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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.3 Brasília sep. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000300006 

ARTIGO ORIGINAL

 

Óbitos por acidentes e violências relacionados ao trabalho no município de Palmas, Estado do Tocantins, Brasil, 2010 e 2011: série de casos e investigação por meio de autópsia verbal*

 

Deaths from work-related accidents and violence in Palmas-TO, Brazil, 2010-2011: case series and investigation through verbal autopsy

 

 

Patrícia Ferreira NomelliniI; Marta Maria Malheiros AlvesII; Gessi Carvalho de Araújo SantosIII

ICoordenação de Vigilância das Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Secretaria Municipal de Saúde de Palmas-TO, Brasil
IIGerência de Vigilância Epidemiológica, Secretaria Municipal de Saúde de Palmas-TO, Brasil
IIIUniversidade Federal do Tocantins, Palmas-TO, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever os óbitos por acidentes e por violências relacionadas ao trabalho e verificar a aplicabilidade da autópsia verbal para melhoria da qualidade da informação sobre esses óbitos no município de Palmas, Estado do Tocantins, Brasil, em 2010 e 2011.
MÉTODOS: estudo descritivo de série de casos, sobre óbitos por acidentes e violências relacionados ao trabalho entre trabalhadores com 18 anos ou mais de idade, com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e investigação mediante autópsia verbal.
RESULTADOS: dos 74 óbitos investigados, 14 foram relacionados ao trabalho, dos quais 4 foram por acidentes típicos, 5 por acidentes de trajeto, 2 não puderam ser classificados e 3 foram resultantes de violências relacionadas ao trabalho; a subnotificação de acidentes fatais no SIM foi 100%.
CONCLUSÃO: os óbitos por causas relacionadas ao trabalho não eram identificados na declaração de óbito e a autópsia verbal mostrou-se aplicável para aprimorar as informações sobre esses óbitos no SIM.

Palavras-chave: Causas Externas; Sistemas de Informação; Saúde do Trabalhador; Epidemiologia; Mortalidade Ocupacional.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe deaths from work-related accidents and violence in Palmas-TO, Brazil, 2010-2011 and to verify the applicability of verbal autopsy for improving the quality of information on such deaths.
METHODS: descriptive case series study of deaths from work-related accidents and violence in workers aged 18 or over using Mortality Information System (SIM) data and investigation through verbal autopsy.
RESULTS: 14 of the 74 deaths investigated related to work. 4 of them were typical accidents, 5 resulted from commuting injuries, 2 could not be classified and 3 resulted from work-related violence. Fatal injuries at work were 100% underreported on the SIM.
CONCLUSION: work-related deaths were not identified on death certificates and verbal autopsy proved to be instrumental in enhancing information about such deaths on the SIM.

Key words: External Causes; Information Systems; Occupational Health; Epidemiology, Occupational Mortality.


 

 

Introdução

Os eventos acidentais ou violentos relacionados ao trabalho representam um problema prioritário para a Saúde Pública, principalmente pela possibilidade de levar o trabalhador à morte prematura.

Considera-se acidente de trabalho (AT) aquele 'evento súbito ocorrido no exercício de atividade laboral, independente da situação empregatícia e previdenciária do trabalhador acidentado'1 e, como violência relacionada ao trabalho, aquela desencadeada por toda ação voluntária de um indivíduo ou grupo contra outro indivíduo ou grupo, que venha a causar danos físicos ou psicológicos, ocorrida no ambiente de trabalho ou que envolva relações estabelecidas no trabalho ou concernentes a ele, e que traga danos físicos ou psicológicos para o(s) trabalhador(es).2

Dados apresentados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) no ano de 2004 indicaram que em todo o mundo, ocorreram cerca de 270 milhões de AT, e que 160 milhões dessas mortes por ano ocorriam por doenças ocupacionais.3

