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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.3 Brasília set. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000300017 

ARTIGO ORIGINAL

 

Estudo descritivo sobre o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde no município de Jataí, Goiás, 2010

 

Descriptive study of health service waste management in the municipality of Jataí, Goiás, 2010

 

 

Charliene Pinto de MeloI; Ludimila Borges BarbosaI; Marise Ramos de SouzaI; Ivanildes Solange da Costa BarcelosII

ICurso de Enfermagem, Universidade Federal de Goiás/Campus Jataí, Jataí-GO, Brasil
IICurso de Biomedicina, Universidade Federal de Goiás/Campus Jataí, Jataí-GO, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde (RSS) no município de Jataí, Estado de Goiás, Brasil.
MÉTODOS: estudo descritivo com dados de 15 instituições de saúde, coletados mediante questionário semiestruturado, em 2010.
RESULTADOS: os responsáveis pelo gerenciamento de RSS eram, principalmente, do sexo feminino (13/15), com idade média de 32,9 anos, com 3,2 anos de experiência no cargo e graduados em enfermagem (13/15); verificou-se que as etapas de segregação, identificação e acondicionamento dos resíduos potencialmente infectantes, comuns e perfurocortantes foram priorizadas em todas as instituições; as etapas de tratamento, transporte e armazenamento apresentaram execução diferenciada nas instituições; o destino final foi o aterro municipal; o uso de equipamentos de proteção individual pelos funcionários que transportaram os RSS foi considerado insuficiente.
CONCLUSÃO: o gerenciamento de RSS na área do estudo foi considerado inadequado segundo as normas regulamentadoras vigentes.

Palavras-chave: Serviços de Saúde; Resíduos Sólidos; Agentes Biológicos; Riscos Ocupacionais.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe health service waste (HSW) management in the municipality of Jataí-GO, Brazil.
METHODS: this descriptive study was conducted in 15 health institutes using data collected through a semi-structured questionnaire over ten months in 2010.
RESULTS: the professionals responsible for HSW management in the institutions analyzed were mainly female (13/15) (p=0.002). Their average age was 32.9, on average they had 33 years of experience in their position and 13/15 had Nursing degrees. The identification, segregation and packaging of potentially infectious waste, household waste and sharps were found to be prioritized in all the institutions. Differences were noted between institutions regarding treatment, transportation and storage. Final disposal occurred at the municipal landfill site. Individual protection equipment use by employees transporting HSW waste was considered insufficient.
CONCLUSION: HSW management compliance with current regulatory rules was considered to be lacking.

Key words: Health Services; Solid Waste; Biological Agents; Occupational Risks.


 

 

Introdução

Os resíduos gerados por prestadores de assistência médica, veterinária, odontológica, laboratorial, farmacêutica e instituições de ensino e pesquisa são denominados resíduos de serviços de saúde (RSS).1,2 Esses resíduos constituem, em média, 1% do total de resíduos gerados em uma comunidade. Entretanto, são fontes potenciais de propagação de patologias e representam risco aos trabalhadores dos serviços de saúde e à comunidade em geral, quando gerenciados de maneira inadequada.3 O gerenciamento de RSS consiste no conjunto de procedimentos de gestão, planejamento e implementação de ações - a partir de bases científicas, técnicas normativas e legais - com o objetivo de minimizar a produção de resíduos de forma eficiente, visando à proteção dos trabalhadores, à preservação da Saúde Pública, dos recursos naturais e do meio ambiente.2,4

O aumento da população humana se relaciona diretamente com a crescente geração de resíduos. Esse fato, aliado à contínua elevação da complexidade da atenção à saúde, à utilização de materiais descartáveis, ao aumento da população de idosos, os quais demandam serviços de atenção mais sofisticados, ao estímulo do consumo, especialmente nos países desenvolvidos, entre outros fatores, ocasiona uma maior geração de RSS no mundo. Medidas para minimizar a geração de resíduos e novas tecnologias de manejo de resíduos devem ser aprimoradas, pois, para o ano de 2050, estima-se que haverá mais de 10,6 bilhões de pessoas no mundo.5,6

