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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.4 Brasília dez. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000400005 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços de urgência e emergência do Sistema Único de Saúde em capitais brasileiras - 2011

 

Profile of victims of violence and accidents treated in public emergency departments in Brazilian state capital cities - 2011

 

 

Alice Cristina Medeiros das NevesI; Márcio Dênis Medeiros MascarenhasII; Marta Maria Alves da SilvaI; Deborah Carvalho MaltaIII

ICoordenação-Geral de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil
IICoordenação-Geral de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF e Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, Brasil
IIICoordenação-Geral de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF e Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever o perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços de emergência do Sistema Único de Saúde em 2011.
MÉTODOS: estudo transversal com vítimas de violências e acidentes atendidas em 71 serviços de urgência, situados em 24 capitais brasileiras e no Distrito Federal; os dados foram coletados em turnos sorteados de 12 horas, durante 30 dias consecutivos.
RESULTADOS: verificou-se maior proporção dos acidentes (90,4%) em relação às violências (9,6%); predominaram as vítimas do sexo masculino, da faixa etária de 20 a 39 anos, com escolaridade de 9 a 11 anos de estudo, e aqueles de raça/cor parda.
CONCLUSÃO: pelo perfil dos atendimentos nos serviços de emergência do país, reconhece-se a magnitude das violências e dos acidentes como importante problema de Saúde Pública, identificando-se as vítimas mais vulneráveis.

Palavras-chave: Inquéritos Epidemiológicos; Vigilância Epidemiológica; Violência; Causas Externas.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the profile of victims of violence and accidents treated in Public Emergency Departments, in 2011.
METHODS: cross-sectional study with victims treated in 71 emergency departments in 24 Brazilian state capitals and the Federal District. Data were collected from randomly selected 12-hour shifts for 30 consecutive days.
RESULTS: the proportion of accidents (90.4%) was higher than that of violence (9.6%). Predominance of mulatto male victims, aged 20 to 39, with 9-11 years of schooling.
CONCLUSION: the profile of patients attended at Public Emergency Departments demonstrates the magnitude of violence and accidents as a major public health problem, as well as identifying the most vulnerable victims.

Key words: Health Surveys; Epidemiological Surveillance; Violence; External Causes.


 

 

Introdução

Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o período de 2002-2020 indicam aumento na mortalidade por causas externas, especificamente em decorrência de acidentes de trânsito e violências.1 Os acidentes e violências causam grandes custos para o setor Saúde e a economia dos diversos países.2,3 No ano de 2011, no Brasil, as causas externas representaram 8,6% do total de internações pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com valor total pago de R$ 1,02 bilhão. As estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que os custos indiretos e danos à economia são ainda maiores se considerados os prejuízos econômicos decorrentes da ausência no trabalho, da perda de produtividade e de impactos sociais e psicológicos de difícil mensuração.4

Segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), as causas externas [referentes ao capítulo XX - Causas externas de morbidade e mortalidade -, da 10a Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)] foram responsáveis por 12,5% dos óbitos no Brasil em 2000 e por 12,9% em 2010. Esses agravos representaram a terceira causa de morte entre crianças de zero a 9 anos de idade, ocupando a primeira posição na população de jovens e adultos (10 a 39 anos) e decrescendo para a sexta posição entres os idosos (60 ou mais anos de idade).5

As internações por causas externas em hospitais públicos ou conveniados ao SUS representam 70 a 80% do total de internações por essas causas no país. Segundo o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), no ano de 2011, foram notificadas 929.893 internações hospitalares por causas externas nos serviços financiados pelo SUS; a taxa de internação hospitalar por causas externas foi de 50,4 por 10 mil habitantes, sendo a taxa de internação entre os homens 2,5 vezes a estimada entre as mulheres.5

As lesões decorrentes de causas externas são responsáveis pela morte de mais de cinco milhões de pessoas em todo o mundo, a cada ano.6 As mortes por lesões consideradas acidentais resultam de colisões no trânsito, afogamentos, envenenamentos, quedas e queimaduras, enquanto as mortes por violência incluem agressões interpessoais, violência autoinfligida (suicídio) e atos de guerra ou conflitos civis.