No Brasil, entre 1996 e 2006, 30.319 óbitos decorrentes de AT foram notificados ao Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), com o predomínio dos acidentes de trajeto que envolveram homens de 25 a 44 anos de idade. Embora o número de óbitos fosse significativo, tal valor estaria subestimado, pois houve elevado percentual de informação ignorada (82,9%) no campo AT, nesse período.4 De 2006 a 2009, entre os óbitos notificados ao SIM, quatro ocupações de indivíduos que morreram em circunstâncias relacionadas a AT (trabalhadores de funções transversais, trabalhadores da indústria extrativista, trabalhadores da construção civil e trabalhadores na exploração agropecuária) foram responsáveis, juntas, por mais de 50% dos óbitos provocados por acidentes.5

No Brasil, entre 2000 e 2007, observou-se redução de 9,3% no número de óbitos por AT - de 3.094 para 2.804 óbitos - em trabalhadores segurados no banco de dados do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). A redução ocorreu tanto em homens (8,2%) como em mulheres (25,1%).6

No Brasil, ainda não há um sistema de informações sobre Saúde do Trabalhador.7 Existem, entretanto, sistemas de informações do setor Saúde que contêm dados capazes de identificar os agravos que atingem o trabalhador no país: o próprio SIM, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), os dados do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) e a Vigilância de Violências e Acidentes (Viva), essa última realizada mediante inquéritos em unidades de urgência e emergência.8 Esses sistemas de informações fazem parte da rede de serviços da vigilância e da atenção à saúde.

No sentido de auxiliar na definição de prioridades de políticas públicas,9 o Ministério da Saúde tem buscado qualificar as informações sobre os óbitos desde a implantação de uma Declaração de Óbito -DO - padronizada, em 1976. Todavia, a qualidade dos dados informados na DO não é homogênea entre as macrorregiões do país. No período de 2000 a 2004, houve variação de 72 a 80% nas regiões Norte e Nordeste, de 85 a 90% nas regiões Sudeste e Centro-Oeste e de 94 a 97% na região Sul.10

A definição da causa básica de óbito também pode diferir entre as grandes regiões brasileiras. Com a finalidade de melhorar a qualidade da informação sobre a causa básica de óbito, o Ministério vem utilizando a técnica de autópsia verbal na investigação de óbito com causas mal definidas.11 Essa técnica consiste na aplicação de questionário aos familiares de pessoas falecidas, com o propósito de coletar informações detalhadas sobre as circunstâncias que levaram ao óbito.12

O presente estudo justifica-se diante da compreensão de que (i) há subnotificação de óbito por AT no SIM, (ii) a técnica de autópsia verbal tem sido utilizada como ferramenta importante para melhorar a qualidade de informação sobre óbito e (iii) as informações decorrentes dos óbitos relacionados ao trabalho podem subsidiar e contribuir para a organização das ações realizadas e ou desencadeadas pelo setor Saúde. Seus objetivos são descrever os óbitos por AT e por violências relacionadas ao trabalho, em trabalhadores com 18 ou mais anos de idade, e verificar a aplicabilidade da técnica de autópsia verbal para a melhoria da qualidade da informação sobre esses óbitos ocorridos no município de Palmas, Estado do Tocantins, Brasil, nos anos de 2010 e 2011.

 

Métodos

Trata-se de estudo epidemiológico descritivo de tipo série de casos. A população do estudo foi composta por todos os trabalhadores com idade de 18 anos ou mais, residentes em Palmas-TO, que tiveram causa básica de óbito relacionada a acidentes ou violências, no período de junho de 2010 a maio de 2011.

Primeiramente, os dados do SIM foram tabulados para identificar o número de óbitos por capítulos da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).13 Posteriormente, foi realizada a inspeção manual de todas as DO, para verificar se todos os óbitos por acidentes ou violências estavam adequadamente codificados no Capítulo XX da CID-10, que trata das causas externas e descreve as causas acidentais e violentas de morte, relacionadas ou não ao trabalho. Os dados foram transcritos em um formulário similar à DO.

