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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.3 Brasília set. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000300014 

ARTIGO ORIGINAL

 

Regionalização dos Serviços de Saúde em Mato Grosso: um estudo de caso da implantação do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região do Teles Pires, no período de 2000 a 2008*

 

Health Service Regionalization in Mato Grosso state: a case study of the implementation of the Teles Pires Region Intermunicipal Health Consortium, 2000-2008

 

 

Cristina Santos BottiI; Elizabeth ArtmannII; Maria Angélica S. SpinelliIII; João Henrique G. ScatenaIII

ISecretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso, Cuiabá-MT, Brasil
IIEscola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIIInstituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá-MT, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar a implantação do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região do Teles Pires-MT.
MÉTODO: estudo de caso único, sendo analisados os contextos externos da região do Teles Pires (sociodemográfico e epidemiológico) e assistencial do consórcio (organização, financiamento e produção de serviços), com base em dados secundários, no período 2000-2008.
RESULTADOS: a taxa de crescimento populacional foi de 5,3% (2000-2008). A taxa de mortalidade infantil reduziu 52,4%, e a taxa de internação hospitalar, 23,2%. Os recursos financeiros do Consórcio, advindos dos municípios e do estado foram aplicados na compra de serviços especializados e na complementação salarial dos profissionais do Hospital Regional. O número de hospitais permaneceu estável, houve ampliação de 9,3% do total de leitos e de 52% da oferta de serviços.
CONCLUSÃO: apesar de o Consórcio ampliar a oferta de serviços, esta não foi suficiente para atender à demanda, em face do crescimento populacional observado.

Palavras-chave: Consórcios de Saúde; Regionalização; Acesso aos Serviços de Saúde; Estudo de Caso.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate the implementation of the Teles Pires Region-MT Intermunicipal Health Consortium.
METHOD: a single case study based on secondary data for the period 2000-2008 with analysis of the external context (sociodemographic and epidemiological) of the Teles Pires region, as well the healthcare context of the consortium (organization, funding and service delivery).
RESULTS: population growth rate was 5.3% (2000-2008). Infant mortality decreased 52.4% and the hospitalization rate decreased 23.2%. The Consortium's financial resources are provided by the municipalities and the state and are used to purchase specialized services and salary supplementation for Regional Hospital professionals. The number of hospitals remained stable, there was an increase of 9.3% in hospital beds and 52% in the supply of services.
CONCLUSION: despite the Consortium increasing service availability, this was insufficient to meet demand in view of the population growth.

Key words: Health Consortia; Regional Health Planning; Health Services Accessibility; Case Studies.


 

 

Introdução

O Brasil enfrenta desafios no cumprimento de uma política de saúde equânime, em decorrência dos limitados recursos financeiros, das desigualdades sociais entre as instâncias federadas, da falta de definição de prioridades na alocação de serviços e da inadequação da oferta às necessidades da população, com garantia de acesso igualitário.1,2

Os municípios do interior do Brasil têm enfrentado dificuldades na implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), por falta de recursos humanos e financeiros, por deficiência de estrutura física, por dificuldades de acesso a tecnologias de diferentes níveis de complexidade e devido às distâncias dos serviços de saúde, situações que exigem alternativas de gestão para o SUS.3

O Consórcio Intermunicipal de Saúde (CIS) foi uma alternativa proposta pela Norma Operacional Básica NOB 01/96, considerando o contexto da regionalização da rede de serviços. O CIS é importante estratégia para articulação e mobilização dos municípios, com coordenação estadual, de acordo com características geográficas, epidemiológicas, oferta de serviços e, principalmente, a vontade política expressa pelos gestores dos diversos municípios, considerando a especificidade do pacto federativo brasileiro.4,5

No estado de Mato Grosso, a criação dos consórcios pela Secretaria de Estado de Saúde (SES/MT) teve início no ano de 1995, constituindo-se essas instâncias em unidades de referência de média e alta complexidade, garantindo o acesso a serviços de assistência ambulatorial e hospitalar aos cidadãos de regiões antes não assistidas.6

Um estudo realizado pela SES/MT, sobre os consórcios do estado, mostrou um aumento da resolução regional na assistência ambulatorial e hospitalar no período de 1995 a 2000.7 No entanto, a repercussão dos consórcios no processo de regionalização da saúde ainda é pouco explorada, e fazem-se necessários estudos que aprofundem e atualizem a sua magnitude e importância no processo de regionalização e de alternativas na atenção à saúde da população.

