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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.2 Brasília jun. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000200008 

ARTIGO ORIGINAL

 

Diversidade molecular de rotavírus do grupo A na cidade de Manaus, Estado do Amazonas, Brasil, 2004 a 2006*

 

Group A rotavirus molecular diversity in the city of Manaus, Amazonas state, Brazil 2004-2006

 

 

Giane Zupellari dos Santos MeloI; Cristóvão Alves da CostaII; Ilia Gilmara Carvalho dos SantosIII

IUniversidade do Estado do Amazonas
IIInstituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
IIIUniversidade Federal do Amazonas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever a ocorrência de genótipos de rotavírus A em crianças na idade de 1 a 36 meses no município de Manaus, Estado do Amazonas, Brasil.
MÉTODOS: estudo descritivo, com resultados de análises laboratoriais de fezes diarréicas de crianças de 1 a 36 meses, atendidas em prontos-socorros infantis de Manaus-AM no período de junho/2004 a dezembro/2006; foram empregados os métodos de eletroforese de ácido ribonucleico em gel de poliacrilamida, transcriptase reversa e reação em cadeia da polimerase.
RESULTADOS: constatou-se 25% de positividade para rotavírus A - 30,7% e 44,7% para genótipos G e P, respectivamente -, com predominância dos genótipos G2 (17%) e P[8] (66,7%); das amostras positivas para os genótipos G e P, 38,3% e 11,7%, respectivamente, não apresentaram características para qualquer dos genótipos G e P pesquisados.
CONCLUSÃO: a elevada proporção de ausência de características dos genótipos G e P pesquisados sugere a circulação de genótipos diferentes desses.

Palavras-chave: Gastroenterite; Infecções por Rotavírus; Rotavirus; Epidemiologia Descritiva.


ABSTRACT

OBJECTIVE: verify rotavirus A genotype occurrence in children aged 1 to 36 months in Manaus-AM.
METHODS: descriptive and retrospective study conducted from June/2004 to December/2006, through laboratory analysis of diarrheal stools of children aged 1 to 36 months cared for at a Child Emergency service in Manaus/Amazonas.
RESULTS: 25% rotavirus A positivity was found using Polyacrylamide Gel Electrophoresis of Ribonucleic Acid. Reverse Transcriptase followed by Polymerase Chain Reaction were applied to positive samples and revealed 30.7% G genotypes and 44.7% P genotypes, with predominance of G2 (17%) and P[8] (66.7%) genotypes. 38.3% and 11.7% of the G and P genotype positive samples, respectively, showed no features of any of the G and P genotypes surveyed.
CONCLUSION: 38.3% and 11.7% G and P genotypes, respectively, showed no characteristics of the genotypes studied, suggesting that genotypes different to these are in circulation.

Key words: Gastroenteritis; Rotavirus Infections; Genotyping Techniques; Epidemiology Descriptive.


 

 

Introdução

As gastroenterites apresentam como sintoma comum a diarreia, que pode ser causada por uma ampla gama de patógenos, incluindo bactérias, vírus e protozoários.1 Seis categorias de vírus estão associadas à gatroenterite, sendo o rotavírus do grupo A (RVA) responsável por 30% dos casos da doença. Outros vírus causadores da gastroenterite são o adenovírus entérico, o astrovírus, o coronavírus e os calicivírus (Sapovirus; e Norovirus e sua espécie típica, o Norwalk) .2 A diarreia é responsável por uma em cada cinco mortes de crianças, cerca de 1,5 milhões a cada ano, matando mais crianças do que a síndrome da imunodeficiência adquirida - aids -, a malária e o sarampo juntos.1

A diarreia é a segunda principal causa de morte entre crianças menores de 5 anos de idade. A diarreia causada por rotavírus, especialmente, no ano de 2008, respondeu por 453,000 mortes de crianças nessa faixa etária em todo o mundo, por 37% das mortes por diarreia e por 5% de todas as mortes em menores de 5 anos.3