As vítimas, comumente, têm sequelas permanentes ou não, que podem levar à incapacidade para o trabalho e/ou outras atividades rotineiras, absenteísmo, custos com o pagamento de pensões e de tratamentos de saúde, o que torna esses agravos um importante problema de Saúde Pública.7

No ano de 2006, o Ministério da Saúde implantou o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) com o objetivo de analisar a tendência das violências e acidentes e descrever o perfil desses atendimentos nas portas de entrada de urgência e emergência. A vigilância, além de contribuir para esclarecer as circunstâncias desses eventos, provê mais informações para o desenho de políticas públicas de prevenção e promoção à saúde e cultura de paz. Um dos componentes da vigilância de violências e acidentes (VIVA Inquérito) busca agregar novos dados sobre as causas externas de menor gravidade, possibilitando o conhecimento mais detalhado do problema e o planejamento de políticas públicas, além da obtenção de informações específicas sobre o agravo não coletadas pelo SIH/SUS ou pelo SIM.8

O presente artigo tem por objetivo descrever o perfil das vítimas de violências e acidentes atendidas em serviços selecionados de urgência e emergência do SUS, participantes do VIVA Inquérito no ano de 2011.

 

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, realizado em 71 serviços de urgência e emergência no âmbito do SUS, localizados no Distrito Federal e em 24 capitais brasileiras, no ano de 2011. Em Manaus (AM) e São Paulo (SP), não foi possível executar o inquérito por questões locais, relacionadas a aspectos técnico-operacionais e de gestão.

Para a seleção dos estabelecimentos que comporiam a amostra, utilizou-se o registro no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) como critério para a inclusão do serviço no estudo. Posteriormente, os estabelecimentos foram classificados quanto à demanda, segundo o SIH/SUS e o VIVA Inquérito (para aqueles serviços participantes da pesquisa nos anos de 2006, 2007 ou 2009). A confirmação dos serviços selecionados pelos gestores e coordenadores da Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis (VDANT) das Secretarias de Saúde dos estados e municípios participantes da pesquisa obedeceu aos seguintes critérios:

a) prestar serviço de urgência e emergência; e

b) ser serviço de referência para o município.

A população de estudo foi composta pelas vítimas de violências e acidentes (causas externas) que procuraram atendimento nos serviços de urgência e emergência. O tamanho da amostra foi de, no mínimo, 2.000 atendimentos por causas externas (acidentes e violências) em cada uma das capitais analisadas e no Distrito Federal, assumindo coeficiente de variação inferior a 30% e o erro-padrão menor que 3.

Considerou-se o período de coleta de 30 dias consecutivos, entre os meses de setembro e outubro de 2011, dividido em turnos de 12 horas, totalizando 60 turnos. O número de turnos a ser sorteado em cada estabelecimento foi obtido pela razão entre o tamanho mínimo da amostra de atendimentos por causas externas (2.000) e a média de atendimentos por causas externas realizados no mesmo estabelecimento em anos anteriores. O procedimento de sorteio utilizado foi a amostragem por conglomerado em único estágio, estratificado pelo estabelecimento, sendo o turno a unidade primária de amostragem. Todos os atendimentos por causas externas (violências e acidentes) do turno sorteado foram incluídos na amostra.

Para o estudo, os atendimentos foram classificados em dois grupos: violências e acidentes. Foram consideradas as definições constantes da CID-10, referentes a seu capítulo XX - Causas externas de morbidade e mortalidade. O informante foi a vítima ou o acompanhante, quando o paciente era menor ou encontrava-se impossibilitado de responder.