O objetivo deste estudo foi avaliar a implantação do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região do Teles Pires (CISRTP).

 

Método

O presente trabalho caracteriza-se como um estudo de caso único8 para avaliação da implantação do CISR-TP, com base na metodologia avaliativa proposta por Hartz (2005).9 O recorte apresentado, de abordagem descritiva, busca analisar a influência da interação entre uma intervenção, nesse caso o Consórcio de Saúde, e os seus possíveis efeitos. Na análise considerou-se a interdependência entre os diferentes contextos em que ocorreu a implantação do Consórcio, no período de 2000 a 2008. Das dimensões analisadas, as apresentadas nesse estudo referem-se a dois contextos: i) externo (variáveis demográficas e epidemiológicas da região e dos 15 municípios consorciados); e ii) assistencial (organização, funcionamento, financiamento e produção do serviço).

O estado de Mato Grosso possui grande extensão territorial e sua população, segundo a contagem de 2007, era de 2.854.642 habitantes,10 sendo a densidade demográfica de 3,1 hab./km2. O estado tem 141 municípios, e a maioria deles (82%) apresentava população abaixo de 20 mil habitantes, naquele ano.10

Desde 2006, existem 15 consórcios no estado, que atendem 125 municípios (Figura 1), conjunto que representa 80,1% do total de municípios e 65,2% da população mato-grossense. Em relação à modalidade jurídica, tendo por referência a Lei 11.107/200511 e sua regulamentação,12 até 2010 identificavam-se as seguintes características: 14 consórcios adequados à lei, sendo 11 de direito público e três de direito privado; e um consórcio não adequado àquelas legislações - o CIS Alto Tapajós. Em relação à natureza da unidade, predominam as unidades hospitalares públicas, sendo sete municipais e cinco estaduais (Figura 1). O Consórcio Intermunicipal de Saúde do Teles Pires (CISRTP) foi implantado pioneiramente em Mato Grosso, em 1995, sendo a primeira unidade pública a prover serviços especializados no interior.

 

 

Utilizaram-se dados secundários relativos aos 15 municípios que congregam o Consórcio de Saúde. Para a análise do contexto externo foram utilizados indicadores demográficos e socioeconômicos: população, taxa de crescimento populacional na última década e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), do ano de 2000; e epidemiológicos (período 20002008): morbidade hospitalar e mortalidade. As fontes de dados foram o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e os sistemas de informações oficiais do Ministério da Saúde: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan), Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA), Sistema de Informações do SUS (SIH) e Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Os dados epidemiológicos foram trabalhados como coeficientes a partir dos agravos segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID 10) - mortalidade e morbidade hospitalar -, para os municípios e para a região do CISRTP, buscando-se analisar sua evolução mediante a comparação dos indicadores de 2000 com os de 2008.

O coeficiente de mortalidade foi calculado como o número de óbitos por agravos selecionados da CID 10 (doenças infecciosas e parasitárias, neoplasias, doenças do aparelho circulatório, doenças do aparelho circulatório e causas externas, correspondendo aos capítulos I, II, IX, X e XX, respectivamente) dividido pelo total de habitantes dos municípios da região do consórcio, multiplicado por 100.000, para os anos de 2000 e 2008. O coeficiente de morbidade foi calculado como o número de internações por agravos selecionados da CID 10 (doenças infecciosas e parasitárias, neoplasias, doenças do aparelho circulatório, doenças do aparelho circulatório e doenças do aparelho geniturinário, correspondendo aos capítulos I, II, IX, X e XIV, respectivamente) dividido pelo total de habitantes dos municípios da região do consórcio, multiplicado por 10.000.

