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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.2 Brasília jun. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000200012 

ARTIGO ORIGINAL

 

Evolução temporal e diferenciais intra-urbanos da Mortalidade Materna em Aracaju, Sergipe, 2000-2010

 

Temporal evolution and intra-urban differentials of Maternal Mortality in Aracaju, Sergipe, 2000-2010

 

 

Cristiani Ludmila Mendes Sousa BorgesI; Maria da Conceição Nascimento CostaII; Eduardo Luiz Andrade MotaII; Greice Maria de Souza MenezesII

ISecretaria Municipal de Saúde de Aracaju-SE, Brasil
IIInstituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar a evolução temporal e diferenciais intraurbanos da mortalidade materna, em Aracaju, no período 2000-2010.
MÉTODO: estudo ecológico com dados dos Sistemas de Informação sobre Mortalidade e de Nascidos Vivos e do Comitê Municipal de Prevenção da Mortalidade Materna. Calculou-se Razão de Mortalidade Materna (RMM/100.000NV) anual e por estratos socioeconômicos.
RESULTADOS: a mortalidade materna foi estável no período investigado (p=0,35). Dos óbitos maternos com informação registrada, a maioria era de mulheres pardas (50,6%), solteiras (43,7%), com até sete anos de estudo (64,5%) e por causas obstétricas diretas (72,4%). A RMM (83,3/100.000NV no período) foi 1,9 vezes maior em áreas de baixa condição socioeconômica do que naquelas de condição intermediária (p=0,021).
CONCLUSÕES: a elevada mortalidade materna em Aracaju, com maiores riscos em estratos de baixa condição socioeconômica, indica a necessidade de melhorar a qualidade do pré-natal e a assistência ao parto para gestantes residentes em áreas mais pobres.

Palavras-chave: Mortalidade Materna; Condições Sociais; Iniquidade Social; Tendência Temporal; Análise Espacial.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to analyze maternal mortality temporal evolution and intra-urban differentials in Aracaju, 2000-2010.
METHODS: ecological study using data from Mortality and Live Births (LB) Information Systems as well as Municipal Maternal Mortality Prevention Committee data. The annual maternal mortality rate (MMR/100,000 LB) was calculated and analyzed by socioeconomic strata.
RESULTS: Maternal mortality showed no statistically significant trend (p=0.35). Among maternal deaths having recorded information, the majority were brown women (50.6%), unmarried (43.7%), with up to seven years of schooling (64.5%) and due to direct obstetric causes (72.4%). MMR (83.3/100,000) increased with age and was 1.9 times higher in areas of lower socioeconomic status than in areas of intermediate status (p=0.021).
CONCLUSIONS: Aracajú's high maternal mortality rate, with higher risk in low socioeconomic strata, indicates the need to improve antenatal and delivery care quality for pregnant women living in poorer areas.

Key words: Maternal Mortality; Social Conditions; Social Inequity; Temporal Distribution; Spatial Analysis.


 

 

Introdução

A mortalidade materna representa um relevante problema de saúde que persiste como um grande desafio para gestores e sociedade nos países em desenvolvimento. Em que pese a complexidade de seus determinantes, a morte materna é considerada evitável1 e, portanto, socialmente inaceitável, na medida em que é reconhecido o papel protetor da assistência recebida pela mulher durante a gestação, pré-parto, parto e puerpério.2

Assim, além de revelar o risco de uma mulher vir a falecer por causas maternas, essa mortalidade também reflete as condições de vida e a qualidade da atenção à saúde oferecida à população feminina, expressando o reconhecimento da sociedade para com os direitos humanos das mulheres. Ademais, é um indicador de iniquidades sociais, por se apresentar mais elevada em regiões menos desenvolvidas e mesmo entre mulheres de estratos socioeconômicos menos favorecidos vivendo em locais considerados desenvolvidos,3 expressando a persistência de desigualdades sociais.4

Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), para 2008, indicavam uma Razão de Mortalidade Materna (RMM) de 620 /100.000 Nascidos Vivos (NV) em países africanos, portanto, cerca de 30 vezes maior que em países da Europa, onde a média seria de 21 óbitos maternos /100.000 NV. Cerca de 87% desses óbitos procediam da África Subsaariana e da Ásia, tendo como principais causas, em nível mundial, a hemorragia severa após o parto, infecções, distúrbios hipertensivos e abortos.4

