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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.3 Brasília set. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000300010 

ARTIGO ORIGINAL

 

Distribuição espaço-temporal das queimadas e internações por doenças respiratórias em menores de cinco anos de idade em Rondônia, 2001 a 2010*

 

Spatial and temporal distribution of burning and hospitalizations for respiratory diseases in children in the state of Rondônia, 2001-2010

 

 

Poliany Cristiny de Oliveira RodriguesI; Eliane IgnottiII; Sandra de Souza HaconI

IEscola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIUniversidade do Estado de Mato Grosso e Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá-MT, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever a distribuição espaço-temporal dos focos de queimada e das internações por doenças respiratórias em crianças menores de cinco anos de idade no Estado de Rondônia, Brasil.
MÉTODOS:
estudo ecológico da distribuição temporal e espacial das taxas de internação bruta e padronizada por doenças respiratórias na idade até cinco anos e do número de focos de queimada nas microrregiões de Rondônia, no período de 2001 a 2010; foram obtidas estimativas de Kernel.
RESULTADOS: as microrregiões apresentaram redução nas variações percentuais das taxas de internação por doenças respiratórias em crianças (-39,3%) e no número de focos de queimada (-15,0%), ao longo dos anos estudados; as taxas de internação foram mais elevadas no centro e no sudeste do Estado; os focos de queimada concentraram-se a noroeste do Estado.
CONCLUSÃO:
houve redução das taxas de internação e do número de focos de queimada; as áreas com mais focos diferiram daquelas com taxas mais elevadas de internações.

Palavras-chave: Monitoramento Epidemiológico; Saúde Ambiental; Distribuição Temporal; Doenças Respiratórias; Análise Espacial.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the spatial and temporal distribution of agricultural burning and respiratory disease hospitalizations in children aged under five in the State of Rondônia, Brazil.
METHODS: ecological study of the temporal and spatial distribution of crude and standardized hospitalization rates for respiratory diseases in children aged under five and agricultural burning in the regions of the state of Rondônia, 2001-2010, using Kernel estimates.
RESULTS:
all the regions showed a reduction in the percentage of hospitalization rates for respiratory diseases in children (-39.0%) as well as in the number of agricultural burnings (-15.0%) over the years studied. Hospitalization rates were highest in the central and southeast regions of the state. Burning was concentrated in the northwest of the state.
CONCLUSION: hospitalization rates and the number of burnings reduced. The areas with the highest number of burnings differed from those with higher rates of hospitalization.

Key words: Epidemiological Monitoring; Environmental Health; Temporal Distribution; Respiratory Tract Diseases; Spatial Analysis.


 

 

Introdução

O ciclo das queimadas na Amazônia é comumente observado em períodos de seca, quando uma densa camada de fumaça proveniente da queima de biomassa se dispersa sobre a Amazônia brasileira, cobrindo principalmente as macrorregiões Norte e Centro-Oeste do país.1

A poluição atmosférica, gerada pela queima de biomassa tem sido associada ao aumento de morbimortalidade por doenças respiratórias, principalmente em função do material particulado - um composto tóxico e multielementar gerado por essa queima.2,3

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), no Estado de Rondônia, os focos de queimadas quadruplicaram entre 2009 e 2010, ao passo que as concentrações de MP2,5 (material particulado menor que 2,5 micrômetros) alcançaram máximas diárias de até 400 µg/m3 em algumas cidades.4 Tais concentrações eram muito superiores à média diária de 25 µg/m3, padronizada internacionalmente como limite de exposição à saúde humana.5

As doenças respiratórias são importantes causas de morbimortalidade no Brasil e no mundo. As crianças são o maior grupo de risco, principalmente devido à imaturidade inerente ao crescimento, relacionada ao desenvolvimento dos pulmões e do próprio sistema imunológico.6

A queima de biomassa não é o único fator de risco para a ocorrência de doenças respiratórias, embora seja um importante determinante. Estudos epidemiológicos apontam aumento da morbidade por doenças respiratórias em crianças e idosos nos períodos de seca, quando as queimadas são mais prevalentes e extensas. Ignotti e colaboradores7 encontraram um risco de internação por doenças respiratórias de 6% para crianças e idosos, no período de seca, nos municípios de Tangará da Serra e Alta Floresta, ambos no Estado do Mato Grosso. Carmo e colaboradores8 observaram que o aumento de 10 µg/m3 nos níveis de exposição a material particulado esteve associado a aumentos de 2,9% e 2,6% nos atendimentos ambulatoriais por doenças respiratórias em crianças.

