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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.3 Brasília sep. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000300004 

ARTIGO ORIGINAL

 

Tendência de mortalidade por acidentes de motocicleta no estado de Pernambuco, no período de 1998 a 2009*

 

Mortality trends in motorcycle accidents in the State of Pernambuco, 1998-2009

 

 

Maria Luiza Carvalho de LimaI; Eduarda Ângela Pessoa CesseII; Marcella de Brito AbathII; Fernando José Moreira de Oliveira JúniorIII

IDepartamento de Saúde Coletiva, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz e Departamento de Medicina Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife-PE, Brasil
IIDepartamento de Saúde Coletiva, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife-PE, Brasil
IIIDepartamento de Saúde Coletiva, Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz e Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, Recife-PE, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar a tendência da mortalidade por acidentes de motocicleta (AM) no período de 1998 a 2009, no Estado de Pernambuco, Brasil, segundo sexo e Regiões de Desenvolvimento (RD).
MÉTODOS: estudo ecológico de série temporal dos óbitos por AM de residentes em Pernambuco registrados entre 1998 e 2009; para a análise da tendência dos coeficientes de mortalidade por AM, utilizaram-se modelos de regressão polinomial.
RESULTADOS: no período, ocorreram 3.110 óbitos por AM; o coeficiente médio de mortalidade por AM foi de 2,81 (por 100 mil habitantes); observou-se sobremortalidade masculina em toda a série estudada; a tendência da mortalidade revelou um crescimento médio anual de 0,3 óbitos por 100 mil hab. (p=0,001); a média anual de crescimento foi maior no sexo masculino e nas RD de Sertão do Araripe, Sertão Meridional e Sertão do Pajeú.
CONCLUSÃO: a tendência da mortalidade por AM foi crescente; recomenda-se implementar intervenções amplas e multissetoriais para o enfrentamento desse problema.

Palavras-chave: Acidentes de Trânsito; Motocicletas; Mortalidade; Coeficiente de Mortalidade, Distribuição Temporal.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to analyse motorcycle accident (MA) mortality trends from 1998 to 2009 in Pernambuco according to gender anddevelopment areas (DA).
METHODS: ecological time series study of Pernambuco state residentMA deaths recorded between 1998 and 2009. Polynomial regression models were used, with statistical significance set at 5%, to analyse AIA mortality coefficient trends.
RESULTS: 3,110 MA deaths and average MA mortality coefficient of 2.81/100,000 inhabitants. Excess male mortality was found in the entire time series studied. Mortality showed an average annual increase trend of 0.3 deaths per 100,000 inhab. (p=0.001). Average annual increase was higher in males and in the Araripe, Meridional and Pajeú hinterland DAs.
CONCLUSION: given the growing trend of MA mortality, wide-ranging and multi-sectoral intervention implementation is recommended to respond to this problem.

Key words: Accidents, Traffic; Motorcycles; Mortality; Mortality Rate, Temporal Distribution.


 

 

Introdução

No Brasil, a adoção de diversas medidas de intervenção, tais como o incremento da segurança dos veículos, o aumento da fiscalização eletrônica de velocidade, a implantação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) de 1998 e recentemente, em 2008, a chamada "Lei seca", atualizada em 2012 pela Lei no 12.760, contribuiu para a redução da morbimortalidade por Acidentes de Transporte Terrestre (ATT).1-4 Contudo, essa redução não vem sendo mantida, em função das deficiências na fiscalização e no cumprimento das leis.1,3,5,6 Ademais, contribuem para a manutenção desse quadro o pouco investimento em infraestrutura e educação, e o incentivo e facilitação para a compra de veículos a motor, especialmente de motocicletas.5,7,8

A Organização Mundial da Saúde (OMS)9 reconhece a complexidade dos ATT e a necessidade de se ampliar as ações dirigidas a seu controle, no sentido de assumir outros processos sociais como determinantes. Dessa forma, em seu relatório sobre prevenção das lesões decorrentes do trânsito, a Organização aponta a necessidade de mudança do paradigma na segurança no trânsito, aliada ao conceito da Promoção da Saúde.

