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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.2 Brasília jun. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000200007 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação das salas de vacinação do Estado de Pernambuco no ano de 2011*

 

Evaluation of vaccination rooms of the state of Pernambuco in 2011

 

 

Ana Catarina de Melo AraújoI; Maria José Bezerra GuimarãesII; Paulo Germano de FriasIII; Jaílson de Barros CorreiaIII

ICoordenação-Geral do Programa de Imunização, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil
IIPrograma Estadual de Imunização de Pernambuco e Unidade de Pesquisa Clínica do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, Recife-PE, Brasil
IIIPrograma de Mestrado Profissional em Avaliação em Saúde do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, Recife-PE, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar o grau de implantação das normas e diretrizes, componentes estruturais e operacionais do Programa Nacional de Imunizações (PNI) nas salas de vacinação do Estado de Pernambuco, Brasil, em 2011.
MÉTODOS: realizou-se estudo de corte transversal, com amostra aleatória de 318 salas de vacinação; as variáveis, agrupadas em quatro componentes, foram coletadas mediante entrevista com técnicos de enfermagem e observação não participante; classificou-se o grau de implantação das normas e diretrizes como implantado (≥90% das salas com situação preconizada), parcialmente implantado (70-89%), insuficientemente implantado (40-69%) e não implantado (<40%).
RESULTADOS: o grau de implantação dos componentes do PNI nas salas de vacinação variou de 67,0% (ações de vigilância epidemiológica e educação em saúde) a 74,2% (indicação e aplicação de imunobiológicos); a estrutura e organização das salas (70,4%) e a rede de frio (73,6%) apresentaram situação intermediária.
CONCLUSÃO: o programa de imunização encontra-se parcialmente implantado (71,4%) na rotina dos serviços de saúde de Pernambuco.

Palavras-chave: Programas de Imunização; Avaliação de Programas; Atenção Primária à Saúde; Garantia da Qualidade dos Cuidados de Saúde.


ABSTRACT

OBJECTIVE: evaluate the degree of implementation of the standards and guidelines of PNI in 2011 in vaccination rooms of Pernambuco State, northeastern Brazil, considering its structural and operational components.
METHODS: a cross-sectional study was conducted with a random sample of 318 vaccination rooms. The variables grouped into four components were collected by interviews with nursing staff and non-participant observations. The degree of implementation of standards and guidelines was classified as: implemented (≥90% of rooms with the situationpreconized), partially implemented (70-89%), insufficiently implemented (40-69%) and not implemented (<40%).
RESULTS: the degree of implementation of components of PNI into vaccination rooms ranged from 67.0% (for epidemiological surveillance and health education) to 74.2% (for indication and application of immunobiologicals). The structure and organization of rooms (70.4%) and cold chain (73.6%) had intermediate situation.
CONCLUSION: the immunization program is partially implemented (71.4%) in routine of health services in Pernambuco.

Key words: Immunization Programs; Program Evaluation; Primary Health Care; Quality Assurance, Health Care.


 

Introdução

Como uma estratégia de saúde implementada mundialmente, a imunização desempenha importante papel na prevenção de doenças e promoção da saúde de comunidades.1,2 Contribui, também, para a redução dos custos da assistência à saúde e do absenteísmo à escola e ao trabalho.2 Em 1973, foi criado o Programa Nacional de Imunizações (PNI) no Brasil, visando à coordenação das ações até então desenvolvidas com descontinuidade, de caráter episódico e reduzida cobertura vacinal.3

O PNI tem a função de normatizar, implantar, supervisionar e avaliar as ações de imunização, além de propor políticas e estratégias para viabilizar coberturas vacinais adequadas em todo o território nacional.3 Dispõe de normas e diretrizes4-8 consonantes com recomendações internacionais,9 sendo responsável pela aquisição, acondicionamento, distribuição e aplicação de imunobiológicos contemplados no calendário básico de vacinação ou indicados em situações especiais. Também compete ao Programa a vigilância de eventos adversos e a garantia da segurança dos procedimentos operacionais.3