Em 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) a serem alcançados pelos países, entre os quais se encontra a redução da mortalidade materna em 75%, entre 1990 e 2015, visando promover o mais elevado nível de saúde de mulheres e crianças e garantir acesso universal à saúde reprodutiva.5 Segundo relatório da OMS,4 o progresso alcançado é notável, mas a taxa anual de declínio corresponde a menos da metade do que é necessário para atingir a meta de redução da mortalidade materna em nível global. Por sua vez, as altas taxas de óbitos maternos em mulheres infectadas pelo HIV nos países africanos tem dificultado uma maior redução da RMM nestes países.6

No Brasil, o acesso aos serviços de saúde, nos últimos dez anos, tem aumentado de forma expressiva em todos os níveis de atenção. Contudo, ainda é preciso avaliar a qualidade e a efetividade dos atendimentos.7 Embora o país disponha de recursos humanos e tecnológicos suficientes para oferecer atenção obstétrica e neonatal de boa qualidade, os resultados alcançados estão abaixo do mínimo desejável.7,8 Apesar das iniciativas governamentais para reduzir a mortalidade materna, a Razão de Mortalidade Materna (RMM) no país correspondeu a 57,6/100.000 NV, em 2008. Dos 1.685 óbitos maternos registrados, 37,6% ocorreram entre mulheres nordestinas e, destas, 1,5% sergipanas. Naquele mesmo ano, esse indicador em Aracaju foi de 72,7/100.000 NV, valor considerado elevado, a exemplo dos índices de outras capitais nordestinas, como Recife (67,4/100.000 NV), e Salvador (91,4/100.000 NV).9

Portanto, o conhecimento acerca das características epidemiológicas dessa mortalidade necessita ser ampliado, com vistas a se produzir e divulgar informações que possam subsidiar o planejamento de ações e estimular a tomada de decisão para a redução do problema. O objetivo deste estudo foi analisar a evolução temporal e os diferenciais intraurbanos da mortalidade materna segundo condições socioeconômicas, em Aracaju, Sergipe, de 2000 a 2010.

 

Métodos

Foi realizado um estudo ecológico sobre a mortalidade materna em Aracaju, de 2000 a 2010. Este município, capital do Estado de Sergipe, está localizado na região Nordeste do Brasil, e possui área de 181,80 km2. Sua população, em 2010, era de 571.149 habitantes (27,6% da população do estado), e a proporção da população feminina em idade reprodutiva situava-se em 67%.10 O IDH era de 0,77 e a taxa de anafabetismo entre maiores de 15 anos era de 6,6%. A cobertura da Estratégia de Saúde da Família era de 96%, com 136 equipes distribuídas em 43 unidades de saúde.11

Os Sistemas de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) e sobre Mortalidade (SIM), as Declarações de Óbito (DO) materno e as Fichas de Investigação do Comitê Municipal de Prevenção da Mortalidade Materna, Fetal e Infantil/CPMMFI11 foram as fontes de dados. Estas últimas referem-se ao período 2004-2010, em virtude de extravio de fichas de 2001 a 2003. Do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10 foram obtidas informações sobre renda e escolaridade do chefe da família, referentes ao ano de 2000. A malha digital do município foi fornecida pela Secretaria de Infraestrutura do Estado de Sergipe.12

Foram incluídos no estudo os óbitos codificados como O00 a O99 (CID 10), exceto O96 e O97 (óbitos maternos tardios, ou seja, aqueles ocorridos entre 43 dias e um ano após o parto). Considerou-se como morte materna o óbito de uma mulher durante a gestação ou até 42 dias após o término desta, independentemente da duração da gravidez. Já as mortes maternas classificadas como obstétricas diretas resultam de complicações obstétricas na gravidez, parto ou puerpério, enquanto as obstétricas indiretas são decorrentes de doenças anteriores à gravidez ou agravadas pelo efeito fisiológico da gestação. A definição brasileira de idade fértil tem como base a experiência dos comitês de morte materna, que revelam a ocorrência de gravidez em mulheres com menos de 15 anos.13 Faixa etária (entre mulheres de 10 a 49 anos), escolaridade, raça/cor da pele, estado civil, causa básica do óbito e bairro de residência foram as variáveis analisadas.