Para o contexto assistencial foram definidas as variáveis referentes: i) à gestão do trabalho; ii) aos recursos financeiros, convênios e participação dos municípios; iii) à capacidade instalada, disponibilidade de leitos e produção dos serviços. Os dados secundários foram levantados dos documentos da Secretaria de Estado de Saúde (SES/MT) e do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região do Teles Pires, considerando a temporalidade do estudo. Utilizou-se a análise de conteúdo, segundo dimensões e subdimensões da pesquisa.

Grande parte da abordagem quantitativa do trabalho baseou-se em dados secundários de domínio público. Mesmo assim, em cumprimento à Resolução no 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto de pesquisa foi submetido à apreciação da Comissão de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz-RJ, sendo aprovado, conforme Parecer no 142/09 CAAE:0154.0.031.000-09.

 

Resultados

O CISRTP localiza-se na região Norte do estado, na região do Teles Pires. Sua área territorial é de 92.902,02 km2.

A agropecuária e a indústria madeireira são as principais atividades econômicas da região, que concentra o principal polo madeireiro do estado. O dinamismo da moderna agropecuária, principalmente a produção de grãos, manifesta-se fortemente na região, destacando-se o município de Sorriso, que ocupa o terceiro lugar na economia do estado.

O CISRTP contemplava uma população de 199.603 habitantes no ano de 2000, passando, em 2008, para 302.936 habitantes. A taxa de crescimento populacional da região, neste período, foi de 5,3%, enquanto a do estado de Mato Grosso foi de 1,9%. A idade mediana da população desses municípios no ano de 2008 foi de 24,9 anos, caracterizando uma população jovem, condizente com regiões em desenvolvimento. O IDH do conjunto dos municípios integrantes do Consórcio, disponível apenas para o ano de 2000, foi considerado médio (0,791).

O coeficiente de mortalidade infantil da região do CISRTP, em 2000, foi de 18,5 óbitos por mil nascidos vivos, passando para 8,8 óbitos em 2008, o que representa uma queda de 52,4%.

Ao se analisar os coeficientes de mortalidade por grupos de causas dos municípios do CISRTP, observa-se que, excetuando-se as doenças do aparelho circulatório e as causas externas, a mortalidade pelos agravos analisados elevou-se, de 2000 para 2008 (Tabela 1). As causas externas, embora apresentassem redução no período analisado, mantêm-se como as principais causas de morte. Doenças do aparelho circulatório e neoplasias são a segunda e a terceira causa de morte da região, respectivamente.

 

 

A taxa de internação (por 10.000 habitantes/ano) caiu entre 2000 e 2008, passando de 706,30 para 542,80 (redução de 23,2%), acompanhando a tendência do estado, no período.

Ao se analisar as causas das internações hospitalares, destacaram-se no período de estudo: doenças do aparelho respiratório, doenças infecciosas e parasitárias e doenças do aparelho geniturinário. As internações por doenças do aparelho circulatório foram destaque nos municípios de Sorriso e Cláudia (Tabela 2).

 

 

No âmbito da gestão do trabalho, observou-se que o quadro de recursos humanos do Consórcio de Saúde está lotado no Hospital Regional de Sorriso, unidade de referência. Esse quadro é constituído por servidores: i) do estado, concursados e contratados; ii) cedidos pela prefeitura; e iii) contratados pelo Consórcio, segundo o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O lotacionograma administrativo do CISRTP permite um quadro de até 60 funcionários. No ano de 2008, ele contava com 49 funcionários, estando dentro do limite autorizado. As fontes dos recursos financeiros do Consórcio de Saúde são a União, o estado e os municípios, além de convênio específico celebrado entre a Secretaria de Estado de Saúde (SES/MT) e o Consórcio. Os recursos federais referem-se à produção ambulatorial e hospitalar do Hospital Regional.