Ao longo de sua trajetória, o PNI tem alcançado significativos avanços nas coberturas vacinais, na descentralização das ações e na parceria e participação de gestores estaduais e municipais, com consequente impacto na situação epidemiológica das doenças imunopreveníveis. O Programa tem ampliado sua população-alvo, introduzido novas vacinas e incorporado novas tecnologias à prática de vacinação segura e descarte adequado de resíduos sólidos de saúde.3

Nas diversas esferas do Sistema Único de Saúde (SUS), uma complexa rede de instituições e serviços é envolvida pelas ações do Programa. Entre estas, destaca-se sua ação-fim, realizada nas salas de vacinação, nas quais as instalações físicas, a organização, os aspectos técnicos, as atitudes e práticas devem seguir recomendações estritas do PNI.5

Cabe aos municípios a responsabilidade de organização e gestão da rede de atenção à saúde em sua área de abrangência, de forma que a realizar a vacinação de sua população. Nesse sentido, a articulação dos governos federal, estadual e municipal é fundamental para compatibilizar atividades, necessidades e realidades, em um esforço conjunto que visa à implantação da imunização nos serviços de saúde.3

O monitoramento e a avaliação do PNI contribuem para a melhoria da qualidade do serviço prestado e, consequentemente, para o êxito do Programa.10,11 No âmbito das salas de vacinação, essas atividades possibilitam a identificação de fragilidades e pontos de estrangulamento, propondo alternativas e viabilizando estratégias que garantam a confiança da população na vacinação e o não reaparecimento de doenças já eliminadas ou controladas no país.5,10

No Brasil, especialmente no Estado de Pernambuco, poucos trabalhos abordaram a avaliação da estrutura e operacionalização do conjunto de ações do PNI nas salas de vacinação,12 apesar da importância de um olhar direcionado a esse setor. Mais frequentemente, o enfoque tem sido o de avaliar a rede de frio e as coberturas vacinais.10,13

O objetivo deste estudo foi avaliar o grau de implantação das normas e diretrizes do PNI, em 2011, no âmbito das salas de vacinação em Pernambuco, Região Nordeste do Brasil, considerando-se seus componentes estruturais e operacionais.

 

Métodos

Realizou-se um estudo de corte transversal para avaliação normativa das salas de vacinação localizadas em Pernambuco, confrontando-se normas e diretrizes do Programa de Imunização do País4-8 com a situação encontrada. O Estado de Pernambuco possui 185 municípios, distribuídos em uma área de 98.146km2. Em 2011, tinha uma população estimada de 8.864.906 habitantes e densidade demográfica de 90,32 hab./km2.14 Naquele ano, mais de 4,8 milhões de doses de imunobiológicos foram aplicadas na rotina dos serviços de saúde e em campanhas de vacinação, no Estado.15

Para este estudo, selecionou-se uma amostra aleatória simples, com representatividade estadual, de 318 salas de vacinação entre as 2.300 existentes em Pernambuco, no ano de 2011. O tamanho amostral foi definido considerando-se o grau de implantação do Programa de 60%, intervalo de confiança (IC) de 95% e erro amostrai de 5%. O grau de implantação considerado baseou-se em estudo referente ao município de Olinda, localizado na Região Metropolitana do Recife (capital de Pernambuco), que encontrou 70% (IC95%: 60%-86%) das salas de vacinação com o Programa implantado.16 Optou-se pelo valor inferior do IC de 95% para permitir a seleção de uma amostra maior, supondo-se uma pior situação da implantação do Programa nas salas localizadas no interior do Estado.

A amostra foi composta por salas de vacinação de todas as Regionais de Saúde do Estado e de 71,4% dos municípios pernambucanos, selecionadas pelo programa Epi Info (versão 6.04), mediante uma tabela de números aleatórios. Das 318 salas da amostra, 58,2% localizavam-se em zona urbana, 9,4% na capital, Recife-PE, e 98,4% em unidades de saúde de gestão municipal, das quais 84,7% eram unidades de Saúde da Família. Foram estudadas 59 variáveis, agrupadas conforme os componentes do Programa no nível local: 14 referiam-se à estrutura e organização das salas de vacinação; 17, à rede de frio; 17, à indicação e aplicação de imunobiológicos; e 11 referiam-se às ações de vigilância epidemiológica e educação em saúde.