No Brasil, um estudo que avaliou a epidemiologia do RVA e sua associação com a morbidade e a mortalidade de crianças menores de 5 anos estimou que a diarreia por RVA foi a causa de mais de 92.400 hospitalizações e 850 mortes no ano de 2003.4

Outro estudo, realizado em 2003, com o objetivo de avaliar os aspectos epidemiológicos e clínicos da doença diarréica por RVA na cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, Brasil, observou 46% de positividade para RVA em 380 amostras fecais de crianças com até 3 anos de idade.5

O rotavírus do grupo A é transmitido de pessoa a pessoa por via fecal-oral e pela via respiratória, ou ainda, mais raramente, pela água e alimentos e pelo contato com objetos contaminados; seu período de incubação varia de um a três dias.6,7 As principais manifestações clínicas da doença são vômitos, diarreia aquosa não sanguinolenta e febre. Os vômitos, geralmente mais intensos e duradouros que nas diarreias agudas provocadas por outros patógenos, juntamente com a diarreia aquosa, podem levar à desidratação e, conseqüentemente, ao aumento da mortalidade.

Os rotavírus apresentam partículas arredondadas de 100nm de diâmetro. A partícula viral completa é composta por triplo capsídeo protéico contendo o genoma de RNA (ácido ribonucléico) de dupla fita segmentado, que codifica proteínas estruturais e não estruturais.8 Esses segmentos de dupla fita de RNA codificam seis proteínas virais - VP1, VP2, VP3, VP4, VP6 e VP7 - e seis proteínas não estruturais - NSP1, NSP2, NSP3 NSP4 e NSP5 e NSP6. O capsídeo intermediário é constituído pela proteína VP6 e seu antígeno é usado para caracterizar oito diferentes grupos de rotavírus, classificados de A a H. O capsídeo interno ou 'core' consiste das proteínas VP1, VP2 e VP3; e o externo das proteínas, VP7 e VP4, que forma a base do sistema de classificação para os tipos G (VP7) e P (VP4).9

Até o momento, 23 tipos de rotavírus G e 30 tipos de rotavírus P foram identificados. Esses genótipos podem ser compartilhados entre humanos e animais. Entretanto, estudos têm demonstrado que as combinações G1P[8], G2P[4], G3P[8], G4P[8] e G9p[8] são mais comumente encontradas em humanos.10 Embora os sorotipos e genótipos citados já tenham sido encontrados em infecção em humanos, cinco combinações de genótipos P e G são mais prevalentes, em nível mundial. Essas combinações são geralmente encontradas entre o genótipo P[8], associado com os tipos G1, G3, G4 e G9, e o genótipo G2, associado ao genótipo P[4];11 porém, casos de combinações incomuns vêm sendo encontrados em vários países.12

No ano de 2006, o Programa Nacional de Imunizações implantou no Brasil a vacina contra rotavírus para crianças menores de seis meses. Essa vacina, denominada de Vacina Oral de Rotavírus Humano (VORH), licenciada no mercado internacional com o nome comercial de Rotarix®, é elaborada com vírus isolados de humanos atenuados para manter a capacidade imunogênica, não a patogênica.13 É uma vacina monovalente, ou seja, a cepa utilizada em sua composição possui apenas um genótipo: G1[P8] da cepa RIX4414.13

A partir da introdução da vacina contra RVA no Calendário Nacional de Imunização, a tendência esperada é de que o número de casos da doença por RVA e o número de óbitos decorrentes de suas consequências apresente um declínio. Entretanto, é de vital importância que se obtenha conhecimento da epidemiologia molecular do agente da doença, no sentido de se acompanhar possíveis alterações no cenário da doença desde o período pós-vacinação.

O presente estudo teve como principal objetivo caracterizar a diversidade das amostras de RVA humanos circulantes entre crianças na idade de 1 a 36 meses, na cidade de Manaus-AM, Brasil.