Rondônia representa importante fronteira de colonização na Amazônia brasileira. Seu cenário de expansão sociodemográfica, muito semelhante ao de outras áreas da Amazônia, está baseado em atividades de ocupação sob incentivo do governo brasileiro. O Estado se encontra em crescente expansão econômica e populacional, principalmente, devido aos grandes empreendimentos direcionados à região.9

Em 2012, as doenças do aparelho respiratório representaram a terceira causa de internação em Rondônia, entre menores de cinco anos de idade: correspondiam, então, à quarta causa de internação no Estado e apresentavam as taxas mais elevadas dessas doenças entre os Estados da Amazônia brasileira.10

O presente estudo teve o objetivo de descrever a distribuição espaço-temporal dos focos de queimada e da morbidade por doenças respiratórias em menores de cinco anos de idade, no Estado de Rondônia, no período de 2001 a 2010.

 

Métodos

Trata-se de um estudo ecológico da distribuição temporal e espacial de morbidade por doenças respiratórias em menores de cinco anos de idade e de focos de queimadas nas microrregiões do Estado de Rondônia.

O Estado se encontra no interior do bioma amazônico e ocupa uma área de aproximadamente 238 mil km2, com cerca de 1,5 milhão de habitantes.11 Possui 52 municípios, distribuídos em oito microrregiões: Porto Velho; Guajará-Mirim; Ariquemes; Ji-Paraná; Cacoal; Vilhena; Colorado D'Oeste; e Alvorada D'Oeste.11 Além disso, Rondônia integra o chamada 'Arco do Desmatamento', cujos limites se estendem desde o sudeste do Estado do Maranhão e o norte do Tocantins, englobando o sul do Pará, o norte de Mato Grosso, Rondônia, o sul do Amazonas e o sudeste do Estado do Acre.12 Em 2010, o Arco do Desmatamento concentrou, aproximadamente, 70% das queimadas que ocorreram no Brasil durante o período de estiagem na região.11

Os dados demográficos sobre os quais se baseou este estudo foram provenientes da base de informações da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),11 enquanto os dados de saúde foram obtidos do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS).10 Foram utilizadas as Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) de curta permanência, pagas e não eletivas, agregadas pelas microrregiões do Estado de Rondônia segundo o local de residência. Foram incluídas as AIH classificadas no capítulo de doenças respiratórias (Capítulo X: Doenças do Aparelho Respiratório, J00 a J99) da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID 10 -, diagnosticadas em crianças menores de cinco anos de idade, no período de 2001 a 2010 (selecionou-se o ano de internação).

A taxa de internação foi calculada mediante a divisão do número de internações por doenças respiratórias em crianças de idade inferior a cinco anos pela população total de crianças dessa idade na microrregião, no respectivo ano, multiplicado por mil. As taxas foram padronizadas de forma direta, pela população de menores de cinco anos de Rondônia, para permitir a comparação entre as microrregiões do Estado. Para tanto, foi necessário estratificar o grupo de menores de cinco anos em dois subgrupos: (i) menores de um ano; e (ii) de um a quatro anos de idade.

A série temporal dos focos de queimada foi provida pelo Inpe,12 com dados do período de 2001 a 2010. Foram utilizados o satélite NOAA 12, até 9 de agosto de 2007, e o satélite NOAA 15 a partir de então. Esses satélites são considerados "satélites de referência" e utilizam o mesmo método e horário de imageamento ao longo dos anos.13 As microrregiões do Estado foram utilizadas como unidade de análise com o intuito de reduzir a variabilidade do indicador de saúde, decorrente do pequeno número populacional da maioria dos municípios utilizados como denominador no cálculo das taxas de internação.

As séries históricas das taxas de internação e do número de focos de queimada foram analisadas mediante o cálculo da variação percentual do período de dez anos (2001 a 2010) e dos cinco últimos anos desse mesmo período (2006 a 2010). A distribuição espaço-temporal foi estudada sobre mapas resultantes da estimativa de densidade (intensidade) de Kernel, para identificação das áreas de maior relevância ("áreas quentes") dos indicadores em análise. As "áreas quentes" são uma aproximação das possíveis áreas geográficas de risco, uma vez que representam a concentração de casos ou focos no espaço. Essas análises foram conduzidas pelo programa TerraView, disponibilizado pelo Inpe.