Para coleta de dados, foi utilizada a última versão do formulário de supervisão às salas de vacinação,17 proposto pelo Ministério da Saúde e que, desde sua elaboração em 1998, vem sendo aprimorado a partir da utilização em todo o país. Esse formulário foi aplicado, previamente, em salas de vacinação de dois municípios do Estado, visando à identificação de dificuldades na compreensão das questões pela equipe envolvida na coleta de dados e padronização dos procedimentos a serem utilizados. A coleta de dados foi realizada durante quatro semanas, a partir de meados de maio de 2011, por nove auxiliares da pesquisa experientes na operacionalização do Programa, devidamente treinadas para a ação. A Secretaria de Saúde do município não teve conhecimento prévio da sala de vacinação participante da amostra e da data da coleta dos dados.

Nas salas de vacinação selecionadas, realizou-se entrevista com o técnico de enfermagem do setor e observação não participante, mediante inspeção da estrutura e organização do setor e olhar atento à operacionalização de procedimentos técnicos. A observação foi a técnica utilizada para a coleta de 26 variáveis, 22 foram coletadas por entrevista e 11 por entrevista e observação. Para as variáveis coletadas pelas duas técnicas, confrontou-se o que foi respondido na entrevista e o que foi observado, considerando-se, em caso de discordância, o resultado da observação.

Os dados coletados foram processados, com dupla digitação, comparando-se os bancos produzidos e corrigindo-se as inconsistências identificadas. Utilizou-se o software Epi Info (versão 6.04) para o processamento e a análise dos dados. Foram calculadas frequências absolutas e relativas das variáveis estudadas para definição do grau de adesão às normas e diretrizes preconizadas pelo Ministério da Saúde.4-8

Para cada componente, obteve-se o grau de implantação a partir da razão entre o número de salas de vacinação com situação preconizada e o número total de salas da amostra (318). Por situação preconizada, considerou-se o cumprimento das normas e diretrizes do PNI. O grau de implantação do Programa foi obtido a partir da média do grau de implantação dos quatro componentes avaliados.

Adotaram-se os critérios definidos por Santos e colaboradores16 para julgamento do grau de implantação das variáveis, dos componentes e do Programa, conforme a seguinte classificação: implantado (90% ou mais salas de vacina cumprindo as normas e diretrizes do PNI); parcialmente implantado (70 a 89%); insuficientemente implantado (40 a 69%); não implantado (abaixo de 40%). Obteve-se o intervalo de confiança de todas as frequências relativas, com nível de significância de 95%. Cada profissional entrevistado, após esclarecimento, assinou Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado (Protocolo no 2227/2011) pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (CAAE 0313009900-11), localizado na capital do Estado de Pernambuco.

 

Resultados

O componente do Programa Nacional de Imunização - PNI - relacionado à estrutura e organização das salas de vacinação foi classificado como parcialmente implantado (70,4%), conforme mostra a Tabela 1. Todas as variáveis desse componente apresentaram menos de 90% das salas com situação preconizada, destacando-se, em melhor posição, as salas com área física recomendada (86,2%) e com quantidade suficiente de vacinas (82,1%) e de seringas (80,5%) para atender a demanda. No outro extremo, chama atenção a baixa proporção de salas com acondicionamento adequado de seringas e agulhas (63,5%), impressos e material de expediente organizados (45,9%) e cartões-controle arquivados por data de retorno (36,8%).