Os dados foram coletados por meio de formulário padronizado. As variáveis estudadas foram:

- sexo (masculino, feminino);

- faixa etária segundo ciclos de vida, em anos (0 a 9, 10 a 19, 20 a 39, 40 a 59, 60 e mais);

- raça/cor (branca, preta, amarela, parda, indígena);

- escolaridade, em anos de estudo (0 a 4, 5 a 8, 9 a 11, 12 e mais);

- ingestão de bebida alcoólica (sim, não);

- local de ocorrência (domicílio, escola, área de recreação, via pública, outros);

- meio de locomoção para chegar ao hospital (a pé, ônibus e micro-ônibus, assistência pré-hospitalar, veículo próprio, outros);

- hora de ocorrência;

- tipos de ocorrência (queda, acidente de transporte, agressão e maus-tratos, choque contra objeto/pessoa, objeto perfurocortante, entorse, corpo estranho, queda de objeto sobre pessoa, acidentes com animais, queimadura, lesão autoprovocada, intervenção por agente legal público, outros); e

- evolução na emergência nas primeiras 24 horas (alta, internação hospitalar, encaminhamento ambulatorial, outros).

Os dados foram digitados no programa Epi Info, versão 3.5.1, no setor de Vigilância em Saúde de cada município participante da pesquisa, e transferidos para o Ministério da Saúde para análise de consistência e duplicidade, quando foi utilizado o programa Rec Link III, versão 3.1.6. A unidade primária de amostragem e os pesos dos estratos foram considerados nas análises estatísticas, processadas pelo programa Stata, versão 11, módulo "svy", adequado para a obtenção de estimativas não viciadas quando os dados são provenientes de planos de amostragem complexos.

O projeto de pesquisa foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Ministério da Saúde, sob Parecer de Emenda no 006/2011. Por se tratar de ação específica de Vigilância em Saúde de âmbito nacional, a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi substituída por consentimento verbal, obtido pelo paciente ou por seu responsável no momento da entrevista.

 

Resultados

O VIVA Inquérito abrangeu 47.495 atendimentos. Excluindo-se os casos com tipo de ocorrência não informado, foram registrados 47.455 atendimentos, dos quais 42.958 (90,4%) devidos a causas acidentais e 4.497 (9,6%) classificados como eventos resultantes de violência.

Os indivíduos do sexo masculino representaram a maior proporção entre os atendimentos: de 64,2% dos atendidos por acidentes a 70,4% dos atendidos por envolvimento em atos de violência. Entre os atendimentos por acidentes, a faixa etária mais frequente foi a de 20 a 39 anos (39,3%), seguida da faixa etária de 40 a 59 anos (18,8%).

As pessoas de 20 a 39 anos (56,9%) foram as vítimas mais acometidas por violências. Crianças (0 a 9 anos) e idosos (≥60 anos) apresentaram, proporcionalmente, maior frequência entre os atendimentos por acidentes (15,6% e 8,3%, respectivamente) do que por violências (4,0% e 2,9%).

Atendimentos envolvendo pessoas com cor da pele parda e branca apresentaram maior frequência para ambos os tipos de evento, porém a proporção de pessoas com pele parda e preta foi maior entre as violências (55,3% e 17,2%, respectivamente) do que entre os acidentes (50,5% e 14,1%).

Quanto à escolaridade, a maior proporção de atendimentos por acidentes foi observada entre os indivíduos que referiram ter concluído 9 a 11 (31,0%) e 5 a 8 (26,5%) anos de estudo. Entre os atendimentos por violência, as maiores proporções foram identificadas entre aqueles com 5 a 8 (31,8%) e 9 a 11 (28,8 %) anos de estudo.

A ingestão de bebida alcoólica pelo paciente foi registrada em 16,3% dos atendimentos, sendo a maior proporção decorrente de atendimentos de violências (47,8%). Quanto ao local de ocorrência dos acidentes, predominou o domicílio (37,1%), seguido da via pública (36,3%), enquanto entre os pacientes atendidos devido a violências, prevaleceu a via pública (41,0%) (Tabela 1).

 

 

As vítimas de acidentes utilizaram mais frequentemente o veículo particular (52,2%) e unidades de assistência pré-hospitalar (24,5%) como meios de locomoção para chegar ao hospital. Entre as vítimas de violência, os meios de locomoção mais utilizados foram unidades de assistência pré-hospitalar (37,2%) e veículo particular (36,8%) (Figura 1).