 

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo. Foram incluídos os resultados de análises laboratoriais de amostras de fezes coletadas de 607 crianças na idade entre 1 e 36 meses com diarreia aguda, de ambos os sexos, atendidas em prontos-socorros públicos da cidade de Manaus, Estado do Amazonas, entre junho de 2004 e dezembro de 2006.

Manaus é a capital do Estado do Amazonas, localizado na Região Norte do Brasil. Segundo dados da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, o município contava com uma população de 1.802,014 habitantes, dos quais 129.262 eram crianças menores de 3 anos de vida.14

Os pontos de coleta das amostras de fezes estavam distribuídos em diversos locais da cidade, com uma representatividade de 80% das instituições públicas de atendimento a crianças em Manaus-AM: Hospital e Pronto-Socorro da Criança (HPSC) da Zona Sul, HPSC da Zona Leste e HPSC da Zona Oeste da cidade, e Instituto de Saúde da Criança do Amazonas (ICAM). Apenas uma instituição de atendimento a crianças - que hoje representa 20% do total geral das instituições com essas características - não foi incluída no estudo porque sua inauguração aconteceu após o início da pesquisa. As amostras foram coletadas diariamente, incluindo os finais de semana e feriados.

Foram incluídas na pesquisa todas as crianças que apresentavam diarreia aguda cujos pais ou responsáveis legais, após serem devidamente esclarecidos sobre os objetivos do estudo, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídas da pesquisa as crianças de origem indígena, por não se haver solicitado a devida autorização das organizações indígenas locais, conforme prevêem normas regulamentadoras para pesquisa envolvendo povos indígenas.15 A escolha unicamente de crianças moradoras do município de Manaus-AM não foi um critério de inclusão no estudo mas, entre todas as amostras coletadas, não havia uma única sequer pertencente a crianças moradoras de outro município.

Mediante análises laboratoriais das amostras fecais coletadas, determinaram-se as variáveis de positividade para RVA e o perfil da epidemiologia molecular dos genótipos G e P de RVA circulantes. As amostras de fezes foram coletadas em recipiente plástico de 10mL e armazenadas a -20oC, até o envio para análise no laboratório de virologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). O preparo das suspensões fecais foi realizado a 20%, em tampão Tris/Cálcio (Tris/HCl 0.1M; CaCl2 1.5mM; pH7.3).16 Foi realizada a triagem de todas as amostras (607) por eletroforese de RNA em gel de poliacrilamida (EGPA), para avaliação da positividade para rotavírus A.16

As amostras positivas pelo EGPA foram submetidas à genotipagem para identificação de VP7 (genótipo G) e VP4 (genótipo P) por transcrição reversa (RT-PCR), seguida de semi-nested multiplex na reação em cadeia de polimerase.17 Para tal, o genoma viral foi extraído a partir de 300µL de suspensão fecal a 20% (peso/volume), com o reagente Trizol (Invitrogen do Brasil). As suspensões de RNA foram estocadas a -20oC até seu uso na reação. "Primers" consenso Beg9 e End916 foram usados na primeira reação de PCR (30 ciclos) para amplificar o gene da VP7. O produto da primeira amplificação foi utilizado na segunda reação de amplificação pela PCR para a genotipagem de VP7 (genótipos G) (25 ciclos). Foram utilizados os seguintes "primers": aBT1 (G1), aCT2 (G2), aET3 (G3), aDT4 (G4) e aFT9 (G9).17 Para a genotipagem de P, foram usados os "primers" consenso 4Con2 e 4Con317 na primeira reação de PCR (30 ciclos). O produto dessa amplificação foi utilizado na segunda reação de amplificação para genotipagem dos genótipos P (25 ciclos), usando-se o conjunto de "primers": 1T-1 (P[8]), 2T-1 (P[4]), 3T-1 (P[6]), 4T-1 (P[9]) e 5T-1 (P[10]).17 Os produtos da reação de PCR foram analisados por eletroforese em gel de 1,5% de agarose, que continha 0,5µg de brometo de etídio por mL, e foi visualizado por iluminação de luz ultravioleta.

Por se tratar de estudo com seres humanos, o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA: Processo no 005/2004.

