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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.2 Brasília jun. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000200009 

ARTIGO ORIGINAL

 

Óbitos por hanseníase como causa básica em residentes no Estado de Mato Grosso, Brasil, no período de 2000 a 2007*

 

Deaths having leprosy as underlying cause among residents of Mato Grosso State, Brazil, 2000-2007

 

 

Aleksandra Rosendo dos Santos RamosI; Silvana Margarida Benevides FerreiraII; Eliane IgnottiI

IUniversidade do Estado de Mato Grosso, Cáceres-MT, Brasil
IIUniversidade de Cuiabá, Cuiabá-MT, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever os registros de óbitos por hanseníase contidos no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) no Estado de Mato Grosso (MT), Brasil, no período de 2000 a 2007.
MÉTODOS: estudo epidemiológico transversal de análise dos óbitos por hanseníase registrados no SIM/MT entre 2000 a 2007 e identificados no Sinan/MT.
RESULTADOS: dos 129 óbitos por hanseníase registrados, 88 foram identificados como casos de hanseníase no Sinan/MT, e destes, 36 haviam recebido alta por cura; a causa básica mais frequente foi hanseníase não específica (88; ou 75,9%).
CONCLUSÃO: metade dos registros de óbitos por hanseníase incluiu casos curados e que, portanto, não morreram por hanseníase; os curados e aqueles que foram a óbito durante a poliquimioterapia caracterizam-se pela idade avançada, baixo nível de escolaridade e serem ou terem sido portadores da forma clínica virchowiana da doença.

Palavras-chave: Hanseníase; Epidemiologia Descritiva; Mortalidade.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe records of deaths from leprosy contained on the Mato Grosso Mortality Information System (SIM) and Notifiable Diseases Information System (SINAN) from 2000 to 2007.
METHODS: Cross-sectional epidemiological study analyzing deaths from leprosy registered on the SIM system from 2000 to 2007 and identified on SINAN system in Mato Grosso.
RESULTS: 88 of the 129 registered leprosy deaths were identified on the SINAN system as leprosy cases. 36 of these had been discharged after being cured. The most frequent primary cause of death was nonspecific leprosy (n = 88, 75.9%).
CONCLUSION: half the leprosy death records in Mato Grosso include cured cases and these therefore did not die from leprosy. The cured and those who died during polychemotherapy were characterized by older age, low education level or having been lepromatous cases.

Key words: Leprosy; Epidemiology, Descriptive; Mortality.


 

 

Introdução

A mortalidade em consequência da hanseníase tem sido pouco estudada, embora a doença venha sendo registrada com frequência como causa básica de morte. No Brasil, foram registrados 1.850 óbitos por hanseníase entre 2000 e 2007. Estudo de mortalidade sobre hanseníase no país, no mesmo período, mostra que o Estado de Mato Grosso, comparado a outras unidades da Federação, apresenta o maior coeficiente de mortalidade por hanseníase.1 Trata-se de uma doença que tem tratamento e cura e que, segundo a Organização Mundial da Saúde, raramente provoca a morte.2 No entanto, a ocorrência de uma média anual de mais de 200 óbitos por hanseníase, nos últimos oito anos, não se parece à de um evento raro.

Ainda que o coeficiente geral de detecção apresente tendência decrescente em todo o país, algumas áreas permanecem com alta endemicidade.3,4 No Estado de Mato Grosso, verifica-se um dos quadros mais críticos, em que o coeficiente geral de detecção de hanseníase de 2010 - 81,6 casos por 100 mil habitantes - foi considerado de elevada magnitude para os padrões oficiais.3,4

A hanseníase é uma doença de notificação compulsória e investigação obrigatória no Brasil. Todos os casos devem ser registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e atualizados mensalmente, pelo Boletim de Acompanhamento.4 Os dados disponíveis no Sinan permitem conhecer informações referentes aos aspectos pessoais e de tratamento, a exemplo da evolução da doença até o encerramento do caso, com a informação relativa a alta por cura, abandono de tratamento, transferência ou se o paciente foi a óbito.5

No Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), a hanseníase somente constará como causa básica do óbito se o registro do agravo for feito como causa terminal, causa intermediária ou causa mórbida pré-existente.6 Porém, indivíduos curados pela poliquimioterapia para hanseníase (PQT) e, portanto, curados segundo o Sinan, podem apresentar condições clínicas que incluem estados reacionais, incapacidades físicas e sequelas decorrentes da doença.7,8 Tais condições não são registradas na Declaração de Óbito (DO).

