sobre a morbidade por causas externas, embora não sejam adicionadas nesse sistema as internações em serviços privados de saúde.

São de fundamental importância os estudos de morbidade hospitalar por causas externas para compreender a extensão e gravidade do problema, aprimorar a vigilância desses agravos e apoiar a tomada de decisões dos gestores no sentido de implementar medidas que minimizem e previnam a morbidade por causas externas. O presente estudo tem como objetivo descrever as internações hospitalares por causas externas no município de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, no período de 2008 a 2010.

 

Métodos

Este é um estudo descritivo das taxas de internações hospitalares por causas externas em Belo Horizonte-MG, no período de 2008 a 2010.

A população de estudo refere-se às internações por causas externas ocorridas no período de 2008 a 2010, contidas no SIH/SUS e disponibilizadas pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). As informações sobre morbidade hospitalar, disponíveis no Datasus, são provenientes das Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) preenchidas nos hospitais públicos e consolidadas pelas Secretarias de Saúde municipais e dos Estados.12

As categorias denominadas no Datasus como grande grupo de causas externas estão classificadas no Capítulo XX da 10a Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) e descrevem as circunstâncias das causas externas que levaram à lesão.13 O agrupamento 'S-T Causas externas não classificadas' encontra-se classificado no Datasus de acordo com o Capítulo XIX da CID-10.13

As internações por causas externas utilizadas neste estudo foram as que apresentaram maiores números absolutos. Elas estão agrupadas conforme descrito a seguir: V01-V99 Acidentes de transporte; W00-X59 Outras causas externas de lesões acidentais; X60-X84 Lesões autoprovocadas voluntariamente; X85-Y09 Agressões; e Y10-Y34 Eventos cuja intenção é indeterminada.

Os dados populacionais utilizados foram as estimativas (2008 e 2009) e os dados censitários (2010) da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), disponíveis no sítio eletrônico do Datasus.

Para o agrupamento 'Outras causas externas de lesões acidentais', foram selecionados os seguintes eventos: W00-W19 Quedas; W20-W49 Exposição a forças mecânicas inanimadas; W85-W99 Exposição a corrente elétrica, radiação, pressão e temperaturas extremas; e X58-X59 Exposição acidental a outros fatores não especificados. Já para o agrupamento 'Acidentes de transporte', os eventos incluídos foram: V01-V09 Pedestre traumatizado;V10-V19 Ciclista traumatizado; V20-V29 Motociclista traumatizado; e V40-V49 Ocupante de automóvel traumatizado. Os eventos escolhidos foram os que demonstraram os maiores números absolutos no período estudado. Os grupos etários de interesse foram: zero a nove anos (crianças); 10 a 19 anos (adolescentes); 20 a 39 anos (adultos jovens); 40 a 59 anos (adultos); e 60 anos e mais(idosos).

A taxa de internação hospitalar por causas externas segundo sexo e faixa etária foi calculada para 10 mil habitantes e considerou, como numerador, o número de internações dos eventos estudados segundo o local de residência, e como denominador, a população de referência. Para a análise da distribuição dos eventos entre os sexos, a razão de morbidade masculino/feminino foi calculada a partir das taxas específicas por grupo de causas externas.

Para o processamento e análise dos dados, construíram-se planilhas sobre o software Microsoft Excel Office, versão 2007.

Uma vez que se baseou em um banco de dados de domínio público, sem dados de identificação, o estudo foi dispensado de apreciação por Comitê de Ética e Pesquisa.

 

Resultados

No período de 2008 a 2010, os acidentes de transporte (8,2/10 mil habitantes) e as agressões (4,0/10 mil habitantes) ocuparam o segundo e o terceiro lugares, respectivamente, entre as internações hospitalares por causas externas. Outras causas externas de lesões acidentais, com taxa de 36,9/10 mil habitantes, foram o principal motivo de morbidade hospitalar e corresponderam a dois terços da taxa de internação total por causas externas.Verificaram-se pequenas oscilações nas taxas de internação; à exceção das causas externas não classificadas, que apresentaram uma redução de 4,2 internações em 2009 para 0,2 internações em 2010, por 10 mil habitantes, enquanto os eventos cuja intenção é indeterminada apresentaram um aumento de 1,9 para 4,1 por 10 mil habitantes, nos anos em questão (Tabela 1).

