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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.3 Brasília set. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000300011 

ARTIGO ORIGINAL

 

Epidemiologia da malária no município de Colniza, Estado de Mato Grosso, Brasil: estudo descritivo do período de 2003 a 2009*

 

Epidemiology of malaria in the municipality of Colniza, Mato Grosso State, Brazil: descriptive study in the period 2003 to 2009

 

 

Giovana Belem Moreira Lima MacielI; Mariano Martinez EspinosaII; Marina Atanaka-SantosII

ILaboratório de Entomologia, Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso, Cuiabá-MT, Brasil
IIInstituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá-MT, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever as características epidemiológicas da malária no município de Colniza, Estado de Mato Grosso, Brasil, entre 2003 e 2009.
MÉTODO: foi realizado estudo descritivo dos casos de malária registrados no Sistema de Vigilância Epidemiológica - Malária (Sivep_malária).
RESULTADOS: a maioria dos 18.903 casos foi autóctone (90,5%), predominantemente em homens (71,4%) na faixa etária de 15 a 59 anos (74,4%), com 4 a 7 anos de estudos (19,5%) e idade média de 27,7 anos; detectou-se 77,7% de Plasmodium vivax e 21,6% de Plasmodium falciparum na amostra; comparando os registros das Unidades Notificantes por Região (UNR), o maior número de casos ocorreu na UNR Guariba, entre 2005 e 2006.
CONCLUSÃO: o município apresentou Índice Parasitário Anual crescente entre 2003 e 2007, e decrescente entre 2008 e 2009; a tendência e o processo epidêmico-endêmico da malária foram distintos para cada UNR do município de Colniza-MT.

Palavras-chave: Malária; Epidemiologia Descritiva; Amazônia Brasileira.


ABSTRACT

OBJECTIVE: this study's aim was to describe the epidemiological characteristics of malaria in the municipality of Colniza, Mato Grosso state, Brazil between 2003 and 2009.
METHOD: the descriptive epidemiology of malaria cases registered in Colniza was done using Malaria Epidemiological Surveillance System (SIVEP_malaria) data for theperiod 2003-2009.
RESULTS: most of the of 18,903 cases (90.5%) were autochthonous, predominantly in men (71.4%) aged 15 to 59 (74.4%), with 4 to 7 years of formal education (19.5%) and average age of 27.7 years, caused by Plasmodium vivax (77.7%) and by Plasmodium falciparum (21.6%). Comparing cases by Notifying Unit Region (UNR), most cases between 2005 and 2006 occurred in Guariba.
CONCLUSION: Colniza showed an increase in malaria prevalence between 2003 and 2007 and a decrease in 2008 and 2009. Distinct epidemic-endemic processes and trends were verified for each of the municipality's UNRs.

Key words: Malaria; Epidemiology, Descriptive; Brazilian Amazon.


 

 

Introdução

A malária, também conhecida como paludismo, é considerada um problema de Saúde Pública, especialmente entre residentes em áreas de risco - baixo a alto risco - para a doença, em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos localizados em áreas intertropicais. No ano de 2010, estimou-se a ocorrência de 219 milhões de casos de malária em mais de 102 países, dos quais o continente africano concentrava 80% do total de casos. Já na região das Américas, estimou-se a ocorrência de 1.061.000 casos em 21 países endêmicos, correspondendo a 4,7% do total global dos casos. No Brasil, estimou-se que 20,3% (39.920.967 habitantes) residiam em área de risco de transmissão de malária.1

Na Amazônia brasileira, em 2010, 333.429 casos foram notificados no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica - Malária (Sivep_malária), apresentando-se uma incidência parasitária anual (IPA) de 13,1 casos/1000 habitantes.2

A transmissão da malária envolve os seres humanos (susceptíveis e infectados), as fêmeas do mosquito do gênero Anopheles e o agente biológico infeccioso do gênero Plasmodium, que se inter-relacionam de forma dinâmica e complexa. Fatores sociopolíticos, econômicos, comportamentais, ambientais e educacionais são associados ao agravamento do problema da malária na região das Américas.3

Na Amazônia brasileira, a temperatura e umidade mantêm os vetores em habitats naturais e naqueles modificados pelo homem, como lagos, charcos e valetas. As atividades humanas relacionadas à exploração de minerais e uso do solo intensificam a formação de ambientes propícios à proliferação da malária.4,5 O crescente processo de ocupação desordenada, em condições precárias de vida e de saúde,6 pode aumentar o risco de proliferação da doença por intensificar a circulação de pessoas, a disseminação do agente e a disponibilização de alimentos aos vetores.7