A partir dos registros dos óbitos por hanseníase como causa básica no SIM, não é possível analisar aspectos relativos ao curso da doença e do tratamento. Portanto, faz-se necessário identificar os casos que foram a óbito segundo os registros da base de dados do Sinan, tornando possível distinguir a proporção de óbitos por hanseníase - como causa básica - entre os casos de hanseníase em curso de tratamento e entre aqueles que encerraram o esquema de PQT, ou seja, que foram considerados curados da doença.

Este estudo tem por objetivo descrever os registros de óbitos por hanseníase contidos no Sistema de Informações sobre Mortalidade e aqueles registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação de Mato Grosso, no período de 2000 a 2007.

 

Métodos

Estudo epidemiológico descritivo dos óbitos por hanseníase contidos no SIM e identificados no Sinan/ MT entre residentes no Estado de Mato Grosso, no período de 2000 a 2007.

Foram utilizados os registros de óbitos da base de dados do SIM/MT, disponibilizados pela Secretária de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES/MT) em 13 de maio de 2011, selecionando-se aqueles cuja hanseníase consta como causa básica do óbito de residentes no Estado, no período de 1o de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2007. Como variáveis, considerou-se: ano do óbito; causa básica; sexo; e faixa etária.

Os óbitos por hanseníase foram classificados segundo o Capítulo I da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - 10a Revisão (CID 10) -, referente às doenças infecciosas e parasitárias, assim detalhados: hanseníase (A30); hanseníase indeterminada (A30.0); hanseníase tuberculóide (A30.1); hanseníase tuberculóide borderline (A30.2); hanseníase dimorfa (A30.3); hanseníase lepromatosa borderline (A30.4); hanseníase lepromatosa (A30.5); outras formas de hanseníase (A30.8); e hanseníase não específica (A30.9).

Também foram utilizados os registros de casos de hanseníase notificados no banco de dados do Sinan/ MT de 1996 até o ano de 2007, disponibilizados pela SES/MT em 13 de maio de 2011. A utilização dos dados do Sinan a partir de 1996 justifica-se pela implantação desse sistema em 1998, agregando dados retrospectivos a partir de 1996. No Sinan/MT, foram selecionados apenas os casos que constavam no SIM/MT como óbito por hanseníase como causa básica no período de 1o de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2007.

Para a análise das características dos indivíduos que foram a óbito por hanseníase segundo o SIM/ MT, buscou-se, manualmente, a identificação desses indivíduos no banco de dados do Sinan/MT. Como critérios de linkage do SIM/MT com o Sinan/MT utilizou-se: nome; data de nascimento; nome da mãe; e endereço residencial.

Sabendo-se que os dados disponíveis no Sinan trazem informações relativas ao encerramento do caso, esse banco de dados foi fracionando segundo o tipo de alta, sendo de interesse do estudo os casos encerrados como alta por cura ou alta por óbito. Após o fracionamento do banco do Sinan/MT segundo o tipo de alta/saída, foram realizadas análises de frequência e comparações de proporções por meio do teste χ2, para as seguintes variáveis: sexo; faixa etária; raça/cor; escolaridade; ano do óbito; causa básica do óbito; ano do diagnóstico; ano da alta do tratamento; classificação operacional; forma clínica; grau de incapacidade; esquema terapêutico; e tempo - em meses - entre o diagnóstico da hanseníase e o óbito. Utilizou-se o teste exato de Fisher com a mesma finalidade do teste χ2, nas situações em que as categorias das variáveis apresentaram n<5. As análises foram conduzidas pelo software Epi Info 3.5.4, assumindo-se o nível de significância de 5%.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Júlio Müller, sob o Protocolo no 979/CEP-HUJM/2010, de 9 de fevereiro de 2011.

 

Resultados

Em Mato Grosso, o SIM registrou 129 óbitos por hanseníase de residentes no Estado, no período de 2000 a 2007 (Figura 1). Desse total, 88 óbitos foram identificados como casos de hanseníase notificados no Sinan/MT. E entre esses 88 óbitos, a frequência daqueles que receberam alta por cura foi igual à dos indivíduos com alta por óbito (36). Nos dois grupos, a causa básica do óbito mais frequente foi a hanseníase não específica (28/36).