Mediante utilização da informação sobre renda e escolaridade dos chefes de família de cada bairro, calculou-se sua proporção segundo categorias destas variáveis14 e, posteriormente, foi feita agregação dos bairros nos seguintes estratos de condições socioeconômicas: a) Elevada: composto por apenas um bairro que apresentava a maior proporção de chefes de família com 15 e mais anos de estudo (superior completo, mestrado ou doutorado) e com rendimento superior a cinco salários mínimos do ano-base 2000; b) Intermediária: composto por 14 bairros que apresentavam a maior proporção de chefes de família com 8 a 14 anos de estudo (fundamental e médio completo e superior incompleto) e com rendimento igual e superior a dois até cinco salários mínimos; c) Baixa: constituído por 23 bairros que apresentavam maior proporção de chefes de família sem instrução ou até sete anos de estudo (fundamental incompleto) e sem rendimento ou com rendimento menor que 2 salários mínimos. Dois bairros (Mosqueiro e Santa Maria) foram excluídos desta análise, por não terem sido considerados no Censo Demográfico de 2000.

Considerando-se o período do estudo como um todo, efetuou-se a distribuição da frequência absoluta e relativa dos óbitos maternos segundo as variáveis de interesse. A RMM foi calculada para cada ano, de 2000 a 2010, para os triênios 2001-2003, 2004-2006 e 2007-2009, e para o período total do estudo (RMM - média anual, no intervalo considerado), dividindo-se o número de óbitos maternos pelo número de nascidos vivos, multiplicado por 100.000. A análise da evolução temporal foi realizada pela representação gráfica da curva de tendência das RMM anuais. Para testar a significância estatística da tendência temporal desta série, utilizou-se o teste de sequências (runs), assumindo nível de significância de 0,05, considerando a hipótese nula de que a distribuição dos valores anuais da série é aleatória. Calculou-se ainda a RMM por faixa etária e causa básica do óbito (variáveis que apresentaram sub-registro inferior a 10%) e por estratos de condições socioeconômicas. Para estes últimos, aplicou-se teste Qui Quadrado para avaliar a diferença entre proporções.

Os 52 óbitos investigados pelo CMMPFI também foram analisados segundo estratos de condição socioeconômica, estimando-se sua frequência segundo variáveis demográficas e outras relativas à assistência à gravidez e ao parto. Teste Qui Quadrado com Correção de Yates, quando indicada, foi empregado para examinar diferenças nas proporções por estratos de condições socioeconômicas. Os testes estatísticos foram realizados utilizando-se os programas Stata 10® e EPI INFO versão 6.04d de janeiro de 2001, adotando-se nível de significância de 0,05. Um cartograma foi produzido com a distribuição do número de óbitos maternos e da RMM, por bairros classificados segundo estratos de condições socioeconômicas, empregando-se o software SPRING®, versão 5.1.8.

Por se tratar de estudo com dados secundários, dispensa o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e não oferece qualquer tipo de risco aos sujeitos da pesquisa. Os autores asseguram a confidencialidade e sigilo dos dados, conforme orientações da Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde. O Projeto deste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia sob protocolo número 039/11.

 

Resultados

De 2000 a 2010, ocorreram 92 óbitos por causas maternas em Aracaju, o que representou 4,8% dos óbitos de mulheres em idade reprodutiva. Destes, 87 foram incluídos no estudo, tendo cinco sido excluídos por se tratarem de óbitos maternos tardios. Nos anos 2000 e 2009 registrou-se o maior número de óbitos, 14 e 12, respectivamente, e o menor em 2001 e 2005. A RMM variou de 50,5/100.000 NV, em 2001, a 135,6/100.000 NV, em 2000 (Figura 1), sendo de 83,3/100.000 NV no período 2000-2010. O resultado do teste de sequências (runs) não foi estatisticamente significante (z=-0,930; P=0, 35), portanto o teste não rejeitou a hipótese nula, indicando aleatoriedade na distribuição temporal dos valores das RMM. Para os triênios 2001-2003, 2004-2006 e 2007-2009 os valores desse indicador mostraram-se crescentes (63,2 79,5 e 87,1/100.000 NV, respectivamente), mas a diferença entre eles também não foi estatisticamente significante (Χ2=3,91; p=0,141).

 

 

No que se refere à completitude dos dados na DO, a idade da gestante e a causa da morte foram encontradas em todas as DO. As variáveis raça/cor da pele e estado civil apresentaram sub-registro de 19,5% e 16,1%, respectivamente. No campo referente à variável anos de estudo, constava "ignorado" em 35,6% das DO. As mulheres que foram a óbito por causas maternas tinham entre 15 e 41 anos de idade, com média de 29,6 (desvio padrão = 6,6) anos; 6,9% delas tinham menos de 20 anos.