Foram excluídas do estudo (i) as pessoas cuja DO estava digitada no SIM mas não foram encontradas para a realização da autópsia verbal, (ii) as pessoas residentes na zona rural, (iii) aquelas cuja causa de óbito foi definida como 'natural' após a investigação e, portanto, estavam erroneamente codificadas e(iv) aquelas pessoas que foram declaradas na DO como residentes em Palmas-TO embora, durante a investigação, fossem identificadas como residentes em outro município. As perdas foram decorrentes da insuficiência ou ausência da informação sobre endereço nas DO; ou por não terem sido encontradas (no endereço informado, após três visitas realizadas) pessoas que conhecessem a vítima e pudessem fornecer as informações necessárias.

Tendo em vista que, no período do estudo, nenhum óbito por AT havia sido registrado no campo específico da DO e que não há campo específico nesse instrumento para o registro do óbito por violência relacionada ao trabalho, fez-se necessária a investigação de óbito. Nessa investigação, foi utilizado um questionário previamente estruturado com o intuito de coletar informações sobre as circunstâncias que levaram o trabalhador à morte. O instrumento de autópsia verbal foi validado pela realização de investigação de óbito em população similar que foi a óbito no mês anterior ao início deste estudo.

A investigação domiciliar foi realizada por profissionais com experiência prévia, que passaram por um treinamento em que lhes foram explicados os objetivos do estudo e oferecidos esclarecimentos sobre cada questão, as formas de abordagem, a utilização da técnica de autópsia verbal e os aspectos éticos da pesquisa.

Foi entrevistada uma pessoa da família, vizinho ou parente que tivesse maior proximidade com a pessoa falecida, ou um profissional da atenção básica que tivesse informações sobre a pessoa que foi a óbito, nessa ordem de prioridade. Foi realizada análise caso a caso, de cada questionário preenchido, para verificação da qualidade da informação coletada e esclarecimento de dúvidas. No total, foram entrevistados 74 indivíduos.

Foram estudadas as seguintes variáveis: sexo (feminino e masculino); faixa etária (18-29, 30-39, 40-49, 50-59, 60 e mais anos); local de ocorrência do evento (domicílio, via pública, local de trabalho, local de lazer, outro); causa básica do óbito (acidental ou violenta, com códigos descritos de V01 a Y87 do Capítulo XX da CID-10); e circunstâncias da morte (tipo de causa externa - acidente, homicídio ou suicídio e acidente de trabalho).

Os AT foram classificados em duas categorias, típico e/ou de trajeto, quando as informações foram insuficientes para classificá-los. AT típicos são os ocorridos na execução do trabalho, tanto nas ações internas como externas à instituição de trabalho, e AT de trajeto são aqueles acontecidos no trajeto entre a residência e o local de trabalho e vice-versa.14 Foram considerados trabalhadores todas aquelas pessoas que trabalhavam para sustento próprio e ou de familiares, tanto no mercado formal quanto no informal.

Os dados do SIM foram tabulados com auxílio do programa Tabwin. Os dados obtidos a partir das DO e de entrevista domiciliar foram digitados em planilha do programa Microsoft Office Excel 2007 e tabulados com auxílio do programa Epi Info 3.5.1. Foram calculadas estatísticas descritivas (média, mediana e proporções), bem como os seguintes indicadores:

a) Mortalidade Proporcional por Causas Externas (MPCE) em relação a outras causas, utilizando-se como denominador o número de óbitos de pessoas com idade de 18 anos ou mais, residentes em Palmas-TO no período de ocorrência desses óbitos; e

b) Coeficiente de Mortalidade por Acidente de Trabalho (CMAT), utilizando-se como denominador o número de óbitos por AT em pessoas com idade de 18 anos ou mais residentes no município, sendo utilizada a População Economicamente Ativa e Ocupada (PEAO) específica para pessoas na mesma faixa etária, fornecida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2010; foram calculados tanto o indicador geral quanto o estratificado por sexo.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Tocantins - UFT (Parecer no 009/2011). Foi obtida assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) das pessoas que forneceram as informações necessárias à realização do estudo. A coleta de dados foi autorizada pela Comissão de Avaliação de Pesquisas da Secretaria Municipal de Saúde de Palmas-TO.