 

 

Observa-se pequena variação na proporção de óbitos por hanseníase no Estado de Mato Grosso, entre os anos 2000 (14,7%) e 2006 (13,9%), e logo uma redução significante, chegando a 7% de óbitos pela doença em 2007 (Tabela 1). Verificou-se que a causa básica do óbito com maior proporção foi a hanseníase não específica (CID-A30.9): 98 óbitos (75,9%). No entanto, se considerados os casos paucibacilares por meio das formas clínicas, esses representam cerca de 15%. Verificou-se predomínio de óbitos entre os idosos (68; ou 52,7%) e o gênero masculino (97; ou 75,1%).

 

 

Quanto ao ano de diagnóstico, segundo os registros do Sinan/MT entre os indivíduos que foram a óbito, observou-se variação de 14 casos em 2002 a 1 óbito em 2007, ocorrendo o mesmo com o ano de alta, com 15 casos em 2004 e 2 em 2007, sem predomínio de qualquer um dos anos em estudo (Tabela 2). Independentemente do tipo de alta dos casos que foram a óbito por hanseníase segundo o Sinan/MT, verificou-se que a maioria era multibacilar (73/88), destacando-se as formas clínicas virchowiana (46/88) e dimorfa (26/88). Observou-se que na maior parte dos casos, não foi avaliado o grau de incapacidade (60/88), sendo mais frequentes os óbitos entre idosos (45/88). O sexo masculino representou a maior proporção dos óbitos (68; ou 77,2%), assim como o baixo nível de escolaridade (35/88) e a raça/cor branca (21/88).

 

 

A Tabela 3 apresenta a comparação das proporções das características dos indivíduos registrados no Sinan/ MT segundo o tipo de alta, constantes no SIM/MT como óbitos por hanseníase como causa básica, no período de 2000 a 2007. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes para a faixa etária, entre as proporções nos dois grupos. Já as variáveis sexo, escolaridade, raça/cor, classificação operacional, forma clínica, grau de incapacidade e esquema terapêutico, estas sim, apresentaram diferenças estatisticamente significantes entre as categorias observadas. Não obstante, as proporções dessas variáveis são semelhantes entre os grupos que receberam alta por cura e alta por óbito. Quanto ao sexo, verificou-se que, independentemente do motivo do encerramento do caso, houve predomínio masculino, com 25 óbitos com alta por cura e 27 óbitos com alta por óbito. No que se refere à escolaridade, a maior frequência de óbitos foi verificada entre aqueles com menos anos de estudo, em ambos os grupos: 14 óbitos com alta por cura e 16 óbitos com alta por óbito. Sobre a raça/cor dos indivíduos que foram a óbito, os de raça parda receberam alta por cura em maior frequência (9), e os brancos, maior frequência de alta por óbito (15). A classificação operacional multibacilar foi registrada com maior frequência, independentemente do motivo da alta (34 por cura e 29 por óbito). Resultado semelhante foi observado em relação à forma clínica, sendo a virchowiana mais frequente (23 altas por cura e 15 altas por óbito). Na avaliação do grau de incapacidade, não foram verificadas diferenças nas proporções entre os graus, assim como na maior proporção de não avaliados em ambos os motivos de alta (15 por cura e 29 por óbito). Do mesmo modo, predominou a poliquimioterapia multibacilar de 24 doses (26 altas por cura e 15 altas por óbito). A hanseníase não específica foi a causa básica do óbito mais frequente, independentemente do tipo de encerramento do caso (28/36).

 

 

A Figura 2 mostra o tempo transcorrido (em meses) entre o diagnóstico de hanseníase e o óbito, para os grupos de casos classificados no Sinan/MT como alta por cura e alta por óbito. Observou-se, para o grupo que recebeu alta por cura, um período de 5 a 122 meses desde o diagnóstico até o óbito, enquanto no grupo classificado como de alta por óbito, esse período variou de zero a 31 meses. Verificou-se tendência de aumento no tempo em meses entre o diagnóstico e o óbito para aqueles que receberam alta por cura, e redução desse tempo para aqueles que foram a óbito durante o tratamento.

 

 

Discussão

A análise das informações dos casos de hanseníase no Sinan/MT mostra que cerca de 40% dos indivíduos com registro de óbito por hanseníase como causa básica no SIM/MT, entre os anos de 2000 e 2008, já haviam recebido alta por cura de hanseníase antes do óbito. O critério para alta por cura é representado pela conclusão das doses mensais supervisionadas da PQT.2 Portanto, os óbitos que ocorreram após o término do tratamento, possivelmente, não estão relacionados à hanseníase e sim a estados reacionais ou complicações pós-tratamento.9 Outra possibilidade a ser considerada é o fato de a hanseníase provocar sequelas irreversíveis,10 as quais podem influenciar no entendimento do conceito de hanseníase no momento do preenchimento da DO.