 

 

A rede de frio das salas de vacinação (Tabela 2) apresentou uma adesão às normas e diretrizes preconizadas de 73,6% (parcialmente implantado). Em mais de 90% das salas, observou-se situação adequada de variáveis relacionadas ao refrigerador que armazena os imunobiológicos, como estado de conservação, capacidade (em litros), uso exclusivo para essa finalidade e quantidade de bobinas de gelo reciclável no evaporador. Entretanto, apenas 3,5% das salas apresentavam refrigerador com imunobiológicos organizados por tipo, lote e validade. Na primeira prateleira, vacinas que suportam temperatura negativa, em bandejas perfuradas, foram observadas em somente 65,1% das salas. Em 79,2%, o registro da temperatura estava correto; porém, a mensuração por termômetro de máxima e mínima foi realizada em percentual menor de salas: 73,6%.

 

 

O grau de implantação do componente relacionado à indicação e aplicação de vacinas foi de 73,6% (Tabela 3), embora com grande diferença entre as variáveis: a lavagem das mãos antes da preparação do imunobiológico ocorreu em 100,0% das salas de vacinação, enquanto o prazo de validade das seringas e agulhas era observado em apenas 17,7%. Apesar de mais de 80% dos profissionais das salas terem conhecimento da existência e dos imunobiológicos disponíveis no Centro de Referência de Imunobiológicos Especiais (CRIE), apenas 67,3% e 41,8%, respectivamente, conheciam suas indicações e como proceder para viabilizar a aplicação nos casos necessários. O uso de cartão-controle para crianças (81,4%) foi superior ao observado para adolescentes (57,2%) e adultos (77,0%). De acordo com a observação da prática operacional dos técnicos de enfermagem nas salas de vacinação, em 87,7% delas era feito o registro da data e hora de abertura do frasco de vacina mas apenas em 73,6%, o prazo de validade do produto era verificado após sua abertura.

 

 

Em relação às ações de vigilância epidemiológica e educação em saúde, o grau de implantação foi de 67,0% (Tabela 4). Entre as ações desenvolvidas, 98,4% dos técnicos de enfermagem que trabalhavam nas salas conheciam e notificavam os casos de eventos adversos associados à vacina. Não obstante, menos de 45,0% estabeleciam parcerias com segmentos sociais locais para divulgação das ações de imunização e somente 37,4% conheciam os indicadores do trabalho desenvolvido: cobertura vacinal do município; e taxa de abandono da unidade.

 

 

Das 59 variáveis estudadas (tabelas 1 a 4), apenas 11 apresentaram situação preconizada em mais de 90% das salas de vacinação, a maioria delas referentes à rede de frio, sendo classificadas como implantadas. Foram identificadas 28 variáveis como parcialmente implantadas, 14 insuficientemente implantadas e 6 não implantadas.

O componente relacionado à indicação e aplicação dos imunobiológicos foi o que apresentou o maior grau de implantação (74,2%), e o referente às ações de vigilância epidemiológica e educação em saúde, o menor (67,0%). Considerando-se todos os componentes avaliados, o PNI foi considerado parcialmente implantado no nível local do sistema de saúde de Pernambuco, com 71,4% das salas de vacinação apresentando adesão ao conjunto de normas e diretrizes preconizadas pelo Ministério.

 

Discussão

O PNI, mesmo com quase quatro décadas de criação,3 ainda não está adequadamente incorporado à rotina dos serviços de saúde do Estado de Pernambuco, onde as normas e diretrizes preconizadas encontram-se parcialmente implantadas no âmbito das salas de vacinação. Ressalta-se que entre as 59 variáveis avaliadas, algumas foram consideradas não implantadas e outras com 100% das salas com situação preconizada. Existe, portanto, grande variabilidade no grau de implantação das recomendações do Programa estipuladas para o nível local do sistema de saúde. Dessa forma, a avaliação normativa realizada, como instrumento de controle e acompanhamento da atuação das salas de vacinação, aponta aos gestores do sistema de saúde de Pernambuco a necessidade de melhoria em vários aspectos estruturais e operacionais do Programa de Imunização, especialmente no nível local.