O trabalho foi submetido à apreciação do Comitê de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz, sendo aprovado pelo protocolo CEP/ENSP 89/11 - CAAE 00830031000-1.

 

Resultados

As taxas de internação padronizadas alcançaram média anual de 35,4 internações por mil crianças para o Estado de Rondônia, no período estudado. A microrregião de Porto Velho apresentou a menor média anual (19,3%) de taxas de internação padronizadas por doenças respiratórias em crianças menores de cinco anos de idade, para o mesmo período, enquanto Cacoal apresentou a maior média de internações, com 51,4%. Para o Estado de Rondônia, verificou-se diminuição nas taxas de internação por doenças respiratórias em menores de cinco anos, com variação percentual de -16,9% no período de 2001 a 2010 e aumento de 12,0% nos cinco últimos anos desse período. Todas as microrregiões apresentaram redução nas taxas de internação padronizadas para o período de dez anos. Nos últimos cinco anos, houve redução nas taxas de internação somente nas microrregiões de Porto Velho (-11,9%), Ji-Paraná (-17,4%) e Colorado D'Oeste (-29,9%). A maior redução foi observada na microrregião de Ji-Paraná: -45,9% em dez anos e -17,4% em cinco anos. Não foram verificadas diferenças entre as taxas brutas e padronizadas (Tabela 1).

 

 

No período estudado, a média de focos de queimada para Rondônia foi de 8.762 focos. A maior quantidade de focos de queimada do Estado foi observada na microrregião de Porto Velho, com média de 3.174 focos, seguida da microrregião de Ariquemes, com média de 1.429 focos. A microrregião de Colorado D'Oeste apresentou o menor número de focos de queimadas, com média de 440 focos. Observou-se decréscimo no número de focos de queimada no período analisado. Houve redução na variação percentual, de 15,0% no período de dez anos e de 78,5% nos últimos cinco anos, no Estado. As microrregiões de Porto Velho (6,5%) e Colorado D'Oeste (2,0%) apresentam aumento nas variações percentuais do período de dez anos para os focos de queimada, enquanto as demais microrregiões apresentam redução. Todas as microrregiões apresentaram redução na variação percentual dos últimos cinco anos para os focos de queimada (Tabela 2).

 

 

A distribuição espacial das internações por doenças respiratórias em crianças menores de cinco anos de idade apresentou configuração espacial semelhante em toda a série. As maiores taxas de internação foram encontradas nas microrregiões localizadas entre o centro e o sudeste do Estado: Vilhena; Ariquemes; Guajará-Mirim; Cacoal; Alvorada D'Oeste; e Colorado D'Oeste (Figura 1).

 

 

A maior concentração de focos de queimada foi verificada nos anos de 2001 e 2002, quando ficaram evidenciadas "áreas quentes" em todas as microrregiões do Estado. Ao longo da série, ocorreu diminuição na intensidade das "áreas quentes". Na microrregião de Porto Velho, foi verificada "área quente" para os focos de queimada no noroeste de Rondônia em todos os anos estudados. Com menor intensidade na concentração de focos, a microrregião de Vilhena apresentou "área quente" nos anos de 2003, 2004, 2005, 2007 e 2010, enquanto a microrregião de Guajará-Mirim teve área quente em 2004, 2005, 2009 e 2010 (Figura 2).

 

 

Discussão

As taxas de internações por doenças respiratórias em crianças menores de cinco anos de idade, no Estado de Rondônia, apresentaram variação percentual negativa para o período 2001-2010 e para os últimos cinco anos da série estudada.

A distribuição espacial apontou as microrregiões do centro-sudeste do Estado como "áreas quentes" para esse indicador, ou seja, com taxas de internação mais elevadas. Silva e colaboradores13 verificaram tendências decrescentes nas internações por asma para toda a Amazônia, entre 2001 e 2007, além de "áreas quentes" de internação por asma em crianças no centro-sul de Rondônia.

O Ministério da Saúde atribui essa redução generalizada das internações14 principalmente à ampliação da rede básica de saúde e à melhoria da assistência hospitalar nos últimos anos, no Brasil, visto que a maioria dos problemas respiratórios pode ser tratada em estabelecimentos de baixa e média complexidade, exigindo internação apenas para os casos de maior gravidade.15

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - Inpe -12 apontou tendência decrescente no número de focos de calor para toda a Amazônia. Gonçalves16 observou diminuição no número de focos de queimada entre 2005 e 2008, no município de Porto Velho-RO, o que corrobora os resultados encontrados pelo presente estudo, de redução na variação percentual no período de dez anos e nos últimos cinco anos para os focos de queimada, ao longo da série, em todas as microrregiões analisadas.