A ocorrência da malária dá-se, principalmente, em populações tradicionalmente "rurais" da Amazônia. Porém, quaisquer indivíduos ou grupos que tenham contato com as áreas de infecção podem adquirir a doença, possibilitando a reintrodução da malária em regiões onde a transmissão já havia sido interrompida.8

Projetos de desenvolvimento econômico como assentamentos rurais, silvicultura e mineração contribuem para o aumento da circulação de indivíduos na região amazônica. O movimento migratório em regiões de baixa densidade demográfica, aliado a falta de infraestrutura de atendimento básico de saúde, dificulta a vigilância e controle da doença.9 A precariedade na oferta de serviços de saúde pode dificultar a implantação de estratégias e intervenções focadas no esgotamento do parasita nos indivíduos.10 Tal contexto contribui para as especificidades locais e a persistência de elevada incidência da doença no Brasil, especialmente na região amazônica. Essas constatações reforçam a importância de se aferir a distribuição de casos por áreas de vulnerabilidade, na busca por compreender os determinantes envolvidos na dinâmica de transmissão da malária e delinear o perfil de áreas de risco de transmissão em nível local.

Mato Grosso, um dos Estados pertencentes à Amazônia Legal, notificou 4.081 casos da malária em 2008. Estudos sobre a distribuição da malária têm observado um comportamento não homogêneo, apresentando maiores concentrações em localidades com características singulares de ocupação.4,5,10-13 Entre as localidades endêmicas, destaca-se o município de Colniza, na região noroeste de Mato Grosso,14,15 que apresentou 72% do total de casos de malária no Estado em 2008.2

Diante dessas constatações, este estudo teve como objetivo descrever as características epidemiológicas da malária no município de Colniza-MT, no período de 2003 a 2009.

 

Métodos

Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo dos casos de malária do município de Colniza-MT, registrados no Sistema de Vigilância Epidemiológica - Malária (Sivep_malária) a partir de unidades notificantes por região, no período de 2003 a 2009.

O município de Colniza-MT está localizado a noroeste do Estado de Mato Grosso, distante 1.160km da capital e com extensão territorial 27.947,646km2. Tem como limites, ao norte o Estado do Amazonas (municípios de Apuí e Humaitá), a oeste o Estado de Rondônia (município de Machadinho D'Oeste), a sudoeste o município de Rondolândia, ao sul o município de Aripuanã, e a leste o município de Cotriguaçu.16 No Censo de 2010, Colniza-MT apresentou uma população de 26.381 habitantes17 e densidade demográfica de 0,94 habitantes por km2.18

O município possui dois Distritos: Guariba e Três Fronteiras, distantes 150km e 315km da sede municipal, respectivamente. Colniza-MT, entre os municípios do Estado, é o segundo maior em número de assentamentos rurais agrários, constituídos em sua maioria de população oriunda do Estado de Rondônia. Após a emancipação em 1998, o município atingiu um crescimento acelerado, porém desordenado.19 Entre os anos de 2000 e 2007, Colniza-MT apresentou 15,3% de crescimento populacional anual, tornando-se um dos municípios com maior taxa de crescimento populacional no período.20 Em 2004, o município apresentou o maior índice de desmatamento do Estado.21

Foram considerados como casos de malária em Colniza-MT os casos notificados de residentes do município, situando-os por local provável de infecção. Foram considerados como casos autóctones os casos cujo local provável de infecção foi o próprio município. Foram selecionadas somente as notificações positivas, após terem sido excluídas todas as notificações nas quais havia registro de verificação de cura.

As variáveis estudadas foram as contidas na ficha de notificação do Sivep_malária: incidência parasitária anual (IPA = número de casos de malária registrados no município por ano, dividido pela população anual estimada do município e multiplicado por 1000 habitantes); mês e ano de ocorrência dos casos; faixa etária (≤14; 15 a 60; ≥60 anos de idade); sexo (masculino e feminino); grau de instrução (Nenhum; 1 a 3; 4 a 7; 8 a 11; 12 e mais anos de estudo; Não se aplica; Ignorado); principal atividade nos últimos 15 dias (agropecuária mais pecuária; doméstica; exploração florestal; mineração e garimpagem; outras ocupações, incluindo nesta categoria as atividades de turismo, caça/pesca, construção de estradas e barragens, viajantes, e Ignorado); local provável de infecção (autóctone ou importado de outra localidade); sintomas da doença (sim ou não); horas decorridas entre os primeiros sintomas e o início do tratamento (Não informado; ≥24 horas; 25 a 48 horas; 49 a 72 horas; ≥73 horas); resultado do exame (Negativo; infecção por Plasmodium falciparum; infecção por Plasmodium vivax; infecção mista, por P. Falciparum e P. vivax), parasitemia por mm3 de sangue (<200; 200-300; 300-500; 501-10.000; 10.001-100.000); número de casos de malária de 2003 a 2009; e tipo de busca (busca ativa ou busca passiva).