 

Resultados

De junho de 2010 a maio de 2011, 153 pessoas residentes no município de Palmas-TO foram a óbito em decorrência de causas acidentais ou violentas. A Mortalidade Proporcional por Causas Externas na população e no período definido pelo estudo foi de 19,9%, sendo a segunda causa proporcionalmente; a primeira foi a Mortalidade Proporcional por Doenças do Aparelho Circulatório, que atingiu 23,5%.

Após a seleção dos casos válidos para o estudo (n=118), foram investigados 74 óbitos registrados no SIM, sendo os demais considerados como excluídos ou perdas (Figura 1). Entre os casos investigados, foram identificadas 54 pessoas que trabalhavam à época do óbito.

 

 

A utilização da autópsia verbal possibilitou (i) a correlação do trabalho com o local de ocorrência do evento acidental ou violento que levou a morte e (ii) a identificação de execução de ação relacionada ao trabalho no momento de ocorrência, estivesse ela sendo desenvolvida dentro ou fora (no espaço urbano) do evento que levou o trabalhador a morte.

Dos óbitos estudados, 14 foram relacionados ao trabalho. Houve predomínio do sexo masculino (n=13) e da faixa etária de 31 a 40 anos (n=6) (Tabela 1).

 

 

O risco de morrer mensurado pelo Coeficiente de Mortalidade por Acidente de Trabalho para a população geral foi de 11,8/100 mil habitantes, para a população masculina de 20,1/100 mil habitantes e para a feminina de 1,8/100 mil habitantes. A mediana da idade dos trabalhadores vítimas de AT e violências relacionadas ao trabalho foi de 35 anos, com amplitude entre 23 e 70 anos.

Do total de óbitos relacionados ao trabalho, 11 foram considerados AT, 4 foram definidos como típicos e 5 de trajeto (Figura 2). Em dois dos acidentes de transporte ocorridos em via pública, as informações fornecidas foram insuficientes para classificá-los como típicos ou de trajeto. Três óbitos foram considerados decorrentes de violência relacionada ao trabalho e, portanto, não receberam classificação.

 

 

Sete das vítimas de óbitos relacionados ao trabalho eram trabalhadores formais. Em via pública, 9 óbitos ocorreram em razão de acidente de transporte. Dos óbitos decorrentes de acidentes de transporte, o veículo mais utilizado foi a motocicleta (n=6) e a média de idade desses motociclistas foi de 31,5 anos.

Em relação aos óbitos por AT, a ocupação mais frequente foi a de trabalhadores da construção civil (n=4); e em relação às violências relacionadas ao trabalho, a de vigia (n=2) foi a mais presente. Em todos os óbitos por violência relacionada ao trabalho, a arma de fogo foi o instrumento utilizado. Houve um caso a ser destacado, pelo longo período de tempo decorrido entre o evento e o óbito: seis meses. Nesse tipo de caso, pode ser difícil a correlação do evento com as atividades relacionadas ao trabalho.

Na DO, apenas um óbito havia sido informado como sendo relacionado ao trabalho. Tratava-se de um caso de violência - agressão por arma de fogo - relacionada ao trabalho.

 

Discussão

Os resultados mostraram que a autópsia verbal foi uma estratégia de investigação que permitiu melhorar a qualidade das informações dos óbitos por acidentes e violências relacionadas ao trabalho. A maioria dos óbitos foi de pessoas do sexo masculino, na faixa etária de 31 a 40 anos e por acidentes de trajeto, embora os acidentes típicos e as violências relacionadas ao trabalho também tenham se destacado, assim como a subnotificação no SIM de 100% dos óbitos investigados.