No Brasil, além do aumento populacional, são enfrentados problemas sanitários de significativa envergadura. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) realizada pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2008, o país coletava por dia 183.488 toneladas de resíduos sólidos domiciliares e públicos. É certoque houve uma redução de 19,7% nesse volume, em relação ao PNSB do ano 2000, atribuída ao aumento da reciclagem de resíduos não perigosos e coleta de RSS segregados.7 Do total de 5.553 municípios brasileiros, 80,1% possuíam coleta especial de RSS e recolhiam o volume de 891 toneladas diárias de resíduos que continham seringas e agulhas com restos de sangue, gazes com secreções e partes de corpo humano, entre outros.7 De acordo com o PNSB, no ano 2000, 72,3% das cidades brasileiras desprezavam os resíduos urbanos em vazadouros a céu aberto, ou seja, nos lixões.6,7 Dados mais recentes, do PNSB de 2008, indicam que o destino final de resíduos urbanos ainda representa um problema sanitário, ambiental e social: cerca de 50% dos municípios depositavam esses resíduos em lixões.7-9

O desenvolvimento sustentável dos países que se propõem a minimizar os problemas advindos do lixo deve considerar cinco princípios: (i) redução na geração de resíduos; (ii) maximização da reutilização e reciclagem ambientalmente adequadas; (iii) seleção de processos industriais que gerem materiais com menor impacto para o meio ambiente; (iv) adoção de formas de destinação final ambientalmente corretas; e (v) expansão dos serviços de coleta e reciclagem do lixo para toda a população.10

O gerenciamento inadequado dos RSS podem afetar a saúde da população e, principalmente, a saúde dos trabalhadores que têm maior contato com esses resíduos, como funcionários de empresas de carros de coleta de lixo e pessoas que trabalham com reciclagem.3,11 Ressalta-se também a falta de informações dos profissionais da área da Saúde sobre o manejo adequado de resíduos, questão fundamental para a prevenção de acidentes ocupacionais e a preservação do meio ambiente.12

Entre as principais normas regulamentadoras vigentes no Brasil, relacionadas com o gerenciamento de RSS, encontram-se a Resolução no 306/2004 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa),2 a Resolução no 358/2005 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)4 e finalmente, a Lei no 12.305/2010, que estabeleceu a Política Nacional de Resíduos Sólidos.13

Frente à complexa questão do manejo dos resíduos de serviços de saúde - RSS - no Brasil, com vistas a verificar se as normativas preconizadas para o gerenciamento desses resíduos eram cumpridas, o presente estudo teve como objetivo descrever o processo de gerenciamento dos RSS em instituições de saúde no município de Jataí, Estado de Goiás, Brasil, da geração ao transporte externo até seu destino final.

 

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, realizado no município de Jataí, localizado no sudoeste do Estado de Goiás. Jataí-GO é considerada uma cidade-polo na área da Saúde, com 124 instituições de saúde cadastradas no Ministério da Saúde,14 incluindo quatro hospitais, um hemocentro, policlínicas, unidades básicas de saúde, vigilância sanitária, clínicas médicas, clínicas odontológicas, laboratórios de análises clínicas, consultórios médicos, serviços de fisioterapia, de fonoaudiologia, de imagens e outros. Em 2010, o município possuía 88.006 habitantes.15

O objeto do estudo constituiu-se de instituições de saúde na área urbana. Os critérios de inclusão da instituição no estudo foram os seguintes: atuar na assistência à saúde humana; prestar assistência ambulatorial (com a realização de vacinas, curativos, coleta de amostras biológicas para exames laboratoriais e aplicação de medicamentos pelas vias intravenosa ou intramuscular) ou hospitalar (com a realização de cirurgias, partos e outras internações); e ser de natureza pública, filantrópica ou privada.

Das 20 instituições que atendiam os critérios de inclusão, cinco não aceitaram participar do estudo. Os dados foram coletados em 15 instituições de saúde: quatro hospitais, uma policlínica e dez Unidades Básicas de Saúde da Família (UBSF) do município. Foram realizadas entrevistas com o responsável pelo gerenciamento de resíduos, mediante questionário semiestruturado. O questionário continha 24 questões objetivas, sendo três fechadas e 21 abertas, e foi elaborado de acordo as exigências contidas nas normas regulamentadoras vigentes: as Resoluções da Anvisa no 306/2004 e do Conama no 358/2005. Os dados foram coletados no período de 1o março a 31 de dezembro de 2010.

As variáveis estudadas foram: características da instituição (pública, privada ou filantrópica e seu tempo de funcionamento), do funcionário responsável pelo gerenciamento de RSS (idade, sexo, formação acadêmica e tempo na função) e informações sobre o manejo dos resíduos gerados. Ao abordar-se a execução das etapas do processo (segregação, acondicionamento, identificação, armazenamento, transporte, tratamento de resíduos e disposição final), foi avaliada a existência e execução do Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS) institucional.