Estudos anteriores, também realizados em Pernambuco, observaram resultados distintos dos verificados na presente avaliação quanto ao grau de implantação do PNI. Contudo, há diferenças em relação aos aspectos avaliados e nenhum desses estudos considerou toda a dimensão estadual, restringindo-se a certos municípios ou Distritos Sanitários, o que dificulta uma comparação por resultados. Na capital do Estado, Recife-PE, as atividades de imunização estavam parcialmente implantadas em 96,4% das equipes de Saúde da Família, no ano de 2002.18 Já em Olinda-PE, município vizinho à capital, uma avaliação normativa, realizada em 2003, observou que as ações de imunização estavam parcialmente implantadas em todas as unidades de saúde.16

Estudo realizado em Marília, município do Estado de São Paulo, avaliou as ações das salas de vacinação como ideais para todos os componentes do PNI, exceto para os aspectos estruturais e organizacionais do setor.12 Tais resultados diferem dos observados na presente avaliação, referente ao Estado de Pernambuco, onde foram identificados parcialmente implantados não apenas os aspectos estruturais e organizacionais das salas de vacinação. Outros componentes do Programa - rede de frio e indicação e aplicação dos imunobiológicos - também se revelaram parcialmente implantados, enquanto encontraram-se insuficientemente implantadas as ações de vigilância epidemiológica e educação em saúde.

Quanto aos aspectos estruturais e organizacionais das salas de vacinação, ressalta-se a maior proporção de salas com área física preconizada, comparativamente à proporção de salas com adequada conservação, identificação e proteção contra luz solar. Adicionalmente, aproximadamente 25% das salas de vacinação ainda não funcionam exclusivamente para esse fim, o que pode comprometer a segurança dos procedimentos realizados.5 Ainda assim, a proporção observada de salas exclusivas para vacinação foi maior que a encontrada em 2009, no município de Marflia-SP, onde apenas 17,1% delas operacionalizavam unicamente as atividades de imunização.12

Destaca-se a discrepância entre a suficiente disponibilidade de seringas e agulhas e seu adequado acondicionamento. Ademais, outras questões organizacionais, relacionadas aos impressos - material de expediente e cartões-controle -, apresentam inadequação em mais da metade das salas. Portanto, a avaliação das salas de vacinação quanto aos aspectos estruturais e organizacionais sugere problemas de gestão da unidade e do setor, reforçando a importância de supervisões sistemáticas pelos níveis hierárquicos superiores do sistema de saúde.

Em relação à rede de frio, estudos evidenciam o desconhecimento dos profissionais sobre o intervalo adequado de temperatura para a conservação dos imunobiológicos,19 inexistência de termômetros ou de monitoramento diário de temperaturas,20 detecção de exposição dos produtos a temperaturas não recomendadas,1,16 organização inadequada dos refrigeradores10 e o uso não exclusivo destes equipamentos para estocar vacina.21

Em Pernambuco, de acordo com o presente estudo, as variáveis relativas ao refrigerador das salas de vacinação (capacidade, conservação e uso exclusivo para imunobiológicos) estavam de acordo com as normas preconizadas em mais de 90% dos serviços; entretanto, detectaram-se problemas na manutenção e organização interna do equipamento que podem comprometer não só as características imunogênicas das vacinas a serem administradas aos usuários6 como também o alcance das metas de controle das doenças imunopreveníveis. Ressalta-se que em apenas 3,5% dos refrigeradores, os imunobiológicos estavam arrumados por tipo, lote e validade. Além disso, em cerca de um terço dos refrigeradores, foi detectada situação inadequada na primeira prateleira e no compartimento inferior; e em mais de 20% das salas, o controle de temperatura do refrigerador era inadequado, além de a metade delas não monitorar a temperatura da caixa térmica de uso diário.