O Brasil apresentou, em 2010, uma taxa de mortalidade por ATT em torno de 21,5 por 100 mil habitantes,6 acima da média mundial (19 por 100 mil hab.) e da média dos países de alta (12,6 por 100 mil hab.) e de baixa renda (20,2 por 100 mil hab.).8

Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) sobre o período de 1996 a 2010 demonstraram que até o ano de 2006, no Brasil, os acidentes envolvendo motocicletas representavam a terceira maior taxa de mortalidade no grupo dos ATT e, a partir de 2009, já eram responsáveis pela maior taxa de mortalidade por ATT: 6,2 por 100 mil habitantes.6

A maioria dos Estados e municípios brasileiros segue o padrão epidemiológico nacional de ATT, apresentando crescimento da mortalidade por acidentes de motocicletas, embora haja variações na magnitude desse acréscimo. Este aspecto tem chamado a atenção de diversos autores,5,7,10-13 que ressaltaram a necessidade de estudar os acidentes de motocicletas com suas especificidades locais, visando à proposição de medidas de controle efetivas.

Em Pernambuco, entre 1996 e 2006, o coeficiente de mortalidade de motociclistas aumentou 875%.7 O Estado ocupou a 18a colocação no ordenamento das unidades federadas segundo esse indicador, em 2010: 8,5 por 100 mil hab.6

Diante desse contexto e da heterogeneidade desses acidentes nas diferentes regiões do Estado, torna-se oportuno estudar a tendência dos acidentes por motocicletas em Pernambuco e em suas Regiões de Desenvolvimento (RD), como forma de subsidiar a elaboração de políticas para o enfrentamento desse problema. As RD apresentam aspectos comuns quanto à cultura, política, território e economia do conglomerado de municípios que as compõem, e são utilizadas para definição de prioridades e investimentos intersetoriais.14

Nesse sentido, o presente estudo objetiva analisar a tendência da mortalidade por acidentes de motocicleta, segundo sexo e Região de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco, Brasil, no período de 1998 a 2009.

 

Métodos

Realizou-se um estudo ecológico, de série temporal da mortalidade por acidentes de motocicletas de residentes no Estado de Pernambuco, registrados pelo SIM no período de 1998, ano quando o Código de Trânsito Brasileiro entrou em vigor, até 2009.

O Estado de Pernambuco se divide em 12 RD, a saber: Metropolitana; Mata Norte; Mata Sul; Agreste Setentrional; Agreste Meridional; Agreste Central; Sertão do Pajeú; Sertão do Moxotó; Sertão de Itaparica; Sertão Central; Sertão do São Francisco; e Sertão do Araripe.14

O grupo dos acidentes de motocicletas é denominado 'motociclista traumatizado em um acidente de transporte' segundo a Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), códigos V20 a V29, sendo esses os códigos utilizados neste estudo.

Foram construídos coeficientes de mortalidade tendo como numerador os óbitos por acidentes de motocicletas, e como denominador, a população de cada ano da série estudada. Foram utilizadas estimativas intercensitárias e o Censo Demográfico do ano 2000, realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para definição da população do período estudado.

Como forma de suavizar a influência da estrutura etária das diferentes populações sobre os coeficientes calculados, e possibilitar sua comparação,15 procedeu-se à padronização dos coeficientes de mortalidade por acidentes de motocicleta por idade, utilizando-se o método direto. Tomou-se como referência a distribuição etária da população de Pernambuco no ano de 1998.

Os coeficientes médios de mortalidade por acidentes de motocicleta (total e por sexo) foram calculados por meio da soma dos óbitos por acidentes de motocicleta ocorridos no período, dividido pelo número de anos estudados.

Adicionalmente, a razão de sexo foi calculada dividindo-se o valor do coeficiente de mortalidade por acidentes de motocicleta no sexo masculino, pelo mesmo indicador no sexo feminino.

Na análise da tendência, utilizou-se o modelo de regressão polinomial, no qual os valores da série do coeficiente de mortalidade por acidentes de motocicleta (por 100 mil habitantes) foram considerados como variável dependente (Y), e os períodos do estudo, como variável independente (X).

Para evitar a correlação serial entre os termos da equação da regressão, foi realizada a transformação da variável 'período' na variável 'período-centralizado', utilizando-se o período menos o ponto médio da série histórica, conforme recomendação de Latorre e Cardoso.16

Para o estudo, foram testadas as funções que mais se ajustaram à trajetória da mortalidade por acidentes de motocicleta, promovendo-se ajustes lineares de primeira, segunda e terceira ordens, além do modelo de suavizamento exponencial. A escolha do modelo que mais se ajustou à série foi determinada pela análise de sua significância, coeficiente de determinação e análise dos resíduos. O nível de significância estatística adotado foi de 5%. Foram utilizados os programas EPIDAT versão 3.1, para a padronização dos coeficientes, e Stata, para a análise de regressão.