Para a descrição epidemiológica da malária em Colniza-MT, diversas localidades do município foram agrupadas - segundo a proximidade - em quatro áreas, denominadas de Unidade Notificante por Região (UNR): urbana (sede do município); Rio Roosevelt (localidade); e nos dois distritos do município, Guariba e Três Fronteiras.

Os dados foram analisados utilizando-se o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) Versão 11.0. A distribuição da frequência absoluta e relativa das variáveis estudadas foi realizada segundo características: espaciais - distribuição de casos por UNR, discriminados segundo a espécie parasitária -; temporais - distribuição de casos por mês de ocorrência, nos anos de 2003 a 2009 -; demográficas - distribuição de casos por sexo, idade e escolaridade; e clínicas e parasitológicas - local provável de infecção, espécie parasitaria, parasitemia, sazonalidade, horas entre a manifestação dos primeiros sintomas e o tratamento; e ocupação.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller/Universidade Federal de Mato Grosso, sob o Protocolo no 805/CEP-HUJM/10, e obteve a anuência da Secretaria Municipal de Saúde de Colniza-MT e da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso para utilização do banco de dados.

 

Resultados

No município de Colniza-MT, entre 2003 e 2009, foram realizados 65.994 exames hemoscópicos dos quais 28,6% (18.903) foram positivos para malária. O maior registro ocorreu em 2005, com 3.988 casos da doença. Houve detecção de casos em todos os meses, com maior registro em junho de 2005 (842 casos) conforme se apresenta na Tabela 1.

 

 

O município foi classificado como de alto risco de transmissão (IPA≥50 casos por 1000 habitantes). Após 2004, a incidência parasitária anual variou de 294 casos/1000 habitantes em 2005 a 63,6 casos/1000 habitantes em 2009. O IPA do município apresentou tendência de redução entre 2005 e 2009 (Tabela 2). Do total de casos registrados no período, 92,5% foram detectados por busca ativa (dados não apresentados em tabela).

 

 

A idade dos indivíduos com malária variou de um dia de vida a 92 anos de idade (média de 27,7 anos; desvio-padrão de 15,3), 23,2% dos casos eram menores de 15 anos, 74,4% tinham entre 15 e 59 anos e 2,3% tinham 60 e mais anos de idade; 71,4% eram do sexo masculino e 19,5% contavam 4 a 7 anos de estudo. 73% destes por P. vivax (Tabela 3). Foram notificados 1,1% dos casos de malária em gestantes (dados não apresentados em tabela).

 

 

A espécie parasitária predominante foi Plasmodium vivax (77,69%), seguida de Plasmodium falciparum (22,5%) e de 0,1% de malária mista (P. falciparum e P. vivax). Quanto ao tempo entre os primeiros sintomas e o início do tratamento, observou-se um aumento gradativo no tratamento de casos em menos de 24 horas após o surgimento dos sintomas (de 30,4% para 64,1%). Do total de casos de malária, 18.763 (98,0%) apresentavam sintomas (Tabela 3).

Foram notificados 372 (1,9%) casos de infecções assintomáticas, sendo 260 (69,9%) homens e 112 (30,1%) mulheres. Desses casos, 309 (83,1%) foram detectados por busca ativa, destacando-se 282 (75,8%) infecções P. vivax. O maior número de infecções assintomáticas ocorreu em 2008, com 293 (57,3%) notificações (dados não apresentados em tabela).

A distribuição dos casos de malária por ocupação desenvolvida nos últimos 15 dias, segundo ano de ocorrência, mostrou que a ocupação mais frequente foi a agropecuária (26,0% dos casos), seguida por outras ocupações (18,2). Destaca-se a falta de registro desse dado em 32,9% das fichas de notificação, nas quais se encontra registrada ocupação 'Ignorada'(dados não apresentados em tabela).

Dos 18.903 casos de malária notificados em Colniza-MT no período de 2003 a 2009, 90,6% foram autóctones. Entre os casos importados, destacaram-se os oriundos dos municípios fronteiriços ou próximos, como Manicoré-AM com 950 casos, Aripuanã-MT com 441 casos e Machadinho D'Oeste-RO com 114 casos (dados não apresentados em tabela).