Para efeito de comparação, em Madri (Espanha), 76,7% das unidades de saúde da atenção primária, em 2002, realizavam duas vezes ao dia o monitoramento de temperatura.22 Em Campinas, município do Estado de São Paulo, no ano de 2009, 100% das unidades tinham termômetro nos refrigeradores das salas de vacinação e a leitura da temperatura era feita três vezes ao dia.21 O controle das temperaturas é imprescindível para garantir a adequada conservação dos imunobiológicos, no sentido de evitar o comprometimento de sua capacidade imunogênica de forma acumulativa.22

Em Pernambuco, os aspectos inadequados na rede de frio das salas de vacinação estão mais relacionados a falhas na execução do trabalho da equipe profissional do que à inexistência de equipamentos necessários para conservação dos imunobiológicos, ressalvando-se a parcela de salas sem termômetro de máxima e mínima e de cabo extensor. Nesse caso, como os municípios recebem recursos financeiros do Ministério da Saúde destinados à imunização, a inadequação das salas sugere problemas na gestão municipal do Programa quanto à aquisição desses instrumentos.

Na entrevista, a quase totalidade dos técnicos de enfermagem que trabalha nas salas de vacinação de Pernambuco referiu conhecer a indicação, adiamento temporário e contraindicação do imunobiológico a ser administrado ao usuário. Mesmo assim, na observação da prática desses profissionais nas salas de vacinação, mais de 25% não verificaram o prazo de validade da vacina, a idade do usuário e o intervalo entre as doses de vacina. Em um terço das salas, os técnicos de enfermagem não questionaram sobre a ocorrência de eventos adversos relativos a dose anterior e em menos de 20%, verificaram o prazo de validade das seringas e agulhas. Observou-se, portanto, entre os técnicos de enfermagem que trabalham na sala de vacinação, uma incoerência entre o conhecimento referido e a prática, cujas causas devem ser investigadas. De qualquer forma, a prática adotada expõe parte da clientela a riscos decorrentes de falhas na indicação e administração de vacinas. Em relação aos imunobiológicos especiais, disponíveis em centro de referência, suas indicações não são conhecidas por um terço dos participantes do estudo, restringindo-se, dessa forma, o acesso aos usuários que se beneficiariam com seu uso.

O cartão-controle de vacinação possibilita a busca da clientela que faltou à aplicação da vacina previamente agendada. Embora deficiente, o uso do cartão-controle é maior para crianças do que para os demais grupos-alvo do programa, provavelmente devido ao maior investimento histórico na imunização de menores de cinco anos. Esse achado é similar ao observado nos Distritos Sanitários do Recife-PE, em 2002,18 e em 11 Centros de Saúde da Família de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, no ano de 2007.1 A realização de busca ativa de faltosos, identificados pelos cartões-controle, constitui uma atividade fundamental do Programa para evitar a formação de bolsões de suscetíveis às doenças imunopreviníveis e reduzir o resíduo de indivíduos a vacinar.1,5,18

Para os autores deste estudo, menos de 40% dos técnicos de enfermagem entrevistados conheciam as coberturas vacinais do município e a taxa de abandono da unidade de saúde, considerando esta uma ação não implantada. A inexistência de processamento e análise dos dados de imunização pelas salas certamente contribuiu para a situação encontrada. Se as Coordenações Municipais de Imunização retroalimentassem as unidades de saúde com as informações por elas geradas, o desconhecimento sobre esses indicadores poderia ser minimizado, reduzindo-se a possibilidade de acúmulo de suscetíveis. Somando-se ao desconhecimento dos indicadores de imunização, a atitude de estar vigilante à ocorrência de casos suspeitos de doenças imunopreveníveis na área de abrangência do serviço não foi demonstrada por parte de um terço dos entrevistados, comprometendo o adequado controle desses agravos.

Destaca-se que foi referida a notificação de eventos adversos pós-vacinais em quase todas as salas de vacinação participantes do estudo. Diversos países - inclusive o Brasil - mantêm sistemas de vigilância de eventos adversos por considerarem que seu monitoramento adequado e investigação oportuna são fundamentais para a manutenção da confiança da população nos programas de imunização.8

Em relação às ações educativas, ressalta-se a implantação insuficiente da divulgação das ações de imunização em parceria com segmentos sociais locais, além do fato de que apenas 60% das salas promovem a vacinação dos funcionários da unidade de saúde. Pelos resultados observados, não só as oportunidades perdidas de vacinação como também os momentos educativos, provavelmente, estão sendo desvalorizados pelos profissionais em seu processo de trabalho. Assim, vê-se reduzido o poder norteador da educação para as ações de saúde e sua contribuição no sentido de uma mudança de comportamentos e atitudes profissionais inadequados.

