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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.4 Brasília dez. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000400006 

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação da implantação de uma Rede Estadual de Reabilitação Física em Pernambuco na perspectiva da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência, 2009*

 

Evaluation of the Implementation of a Public Physical Rehabilitation service based on the National Policy for Reduction of Morbidity and Mortality from Accidents and Violence, 2009

 

 

Maria Luiza Lopes Timóteo de LimaI; Maria Luiza Carvalho de LimaII

IDepartamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife-PE, Brasil
IICentro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Instituto Oswaldo Cruz, e Departamento de Medicina Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife-PE, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar a implantação da Rede Estadual de Reabilitação Física de Pernambuco, Brasil, na perspectiva da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência.
MÉTODOS: foram estudados oito municípios com mais de 100 mil habitantes e 27 serviços de reabilitação física, no ano de 2009; o desenho da investigação foi de um estudo de caso, com foco avaliativo do tipo de análise de implantação. Foram analisados 37 indicadores em três dimensões: gestão, atenção à saúde e controle social.
RESULTADOS: a implantação da Rede em Pernambuco foi classificada como intermediária, considerando-se critérios estabelecidos; tanto o contexto político como o estrutural foram favoráveis à implantação no nível estadual, diferentemente dos municípios, que apresentaram contextos de implantação não favoráveis.
CONCLUSÃO: observou-se considerável empenho por parte da gestão estadual no sentido de avançar com a implantação da Rede Estadual de Reabilitação Física em Pernambuco, embora tenha-se detectado baixo engajamento dos municípios.

Palavras-chave: Acidentes de Trânsito; Reabilitação; Pessoas com Deficiência; Avaliação em Saúde.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate the implementation of the Public Physical Rehabilitation service in Pernambuco State-Brazil, from the perspective of the National Policy for Reducing Morbidity and Mortality from Accidents and Violence.
METHODS: eight municipalities with more than 100,000 inhabitants and 27 physical rehabilitation services were studied. Investigation design was a case study with implementation type analysis. We analyzed 37 indicators from three dimensions: management, health care and social policy watch.
RESULTS: implementation in Pernambuco was classified as intermediate, considering the established criteria. Both the political and the structural context were favorable for implementation at state level, differently to the municipal level which presented no favorable contexts.
CONCLUSION: there were considerable efforts on the part of the state administration to move forward with the implementation of the Public Physical Rehabilitation System, although low commitment on the part of the municipal administrations was detected.

Key words: Accidents, Traffic; Rehabilitation; Disabled Persons; Health Evaluation.


 

 

Introdução

As causas externas apresentam-se como um enorme desafio ao sistema de saúde, principalmente pela magnitude e consequências físicas, emocionais e econômicas que geram para as vítimas, família e sociedade. Em 2011, no Brasil, elas representaram 8,6% do total de internações no Sistema Único de Saúde (SUS), com maiores taxas entre homens de 20 a 39 anos de idade. Destacaram-se as proporções de internações devidas a acidentes de transporte terrestre (ATT) (15,8%): entre 2002 e 2011, as taxas de internação por ATT tiveram incremento de 25,5%.1

Os serviços de saúde, entre eles os serviços de reabilitação, podem detectar a mudança no aspecto epidemiológico da saúde dos brasileiros a partir do perfil dos usuários. Estudo com 171 pacientes atendidos no Ambulatório da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo, identificou que 30,1% deles apresentavam lesões causadas por arma de fogo e 17,5%, em decorrência de quedas.2

Com a instituição da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência (PNR-MAV) pela Portaria GM/MS no 737, de 16 de maio de 2001, com vistas ao enfrentamento da questão, o tema passou a ser respaldado por uma política específica, que contempla desde ações de promoção da saúde até a reestruturação dos serviços de saúde.3

Minayo e Deslandes4 evidenciaram em estudo o quanto é necessário avançar a organização dos serviços de saúde em todo o Brasil, especialmente os de reabilitação. Em todas as capitais estudadas, os serviços de reabilitação, comparados aos de atenção pré-hospitalar e hospitalar, foram os que mais evidenciaram déficit de oferta, sendo detectada a área de reabilitação como a de maior fragilidade na implantação da PNRMAV.

Os serviços de reabilitação são organizados a partir dos tipos de deficiência, que podem ser classificadas em: deficiência física; auditiva; visual; intelectual; ou múltiplas deficiências.5 As deficiências físicas são associadas aos acidentes e violências, justificando-se, assim, a importância de se estudar os serviços de reabilitação física.