Nas quatro regiões de Unidade Notificante por Região - UNR - do município, de 2003 a 2009, o menor número de casos (4.476) foi na UNR urbana. Em relação às unidades localizadas na área rural, no mesmo período, a UNR Guariba teve 8.894 casos notificados, a UNR Rio Roosevel 664 casos e a UNR Três Fronteiras (UNR Três Fronteiras) 4.869 casos.

Os casos entre as UNR apresentaram distribuição distinta (Tabela 4). O maior número de registros de casos aconteceu em 2005, na UNR Guariba, com posterior declínio nesta unidade notificante. A UNR Três Fronteiras apresentou poucas notificações entre os anos de 2003 e 2006, e seu maior pico de casos foi registrado em 2007. Foram encontradas diferenças na ocorrência das espécies parasitárias por região de notificação (Figura 1), sendo a maior proporção de P. falciparum (32,5%) encontrada na UNR Três Fronteiras, seguida da proporção de P. falciparum registrada na UNR Guariba, para os anos de 2003 e 2009.

 

 

 

 

Discussão

Entre os casos de malária no município de Colniza-MT registrados no Sivep_malária, no período de 2003 a 2009, a maioria foi autóctone, com predominância em: homens, entre aqueles com 15 a 59 anos, com 4 a 7 anos de estudo e infecção principalmente por Plasmodium vivax. As características epidemiológicas dos casos de malária registrados em Colniza-MT no período deste estudo assemelharam-se aos resultados de outros estudos epidemiológicos, que encontraram maior prevalência em homens, na faixa etária entre 21 a 40 anos, em indivíduos com baixa escolaridade, com predomínio de infecção por Plasmodium vivax.22-24 O aumento na incidência da malária verificado no Brasil entre 2003 e 2005, principalmente na Amazônia legal, assinala para uma gênese multifatorial, que envolve mudanças climáticas e movimentos migratórios, ocupação irregular, desmatamentos resultantes de reforma agrária, avanços na agricultura e dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Outro fator que pode ter contribuído para o crescimento da incidência da doença é o aumento das populações de Anopheles, resultantes das ações antrópicas.5,25

A dinâmica da transmissão ao longo do período estudado apresentou diferenças na distribuição dos casos por UNR. No início desse período, a maior prevalência de casos de malária encontrava-se na UNR Guariba, com pico epidêmico em 2005 e 2006 e declínio nos anos seguintes. Na UNR Três Fronteiras verificou-se tendência inversa, com aumento de 555,3% nas notificações de 2006 para 2007.

Foram detectados os seguintes processos endêmico-epidêmicos para cada UNR em Colniza-MT, ao longo do período estudado:

- UNR Roosevelt - processo endêmico com diminuição da porcentagem de casos até 2008;

- UNR urbana - picos epidêmicos em 2005 e 2006;

- UNR Guariba - processo epidêmico com diminuição progressiva de casos entre 2005 a 2008, com tendência a estabilização no final do período; e

- UNR Três Fronteiras - processo epidêmico a partir de 2007 até 2008 e redução em 2009.

Tais variações poderiam ser atribuídas a diferentes momentos e formas de ocupação e exploração dos recursos naturais da região.

A recente emancipação do município (ocorrida em 1998), com grandes extensões de áreas florestais preservadas, possibilitou a criação de vários projetos de assentamentos rurais, ocupações irregulares, empreendimentos legais e ilegais de manejo florestal e de mineração que culminaram no incremento populacional da região, possivelmente contribuindo para o aumento dos casos de malária em Colniza-MT.18

O processo de ocupação ocorreu primeiramente na região leste do município, onde está localizada a sede urbana. A partir de 2004, com a intensificação dos projetos de assentamentos, a construção da rodovia MT 206 e de estradas vicinais provocou o crescimento dessa ocupação em direção à UNR Guariba. O aumento dos casos de malária nesse Distrito pode ser atribuído aos projetos de assentamentos e incentivos a empreendimentos na localidade, como a instalação de uma usina de biodiesel em 2005. Nos anos seguintes (2006, 2007 e 2008), o processo de ocupação avançou para a região oeste, em direção à UNR Três Fronteiras, na divisa dos Estados do Amazonas e de Rondônia, com essa área vindo a apresentar 85,7% dos casos importados de malária notificados em Colniza-MT, no período estudado.