 

 

Os eventos acidentais foram mais frequentes no período diurno, aumentando a partir das 6 horas até atingir o primeiro pico por volta das 10 horas. Verificou-se maior frequência de acidentes no período da tarde até as 20 horas, aproximadamente. Os eventos violentos, embora com tendência de aumento na frequência de ocorrência durante o dia, apresentaram proporção superior aos acidentes durante a noite e a madrugada, com frequência máxima por volta das 23 horas (Figura 2).

 

 

Quanto ao dia da semana, houve maior frequência de atendimentos principalmente no sábado e no domingo, quando as proporções de atendimentos por violência superaram as proporções de atendimentos por causas acidentais. Porém, durante o período de segunda a sexta-feira, a frequência de atendimentos por eventos acidentais foi superior à frequência observada para os atendimentos resultantes de violências (dados não apresentados em tabelas).

Os tipos de ocorrência mais frequentes nos serviços de urgência e emergência foram as quedas (30,9%), seguidas por acidentes de transporte (26,1%), agressões (8,4%), choque contra objetos e pessoas (6,5%), ferimento por objeto perfurocortante (5,6%), entorse (4,7%) e corpo estranho (4,5%). Outros acidentes (sufocação, afogamento, envenenamento e intoxicação, ferimento por arma de fogo, acidentes com animais, quedas de objetos sobre pessoa e compressão dentro/entre objetos) corresponderam a 12,3% das ocorrências por acidente. Lesões autoprovocadas e intervenções por agentes legais públicos configuraram cerca de 1,0% dos atendimentos (Figura 3).

 

 

A alta foi o desfecho mais frequente tanto entre os acidentes (77,6%) quanto entre as violências (63,5%). A proporção de internação entre as vítimas de violência foi duas vezes maior do que a mesma proporção entre as vítimas de acidentes (Figura 4).

 

 

Discussão

O perfil epidemiológico das vítimas de violências e acidentes identificadas pelo VIVA Inquérito 2011 demonstrou maior proporção dos acidentes em relação às violências. Foram mais frequentemente atendidos nas ocorrências de acidentes os homens, pessoas de 20 a 39 anos de idade, aqueles com escolaridade de 9 a 11 anos, e os indivíduos de raça/cor parda. Nas ocorrências de violência, predominaram as vítimas com 5 a 8 anos de estudo. O veículo particular e as unidades de assistência pré-hospitalar, foram os meios de locomoção mais utilizados pelas vítimas para chegar às urgências. As quedas e os acidentes de transporte foram os eventos acidentais de maior frequência, e os principais locais de ocorrência para as violências e os acidentes foram a residência e a via pública. O tipo de violência mais frequente foi a agressão/maus-tratos. Os eventos acidentais ocorreram mais no período diurno, com pico às 10 e 14 horas. As violências foram mais frequentes no período da noite.

Esses dados são condizentes com os resultados do VIVA Inquérito realizado no ano de 2009, que também encontrou maiores frequências de acidentes e violências entre os homens, adultos jovens e naqueles com até 11 anos de estudo.8 As faixas etárias mais atingidas foram os adultos jovens, seja enquanto agentes da violência (agressores), seja como vítimas, observando-se um aumento das taxas de violência a envolver adolescentes e adultos jovens em todas as classes sociais.5,9

As mortes por acidentes e violências distribuem-se de forma bastante desigual entre gêneros, segundo a OMS. Em relação às violências, os homens, especialmente homens mais jovens, respondem por cerca de dois terços das ocorrências. Autores estabelecem conexões entre homens e violência, a partir da compreensão, ao longo do processo civilizatório, das conexões entre a masculinidade e a violência: existiria um papel relevante do homem na proteção da família, gerando conexões culturais, das quais resultariam comportamentos violentos no sexo masculino. Assim, a violência estrutural de gênero seria o produto de uma construção social, determinando relação desigual e opressiva entre as pessoas.9,10