Os dados analisados foram extraídos do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), de domínio público, que não permite a identificação das vítimas. Dessa forma, o estudo teve dispensa de apreciação por comitê de ética em pesquisa.

 

Resultados

No período de 1998 a 2009, ocorreram 17.611 óbitos por ATT no Estado de Pernambuco. Desses, 3.110 foram por acidentes de motocicleta (17,6%). Nesse período, o coeficiente médio de mortalidade por acidentes envolvendo esse tipo de veículo foi de 2,81 (por 100 mil habitantes). A variação percentual dos coeficientes de mortalidade por acidente de motocicleta entre os anos extremos da série (1998 e 2009) foi de 428%. Esta variação foi de 450% no sexo masculino e de 274% no sexo feminino (Tabela 1).

 

 

A razão de sexo variou entre 5,7, em 1998, e 15,1, em 2002. Observou-se uma sobremortalidade masculina em toda a série estudada, sendo a razão média do período de 10 óbitos em homens para cada óbito em mulher por acidente de motocicleta (Tabela 1).

A tendência da mortalidade por acidentes de motocicleta revelou um crescimento médio anual de 0,3 óbitos por 100 mil habitantes em Pernambuco (p<0,001) (Tabela 2).

 

 

Observou-se tendência crescente da mortalidade por acidentes de motocicleta quando estratificada por sexo. A média anual de crescimento foi de 0,6 óbitos por 100 mil habitantes para o sexo masculino (p<0,001) e de 0,05 por 100 mil hab. para o sexo feminino (p=0,001) (Tabela 2 e Figura 1).

 

 

Na análise por Região de Desenvolvimento, encontrou-se tendência crescente da mortalidade por acidentes de motocicleta em todas as Regiões de Desenvolvimento, com exceção das RD do Sertão Central e do Sertão de São Francisco (Tabela 2).

 

Discussão

Os elevados coeficientes de mortalidade por acidentes de motocicleta em Pernambuco e em suas diferentes RD, algumas com taxas maiores que a da Região Metropolitana do Recife-PE, acompanham a tendência observada no país.8

Semelhante à situação de Pernambuco, no Brasil, entre 1996 e 2010, observou-se acentuado crescimento no número absoluto de óbitos por acidentes de motocicletas (846,5%), assim como do coeficiente de mortalidade (679,4%).6 Segundo Waiselfisz,6 esses foram os maiores incrementos entre todas as categorias de ATT e, paradoxalmente, ocorreram, principalmente, nos anos seguintes à implantação do novo código de trânsito.

Koizumi13 observou que a relação 'vítimas fatais e não fatais por número de acidentes de motocicleta' foi de 1,32, enquanto para os demais veículos motorizados essa relação foi de 0,85, evidenciando a maior vulnerabilidade dos motociclistas. As insuficientes iniciativas para diminuir a ocorrência de acidentes de motocicleta, os comportamentos infratores dos motociclistas e os problemas estruturais das vias públicas figuram como possíveis justificativas para o elevado número de óbitos por esses acidentes.12 De acordo com Souza e Lima,17 também colaboram para a intensificação dos acidentes de motocicletas as categorias de trabalhadores que atuam como motofretistas e mototaxistas. Mello Jorge e Koizumi7 consideram que a ascensão no número de acidentes de trânsito, incluindo os acidentes de motocicletas, pode corresponder à flexibilização das medidas de fiscalização e à falta de infraestrutura no ambiente de circulação.

Segundo Pavarino Filho,18 para se conseguir impactos mais eficientes e duradouros na redução da morbimortalidade no trânsito de forma geral, no contexto brasileiro, tem-se que se intervir, também, em outros processos determinantes, tais como: planejamento urbano; plano diretor de transportes; prioridade para o transporte público; direitos de cidadania; entre outros. Dessa forma, o autor salienta que a ideia de promoção da saúde no âmbito do trânsito é fundamental, por extrapolar a dimensão comportamental interpessoal e enfocar esferas mais amplas das relações sociais, permeadas por componentes políticos, econômicos e culturais que determinam a realidade. Tal concepção é particularmente importante no contexto dos acidentes de motocicleta.