Sabendo-se que a hanseníase no Brasil, assim como em Mato Grosso, configura-se como causa básica e associada de óbito,1 e pressupondo que a proporção dos óbitos verificada no Estado como de casos curados - segundo registros do Sinan/MT - seja a mesma para o restante do país, 740 pessoas das 1.850 que tiveram a hanseníase registrada como causa básica do óbito, entre os anos 2000 e 2007, já haviam sido curadas da hanseníase antes do óbito. Entretanto, foi observada - segundo as informações do Sinan/MT - a mesma proporção de casos registrados como encerramento do caso com óbito por hanseníase, representando aproximadamente 40% do total. O tempo médio transcorrido entre o diagnóstico da doença e o óbito foi seis vezes menor para esse grupo, ou seja, a maioria dos indivíduos faleceu nos primeiros meses de tratamento.

Neste estudo, verificou-se que as características pessoais, clínicas e de tratamento dos indivíduos que tiveram hanseníase como causa básica de morte são muito semelhantes, independentemente de o óbito ter ocorrido durante o tratamento com PQT ou após o encerramento do caso, com a completitude das doses prescritas.

No que se refere à idade do indivíduo no momento do óbito, constatou-se que mais da metade das mortes por hanseníase em Mato Grosso ocorreu em idosos, resultado semelhante ao do conjunto total de óbitos por hanseníase no Brasil.1 Esse grupo etário, provavelmente, apresenta maior risco de morte em razão de ser mais propenso a problemas de saúde e contar com menor poder de resposta ao tratamento.11,12 Outros fatores, capazes de aumentar a vulnerabilidade do contingente populacional idoso, incluem o acometimento por co-morbidades e gravidade da doença nessa fase da vida.13 Ressalta-se, contudo, que mais de 45% dos óbitos foram de indivíduos em idade produtiva, de 15 a 59 anos, grupo etário que deveria ter apresentado melhor resposta ao tratamento, tendo em vista que a doença é curável.2

Em relação ao sexo, a mortalidade foi três vezes maior em homens, proporção mais elevada que a média nacional, de 2,5 vezes a mortalidade pela doença em mulheres.1 Os poucos estudos sobre mortalidade por hanseníase realizados em São Paulo mostram a mesma predominância de óbitos em pessoas do sexo masculino.14-16 Sabe-se que os homens são mais frequentemente acometidos8,17,18 e mais propensos ao desenvolvimento de formas mais graves da doença.8

Em relação aos aspectos sociais dos indivíduos que morreram por hanseníase como causa básica, cerca de 60% possuíam baixo nível de escolaridade, achado semelhante ao de um estudo dos óbitos por hanseníase ocorridos no Brasil no mesmo período.1 Fatores sociais e más condições socioeconômicas, incluindo estado de saúde, higiene e saneamento básico, contribuem para que uma determinada população seja mais propensa a desenvolver a hanseníase e suas complicações.19-20

A raça/cor predominante foi a branca, com quase 1/3 dos casos, achado similar entre os óbitos por hanseníase ocorridos no Brasil1 e em São Paulo.16 Corroboram com esse resultado outros estudos sobre população acometida por hanseníase, que revelaram ser a maior parte dos casos pertencente ao grupo de raça/cor branca.21-22 Contudo, a conclusão deve ser analisada com cautela, em razão de 49% dos dados relativos a essa variável não estarem preenchidos.

Semelhanças também são verificadas quanto aos aspectos clínicos dos casos que foram a óbito, em sua maioria classificados como multibacilares. Estes dependem de um tempo de tratamento mais longo, geralmente são mais graves quando diagnosticados tardiamente, e podem apresentar maior probabilidade de reações hansênicas e complicações pós-tratamento.4,8,23

Entre as formas clínicas, a virchowiana acometeu mais da metade dos casos. Estudos de comparação entre as formas clínicas têm mostrado que pacientes virchowianos apresentam maior potencial reacional e, consequentemente, maior grau de incapacidade e complicações após alta do tratamento.7,24 Pacientes virchowianos também apresentam menor sobrevida - 6,3 anos por paciente - em relação aos demais portadores.25 A proporção mais elevada de óbitos de casos classificados como virchowianos é coerente com estudos de mortalidade por hanseníase realizados em São Paulo14-16 e no Brasil.1 Tal fato pode estar relacionado à prevalência de casos da forma clínica virchowiana entre aqueles que desenvolvem a doença nas diversas regiões brasileiras, inclusive no Estado de Mato Grosso.18,23,26-28