A proporção de óbitos por AT foi de uma em cada cinco mortes de trabalhadores do sexo masculino, proporção próxima à de um estudo similar, voltado ao mesmo sexo masculino, realizado na cidade de Campinas-SP,15 que encontrou um AT fatal para cada quatro vítimas de acidente no trabalho ou em seu trajeto.

O predomínio de acidentes e violências em pessoas do sexo masculino acontece tanto na população geral - dados compatíveis com os resultados de estudo realizado em capitais brasileiras e no Distrito Federal -16 quanto na população específica de trabalhadores.17 Os trabalhadores do sexo masculino encontram-se sob maior risco, imposto pelas atividades desenvolvidas na Construção civil, na Indústria e na Segurança, áreas em que os homens constituem a grande maioria; e também em função do próprio comportamento, específico de cada gênero, dependente de fatores culturais e sociais.18 Outrossim, os acidentes de trajeto merecem destaque pela maior ocorrência no país19 e por terem, como fatores de risco, o comportamento no trânsito e a utilização da motocicleta como veículo.20

Mesmo tendo encontrado apenas um óbito de mulheres trabalhadoras nesse estudo, esse único caso não retira a importância do acompanhamento das tendências de morbimortalidade para o sexo feminino: atualmente, mulheres estão a executar atividades em profissões de maior risco e, com isso, semelhanças nas frequências de AT já vêm sendo observadas em estudos que relacionam gênero e morbidade.21

A mediana de idade dos trabalhadores (35 anos) que foram a óbito, embora esteja acima da faixa etária encontrada em outros estudos,8,14 mostra o impacto social desses eventos nos anos de vida perdidos precocemente. Além da pequena amostra, alguns óbitos de trabalhadores idosos fizeram com que houvesse um aumento na mediana de idade das vítimas. No caso dos acidentes típicos, além da necessidade de um olhar específico sobre os processos de trabalho e os riscos aos quais os trabalhadores estão expostos, os resultados indicam a importância de focar o alvo de intervenções na capacitação de trabalhadores. Programas de educação permanente, acompanhamento e avaliação, aliados a ações sistemáticas de vigilância em ambientes e processos de trabalho, contribuem para a efetivação de um Sistema de Informações em Saúde do Trabalhador.7

Os acidentes de trajeto foram os eventos de maior frequência, situação coerente com o que tem sido observado no país,14 onde motoristas de caminhão e pedreiros são os grupos de profissões que mais levaram o trabalhador a óbito no período de 2006 e 2009.5 Ainda que ocorridos em vias públicas, os acidentes poderiam estar fortemente relacionados com o trabalho, seja pelo estresse, seja pelos desgastes físicos e psicológicos desencadeados pelas condições de trabalho.22 Assim sendo, empregadores e trabalhadores devem estar inseridos em discussões de estratégias proativas para a redução dos acidentes no percurso de ida e volta do trabalho.

O homicídio foi o tipo de violência encontrada nesse estudo e chama atenção para a vulnerabilidade dos trabalhadores da área de Segurança (vigias, seguranças, etc.). Estudo realizado em Campinas-SP também evidenciou a mortalidade decorrente da violência urbana, no que diz respeito ao grupo de vigias, seguranças privados, policiais civis e militares mortos em confrontos com assaltantes, nos espaços de trabalho ou nas ruas.15 Estudos sobre mortalidade por violências relacionadas ao trabalho ainda são escassos, o que dificulta discutir a diversidade e a complexidade existentes na relação entre violência e trabalho.

Quanto aos aspectos relacionados à dimensão que envolve tanto os AT quanto as violências relacionadas ao trabalho, evidenciou-se a necessidade de expandir a forma de analisar e contextualizar esses agravos, de forma a incorporar análises que evidenciem as 'especificidades do espaço urbano'23 e que acrescentem ao trabalhador riscos similares àqueles aos quais todas as pessoas, trabalhadores ou não, estão expostas.