 

 

As maiores taxas de internação hospitalar, em ambos os sexos e em todas as faixas etárias, foram observadas no grupo referente a 'Outras causas externas de lesões acidentais', ao apresentarem um aumento crescente na medida em que os anos de vida avançam, com maiores valores na faixa etária dos 60 anos e mais (58,8/10 mil hab.) (Tabela 2).

 

 

Os acidentes de transporte foram a segunda causa de internação em ambos os sexos; a maior taxa encontrada, referente a esses acidentes, ocorreu na faixa etária de 20 a 39 anos (12,4/10 mil hab.). Entre as mulheres, as taxas de internação por acidentes de transporte variaram pouco, de acordo com a faixa etária, revelando-se maiores para as mulheres acima de 60 anos (4,0/10 mil hab.). Nos casos das agressões e das lesões autoprovocadas, as maiores taxas para ambos os sexos foram observadas no estrato de 20 a 39 anos de idade (6,2/10 mil hab.) Os eventos cuja intenção é indeterminada para ambos os sexos, envolvendo indivíduos acima de 40 anos, apresentaram taxas de 3,1 para a faixa etária de 40 a 59 anos e 3,5 internações por 10 mil habitantes para os indivíduos com 60 anos ou mais. As maiores taxas referentes às causas externas não classificadas foram de 7,1 internações por 10 mil habitantes, para ambos os sexos e na faixa etária dos 60 anos e mais (Tabela 2).

O risco de internação por causas externas foi predominantemente maior entre os homens, em quase todas as faixas etárias - exceto para aqueles com 60 anos e mais -, em relação às 'Outras causas externas de lesões acidentais', aos 'Eventos cuja intenção é indeterminada' e às 'Causas externas não classificadas'. Nas lesões autoprovocadas, o risco de internação foi semelhante entre homens mulheres de todas as faixas etárias - à exceção da faixa etária de 10 a 19 anos, em que esse risco foi maior para o sexo feminino (Tabela 2).

Entre as outras causas externas de lesões acidentais, destacaram-se as quedas como principal evento de morbidade hospitalar, para ambos os sexos e todas as idades. As internações por quedas, no sexo masculino, apresentaram um aumento contínuo à medida que avançava a idade. No sexo feminino, observou-se um aumento contínuo de internações por esse motivo até os 39 anos (7,7/10 mil hab.); a partir dessa idade, as taxas duplicam na faixa de 40 a 59 (17,4/10 mil hab.) e quadruplicam entre as mulheres com 60 e mais anos de idade (36,7/10 mil hab.).

A internação por exposição acidental a outros fatores não especificados - segunda causa de internação - apresentou, para ambos os sexos, um crescimento contínuo, acompanhando o avanço da idade, e maior incidência aos 60 anos ou mais (16,7/10 mil hab.). As taxas de internação pela exposição à corrente elétrica e pela exposição a forças mecânicas inanimadas apresentaram maior incidência nos homens, em todas as faixas etárias. O maior risco de internação por todas as causas ocorreu entre os homens; exceto nas quedas aos 60 ou mais anos de idade. Em relação à exposição a outros fatores não especificados, destacou-se um risco maior para os homens entre os 20 e os 39 anos de idade. As internações referentes à exposição a forças mecânicas inanimadas e à exposição à corrente elétrica apresentaram um risco maior para o sexo masculino, nas faixas etárias de 20 a 59 anos (Tabela 3).

 

 

Quanto às internações por acidentes de transporte em ambos os sexos, destacaram-se os motociclistas como principais vítimas, na faixa etária de 20 a 39 anos (6,7/10 mil hab.), seguidos dos pedestres com 60 e mais anos de idade (3,7/10 mil hab.), dos ciclistas na faixa de 10 a 19 anos (1,7/10 mil hab.) e dos ocupantes de automóvel na idade de 20 a 39 anos (1,2/10 mil hab.). Os motociclistas foram as principais vítimas entre os homens, com maior incidência entre os 20 e os 39 anos de idade (12,7/10 mil hab.), seguidos pelos pedestres, também do sexo masculino, na faixa de 40 a 59 anos (4,2/10 mil hab.). O maior risco de internação ocorreu entre o sexo masculino, na faixa etária de 20 a 39 anos: cerca de onze vezes maior para os motociclistas e dez vezes maior para os ciclistas, embora na faixa de 40 a 59 anos de idade, esse risco foi nove vezes maior para os motociclistas do sexo masculino (Tabela 4).