A RMM foi maior à medida que aumentava a idade da mãe, tendo sido de 152,8/100.000NV para a faixa etária de 30-39 anos e de 228,1/100.000NV para 40 anos e mais. Considerando apenas os dados com informação conhecida sobre cada variável, observou-se que a maior proporção das mulheres que foram a óbito era de cor parda (50,6%), solteira (43,7%), e com quatro a sete anos de estudo (48,9%). A maior proporção das causas foi classificada como obstétrica direta (72,4%). Doenças hipertensivas (17,2/100000NV), infecções (14,4/100000NV), hemorragias (14,4/100000NV) e abortamentos (10,3/100000NV) apresentaram as RMM mais elevadas. (Tabela 1). Dentre as causas obstétricas indiretas prevaleceram as cardiopatias preexistentes (27,6%).

 

 

Observa-se, na Tabela 2 e na Figura 2, que no estrato de elevada condição socioeconômica não houve registro de óbito materno. Naquele de condição socioeconômica intermediária, a RMM foi de 54,3/100.000 NV, alcançando quase o dobro (103,9 /100.000 NV) no de baixa condição socioeconômica, sendo esta diferença estatisticamente significante (Χ2=5,35; p=0,021).

 

 

 

 

Dos 52 óbitos investigados pelo CPMMFI no período 2004 a 2010, três foram excluídos por ausência de informações sobre renda e escolaridade. A análise desses óbitos no estrato de baixa condição socioeconômica evidenciou que 78,8% das mulheres eram negras (p=0,052) e 73,9% tinham menos de oito anos de estudo; 12,5% não realizaram consulta pré-natal e apenas 37,5% realizaram sete ou mais consultas; 36,9% fizeram parto cesáreo. Em 28 casos (77,8%), houve indicação de UTI e 46,6% foram consideradas de alto risco gestacional. A proporção de gestantes que realizaram consulta pré-natal em Unidade Básica de Saúde (UBS) foi duas vezes maior no estrato de baixa condição socioeconômica (80,6%), e a diferença desta proporção entre estratos de condição socioeconômica foi estatisticamente significante (p=0,034) (Tabela 3). No grupo de alto risco gestacional, foi elevada (78,6%) a proporção de mulheres que necessitaram ser transferidas para hospitais que dispunham de UTI.

 

 

Discussão

No período de 2000 a 2010, o município de Aracaju apresentou mortalidade materna com distribuição bastante irregular, não apresentando qualquer tendência, possivelmente em decorrência da grande variabilidade das RMM e do reduzido tamanho da série analisada. Todavia, os valores das RMM foram elevados, sendo 2,8 a 6,8 vezes superiores ao limite de 20 óbitos/100.000NV considerado "aceitável" pela OMS. A magnitude desta mortalidade poderia ter sido ainda maior caso fosse aplicado o novo fator de correção estimado por Luizaga et al.,15 para o Nordeste do país. No entanto, entende-se que o uso desse fator impõe certa cautela, pois, em algumas regiões do Brasil, os dados obtidos diretamente do SIM podem já estar corrigidos por investigação sistemática dos óbitos de mulheres em idade reprodutiva.16

No estado de Sergipe, por exemplo, a cobertura do SIM e do SINASC16 é de 91,6 % e 95,5%, respectivamente e, desde 2001, as causas do óbito são corrigidas pelo CPMMFI e alteradas no SIM, quando necessário. Em Aracaju, anualmente este Comitê investiga quase 70% de cerca de 200 óbitos de mulheres em idade fértil (10-49 anos) e analisa 100% dos óbitos maternos de residentes no município.11 Este procedimento resultou no aumento da notificação dos óbitos maternos, indicando que houve melhoria no registro dessas mortes. Entretanto, as elevadas proporções de falta de informação em diversos campos da DO evidenciam ainda ser necessário promover ações para melhoria do preenchimento deste instrumento de registro de dados.

A mortalidade materna em Aracaju aumentou com a idade da gestante, e a maioria dos óbitos ocorreu entre gestantes solteiras, pardas e de baixa escolaridade, consistente com a literatura específica que refere ser esse tipo de mortalidade evitável e produzido socialmente, expressando desigualdades entre classe social e raça/cor da pele.17-21 Entretanto, no caso desta capital, o não preenchimento de vários campos da DO foi um obstáculo que não pode ser superado, situação similar à encontrada em alguns estudos sobre este e outros problemas de saúde.1,17