O decréscimo na quantidade de focos pode ser atribuído, segundo a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam/RO)9 e o Ministério do Meio Ambiente (MMA),17 principalmente, ao plano de combate às queimadas implementado pelos governos federal, estaduais e municipais. Esse plano incluiu projetos de educação ambiental e de monitoramento, com fiscalização de programas como o PROARCO (Programa Integrado de Monitoramento, Prevenção e Controle de Desmatamento, Queimadas e Combate a Incêndios Florestais), o PREVFOGO (Sistema Nacional de Prevenção e Combates aos Incêndios Florestais), o PRODES (Programa de Avaliação do Desflorestamento na Amazônia Legal) e o PROTEGER (Projeto de Mobilização e Capacitação em Prevenção de Incêndios Florestais na Amazônia), entre outros.9,17

Na microrregião de Porto Velho, foram verificados os maiores registros de focos de queimada. Tal fato pode estar relacionado à expansão do agronegócio no entorno da capital, nos últimos anos. Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),18 as lavouras de soja e algodão, além da criação de rebanho bovino, têm sido apontadas como as principais causadoras de desmatamento em Rondônia.

No presente estudo, a configuração espacial dos focos de queimada apresentou-se divergente daquela das taxas de internação por doenças respiratórias em crianças menores de cinco anos de idade, no Estado. Esse resultado divergiu dos referidos por Souza,19 que, em estudo realizado no município de Rio Branco, capital do Estado do Acre, encontrou padrão semelhante entre a série de internações por doenças respiratórias em crianças de 1 a 4 anos de idade e a distribuição dos focos de queimada (entre 2000 e 2006), o que sugeriu forte influência das queimadas na ocorrência das hospitalizações a cada ano. Vários estudos ecológicos realizados na região Amazônica demonstraram aumento no número de internações durante o período das queimadas.3,19,20

Ahlm e colaboradores21 e Bem-Ami e colaboradores22 constataram, em estudos na América do Sul e na África, que gases e aerossóis contidos na fumaça gerada pelas queimadas podem se dispersar facilmente pela atmosfera e alcançar áreas distantes de onde estão concentrados os focos de queimadas, com longo tempo de permanência na atmosfera. Ao considerarmos que a porção sudeste do Estado é zona de convergência para ventos provenientes tanto do sul do Pará como do norte do Mato Grosso e do noroeste de Rondônia, a dispersão de poluentes relacionada às queimadas poderia influenciar a ocorrência de internações por doenças respiratórias em crianças naquela área.1,23

A qualidade e o acesso aos serviços de saúde também podem ter impacto na distribuição das internações de uma microrregião para outra. Segundo Ignotti e colaboradores,8 na região da Amazônia, muitas pessoas procuram assistência na comunidade local em vez de irem a uma unidade de saúde. Fonseca e colaboradores24 apontaram o semi-isolamento vivenciado por algumas comunidades amazonenses, devido às distâncias e às condições socioeconômicas da população, ou até mesmo por razões inerentes à seca na região. Esses fatores também poderiam influenciar no acesso aos serviços de saúde, e aumentar a vulnerabilidade socioambiental da população exposta.6

De acordo com Haller e colaboradores,25 a ocupação acelerada de algumas regiões amazônicas, beneficiadas por grandes empreendimentos, poderia provocar sobrecarga nos vários segmentos locais, entre eles os serviços de saúde. A baixa densidade demográfica e a grande extensão dos Estados da região também poderiam influenciar na qualidade, na capacidade e no acesso aos serviços de saúde.

Ignotti e colaboradores26 e Rosa e colaboradores27 alertaram, ademais, que a política de financiamento dos serviços de saúde adotada pelos municípios poderia influenciar nos dados de internação. A partir de 2002, os municípios aderiram gradativamente à gestão plena do sistema de saúde, por meio da Norma Operacional de Assistência a Saúde (NOAS/SUS 01/02). Contudo, até 2006, o tipo de financiamento utilizado de forma predominante pelos municípios brasileiros ainda era a gestão plena da atenção básica, acordada no Pacto pela Saúde.14 Com essa mudança na gestão do SUS municipal, deixou de existir a pactuação de autorizações de internação hospitalar - AIH - por especialidade médica, na qual a quantidade de AIH a ser paga por clínicas ou especialidades médicas era definida previamente,15 o que não permitia saber, com precisão, se a variação nas internações era por demanda ou por financiamento.