 

 

Discussão

No período de 2008 a 2010, observou-se um aumento progressivo na morbidade hospitalar por causas externas em Belo Horizonte-MG, com destaque para outras causas de lesões acidentais, incluindo as quedas e os acidentes de transporte. Estes resultados aproximam-se do observado em estudo sobre a morbidade por causas externas realizado no Brasil em 2010, que menciona as quedas e os acidentes de transporte como as principais causas de internação.3

'Outras causas de lesões acidentais' são a principal causa de morbidade por causas externas em ambos os sexos e em todas as idades no município de Belo Horizonte-MG, destacando-se as quedas. Este achado é semelhante aos resultados de estudos realizados no Brasil e nas capitais do país.10,11,14 Malta e colaboradores15 demonstraram que em serviços de emergência, os atendimentos às vítimas de quedas são mais frequentes no sexo masculino e na faixa etária de zero a 19 anos; e que as quedas em crianças ocorrem preferencialmente na residência, em adolescentes na escola e em jovens na prática esportiva, enquanto nos adultos, as quedas estão associadas ao local de trabalho. O uso do álcool nas seis horas anteriores ao evento foi declarado por 6,3% da população estudada e 4,1 vezes maior entre os homens.15

Observou-se em Belo Horizonte-MG, entre 2008 a 2010, que as taxas de internação por quedas aumentaram gradativamente com o avançar da idade, especialmente acima dos 60 anos, em ambos os sexos. Entre os idosos, as altas taxas das internações por quedas podem estar associadas ao ambiente doméstico e urbano, aos efeitos dos medicamentos e a um perfil demográfico revelador do envelhecimento populacional. Os processos do envelhecimento envolvem perda gradativa da força muscular, do equilíbrio e da acuidade visual, de maneira similar entre os sexos,15-16 o que justifica a razão de risco masculino/feminino ser igual a um. Contudo, os dados demonstraram um incremento cerca de duas vezes maior na taxa de internação de mulheres a partir dos 60 anos de idade, quando comparadas àquelas do grupo etário de 40 a 59 anos, fato possivelmente relacionado à fragilidade óssea resultante da osteoporose na mulher.17

Estudos específicos de causas de morbidade por faixas etárias também apontaram as quedas como principal motivo de procura por serviços hospitalares de urgência e emergência entre as crianças e adolescentes, adultos jovens e idosos, especialmente do sexo masculino.15-20 Estes resultados podem ser um indicativo da necessidade de implementar ações de promoção da saúde e prevenção de acidentes nos serviços da Atenção Primária à Saúde, especialmente entre os idosos.

Da mesma maneira que se observou neste estudo, os acidentes de transporte são descritos na literatura como a segunda maior causa de internações hospitalares, em ambos os sexos e em todas as idades.9,10,15 No Brasil, a probabilidade de internação por lesões decorrentes de acidentes de transporte aumentou em 8,7% entre os anos 2000 e 2010, enquanto o risco de internação por acidente de motocicleta triplicou; entretanto, para os pedestres e ocupantes de outros veículos, houve uma redução do índice de internações no mesmo período.3 Estudo realizado na cidade de Londrina, estado do Paraná, revelou que os motociclistas foram o principal tipo de vítima, e as faixas etárias mais atingidas, dos 15 aos 19 anos e dos 20 aos 24 anos.7 Em Cuiabá, estado do Mato Grosso, a maior parte dos acidentes com motociclista envolveu pessoas de 20 a 29 anos de idade.9 No que concerne à população idosa, os pedestres traumatizados foram as principais vítimas.16 Outra pesquisa demonstrou que entre menores de 15 anos de idade, os acidentes com ciclistas predominaram.19

Marín-León e colaboradores21 relataram que o aumento da frota de motociclistas em Campinas, estado de São Paulo, está associado com os altos índices de acidentes de trânsito envolvendo esse tipo de veículo, principalmente entre jovens. No presente estudo, as maiores taxas de internação foram atribuídas a acidentes com motocicletas envolvendo adolescentes e adultos jovens. Se apenas os brasileiros maiores de 18 anos de idade podem adquirir a carteira nacional de habilitação, o fato de as taxas de internação hospitalar entre os 10 e os 19 anos de idade serem tão altas alerta tanto para a necessidade de fiscalização pública pelos órgãos competentes, bem como de uma efetiva educação para o trânsito. Estudos mais específicos sobre a ocorrência desse agravo nessa faixa etária poderiam contribuir para uma maior elucidação do problema e proposição de medidas de intervenção.