O fato de os óbitos maternos em Aracaju, em sua maioria, terem sido de gestantes classificadas como de baixo risco reprodutivo, ocorridos em ambiente hospitalar e, a exemplo de outras capitais.4,18 devidos a causas diretas,4 pode estar indicando a existência de baixa qualidade da assistência à saúde22 e refletindo a necessidade de melhoria na atenção às mulheres para garantia plena dos seus direitos reprodutivos e da pessoa. Igualmente, o registro, no presente estudo, de maior frequência de consulta pré-natal entre óbitos de gestantes que residiam em áreas de baixo nível socioeconômico pode ser sugestivo da existência de problemas na qualidade destas consultas, visto não terem sido evitadas as condições que levaram aos óbitos. No entanto, pelo fato de os dados se referirem a percentuais que não indicam risco, esses achados podem estar refletindo o maior número de gestações ocorridas nestes estratos. Por outro lado, a elevada frequência de óbitos evitáveis, tal como observada em outras capitais brasileiras, como Belém23 e Recife,24 revela que esta mortalidade pode ser bastante reduzida.25

Para a assistência ao parto, Aracaju dispõe de 225 leitos de obstetrícia, mas apenas 138 (62,0%) atendem ao SUS. Ainda que segundo parâmetros do Ministério da Saúde este número seja considerado suficiente para atender à demanda, poder-se-ia considerar que há uma carência de leitos do SUS, tendo em vista que as gestantes usuárias da rede pública são maioria na população, representando aproximadamente 85% dos atendimentos realizados.16 A rede de serviços de saúde de Aracaju também atende a gestantes procedentes de cidades do interior do estado de Sergipe, sobrecarregando seus serviços de saúde. Entretanto, no presente estudo não se dispunha de informações suficientes que possibilitassem o levantamento de hipóteses plausíveis acerca do acesso das gestantes aos serviços de maior complexidade.

Especialmente gestantes do estrato populacional de baixa condição socioeconômica, que necessitaram de cuidados em unidades de terapia intensiva (UTI), precisaram ser transferidas para hospitais que dispusessem do referido serviço. Este fato também pode ter influenciado na sobrevida dessas mulheres, pois serviços que possuem leitos de UTI tendem a efetivar mais facilmente e de forma mais precoce a indicação de terapia intensiva, inclusive em caráter preventivo.26 Portanto, não por acaso, o padrão de distribuição espacial da mortalidade materna em Aracaju tenha evidenciado uma concentração dos óbitos nas áreas da cidade onde vivem as populações de estrato de baixa condição socioeconômica, conforme já observado em estudos realizados em outros locais sobre diferentes problemas de saúde.27-28

Ao apontarem áreas da cidade mais vulneráveis, as informações produzidas neste estudo podem ser importantes para o planejamento de serviços saúde voltados à assistência materno-infantil, por permitirem a identificação de desigualdades sociais em saúde e seus determinantes e, assim, subsidiarem a formulação de políticas públicas intersetoriais mais justas na perspectiva da equidade, da melhoria da qualidade de vida e da saúde.29-30 Faz-se necessário que se incrementem as ações de vigilância à saúde das mulheres em idade fértil, com investimentos na assistência pré-natal e na qualificação dos profissionais que prestam assistência ao parto, especialmente em bairros de baixa e muito baixa condição socioeconômica, com vistas à redução da mortalidade materna em Aracaju. Especial atenção também deverá ser dada à melhoria no preenchimento dos campos da Declaração de Óbitos.

Salienta-se que as informações aqui apresentadas demandam certa cautela na sua interpretação, em virtude do sub-registro de algumas variáveis e da possibilidade de subnotificação de óbitos maternos em Aracaju. Além disso, a variabilidade aleatória da RMM, associada ao pequeno tamanho das unidades geográficas, pode ter resultado em alguma inconsistência quando da construção do cartograma da distribuição dos óbitos maternos por bairro. Apesar dessas limitações, entende-se que, para a redução da mortalidade materna, é crucial a sensibilização dos gestores públicos no sentido de que sejam garantidos serviços de saúde resolutivos, de boa qualidade e acessíveis à população, especialmente aqueles voltados para as mulheres em idade reprodutiva.

 

Contribuição dos autores

Borges CLM, Costa MCN, Mota ELA e Menezes GMS participaram da concepção e execução do estudo, análise e interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica do conteúdo.

Todos os autores aprovaram a versão final do artigo.

 

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Endereço para correspondência:
Maria da Conceição Nascimento Costa -
Instituto de Saúde Coletiva,
Rua Basílio da Gama, s/n,
Canela, Salvador-BA, Brasil.

CEP: 40-110-040
E-mail: mcncosta@ufba.br

Recebido em 06/03/2013
Aprovado em 31/05/2013