Os recursos estaduais obedecem à celebração de convênio entre o estado e o Consórcio de Saúde e correspondem à contrapartida de 50,0% do total da participação dos municípios. A SES/MT assumiu um compromisso com o CISRTP no repasse concernente a 55,0% da produção assistencial (SIA/SIH), recursos estes utilizados para o pagamento de complementação salarial dos médicos e demais profissionais de saúde do Hospital Regional. O rateio interno previsto desses recursos, no hospital, é o seguinte: 23,3% para médicos; 15,0% para os profissionais de nível superior; e 16,7% para os de apoio e técnico. A SES/MT é responsável pelo custeio operacional do hospital (recursos humanos, medicamentos, equipamentos e manutenção) e pelo custeio da Casa de Apoio (estrutura domiciliar de apoio às pessoas em tratamento).

O convênio entre a SES/MT e o CISRTP vem sendo celebrado desde 2001, com vigência anual e aditamentos que garantem os reajustes do aporte financeiro. Tomou-se o valor global deste Convênio em 2008, que foi de R$ 4.981.268,72, com a seguinte distribuição: contrapartida da SES - R$ 1.369.268,72; custeio do Hospital Regional - R$ 1.068.000,00; produtividade SIA/SIH - R$ 2.400.000,00; e custeio da Casa de Apoio - R$ 144.000,00. Já a cota de participação dos municípios foi de R$ 2.738.537,45.

A liberação dos recursos é feita em parcelas mensais, conforme Plano Operativo do Consórcio e mediante a comprovação dos seguintes quesitos: i) participação financeira dos municípios; ii) recolhimento de tributos iii) folha de pagamento mensal dos profissionais. O acompanhamento e controle dos recursos financeiros são realizados trimestralmente pela Regional de Saúde e pela SES/MT.

A participação financeira dos municípios no Consórcio é calculada com base na população (20,0%) e na utilização dos serviços do Hospital Regional (80,0%).

Das despesas totais com saúde, efetuadas com recursos próprios dos municípios consorciados, em média 4,25% são destinados ao custeio do Consórcio.

A receita total do Consórcio no ano de 2008 foi de R$ 7.719.806,17 (Tabela 3), o que representa um custo aproximado por habitante/ano de R$ 23,63. Do total de recursos, R$ 5.864.187,44 foram pagos aos profissionais médicos, o que corresponde a 76,0% do repasse global. Foram gastos com a compra de serviços de apoio diagnóstico e terapêutico e outros procedimentos R$ 340.226,79 (4,4%), e os restantes R$ 1.515.391,94 (19,6%) correspondem ao pagamento dos demais profissionais e manutenção do Hospital Regional.

 

 

Na região do Consórcio de Saúde observou-se um aumento da oferta de serviços nos municípios consorciados. Segundo o CNES, em dezembro de 2008 existiam na região do Teles Pires 160 unidades de saúde, nos diversos níveis de complexidade. Tal número representa um incremento de 52,0% em relação ao ano de 2000, devendo-se principalmente ao aumento das unidades básicas de saúde e das clínicas especializadas.

Do total dos estabelecimentos de saúde da região do Consórcio de Saúde, a maioria corresponde a unidades básicas de saúde/centros de saúde e ou Unidades Saúde da Família, que representam 44,4% dos serviços de saúde. Complementam a atenção básica: 17 clínicas e ambulatórios especializados, 15 unidades de Serviços de Apoio à Diagnose e Terapia (SADT) e quatro Unidades Móveis pré-hospitalares de urgência/emergência.

Em relação à rede hospitalar, a região conta com 12 hospitais, sendo três públicos, dois filantrópicos e sete privados. O número de hospitais permaneceu estável na região desde 2000.

Quanto à oferta de leitos (do SUS e não vinculada SUS), em 2000 os municípios da região do Consórcio de Saúde contavam com 462 leitos (2,40 leitos por 1.000 habitantes), sendo 52,2% leitos de competência do SUS e 47,8% da rede não vinculada ao SUS. Em 2008, os municípios contavam com 505 leitos (1,66 leito por habitante), dos quais 322 (63,8%) estavam disponíveis para o SUS e concentravam-se majoritariamente nos municípios de Sorriso e Sinop. No período estudado, houve um aumento de 9,3% no número total de leitos e de 33,6% no número de leitos do SUS.