Também é importante analisar a rede viária de um município, além de considerar que o perfil da vítima está relacionado com o meio de transporte utilizado. Por exemplo, ciclistas na idade entre 10 e 39 anos são responsáveis pela maior taxa de internação hospitalar no município de Pouso Alegre, no sul do estado de Minas Gerais, por se tratar de uma cidade cujo relevo plano facilita a utilização da bicicleta como meio de locomoção;22 o que não se observa em Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, de geografia bastante acidentada. Moysés23 ressalta a necessidade de investimentos nas formas coletivas de transporte e mobilidade e nas estruturas constitutivas de nossas cidades, além de medidas de combate à impunidade no trânsito e de educação social, para redução dos acidentes de transporte.

As agressões foram descritas na literatura como a principal causa de mortalidade por causas externas nas capitais brasileiras. Particularmente em Belo Horizonte-MG, citada por apresentar alta taxa de mortalidade por homicídios, a ocorrência de agressões apresentou valores intermediários, comparativamente às demais capitais. O presente estudo mostrou taxas maiores para a capital mineira, comparativamente às taxas de internação por agressão no Brasil, o que indica a necessidade de incluir esse agravo nas políticas intersetoriais de prevenção do município, voltadas principalmente à faixa etária de 20 a 39 anos.8 No conjunto do país, as taxas de internação por agressão têm-se mantido estáveis, com maior incidência no sexo masculino, entre jovens e adultos: cerca de 2,1 por 10 mil habitantes, segundo dados de 2006.3

Em Belo Horizonte-MG, no período de 2008 a 2010, a taxa de internação por acidentes e violência foi maior entre os homens; à exceção de lesões autoprovocadas voluntariamente, para as quais as taxas de internação hospitalar foram duas vezes maiores entre as mulheres apenas na faixa etária de 10 a 19 anos. Esta predominância também foi demonstrada por outro estudo realizado em Minas Gerais, no período de 1998 a 2003, que encontrou a autointoxicação como o meio mais utilizado para provocação dessas lesões.24

No que se refere aos indicadores de internação descritos em outros estudos, é notável uma variação na razão masculino/feminino de 2/1 até 5/1. Essa predominância de homens envolvidos em acidentes e violência está relacionada, principalmente, ao aspecto comportamental e cultural: os homens se expõem mais a situações de risco no domicílio, no trabalho, na comunidade e no trânsito.7-11,14-15,25

Segundo os resultados deste estudo, é possível que a redução das causas externas não classificadas, observada no ano de 2010, esteja associada com o aumento da notificação de eventos cuja intenção é indeterminada. Esse fenômeno pode ser explicado pela possibilidade de atribuição do código Y10-Y34 - Eventos cuja intenção é indeterminada -, mesmo quando as circunstâncias geradoras da lesão ou envenenamento não foram descritas no laudo médico, conforme demonstrado por Tomimatsu e colaboradores.26

A crescente utilização do código Y10-Y34 reflete um melhor preenchimento da Autorização de Internação Hospitalar - AIH -, embora a intencionalidade do evento não seja evidenciada. O uso de uma codificação não explicativa da intenção do evento é comum em situações de violência, pois as vítimas tendem a encobrir o agressor, especialmente quando se trata de violência infantil e violência contra a mulher. O mesmo acontece em relação às situações de autoextermínio.26 A utilização de uma classificação que não esclarece a intencionalidade do evento fornece informações incompletas, ainda que associadas a um bom preenchimento da AIH.11,26 Assim, o aumento da taxa geral de eventos cuja intenção é indeterminada, observado em 2010, poderia ser atribuído, também, ao subregistro de situações de violência.27