 

Resultados

De um total de 607 amostras de fezes de crianças com diarreia aguda, 152 (25,0%) apresentaram positividade para RVA pela análise genómica em eletroforese em gel de poliacrilamida. A análise das 152 amostras por RT-PCR demonstrou que em 68 amostras (44,7%), os genótipos P puderam ser identificados, em 47 (31,0%), foram identificados genótipos G, e 37 (24,3%) não amplificaram com os "primers" utilizados.

Das 47 amostras positivas para os genótipos VP7, os G1 e G2 foram identificados em sete amostras. Foram identificados os genótipos G9, G3 e G4 em cinco, três e uma amostra respectivamente. Detectou-se G1+G9 em seis amostras e G1+G3 em uma. Os "primers" utilizados para identificação dos genótipos G não amplificaram em cerca de um terço das amostras. (Tabela 1).

 

 

Entre as 68 amostras positivas para os genótipos de VP4, o genótipo P[8] foi identificado em 2/3 delas. O genótipo P[4] foi encontrado em nove amostras e os genótipos P[6], P[9] e P[10] foram encontrados cada um em uma amostra. Os genótipos P[4]+P[10] foram identificados em duas amostras; e os genótipos P[4]+P[6], em uma das amostras. Sete dessas 68 amostras não amplificaram com os "primers" utilizados para identificação dos genótipos P (Tabela 2).

 

 

Pela segunda reação de amplificação pela PCR para a genotipagem dos genótipos G e P, foram identificadas 24 amostras que apresentaram combinações definidas para os dois genótipos. Essas combinações apareceram nas seguintes proporções: G1P[8] foi encontrado em cinco amostras; G1P[10], G1P[4], G2P[9], G3P[4] e G9P[8], em uma amostra; G2P[8] e G2P[4], em três amostras; o G3P[8] foi encontrado em duas amostras (8,33%); as combinações G1+G9P[8] foram encontradas em quatro amostras; e as combinações G1+G9P[6] e G1+G3P[4], ambas em uma amostra. Ressalta-se que não houve retestagem dessas amostras. O genótipo G1P[8] foi predominante durante os anos de estudo, seguido de uma combinação de G1+G9P [8] e dos genótipos G2P[8] e G2P[4] (Tabela 3).

 

 

Discussão

Este estudo encontrou uma positividade de 25% de rotavírus em amostras de fezes de crianças atendidas com gastrenterites na cidade de Manaus, Amazonas. Após a genotipagem das amostras positivas, a maioria revelou ser do genótipo P, seguida de amostras positivas para o genótipo G e de amostras que não amplificaram com os "primers" utilizados.

Estudos realizados no Brasil, nas últimas décadas, com crianças menores de 36 meses de idade, demonstram que a positividade para RVA no país apresentou uma variação de 11,9 a 48%.12,18 Na Região Amazônica, os RVA foram encontrados nas proporções de 18,4% em Belém, Estado do Pará,19 e de 46% em Manaus-AM. No presente estudo, desenvolvido ao longo de 30 meses, encontrou-se 25% de positividade para os rotavírus.

A vacina contra rotavírus introduzida no Brasil, incluída no Calendário do Programa Nacional de Imunizações desde 2006, tem mostrado eficácia na redução de casos graves da doença. Não obstante, estudo posterior a esse período encontrou genótipos diferentes dos conferidos pela vacina (G1P[8]), sugerindo que os genótipos encontrados podem estar a adquirir vantagem seletiva sobre os genótipos P[8],20 o que poderia levar ao aumento na ocorrência de casos graves da doença.

Estudo realizado em Manaus nos anos de 2007 e 2008, com crianças menores de 12 meses de idade, encontrou uma positividade de 9,5% das amostras para RVA,21 enquanto no presente estudo, a proporção dessa positividade foi de 25%. A partir da comparação desses dados, não se pode afirmar se houve uma redução dos casos de diarreia por RVA na cidade de Manaus-AM, uma vez que as populações dos dois estudos diferiram no fator idade das crianças analisadas. Mesmo assim, os resultados de ambas pesquisas indicam que o agente viral permaneceu sendo um problema de Saúde Pública infantil, a despeito da introdução da vacina no Calendário Nacional.