Nesse sentido, além da necessidade de maior orientação à população e fiscalização das leis do trânsito e de melhor qualidade e conservação das vias, considerando-se a concepção ampliada das ações para além do âmbito do comportamento humano, é provável que o crescimento da mortalidade por acidentes de motocicleta em Pernambuco seja reflexo do modelo econômico adotado no país, principalmente a partir da última década do século XX.

Desde 1990, a frota de motocicletas vem aumentando, sendo intensificada a partir de 1996;8 segundo Silva e colaboradores,10 o aumento na frota de veículos está associado à morte por ATT, especialmente entre motociclistas.

A frota de motocicletas aumentou, tendo em vista a implementação de políticas federais que favoreceram a massificação do uso desse veículo via formulação de leis relativas à produção, benefícios fiscais e condições especiais de financiamento, tornando a motocicleta de fácil acesso para a classe média baixa e grupos de baixa renda.8

Desde a década de 1990, como decorrência do comportamento da economia, que privilegiou o setor de serviços e fez crescer a informalidade, a precariedade do mercado de trabalho e o desemprego, a motocicleta passou a ser intensamente utilizada como meio de transporte e, também, como instrumento de trabalho.19 Apenas em 2009, foi sancionada a Lei que regulamenta o exercício das atividades do mototaxista e motoboy.20

Nesse cenário, o trânsito passa a ser uma das expressões da exacerbação da violência social que se faz sentir intensamente no Brasil, na virada do século XX para o século XXI, acompanhando uma economia globalizada e um processo de urbanização acelerado, sem infraestrutura básica adequada e permeado de injustiças sociais.21

Em relação ao maior risco de óbito por acidentes de motocicletas no sexo masculino, os resultados do presente estudo corroboram os da pesquisa de Souza e Lima.17 Estas autoras17 observaram sobremortalidade masculina para esses acidentes nove vezes maior do que a observado no sexo feminino no Brasil, em 2003. De modo semelhante, avaliação do Ministério da Saúde22 demonstrou que no país, em 2006, a sobremortalidade masculina para esses acidentes foi cerca de oito vezes maior.

Pesquisa realizada em um serviço de emergência do município de Teresina, capital do Estado do Piauí, demonstrou que 85,8% das pessoas atendidas por acidentes de motocicletas eram do sexo masculino.23 A razão de sobremortalidade masculina para os acidentes de motocicletas em Medellín, Colômbia, no período de 2005 a 2008, foi de 33:1.24 Marín-León e colaboradores12 afirmam que o risco de óbito por ATT em geral, não apenas por motocicleta, sempre foi maior no sexo masculino.

Um dos fatores determinantes que pode explicar, em parte, essa diferença observada entre sexos é o comportamento de risco atribuído ao sexo masculino, principalmente em idade jovem, conforme mencionado por Marín-León e Vizzoto.25 Segundo esses autores, entre esses comportamentos de risco, destacam-se o excesso de velocidade, o uso abusivo do álcool e a existência de multas anteriores. Multas anteriores indicam que o condutor cometeu transgressões às leis de trânsito e, portanto, assumiu um comportamento de risco.

Cabral, Souza e Lima26 acrescentam, ainda, as manobras arriscadas e afirmam que esses comportamentos de risco são determinados social e culturalmente. Contudo, visualizam a possibilidade de mudança desse cenário em um futuro próximo pela ocorrência de tendência de aumento de participação feminina na condução de veículos, inclusive motocicletas.

Os resultados encontrados no presente estudo quanto à análise por Região de Desenvolvimento apontam para o fenômeno da interiorização da mortalidade por acidentes de motocicleta. A tendência de aumento dos acidentes de motocicleta, principalmente nas RD de Araripe, Agreste Meridional e Pajeú, provavelmente está relacionada ao intenso crescimento econômico nessas áreas, as quais detêm como principais processos econômicos o polo gesseiro, a indústria têxtil, a agricultura irrigada e a indústria, respectivamente.

O crescimento econômico nessas Regiões não se faz acompanhar de melhoria a contento do transporte coletivo, de aumento da escolaridade e de uso de equipamentos individuais e coletivos como, por exemplo, demarcações dos ambientes de circulação. Tais aspectos, possivelmente, contribuem para a elevada mortalidade por acidentes de motocicletas nessas RD.