Houve variação entre 2000 e 2008 na oferta de vínculos de profissionais médicos na região do Consórcio de Saúde, segundo dados do CNES. Em 2000 computavam-se 0,2 vínculos profissionais médicos por 1.000 habitantes; em 2008, tal relação elevou-se para 1,6 e, nesse último ano, tais vínculos representavam 18,0% do total dos vínculos profissionais em saúde, na região. Dos 502 vínculos médicos da região, apenas 53 eram relativos a profissionais que atendem no Hospital Regional, beneficiados com o incentivo de interiorização.

A maioria dos serviços prestados é realizada pelo Hospital Regional de Sorriso, unidade de referência da microrregião que conta com 112 leitos hospitalares, dos quais dez leitos de UTI neonatal e seis de UTI adulto. Os outros 96 leitos são disponibilizados às especialidades. O Consórcio de Saúde complementa serviços médicos através da compra de consultas das outras especialidades e exames complementares. No tocante à utilização dos serviços do Hospital Regional de Sorriso, observa-se que, dentre os municípios consorciados, Sorriso é o que apresenta maior utilização do Hospital (54,0%). Seguem-no Nova Ubiratã (5,0%) e Sinop (4,5%).

 

Discussão

Na avaliação do contexto externo na região do CISR-TP, destacaram-se os fatores que facilitaram o processo de sua implantação. Observou-se que os municípios da microrregião apresentam indicadores favoráveis - crescimento populacional, densidade demográfica e condições socioeconômicas -, o que contribui para a organização da oferta e a qualificação dos serviços de saúde nessa microrregião. Esse conjunto de fatores positivos pode ter influenciado o perfil epidemiológico, com a redução dos coeficientes da mortalidade e dos indicadores de internação hospitalar, sugerindo melhoria na qualidade de vida da população da microrregião. No entanto, a natureza das internações suscita questionamentos sobre a resolubilidade da atenção básica na microrregião.

Observa-se ainda que a região caracteriza-se como de intensa produção de soja e de extrativismo de madeira, correspondendo ao "uso corporativo e seletivo do território" que conformam "cidades funcionais à produção modernizada" na Amazônia Legal,13 gerando crescimento econômico e social desiguais. Enquanto alguns municípios da região atraem migrantes e investimentos profissionais qualificados, como Lucas do Rio Verde, Sorriso, Feliz Natal, Sinop e Nova Maringá, outros apresentam crescimento negativo, como União do Sul e Tapurah. Tal situação contraditória produz dispersão populacional em Mato Grosso - um estado de grande extensão territorial -, havendo regiões em que predominam municípios pouco estruturados, com baixo grau de desenvolvimento de atividades e precariedade de serviços urbanos. Esses fatores dificultam a interiorização de serviços especializados e a manutenção de recursos humanos qualificados que garantam um atendimento integral à saúde da comunidade.

Estudos demonstram que a concentração de serviços especializados na capital14 representa gastos e dificuldade de acesso às populações do interior do estado em decorrência das barreiras geográficas. Embora isso seja uma realidade também no Mato Grosso, o investimento em estradas, na microrregião em estudo, favoreceu o acesso de seus munícipes, tanto ao município sede do Consórcio de Saúde quanto à capital do estado.

Comparativamente ao ano de 2000 e ao estudo de Guimarães,7 verifica-se que o CISRTP vem aumentando progressivamente a disponibilidade de serviços especializados aos municípios consorciados, o que permitiu aos usuários desses municípios maior acesso aos serviços de saúde. No entanto, constatou-se que o número de leitos hospitalares não acompanhou o crescimento populacional da microrregião, redundando em baixa disponibilidade desse serviço à população adscrita. Além disso, este número de leitos não atende as recomendações da Organização Mundial de Saúde ou da Portaria no 1.101/2002 GM/MS15 (2,5 a 3 por 1.000 habitantes). A maior utilização, pela população de Sorriso, dos serviços do Hospital Regional, via CISRTP, deve-se à localização do hospital nesse município.