Os perfis econômicos das áreas das UNR do Guariba e de Três Fronteiras eram distintos. Consequentemente, ao utilizar a classificação de áreas com potencial malarígeno,26 este estudo pôde verificar estratos diferentes, com áreas distintas de alto e médio risco para malária. Na UNR Guariba, a base da economia encontrava-se na agricultura de subsistência. No período estudado, essa UNR possuía características consideradas típicas de áreas de alto risco, como a presença de assentamentos rurais recentes, sem infraestrutura, com moradias precárias, falta de estrutura de Saúde, presença da espécie vetora (Anopheles darlingi) e intensas alterações ambientais que propiciaram a exposição da população ao contato com os vetores. Em 2007 houve redução do número de casos na UNR Guariba, decorrente, possivelmente, da estabilidade na ocupação das famílias assentadas, melhoria da moradia, construção de estradas e presença de uma estrutura de serviços de saúde, mesmo que precária.

Na UNR Guariba, a tendência de casos indicou, no final do período, processo de conversão de malária epidêmica para malária instável. A UNR Três Fronteiras apresentou ocorrência de malária epidêmica, uma forma extrema da malária instável, observável por surtos epidêmicos em populações não imunes. A UNR urbana indicou um processo de conversão de malária instável para malária estável e a UNR Roosevelt apresentou-se como malária estável durante todo o período.27

Ao utilizar o sensoriamento remoto28 para estudar a influência de alterações na distribuição da malária na Amazônia brasileira, contatou-se que a variação temporal e espacial da doença associou-se com o desmatamento, as condições climáticas, os padrões de ocupação da terra, a abertura de estradas e a migração. Tais condições apresentam semelhança com o estudo realizado em área de assentamento no município de Juruena-MT, próximo de Colniza-MT.29 Essa dinâmica de ocupação peculiar pode ter influenciado no perfil da malária no município aqui estudado.

Como limitação do estudo, destaca-se a possibilidade de sub-registro dos casos de malária. Outras limitações referem-se à falta de dados para o ano de 2003 e falhas no preenchimento das fichas de notificação. Em 2003, não foram notificados casos em dois meses (maio e junho) por problemas técnicos na implementação do Sivep_malária no município. A falha no preenchimento deveu-se à ausência de item 'Não se aplica', para o caso de crianças com malária e ou menores de 14 anos. Dessa forma, dos 18.903 casos analisados, 6.209 não apresentavam informações relativas ao item 'Ocupação nos últimos 15 dias' (32,8%), ao considerar, no registro, ocupação 'Ignorada'. Verificou-se a existência de fichas com o campo da variável preenchida 'Ignorada' em todas as idades: em 39,7% (2.466) dos casos em menores de 15 anos e em 60,3% nas demais idades. Outra limitação foi a impossibilidade do calculo do Índice Parasitário Anual - IPA - para a área de abrangência das UNR, devido à ausência de dados referentes à população desagregados por localidade. No entanto, apesar dessas limitações, os resultados de picos epidêmicos em diferentes momentos de cada UNR dão indícios de que a ocorrência da malária apresenta dinâmica relacionada à mobilidade populacional, provocada pelo processo de ocupação do solo e exploração dos seus recursos naturais.

A interação homem-parasito-ambiente mostrou-se complexa, influenciando e comprometendo a meta de redução da malária a partir do esgotamento do parasito no homem. No contexto de ocupação de diferentes áreas na Amazônia brasileira, de acordo com suas especificidades locais, requer-se a produção de conhecimento interdisciplinar e planejamento de ações intersetoriais capazes de contribuir para o sucesso no controle da malária na região.

 

Agradecimentos

Aos técnicos da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso, pelos trabalhos entomológicos e epidemiológicos, em especial a Elaine Cristina de Oliveira.

E ao Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso - ISC/UFMT -, pelo empenho em formar profissionais que desenvolvam pesquisas na área da Saúde Pública.

 

Contribuição dos autores

Maciel GBML participou da concepção do desenho do estudo, copilação dos dados contidos no Sivep_malária, análise dos resultados, redação e revisão bibliográfica.

Santos MA participou da concepção do desenho do estudo, análise dos resultados, redação e revisão bibliográfica.

Espinosa MM participou da análise estatística.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Giovana Belem Moreira Lima Maciel
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Av. Adauto Botelho s/n,
Parque da Saúde,
Bairro Coophema,
Cuiabá-MT, Brasil.
CEP: 78085-200

E-mail: giovanabio@terra.com.br

Recebido em 05/09/2012
Aprovado em 19/03/2013

 

 

*Estudo financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Processo 555652/2009-2) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT), PRONEX-Rede Malária, Mato Grosso.