A Região Metropolitana Recife-PE apresentou o menor crescimento médio de acidente de motocicleta, apesar de ser a região mais urbanizada de Pernambuco. Estudos apontam a maior urbanização como fator favorecedor aos ATT em geral.27 Por outro lado, tal aspecto pode ser justificado pelo fato de na Região Metropolitana concentrarem-se os municípios de maior porte populacional.

Segundo o Ministério da Saúde, a proporção de óbitos por acidentes de motocicleta diminui à medida que o porte populacional aumenta.28 Entretanto, estudo demonstrou que, no Brasil, entre os anos 2000 e 2010, a maior variação percentual da taxa de mortalidade por esses acidentes ocorreu nos municípios com mais de 500 mil habitantes (79,4%), seguida pelas taxas equivalentes naqueles municípios com menos de 20 mil habitantes (77,4%).29

Esse mesmo estudo demonstrou que nesse período, os municípios com mais de 500 mil habitantes apresentaram as menores taxas de mortalidade por acidentes de motocicletas29 e é principalmente nos municípios de menor porte que as motocicletas vêm se constituindo em uma alternativa para o transporte público e um substituto para os meios de transporte tradicionais, de tração animal.22

Além disso, nos municípios do interior, em geral, a fiscalização da legislação de trânsito e as políticas de segurança viária são menos abrangentes, favorecendo o maior número de acidentes. De acordo com a OMS,9 a inexistência de vias próprias para a circulação de motocicletas e a falta de planejamento que vise à melhoria e conservação das vias contribuem para a ocorrência desses acidentes. Tal situação é mais comum no interior do Estado.

Estudo realizado em Fortaleza, Ceará, em 2007, com motociclistas acidentados e internados em um hospital de emergência, demonstrou que 66,1% dos acidentes ocorreram no interior daquele Estado.30

De acordo com Silva,31 o maior crescimento de acidentes letais de motocicletas observado no interior do Estado pode ter relação com a (i) maior fluidez no trânsito, que possibilita maiores velocidades, (ii) aumento da frota de motocicletas pela agilidade e praticidade de deslocamento proporcionada por esse veículo, bem como pela facilidade às linhas de financiamento, (iii) fragilidade na fiscalização do trânsito e (iv) precárias condições das vias.

Por outro lado, duas RD que são do interior do Estado não apresentaram tendência crescente da mortalidade por acidentes de motocicleta: a RD do Sertão Central e do Sertão de São Francisco, sendo importante que estudos sejam feitos para identificar as possíveis explicações para esse fato nessas Regiões.

Convém citar que a pesquisa apresenta limitações. Por se tratar de um estudo epidemiológico quantitativo descritivo, não tem a pretensão de investigar fatores de risco e processos sociais envolvidos nos acidentes em cada RD. Sugere-se que outros estudos, principalmente de abordagem qualitativa, sejam feitos para dar conta dessas lacunas. Outra limitação do estudo é a utilização do Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM - como fonte de dados, pela provável existência de subregistro dos óbitos nos municípios do interior; e ademais, pela utilização de seus dados brutos, sem redistribuição dos óbitos por acidentes de transporte não especificados, assim como aqueles por causas mal definidas, o que pode ter resultado em subestimação dos coeficientes.

Apesar das limitações que a pesquisa possa apresentar, reveste-se de importância na medida em que evidencia a magnitude do problema dos acidentes de motocicleta e sinaliza que a tendência futura é de piora em Pernambuco. Considerando-se que esses acidentes geram impacto social elevado para o Estado e para o país, o estudo revela às autoridades, tanto da área da Saúde como dos gestores das diversas políticas relacionadas aos acidentes de transporte terrestre, a necessidade de se investir em medidas de promoção, prevenção e intervenções que envolvam, pelo menos, o ambiente de circulação dos veículos e medidas comportamentais relacionadas ao indivíduo.

 

Contribuição dos autores

Lima MLC e Cesse EAP participaram da concepção do estudo, análise e interpretação dos dados e revisão do conteúdo intelectual do artigo.

Abath MB e Oliveira Júnior FJM participaram da interpretação dos dados e redação do artigo.

Todos os autores aprovaram a versão final.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Maria Luiza Carvalho de Lima -
Avenida Professor Moraes Rego, s/n,
Cidade Universitária, Recife-PE, Brasil.
CEP: 50000-000
E-mail: luiza@cpqam.fiocruz.br

Recebido em 27/03/2013
Aprovado em 06/06/2013

 

 

*Projeto financiado pela Facepe: Edital PPSUS/Processo APQ 1341-400/08.