A respeito da gestão financeira, é fundamental salientar que a cooperação intergovernamental foi um dos principais componentes da garantia e da viabilidade dos pactos e acordos financeiros.16 Destacam-se os aspectos seguintes: a Unidade de Referência, o Hospital Regional, é estadual; e a articulação entre os municípios permite o compartilhamento na capacidade de gestão dos recursos financeiros, de forma consensual e articulada. Isso garante a sustentação financeira do Consórcio, no cumprimento de suas atribuições no SUS. Além da existência de instrumentos legais que facilitem a gestão, é preciso observar a necessidade de competências políticas de integração e de comunicação dos atores envolvidos, para a formulação e operacionalização dos pactos e ações de forma articulada.17-20

A política de incentivos financeiros também permitiu a fixação de profissionais na microrregião, por tornar mais atrativo o mercado de trabalho no interior. Porém não é possível conhecer o número de médicos a partir do número de vínculos, mas se eles fossem equivalentes, a relação seria superior à definida pela Portaria no 1.101/2002 (um médico para 1.000 habitantes).

Entretanto, se por um lado o CISRTP é uma alternativa para a oferta de serviços especializados a partir dos incentivos aos profissionais de saúde, por outro é uma "válvula de escape para o estado" no atendimento das demandas dos profissionais na microrregião, principalmente do profissional médico.

As limitações do estudo estão relacionadas: i) à própria abordagem - estudo de caso -, que não permite fazer inferências para os demais consórcios instituídos neste estado, a partir dos achados aqui apresentados; e ii) à utilização de dados secundários de algumas fontes (SIH/SUS, SIA/SUS, CNES), que não apreendem o universo de eventos/variáveis estudados ou que o fazem de forma aproximada. Acredita-se, porém, que tais limitações não comprometeram o presente trabalho, em face do seu escopo.

Os Consórcios de Saúde constituem sistemas abrangentes nas regiões de saúde, que permitem o estabelecimento de parcerias intergovernamentais (entre os governos municipais e com o governo estadual) e a pactuação de regras de financiamento, ampliando o acesso aos serviços de saúde e a oferta de especialidades e serviços de maior densidade tecnológica.2,21-23 No entanto, ao se analisar a implantação do CISRTP, pode-se observar que esta se assenta mais na visão da oferta de serviços do que na integralidade e coordenação da assistência.

Este estudo evidenciou que, apesar de o Consórcio ter ampliado a oferta de serviços na região, a partir da aquisição de procedimentos de apoio diagnóstico e de consultas especializadas, estas ações ainda não foram suficientes para o atendimento de toda a demanda por estes serviços. Os obstáculos são aqueles relacionados ao modo de organização dos serviços na região do Consórcio, principalmente relativos ao sistema de referência e contrarreferência e à existência de filas para a realização dos procedimentos eletivos e para consultas em algumas especialidades. Este fato mostra a insuficiência de ações voltadas para a sua resolução e revela a importância de estudos de demanda e análise prospectiva.20

Faz-se necessário incluir estratégias para o planejamento da expansão da oferta de serviços especializados pelo CISRTP com base nas necessidades de saúde da população e não apenas na lógica da disponibilidade de especialistas e da capacidade instalada.

 

Contribuição dos autores

Botti CS foi responsável pela concepção, coleta e análise das informações, redação inicial e revisão do artigo.

Artmann E foi responsável pela concepção, análise das informações, redação e revisão do artigo.

Spinelli MAS e Scatena JHG participaram da análise das informações, redação e revisão do artigo.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Cristina Santos Botti
- Centro Político Administrativo,
Palácio Paiaguás, Bloco D,
Cuiabá-MT, Brasil.
CEP: 78049-902
E-mail: cris_botti@terra.com.br

Recebido em 05/01/2013
Aprovado em 17/06/2013

 

 

*Artigo elaborado a partir da dissertação de Mestrado Profissional em Vigilância em Saúde, apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca - ENSP/Fiocruz/Brasília-DF, Brasil, em 2010.