Parte das variáveis foi coletada mediante entrevista, como o relato de notificação de eventos adversos pós-vacinais e de comunicação imediata à instância superior de imunobiológicos expostos a temperatura não recomendada. Existe a possibilidade de o entrevistado distorcer as respostas em relação às condutas e práticas adotadas, minimizando os aspectos negativos. Para reduzir essa possibilidade, algumas variáveis foram confrontadas com outras questões presentes no formulário de coleta dos dados e com a observação das práticas realizadas, verificando-se a coerência das respostas.

As possíveis variações no conhecimento e prática dos integrantes da equipe não foram mensuradas, uma vez que não foram entrevistados todos os profissionais da sala de vacinação da unidade de saúde mas apenas o técnico de enfermagem presente no momento da coleta de dados. Como a maioria das salas de vacinação do Estado, inclusive as participantes do estudo, localiza-se em unidades de Saúde da Família, que contam com apenas um técnico de enfermagem diarista para cada equipe, é minimizada a possibilidade de comprometimento da validade interna do estudo por essa questão.

Desde meados da década de 1990, Pernambuco, com o apoio do Ministério da Saúde, tem realizado capacitações periódicas do pessoal que trabalha nas salas de vacinação.23 De maneira semelhante ao que ocorre no restante do país,10 as ações do PNI no Estado são fundamentalmente exercidas pelos profissionais de enfermagem. Nas salas de vacinação, essas ações são operacionalizadas pelos técnicos de enfermagem e a supervisão do setor é de responsabilidade do enfermeiro.24 Se os treinamentos realizados - com certeza - influenciaram positivamente na correta execução de várias ações avaliadas, a situação do PNI na rotina dos serviços de saúde de Pernambuco, com a maioria dos aspectos avaliados ainda não totalmente implantados, requer maior ênfase de estudos na sedimentação dos conhecimentos teóricos que embasam a prática.

Como a imunização faz parte de um conjunto de ações incluídas na Atenção Primária à Saúde, é importante investigar a influência do modelo de gestão na implantação do Programa Nacional de Imunizações - PNI -, nos serviços de saúde de Pernambuco.

Os resultados desta pesquisa demonstram que as salas de vacinação do Estado não apresentam completa adesão às normas e diretrizes estabelecidas pelo PNI, sendo identificados alguns aspectos com maior fragilidade, a serem necessariamente considerados em intervenções direcionadas à melhoria do Programa.

 

Agradecimentos

À Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, pelo apoio logístico à operacionalização do trabalho de pesquisa realizado.

À equipe que coletou os dados.

À Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e ao Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - IMIP -, respectivamente pelo financiamento e execução do programa de Mestrado Profissional em Avaliação em Saúde.

 

Contribuição dos autores

Araújo ACM participou da concepção, coleta de dados, análise, interpretação dos dados e redação do artigo.

Guimarães MJB participou da concepção, análise, interpretação dos dados e redação do artigo.

Frias PG participou da concepção, interpretação dos dados e redação do artigo.

Correia JB participou da concepção e revisão crítica do conteúdo do artigo.

Todos os autores aprovaram a versão final.

 

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Endereço para correspondência:
Ana Catarina de Melo Araújo -
SGAN 912, Módulo D, Bloco D,
Condomínio Park Ville, Apto.18,
Asa Norte, Brasília-DF, Brasil.
CEP: 70790-120

E-mail: acmelo07@gmail.com; ana.melo@saude.gov.br

Recebido em 21/02/2013
Aprovado em 17/06/2013

 

 

*Artigo baseado em dissertação de Mestrado Profissional em Avaliação em Saúde do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - IMIP -, Recife-PE, Brasil, defendida em 2011.