Outra limitação importante do estudo está relacionada ao uso de dados de internação obtidos de sistemas de registro contínuo, pois pode ocorrer a subnotificação ou inclusão de um paciente mais de uma vez nas contagens, além da limitação do número de leitos por especialidade, o que poderia reduzir a quantificação real dos casos.10,28 É importante destacar que as internações hospitalares representam os casos mais graves de adoecimento; porém, as queimadas e a má qualidade do ar delas decorrente pode ter impacto na necessidade de inalações, nas consultas médicas e em outros agravos menos graves. A falta de uma série de dados ambulatoriais disponíveis no Sistema Único de Saúde representa, portanto, mais uma limitação para este estudo.29,30

Os mapas apresentados não contemplaram a análise de correlação espacial entre os eventos, ao passo que a análise dos dados plotados permitiu encontrar áreas com maior concentração de um evento, bem como sua distribuição geográfica ao longo dos anos. O cálculo da estimativa de densidade de Kernel leva em consideração a influência das regiões vizinhas; já para uma única variável, o destaque de "áreas quentes" pode não estar, necessariamente, relacionado à gravidade do evento analisado mas à sua importância sobre a área observada.

O uso do satélite de referência pode tanto superestimar quanto subestimar a quantidade de focos de queimada detectados. A varredura do satélite na órbita terrestre ocorria duas vezes ao dia (uma pela manhã e uma pela tarde), sendo possível (i) a ocorrência de duplicidade de detecção caso a queimada fosse muito extensa e/ou estivesse todavia ativa na segunda varredura, ou ainda, (ii) a não detecção de focos nos horários de passagem do satélite. A dificuldade de detecção aumenta se o céu estiver coberto por nuvens, se o fogo não afetar a copa das árvores ou se os focos forem menores que 30 metros, mas a relação entre focos detectados e queimadas reais mantém-se estável ao longo do tempo e tem sido utilizada como indicador indireto dos níveis de poluição atmosférica.12

Este estudo concluiu que em Rondônia, as taxas de internação por doenças respiratórias em crianças menores de cinco anos de idade e o número de focos de queimada apresentaram redução no período de 2001 a 2010. As áreas com maior número de focos de queimadas diferiram daquelas com as taxas mais elevadas de internações por doenças respiratórias. Supõe-se que a exposição aos poluentes provenientes das queimadas não necessariamente coincidiu com o local de ocorrência do foco de queimada, razão pela qual os focos de calor devem ser utilizados como indicadores indiretos de exposição.

É de extrema relevância o monitoramento do material particulado proveniente das queimadas na microrregião de Porto Velho, apontada neste estudo como área crítica por apresentar a maior concentração de focos de queimadas da região. Também é relevante acompanhar os indicadores de saúde sobre os impactos à saúde humana provocados pelos poluentes gerados nas queimadas, com a implantação de áreas sentinelas pelos programas de vigilância à saúde na Amazônia.

 

Contribuição dos autores

Rodrigues P participou na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados.

Ignotti E auxiliou na redação ou revisão crítica relevante do conteúdo intelectual do manuscrito.

Hacon S realizou a revisão geral do estudo, auxiliando na revisão crítica do conteúdo.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Poliany Cristiny de Oliveira Rodrigues
- Escola Nacional de Saúde Pública,
Departamento de Endemias,
Rua Leopoldo Bulhões, no 1480, sala 602,
Manguinhos, Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
CEP: 21041-210
E-mail: polianyrodrigues@hotmail.com

Recebido em 21/02/2013
Aprovado em 23/07/2013

 

 

*Este artigo é uma contribuição do Instituto de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas, financiado pelo projeto CNPq, Processo 573797/2008-0 e Projeto INOVA ENSP 2010. Parte da dissertação de mestrado defendida em fevereiro de 2012, junto ao Programa de Saúde Pública e Meio Ambiente da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/Fiocruz), com o título: 'Alterações subclínicas em escolares expostos aos poluentes atmosféricos derivados das queimadas na Amazônia Brasileira'.