Entre os atendimentos por violências e acidentes, a raça/cor da pele parda foi a mais referida nos pacientes pesquisados. Estudos têm apontado a preponderância da cor da pele ou raça negra na mortalidade por violências,11 acompanhada de explicações justificadas nas desigualdades sociais, além do preconceito e da discriminação presente na sociedade. Atitudes preconceituosas e discriminantes contra segmentos sociais por raça/cor podem gerar nesses segmentos uma situação de desvantagem e autopercepção de menor valor, consequentemente com maior exposição aos riscos de violência.12

As ocorrências foram mais frequentes na população de menor escolaridade, o que também se observa em relação à mortalidade por homicídios na população brasileira.5,11 A desigualdade social, expressa pelas diferenças de raça/cor, escolaridade, renda e acesso a serviços e bens, resulta em iniquidades sociais, gerando conflitos e o aumento da violência.

No presente estudo, observou-se que a suspeita e o relato de uso de álcool foram mais elevados entre os homens. Uma pesquisa desenvolvida no município de São Paulo (SP), entre agosto de 1998 a agosto de 1999, descreveu uma prevalência de alcoolemia de 28,9% em vítimas de causas externas, com maior proporção entre as vítimas de agressões, no sexo masculino e na faixa etária de 25 a 44 anos de idade.13 Naquele inquérito, foi identificado maior percentual de suspeita ou relato de uso de álcool nos atendimentos resultantes de situações de violências. Estudo realizado em um hospital-escola de São José do Rio Preto (SP), no período de 2002 a 2008, apontou que a maioria dos traumas faciais ocorria em homens adultos jovens, vítimas de violência e associados ao uso de álcool.14 Esses resultados fundamentam a associação encontrada entre consumo de bebidas alcoólicas e ocorrência de lesões motivadas por causas externas.

Comportamentos violentos, em ambos os sexos, podem ser causados por mudanças nas funções neuroquímicas e cognitivas dos indivíduos que ingerem bebidas alcoólicas.15 Assim, programas de redução do alcoolismo, para que sejam realmente efetivos, devem considerar aspectos de gênero, culturais e comportamentais.16

A residência e os espaços públicos foram os ambientes que apresentaram maior número de eventos acidentais e violentos.17,18 Características de arquitetura e cuidados na disposição dos objetos nas residências, assim como o investimento na adequação e manutenção dos espaços públicos, podem contribuir para a prevenção e redução na ocorrência de quedas no domicílio.19

O veículo particular foi o meio de locomoção mais utilizado para se chegar aos serviços de urgência e emergência, seguido das unidades de assistência pré-hospitalar. Destaca-se que as vítimas de violência utilizaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e a ambulância em quase 40% dos casos. No VIVA Inquérito realizado em 2009, esses veículos também foram os meios de transporte mais utilizados no serviço de transporte de urgência e emergência. A maior participação do SAMU entre as vítimas de violência sinaliza, provavelmente, ocorrências de maior gravidade.

Em edições anteriores do VIVA Inquérito,8,18 tem-se demonstrado que durante o dia, são mais comuns os acidentes: cerca de 60% dos acidentes domésticos ocorrem nos horários do meio do dia e no início da noite, quando as famílias se encontram em casa e mais expostas a riscos como quedas, queimaduras e outros. À noite e de madrugada, elevam-se as ocorrências das violências. Estudo realizado em dois hospitais de referência de emergências no estado do Rio de Janeiro também apresentou maior número de atendimentos para causas externas no período diurno; à exceção dos finais de semana, quando o período noturno foi o mais procurado, principalmente para atendimento das vítimas de acidentes e agressões.20

As quedas foram o tipo de ocorrência mais comum em todas as edições do VIVA Inquérito, inclusive em 2011. Nos atendimentos de emergência em 2009, uma análise específica das quedas mostrou características diversas, em função da faixa etária. Em crianças e idosos, as quedas associaram-se a ocorrências na residência; entre adolescentes, na escola; em jovens, durante a prática esportiva; e em adultos, estiveram associadas ao uso de álcool e ao local de trabalho, como queda de andaimes, telhados, escada/degrau e buracos. As quedas da própria altura resultaram em lesões de menor gravidade, e as quedas de andaime e telhado associaram-se com lesões de maior gravidade e internações.21 Outro estudo, realizado em três hospitais de grande porte do estado de São Paulo, mostrou as quedas na segunda posição em número de ocorrências.17