Neste estudo especialmente, constatou-se que cerca de um terço das amostras identificadas pelo método de RT-PCR, seguida de Semi-Nested Multiplex16 como genótipo G, não amplificaram com os "primers" utilizados para a caracterização do genótipo G. Tal fato sugere que genótipos diferentes dos pesquisados aqui, G1, G2, G3, G4 e G9, poderiam estar circulando na região de Manaus-AM. Um desses genótipos, o G5, foi encontrado também no Pará;12 o G12 também foi encontrado em estudo realizado em cinco Estados da Região Norte do Brasil.22

Os genótipos G1, G4 e G9 foram encontrados com maior prevalência em estudos realizados noutras partes do mundo, 10 embora outros genótipos G, como G5, G6, G8 e G10, venham apresentando significativa importância epidemiológica.23

O genótipo G2 tem sido encontrado com certa frequência no Brasil. Na década de 1990, em um estudo que monitorou as cepas de RVA na cidade do Rio de Janeiro-RJ, encontrou-se o genótipo G2 em 22% das amostras positivas para o genótipo G.23 Este mesmo genótipo foi encontrado ainda em Belém-PA, em 20% das amostras positivas para o genótipo G.13 O genótipo G9, identificado em uma em cada dez das amostras do presente estudo, também foi encontrado em estudo realizado no município de Goiânia-GO, em 34% das amostras positivas para o genótipo G.24

Os genótipos P[8], P[4], P[6] e P[9] são, reconhecidamente, os genótipos P mais encontrados mundialmente.24 No estudo ora apresentado, os genótipos P[8] e P[4] foram responsáveis, respectivamente, por 66,2% e 13,2% das amostras positivas para o genótipo P. Este achado demonstra que o perfil circulante no município de Manaus-AM foi semelhante ao definido por outros estudos realizados no Brasil, como o de Santos e colaboradores (2003),23 que encontrou o genótipo P[8] em 45,9% e o genótipo P[4] em 18.9% das amostras estudas no município do Rio de Janeiro-RJ.

No mundo, cinco combinações de genótipos G e P são consideradas de maior importância epidemiológica: G1P[8], G2P[4], G3P[8] e G4P[8] e G9P[8].22 Dos quatro tipos mais comuns de combinações, três foram encontradas neste estudo: o G1P[8], responsável por 12,5% das combinações; o G2P[4], presente em cinco das combinações; e o G3P[8] em duas combinações.

O presente estudo identificou que a maioria das amostras foi genotipada como G1P[8], concordando com pesquisas que demonstraram ser esse genótipo de alta prevalência.22

Neste estudo, a combinação de genótipos G1P[8] e sua variação de G1+G9 P[8] apresentaram maior prevalência nos anos de 2004 e 2005, período anterior à introdução da vacina. Somente um caso foi constatado em 2006, indicando a eficácia da vacina logo após sua introdução no Calendário Nacional de Imunização. A partir de 2005, o genótipo G2P[4] já foi constatado em uma amostra (4,7%), e em duas amostras no ano de 2006 (8,33%). Este achado sugere que, após a introdução da vacina no Calendário Nacional, outras combinações de genótipos foram detectadas na epidemiologia do RVA. Situação semelhante foi constatada em estudo realizado no Rio de Janeiro-RJ entre 2005 e 2007, quando a combinação G2P[4] foi identificada em 1,4% das amostras em 2005 e em 41% das amostras em 2006.20