Quanto aos acidentes típicos, mesmo com a queda na mortalidade no país,17 ainda há necessidade de desenvolvimento de ações que reduzam os acidentes e visem a sua prevenção nos locais de trabalho,haja vista os riscos relativos à segurança e à saúde no ambiente laboral. Essas ações devem ser desenvolvidas tanto intra como intersetorialmente. Portanto, extrapolam o setor Saúde e requerem 'uma compreensão transdisciplinar',24 a ser exercida pelos diferentes atores envolvidos com a questão.

A subnotificação de acidentes de transporte identificada neste estudo é uma realidade brasileira, igualmente observada por estudiosos em cidades como Porto Alegre-RS,25 Campinas-SP15 e Belo Horizonte-MG.26 A melhoria da qualidade dos dados de óbitos relacionados ao trabalho na Declaração de Óbito amplia as possibilidades de análise: as informações disponíveis no Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM - podem ser cruzadas com dados de diversos bancos que disponibilizam informações sobre a saúde do trabalhador, como o Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan - e o Sistema de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) do INSS. As informações geradas em saúde do trabalhador devem oportunizar a avaliação dos riscos ocupacionais e a eficácia das medidas preventivas,9 o que faz dessas informações ferramentas indispensáveis ao planejamento e avaliação das ações voltadas à saúde desse público específico.5

Reconhece-se, como limitação do presente estudo, a pequena proporção de óbitos investigados e o possível viés de memória com o uso de proxy responding (informação de terceiros), o que impede inferir seus dados para outros locais. No entanto, trata-se de um estudo facilmente reproduzível, de baixo custo e obtenção de resultados fidedignos em um curto espaço de tempo. Outra limitação se encontra no longo período de tempo decorrido entre o óbito e a realização da coleta de dados (maior que 180 dias, em alguns casos), o que impossibilita ampliar a quantidade de variáveis relacionadas ao trabalho. Mesmo diante dessas limitações, foi possível identificar óbitos em decorrência de AT (típicos e de trajeto) e de violências relacionadas ao trabalho, sendo relevantes as informações encontradas, possíveis de serem compartilhadas pelos serviços de vigilância do óbito, de vigilância da saúde do trabalhador e de vigilância das causas externas.

Com base nos achados deste estudo, sugere-se que se priorize o aprimoramento do SIM, na busca pela qualidade das informações decorrentes dos eventos fatais relacionados ao trabalho, desde a coleta dos dados até sua análise. A instituição de uma política de avaliação formal e regular do Sistema de Informações sobre Mortalidade pode significar uma estratégia para o aprimoramento dos sistemas e melhoria da qualidade das informações.27

O estudo apresentou um panorama da importância do SIM para o levantamento das informações sobre os eventos fatais relacionados ao trabalho, no que se refere às causas externas de óbito. Evidenciou, também, a utilização da técnica de autópsia verbal, que respondeu à necessidade do presente estudo e mostrou-se como uma estratégia a ser incorporada na investigação dos óbitos relacionados ao trabalho.

 

Contribuição dos autores

Nomellini PF participou na elaboração e delineamento da pesquisa, coordenou a coleta de dados, participou da análise e redação do manuscrito.

Alves MMM participou da análise dos dados e redação do manuscrito.

Santos GCA participou da orientação da pesquisa e revisão crítica do manuscrito.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Patrícia Ferreira Nomellini
- Quadra 906 Sul, Alameda 18,
Lote 34, Plano Diretor Sul,
Palmas-TO, Brasil.
CEP: 77023-414
E-mail: patinomellini@gmail.com

Recebido em 04/02/2013
Aprovado em 30/07/2013

 

 

*Artigo elaborado a partir da dissertação apresentada para conclusão do Curso de Mestrado em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Tocantins (UFT), em junho de 2012. O estudo foi financiado mediante a concessão de bolsa de estudos de incentivo ao mestrado, fornecida pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Tocantins - Portaria SECT/GASEC no 130/2010.