Os acidentes de transportes foram a segunda ocorrência mais frequente no VIVA Inquérito 2011, o que demonstra a importância das lesões e mortes no trânsito como um grande problema de Saúde Pública, uma das principais causas de mortalidade e incapacidade entre jovens, principalmente do sexo masculino.7 A OMS2,3 estima que ocorra mais de um milhão de óbitos por acidentes de transporte a cada ano, em todo o mundo. Além de óbitos, esses acidentes resultam em grande número de feridos e portadores de sequelas permanentes.22

No presente estudo, as agressões/maus-tratos corresponderam a cerca de 10% dos atendimentos, em sua grande maioria transportados pelo SAMU, o que caracteriza atendimentos de maior gravidade, como já foi mencionado aqui. As características das vítimas variam conforme o sexo e a faixa etária: em jovens do sexo masculino, predominam as agressões e tentativas de homicídios;23 em mulheres, predominam as violências domésticas;24 e em crianças, os maus-tratos.25 Também variam os agressores: se os perpetradores de atos de violência contra idosos,26 crianças27 e mulheres24 são conhecidos e familiares, eles são desconhecidos para as vítimas jovens.18

Aproximadamente 78% dos atendimentos por acidentes e 64% daqueles decorrentes de violência evoluem para alta nas primeiras 24 horas do atendimento de urgência e emergência, evidenciando lesões de gravidade leve que poderiam apresentar resolubilidade em serviços de saúde menos complexos.

Este estudo teve como limitação o fato de os dados terem sido coletados em 71 unidades de urgência e emergência selecionadas, que atendem ao setor público de saúde em 24 capitais do país e no Distrito Federal. Embora unidades como essas correspondam aos serviços de referência em urgência utilizados pela maioria da população das capitais brasileiras, não contemplam a parcela de usuários atendida no setor privado. Não se dispõe de dados precisos para estimar o percentual de cobertura das unidades públicas de urgência e emergência nas capitais; no entanto, tomando-se como parâmetro a proporção de internações hospitalares no SUS, essa cobertura atinge cerca de 70 a 80% da população.28

As violências e os acidentes são reconhecidos como problema de Saúde Pública, e contribuem para a complexidade do perfil epidemiológico contemporâneo. A prevenção desses eventos representa um grande desafio pela necessidade de sua resposta articular diferentes áreas, demandando uma ação interdisciplinar, além do envolvimento dos vários setores da sociedade civil a das organizações governamentais.

Implantada em 2001, a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências29 é reflexo de um esforço para o enfrentamento dos determinantes e condicionantes das violências e acidentes de modo intersetorial, visando a garantir a atenção integral, promover a saúde e a cultura de paz.

A implantação do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes - VIVA - é de grande importância não somente por tentar dimensionar o problema mas também por evidenciá-lo e gerar ações intra e intersetorias. Ao possibilitar um conhecimento mais detalhado da magnitude e dos fatores associados a acidentes e violências e, assim, a possibilidade de atuação imediata e preventiva, principalmente na identificação e no cuidado aos grupos mais vulneráveis a essas ocorrências, o VIVA torna-se uma ferramenta essencial de vigilância, tomada de decisão e ação em Saúde Pública.30

 

Contribuição dos autores

Todos os autores contribuíram no planejamento, análise dos dados e elaboração deste manuscrito.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito, e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

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Endereço para correspondência:
Alice Cristina Medeiros das Neves
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Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos
Não Transmissíveis e Promoção da Saúde,
SAF Sul, Trecho 2, Lotes 5 e 6,
Bloco F, Torre 1, Edifício Premium,
Térreo, sala 15, Brasília-DF, Brasil.
CEP: 70070-600
E-mail: alice.medeiros@saude.gov.br

Recebido em 05/06/2013
Aprovado em 29/08/2013