Foi constatado que 40% das combinações encontradas neste estudo foram caracterizadas como combinações de genótipos P[4] ou P[8] e combinações de P[4]P[10] ou P[4]P[6] com genótipos caracterizados como G que, entretanto, não foram identificadas na segunda amplificação pelo "primers" utilizados para caracterização desse genótipo. O mesmo ocorreu com o genótipo G9, encontrado em combinações do genótipo P que tampouco foram identificadas pelos "primers" utilizados na segunda amplificação (5%). Quatro combinações apresentaram características negativas, tanto para os genótipos G quanto para os P pesquisados (uma em cada dez). O número elevado desse tipo de combinação pode ser um indicativo da circulação de genótipos P na região estudada; e principalmente de genótipos G, que passaram a ser encontrados em estudos mais recentes.22 Um desses genótipos é o G5, encontrado no Pará,12 e também no Rio de janeiro em 2005.23 Outros genótipos G que podem ser citados neste estudo são o G8 e o G10, que embora considerados atípicos, já foram relatados em outro estudo.26 Outros genótipos G e P que podem ser citados são o G11, o G12 e o P[25], identificados em estudo realizado no Nepal, onde, na caracterização molecular do RVA em amostras de fezes de crianças e adultos, foram encontrados os genótipos G11 e G12 e o genótipo P[25], este último na forma da combinação P[25]G11.27

Os dados encontrados neste estudo demonstram que genótipos anteriormente tidos como restritos a animais, que ocorrem em humanos como resultado de eventos de transmissão zoonótica - a exemplo do G5 encontrado em suínos28 ou do G6, do G8 e do G10 isolados inicialmente em bovinos29 -, podem estar sendo transmitidos de animais para humanos, seja como vírus inteiros ou como reorganização de segmentos de genes.

Os "primers" utilizados neste estudo possibilitaram a identificação de genótipos P e G, comumente encontrados em estudos dessa natureza: os genótipos G1, G2, G3, G4 e G9, e ainda, P[8], P[4], P[6], P[9] e P[10]. Porém, a utilização desses "primers" foi insuficiente para definir mais de um terço das amostras positivas para o genótipo G, e mais de uma em cada dez amostras positivas para o genótipo P, sugerindo que outros genótipos G e P possam estar em circulação na região estudada.

O fato de um número elevado de amostras positivas para RVA humano apresentar combinações com os genótipos P ou G não genotipados demonstra que devem ser desenvolvidos estudos utilizando "primers", para identificação de genótipos G e P que tanto garantam o reconhecimento de possíveis alterações genéticas desses genótipos - fato já descrito em outro estudo30 - como sejam compatíveis com genótipos que vêm sendo encontrados em outras regiões do Brasil e do mundo.

O rotavírus ainda é um dos principais agentes causadores de doença diarreica, levando a óbito milhares de crianças em todo o mundo. Este cenário exige a mobilização de autoridades sanitárias nacionais e internacionais, na tentativa de diminuir os casos da doença. O conhecimento do perfil molecular do rotavírus é um norteador para o desenvolvimento de ações que possam minimizar o número desses casos da doença e seus efeitos na população infantil.

 

Agradecimentos

À Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas, por permitir a coleta de amostras nos Prontos-Socorros da Criança da Zona Leste, Zona Sul e Zona Oeste, e no Instituto da Criança do Amazonas.

 

Contribuição dos autores

Melo GZS participou da coleta das amostras, análise de dados e redação do manuscrito.

Costa CA participou da revisão da análise de dados, discussão, escolha da metodologia e redação do manuscrito.

Santos IGC participou das análises laboratoriais.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Giane Zupellari dos Santos Melo -
Av. Via Láctea, no 607,
Condomínio Islamorada,
Conjunto Morada do Sol,
Torre Norte, Apto. 203,
Bairro Aleixo, Manaus-AM, Brasil.
CEP: 69060-085
E-mail: gzsantos3@hotmail.com

Recebido em 22/12/2012
Aprovado em 18/04/2013

 

 

*Estudo apresentado como defesa de dissertação para o Programa de Mestrado em Patologia Tropical da Universidade Federal do Amazonas - UFAM - em 2008. A pesquisa, coordenada pelo Dr. Cristóvão Alves da Costa, recebeu auxílio financeiro da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM no 236/2003).