Os dados foram analisados pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) for Windows, versão 11.0, pelo teste da diferença entre duas proporções, considerando-se a significância de 5% (p<0,05). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Goiás (UFG), sob o Parecer no 165/2009. Foram obedecidos os princípios éticos conforme recomenda a Resolução do Conselho Nacional de Saúde - CNS no 196/1996 e seus complementos. A participação da instituição foi voluntária, mediante a assinatura da carta de anuência pelo representante legal e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos responsáveis do gerenciamento de RSS.

 

Resultados

As instituições que participaram do estudo representaram três quartos do total que correspondeu aos critérios de inclusão. Entre as 15 instituições de saúde pesquisadas, 13 eram públicas (dois hospitais, uma policlínica e dez UBSF), um hospital filantrópico e um hospital privado. Os quatro hospitais funcionavam há mais de dez anos e a policlínica prestava serviços há mais de sete anos. Entre as UBSF, quatro unidades funcionavam há mais de dez anos e as demais variaram entre menos de um a sete anos. Em cada uma das instituições havia um funcionário responsável pelo gerenciamento de RSS. Em 13/15 das instituições, o responsável era do sexo feminino (p=0,002), tinha idade média de 32,9 anos e apresentava média de 3,2 anos de experiência no cargo. Em relação ao grau de escolaridade, 13/15 apresentaram graduação em enfermagem (p<0,05), 1/15 haviam se formado em administração hospitalar e 1/15 tinham feito curso técnico em segurança do trabalho.

Todas as instituições avaliadas realizaram as etapas de segregação dos resíduos em grupos: A (biológicos infectantes), D (resíduos comuns) e E (perfurocortantes). Os resíduos perfurocortantes foram segregados no ponto de geração e acondicionados em recipientes com paredes rígidas, específicos para esse tipo de descarte, porém a orientação em relação ao preenchimento do volume do recipiente não foi estudada. Os resíduos biológicos foram acondicionados separadamente (10/15) das instituições em dois hospitais - um público e o outro privado -, uma policlínica e sete UBSF; ou foram misturados (5/15) com resíduos comuns, em sacos plásticos de cor branca, em dois hospitais e três UBSF. Verificou-se a ausência de relato da identificação dos sacos de descarte de resíduos com o símbolo internacional de risco biológico em 12/15 instituições. A etapa de transporte interno de RSS ocorreu em todas as instituições, diariamente. Em 9/15 delas, a coleta foi relatada de acordo com a demanda, ou seja, não havia uma rotina de coleta estabelecida; e em 6/15, a periodicidade da coleta era de duas vezes ao dia. Em todas as instituições pesquisadas, os funcionários que coletavam o lixo eram os mesmos que o transportavam no interior da instituição. Não houve uma seleção específica para profissionais encarregados dessa tarefa, nem treinamento adequado.

A Tabela 1 apresenta a frequência de utilização de equipamentos de proteção individual (EPI) pelos profissionais que transportavam os resíduos, entre os quais 14/15 utilizavam luvas e 12/15 utilizavam botas (p=0,03).

 

 

A etapa de armazenamento de resíduos ocorreu em 14 instituições (p<0,05). Apenas uma unidade incinerava o lixo produzido ao final de cada dia, na própria instituição. Entre as instituições que armazenavam os resíduos, oito declararam utilizar abrigo interno e seis citaram abrigo externo. Como abrigo interno - geralmente, uma sala destinada a essa finalidade - o estudo identificou: dois depósitos; dois expurgos; dois depósitos de materiais de limpeza; um abrigo na sala de curativos; e um na própria unidade. O tempo de armazenamento interno relatado foi de 37,5 horas, em média, e o tempo do armazenamento externo variou entre 1 e 15 dias, com média de 3,3. O transporte era feito dentro da própria instituição, até a unidade de armazenamento. Em onze das instituições, os resíduos eram transportados manualmente; em três, o transporte era feito em carrinho de material lavável com tampa (capacidade para 200 litros); e em uma instituição, esse transporte era feito em recipientes plásticos de menor porte (até 20 litros).