Uma das limitações deste estudo encontra-se no uso do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde para estimar a morbidade. O SIH/SUS inclui apenas os atendimentos realizados em instituições hospitalares públicas e não os casos de acidentes e violência atendidos exclusivamente nas emergências ou nos prontos-socorros. Nestes locais, embora a violência e os acidentes tenham maior impacto, na maioria dos casos não ocorrem internações.8 Ademais, podem haver falhas no preenchimento da AIH, geralmente atribuídas à baixa valorização e utilização da informação produzida, treinamento insuficiente dos profissionais para seu preenchimento, assim como dos técnicos administrativos na alimentação do banco de dados; além de registros incompletos no prontuário clínico, em que não são descritas as circunstâncias que geraram a lesão.27

As internações por quedas, acidentes de transporte e agressões merecem o desenvolvimento de ações de promoção da saúde e prevenção desses agravos, no município de Belo Horizonte-MG. Também é importante investir no treinamento e qualificação dos profissionais que preenchem as Autorizações de Internação Hospitalar, com o objetivo de melhorar o banco de dados do SIH/SUS de informações de saúde. Indicadores efetivos da qualidade do preenchimento das AIH consistiriam no monitoramento - e consequente redução - das notificações de internações por eventos cuja intenção é indeterminada, causas externas não classificadas e outras lesões acidentais não especificadas, o que implicaria aumento das notificações referentes às internações codificadas por fatores determinantes da circunstância da lesão.

 

Contribuição dos autores

Lignani LO participou da análise e interpretação dos dados, redação e aprovação da versão final deste manuscrito.

Villela LCM participou da análise e interpretação dos dados, revisão crítica e aprovação da versão final deste manuscrito.

 

Referências

1. Mascarenhas MDM, Monteiro RA, Sá NNB, Gonzaga LAA, Neves ACM, Roza DL et al. Epidemiologia das causas externas no Brasil: mortalidade por acidentes e violências no período de 2000 a 2009. In: Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Saúde Brasil 2010: uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. p. 227-49.

2. World Health Organization. Preventing injuries and violence; a guide for ministries of health [Internet]; 2007 [cited 2013 Mar 23]. Available from: http://whqlibdoc.who.int/publications/2007/9789241595254_eng.pdf

3. Mascarenhas MDM, Monteiro RA, Sá NNB, Gonzaga LAA, Neves ACM, Roza DL et al. Epidemiologia das causas externas no Brasil: morbidade por acidentes e violências no período de 2000 a 2009. In: Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação em Saúde. Saúde Brasil 2010: uma análise da situação de saúde e de evidências selecionadas de impacto de ações de vigilância em saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. p. 205-24.

4. Rodrigues RI, Cerqueira DRC, Lobão WJA, Carvalho AXY. Os custos da violência para o sistema público de saúde no Brasil: informações disponíveis e possibilidades de estimação. Cad Saude Publica. 2009 jan;25(1):29-36.

5. Minayo MCS, Deslandes SF. Análise da implantação da rede de atenção às vítimas de acidentes e violências segundo diretrizes da Política Nacional de Redução de Morbimortalidade sobre Violência e Saúde. Cien Saude Coletiva. 2009 nov-dez;14(5):1641-9.

6. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria no 737/ GM, de 16 de maio de 2001. Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. Diário Oficial da União [Internet], 18 mai 2001 [citado 2011 jan 15]. Seção 1. Disponível em:http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portaria737.pdf

7. Andrade SM, Mello Jorge MHP. Características das vítimas por acidentes de transporte terrestre em município da Região Sul do Brasil. Rev Saude Publica. 2001;35(3):149-56.

8. Souza ER, Lima MLC. The panorama of urban violence in Brazil and its capitals. Cienc Saude Coletiva. 2006;11(2):363-73.

9. Oliveira LR, Mello Jorge MHP. Análise epidemiológica das causas externas em unidades de urgência e emergência em Cuiabá/ Mato Grosso. Rev Bras Epidemiol. 2008 set;11(3):420-30.

10. Gawryszewski VP, Rodrigues EMS. The burden of injury in Brazil, 2003. São Paulo Med J [Internet]. 2006 [citado 2012 dez 26];24(4):208-13. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-31802006000400007

11. Gawryszewski VP, Koizumi MS, Mello Jorge MHP As causas externas no Brasil no ano de 2000: comparando a mortalidade e a morbidade. Cad Saude Publica. 2004 jul-ago;20(4):995-1003.