No que se refere ao tratamento, o esquema terapêutico mais frequentemente prescrito foi a poliquimioterapia para multibacilares com 24 doses, para cerca de 53% dos casos. Em situações extremas, principalmente de casos multibacilares, é recomendado tratamento com 24 doses de PQT/MB supervisionadas.4

As informações referentes à avaliação de incapacidades mostrou que 20% dos casos avaliados não apresentavam incapacidades (grau 0). Estudos realizados no Brasil, referentes ao grau de incapacidade dos portadores de hanseníase, mostram maior percentual de indivíduos com grau zero na avaliação de incapacidades.22 Entretanto, quase 70% dos casos de óbitos não foram avaliados quanto ao grau de incapacidade física, o que interfere na análise de uma possível relação com o evento investigado.

Entre os óbitos, ressalta-se que 15% são de casos de hanseníase classificados operacionalmente como paucibacilares. Sabe-se que para os paucibacilares, o tempo de tratamento até a cura da doença é menor, bem como o risco de retratamento da doença.1,2 Os casos paucibacilares, quando tratados oportunamente, apresentam menor frequência de complicações, estados reacionais e recidivas.2,8-10

O presente estudo foi desenvolvido a partir de bases de dados secundárias. Sabe-se que os registros do Sistema de Informações sobre Mortalidade podem ter sido influenciados pela qualidade do preenchimento dos diversos campos da Declaração de Óbito, principalmente sobre as causas da morte.29 O Sistema de Informação de Agravos de Notificação, por sua vez, é influenciado pela qualidade do preenchimento dos campos, especialmente no encerramento do caso. Outra limitação do estudo refere-se à dificuldade em identificar os óbitos entre os registros dos casos de hanseníase no Sinan/MT, haja vista serem óbitos de residentes em Mato Grosso quando morreram, podendo haver sido tratados da hanseníase em outras unidades da Federação. Ainda assim, a caracterização dos óbitos por hanseníase mostra importantes falhas no acompanhamento dos casos, como na especificação dos agravos que levaram ao óbito de indivíduos tratados por hanseníase e/ou em tratamento da doença. Este estudo aponta a necessidade de aperfeiçoamento dos registros no Sinan em relação à evolução dos casos, particularmente ao óbito. Do mesmo modo, registros de hanseníase no SIM como causa básica do óbito merecem investigação. Tais sistemas de informações subsidiam a compreensão do processo de adoecimento e morte da população, além de contribuírem para o aprimoramento das políticas públicas de saúde no Brasil.

A frequência de registros de hanseníase como causa básica de óbito é destacável, uma vez que a doença tem tratamento e cura.2 Ressalta-se que o conceito de cura da hanseníase é operacional e está vinculado ao critério definido para o encerramento dos casos tratados com PQT.2,4 A completitude do tratamento da infecção hansênica não exclui a necessidade de acompanhamento dos casos. O exame dermatoneurológico para o diagnóstico e a entrega dos blisters da PQT não parecem ser suficientes para evitar óbitos por hanseníase. Os centros de referência em hanseníase devem estar preparados para prestar assistência às complicações da doença, que incluem casos de recidivas, reações hansênicas graves e efeitos colaterais causados pelas drogas.4,30

Os registros de óbitos por hanseníase no Estado de Mato Grosso incluíram indivíduos curados da doença, que, possivelmente, não morreram por hanseníase. Os curados e aqueles que foram a óbito durante o tratamento caracterizam-se pela idade avançada, baixo nível de escolaridade, e por serem ou terem sido portadores da forma clínica virchowiana.

 

Contribuição dos autores

Ramos ARS participou da elaboração do manuscrito e análise dos dados.

Ferreira SMB participou da revisão do texto e das referências.

Ignotti E participou da revisão do texto e da análise dos dados.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito.

 

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Endereço para correspondência:
Aleksandra Rosendo dos Santos Ramos -
Rua dos Operários, 1002,
Centro, Cáceres-MT, Brasil.
CEP: 78200-000
E-mail:
alegramos@hotmail.com

Recebido em 14/09/2012
Aprovado em 20/03/2013

 

 

*Este manuscrito baseia-se na dissertação de Aleksandra Rosendo dos Santos Ramos para o curso de Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso, sobre estudo financiado pelo Programa de Apoio a Núcleos Emergentes de Pesquisa: Edital PRONEM/FAPEMAT/CNPq - no 006/2011.