A Figura 1 apresenta a distribuição dos responsáveis pela execução da etapa de transporte externo dos RSS nas instituições analisadas, da unidade geradora até o aterro controlado municipal. Observou-se que o governo municipal foi o responsável pelo transporte externo dos RSS em nove das instituições (p<0,05). Entre as unidades estudadas, quatro declararam possuir um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS) elaborado; destas quatro, duas relataram que o PGRSS estava sendo executado.

 

 

Discussão

O presente estudo verificou que as instituições analisadas realizavam o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde das classes A (biológicos), D (comuns) e E (perfurocortantes). Os resíduos das classes B (químicos) e C (radioativos) não foram citados pelas instituições. Os resíduos químicos são gerados em grande volume em hospitais, em função da atenção aos usuários dos serviços (uso de medicamentos, desinfetantes, esterilizantes, conservantes de tecidos humanos, reagentes de análises clínicas e outros). Os serviços de imagenologia médica (raios X, tomografia computadorizada e ressonância magnética) utilizam radionuclídeos. Segundo as normas vigentes, os resíduos químicos devem seguir manejo adequado para evitar acidentes de trabalho e reduzir a poluição ambiental por produtos perigosos. As unidades de imagenologia são obrigadas a possuir um Plano de Radioproteção aprovado pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), visando à proteção do trabalhador, usuários e meio ambiente.2,4,16

Em estudo realizado no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, a equipe de enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem) demonstrou desconhecimento sobre o manejo adequado dos resíduos químicos perigosos.17 Esse desconhecimento pode dificultar a segregação dos resíduos químicos, um dos pontos fundamentais para diminuir os riscos de graves problemas para a saúde do trabalhador (alergias, neoplasias e intoxicações entre outros) e para o meio ambiente.

As instituições analisadas realizaram o manejo dos resíduos biológicos (A), comuns (D) e perfurocortantes (E). Entretanto, em cinco instituições foi relatada a mistura de resíduos dos grupos A e D, com o consequente aumento da geração de resíduos com potencial infectante que acarretam a elevação dos custos dos processos de tratamento - desses resíduos - e diminuem o tempo útil de utilização dos aterros sanitários.3,16 A segregação dos RSS no local de geração pode diminuir em até 82% o volume total dos resíduos infectantes gerados.18 A falta de segregação adequada dos RSS pode inviabilizar os processos de reciclagem dos resíduos não perigosos.16 Os resíduos recicláveis devem ser segregados em recipientes exclusivos, identificados pelo código de cores e suas correspondentes nomeações: papéis; metais; vidros; plásticos; e orgânicos.2

O acondicionamento dos resíduos do grupo A em sacos plásticos de cor branca leitosa foi citado em todas as instituições, porém - exceto no caso de perfurocortantes - esses recipientes não apresentavam o símbolo de risco biológico. A identificação correta dos resíduos colabora com a redução da exposição do manipulador. Esses recipientes devem ser utilizados com os padrões de cores e sinais específicos, os quais devem ser informados a todos os envolvidos na execução do Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde.6,16 Estudo desenvolvido em estabelecimentos de assistência à saúde no Rio Grande do Sul detectou que somente 48,6% das unidades geradoras realizaram o manejo de RSS de acordo com as exigências legais em vigor no país.19 Esse fato pode ser relacionado com a ausência de fiscalização mais eficaz e constante dos órgãos oficiais, o que pode contribuir para o descumprimento das obrigações dos geradores e até comprometer a Saúde Pública e o meio ambiente.18,20

Nas instituições analisadas, os funcionários da limpeza encarregados do transporte de RSS utilizaram, como equipamento de proteção individual, luvas, botas e máscaras, o que é insuficiente para a proteção do profissional. Também é indicado o uso de avental impermeabilizado, gorro, óculos de proteção e jaleco ou uniforme privativo, com o objetivo de evitar o contato do profissional com os resíduos. Além disso, o funcionário responsável pelo transporte RSS deve receber treinamento adequado para o manejo dos resíduos.2,4,16

O presente estudo demonstrou que não houve capacitação dos funcionários das instituições analisadas para o manejo dos resíduos gerados, capacitação que constitui uma exigência das normas regulamentadoras vigentes. Segundo a NR 32, os funcionários que manipulam os RSS devem ser capacitados na ocasião de sua admissão e devem participar de atualizações periódicas de suas habilidades para as atividades que realizam, devem receber os EPI adequados e serem capacitados para sua utilização correta.21 Além da utilização de EPI, um estudo realizado na Grécia demonstrou que o ato de fumar, de comer ou de beber durante a coleta de resíduos constitui fator de risco para a infecção pelo vírus da hepatite A.11