12. Ministério da Saúde (BR). Datasus: informações de saúde. Morbidade hospitalar do SUS por causas externas por local de internação: notas técnicas [Internet]. [citado 2011 jun 27]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sih/fidescr.htm

13. Organização Mundial de Saúde. CID-10: Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. 10. ed. rev. Vol 1. São Paulo:USP, 2007.

14. Andrade SSCA, Sá NNB, Carvalho MGO, Lima CM, Silva MMA, Moraes Neto OL et al. Perfil das vítimas de violência e acidentes atendidas em serviços de urgência e emergência selecionados em capitais brasileiras: vigilância de violências e acidentes, 2009. Epidemiol Serv Saude 2012 mar;21(1):21-30.

15. Malta DC, Silva MMA, Mascarenhas MDM, Sá NNB; Morais Neto OL, Bernal RTI et al. Características e fatores associados às quedas atendidas em serviços de emergência. Rev Saude Publica 2012 fev; 46(1):128-37.

16. Gawryszewski VP, Mello Jorge MHP, Koizumi MS. Mortes e internações por causas externas entre os idosos no Brasil: o desafio de integrar a saúde coletiva e atenção individual. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2004 [citado 2012 dez 26];50(1):97-103. Disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-42302004000100044&script=sci_arttext

17. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros, Brasília: Ministério da Saúde; 2005. 340 p.

18. Martins CGB. Acidentes na infância e adolescência: uma revisão bibliográfica. Rev Bras Enferm. 2006 mai-jun;59(3):344-48.

19. Martins CBG, Andrade SM. Epidemiologia dos acidentes e violências entre menores de 15 anos em município da região Sul do Brasil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2005 jul-ago;13(4):530-7.

20. Mathias TAF, Mello Jorge MHP, Andrade OG. Morbimortalidade por causas externas na população idosa residente em município da região sul do Brasil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2006 jan-fev;14(1):17-24.

21. Marín-Leon L, Belon AP, Barros MBA, Almeida SDM, Restitutti MC. Tendência dos acidentes de trânsito em Campinas, São Paulo, Brasil: importância crescente dos motociclistas. Cad Saude Publica. 2012 jan;28(1):39-51.

22. Mesquita Filho M, Mello Jorge MHP. Características da morbidade por causas externas em serviço de urgência. Rev Bras Epidemiol. 2007 dez;1(4)679-91.

23. Moyses SJ. Determinação Sociocultural dos Acidentes de Transporte Terrestre (ATT). Cienc Saude Coletiva 2012 set;17(9):2237-45.

24. Abasse MLF, Oliveira RC, Silva TC, Souza ER. Análise epidemiológica da morbimortalidade por suicídio entre adolescentes em Minas Gerais, Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2009 mar-abr;14(2):407-16.

25. Laurenti R, Mello Jorge MHP, Gotlieb SLD. Perfil epidemiológico da morbimortalidade masculina. Cienc Saude Coletiva. 2005 jan-mar;10(1):35-46.

26. Tomimatsu MFI, Andrade SM, Soares DA, Mathias TAF, Sapata MPM, Soares DFPP et al. Qualidade da informação sobre causas externas no Sistema de Informações Hospitalares. Rev Saude Publica. 2009; 43(3):413-20.

27. Alazraqui M, Spinelli H, Zunino MG, Souza ER. Calidad de los sistemas de información de mortalidad por violencias en Argentina y Brasil - 1990 - 2010. Cienc Saude Coletiva [Internet]. 2012 dez [citado 2013 abr 12];17(12):3279-87. Disponível em:http://www.scielosp.org/pdf/csc/v17n12/13.pdf

 

 

Endereço para correspondência:
Luiza Oliveira Lignani -
Rua Carmelita Faria Garofalo, no 68, apto 603,
Bairro Palmares, Belo Horizonte-MG, Brasil.

CEP: 31155-760
E-mail: lulignani@gmail.com

Recebido em 14/01/2013
Aprovado em 16/05/2013

 

 

*Manuscrito redigido com base na Monografia de Especialização em Saúde Coletiva de Luiza Oliveira Lignani, apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, defendida em dezembro de 2011.