Em relação ao local de armazenamento interno de RSS, apenas uma instituição relatou a utilização de local adequado. O transporte interno de resíduos nas instituições ambulatoriais analisadas foi executado predominantemente de forma manual. O mesmo ocorreu em pesquisa realizada em Curitiba-PR, no Hospital Veterinário da Universidade Federal do Paraná.22

Nos hospitais de Jataí-GO, foi relatada a utilização de carrinhos adequados ao transporte de resíduos, porém não havia um carrinho para cada tipo de RSS conforme exigido pelas normas, fato semelhante ao descrito no município de Marituba-PA.23

Em relação ao transporte externo, 60% das instituições analisadas mantinham parceria com o governo municipal, que se encarregava dessa etapa do gerenciamento de RSS. Segundo as normas vigentes, são permitidas parcerias desde que sejam cumpridas as normas NBR 12.810 e NBR 14.652 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).2,4

Nesse estudo, evidenciou-se a ausência de tratamento dos RSS. Somente uma unidade de saúde relatou a realização de incineração dos resíduos antes do destino final, porém o incinerador utilizado (na própria instituição) não possuía a validação técnica exigida.4,16 Tal procedimento poderia contribuir para a poluição ambiental. O processo de incineração deve contar com o monitoramento das emissões gasosas geradas pela queima dos resíduos tratados, da disposição final das cinzas e da descontaminação adequada dos filtros do incinerador.16,18 A etapa de tratamento dos RSS, de acordo com a classe dos resíduos e a indicação normativa, deve ser realizada visando à minimização do risco à Saúde Pública, a preservação da qualidade do meio ambiente, a segurança e a saúde do trabalhador. A autoclavação e a incineração constituem os processos mais indicados para a promoção da redução da carga microbiana compatível com o nível III de inativação microbiana dos resíduos biológicos.4

A disposição final dos RSS no município de Jataí-GO ocorria em aterro controlado, uma vez que o antigo vazadouro a céu aberto foi reformulado e adaptado com impermeabilização do solo e demais exigências legais.

Todas as unidades geradoras de resíduos de serviços de saúde devem elaborar, executar e monitorar um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde, constituído de um documento com a descrição do processo de manejo e de todas as etapas do gerenciamento desses resíduos.2,4

A maioria das instituições de saúde analisadas relatou não possuir um PGRSS, fato condizente com a inadequação do gerenciamento de resíduos.24 Resultados semelhantes foram demonstrados por outros estudos.3,6,8,9 Na África do Sul, a baixa eficiência no gerenciamento de resíduos foi associada à falta de adesão do poder municipal, à carência de fiscalização dos órgãos governamentais e à ausência de percepção dos geradores (indústrias, empresas e instituições de saúde) sobre os potenciais benefícios decorrentes do processo adequado de manejo de resíduos.25

A principal limitação deste estudo foi a não adesão de todas as instituições de saúde selecionadas pelos critérios de inclusão, além da possibilidade de os relatos dos funcionários não serem condizentes com a prática real. Assim, este estudo pode não representar a situação vivenciada por outras localidades, em relação ao gerenciamento de RSS, sugerindo que estudos de maior abrangência sejam realizados.

Os resultados aqui apresentados demonstraram que as instituições de saúde estudadas exerceram o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde de forma inadequada. Estes autores veem como necessária a elaboração e acompanhamento de um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde nesses serviços, devido ao potencial de risco presente, com o objetivo de minimizar ou evitar a transmissão de doenças infecciosas a seus profissionais e usuários, além de prevenir danos ao meio ambiente. Este relato de pesquisa pretende contribuir para a percepção da carência no gerenciamento de resíduos na área do estudo, semelhante à da carência encontrada no cenário nacional, e sinaliza para a necessidade de capacitação de profissionais e implementação de ações visando a sua adequação às exigências normativas e legais.

 

Contribuição dos autores

As quatro autoras participaram das análises, interpretações e elaboração do texto. As autoras Melo CP e Barbosa LB realizaram a aplicação do instrumento e coleta de dados.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Ivanildes Solange da Costa Barcelos
- Curso de Biomedicina,
Universidade Federal de Goiás,
Campus Jataí, BR 364, km 192,
Jataí-GO, Brasil.
CEP: 75.801-615
E-mail: solbarcelos1@hotmail.com

Recebido em 06/03/2013
Aprovado em 24/05/2013