A Portaria do Ministério da Saúde GM/MS no 818, de 5 de junho de 2001, preconiza a estruturação das Redes de Reabilitação Física e orienta as Secretarias Estaduais de Saúde e o Distrito Federal a organizarem suas redes integradas por serviços hierarquizados, com diferentes níveis de complexidade.6 No ano de 2009, os diferentes estágios de implantação da Rede de Reabilitação existentes revelavam em que medida o atendimento às pessoas com deficiência era objeto de preocupação dos gestores locais.7

As inúmeras sequelas decorrentes dos acidentes e violências demandam, cada vez mais, o uso de serviços de saúde, tanto na fase hospitalar como na de reabilitação. O objetivo deste estudo foi avaliar a implantação da Rede Estadual de Reabilitação Física de Pernambuco no ano de 2009, na perspectiva da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências.

 

Métodos

O delineamento da pesquisa foi uma avaliação do tipo de análise de implantação, mediante estudo de caso único, com diferentes níveis de análise: na gestão, na atenção à saúde e no controle social.8,9

Pernambuco, que possui uma das maiores redes públicas de saúde do país,10 contava, em 2001, com 6.868 estabelecimentos de saúde e 595 serviços especializados, que poderiam dispor de serviços de reabilitação física: 461 serviços de fisioterapia; 90 de dispensação de órteses e próteses; 17 de traumatologia e ortopedia; 17 serviços de reabilitação; e 10 de alta complexidade e neurocirurgia.11

Foram selecionados os 10 municípios com população superior a 100 mil habitantes: Camaragibe; Caruaru; Cabo de Santo Agostinho, Garanhuns; Jaboatão; Olinda; Paulista; Petrolina; Recife; e Vitória de Santo Antão. Destes, dois municípios foram excluídos, Cabo de Santo Agostinho e Petrolina, pelo fato de não terem indicado serviços de reabilitação física que atendessem vítimas de acidentes e violências. A opção de trabalhar com municípios desse porte justifica-se por apresentarem as mais altas taxas de violência no estado de Pernambuco.12

Em resposta a uma consulta por escrito, as Secretarias Municipais e a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco indicaram os serviços de reabilitação, da rede própria ou conveniada, que ofereciam serviços de reabilitação física. Foram estudados todos os serviços dos municípios, 27, assim distribuídos: 7 serviços estaduais, 6 conveniados e 14 municipais.

A coleta dos dados foi realizada com dois instrumentos: roteiro de entrevista com questões abertas, para investigação dos contextos político e estrutural; e questionário com questões fechadas, para investigação da estrutura e processo de cada serviço. A entrevista foi realizada com: (i) coordenador estadual da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência; (ii) quatro coordenadores municipais da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência; (iii) dois gerentes dos serviços de dispensação de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção; e (iv) presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONED).

Para explicar a organização da Rede Estadual de Reabilitação Física de Pernambuco, foi construído um modelo lógico composto por três dimensões: gestão; atenção à saúde; e controle social. Para cada um desses componentes, foram apresentadas as atividades e os possíveis resultados intermediários e finais (Figura 1).

 

 

A dimensão que englobou a gestão comportou as atividades ligadas à organização da Rede Estadual que extrapolavam as competências dos serviços de saúde. Na atenção à saúde, foram agrupadas as principais atividades a serem realizadas pelos serviços de saúde, de acordo com seu nível de complexidade. A dimensão do controle social congregou as principais atividades a serem desenvolvidas por uma instância de controle social, na forma de Conselho de Direitos. Também foram levados em consideração o contexto político e o contexto estrutural em que a Rede foi implantada.

O modelo lógico foi construído tomando como referência os principais documentos na área: Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência; Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências; Portaria GM/MS no 818/01; e Regimento Interno do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência.

A partir das atividades elencadas no modelo lógico, foram utilizados os indicadores e critérios elaborados e recomendados pelo Centro Latinoamericano de Estudo em Violência e Saúde Jorge Careli, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Instituto Oswaldo do Cruz/RJ (CLAVES/ENSP, Fiocruz/RJ), a partir de análise diagnóstica dos serviços que atendiam vítimas de acidentes e violência em cinco capitais brasileiras, realizada em 2006.4

Alguns indicadores foram utilizados na íntegra, outros revisados ou incluídos após debate realizado com o grupo de pesquisa. A lista com os indicadores encontra-se disponível em Minayo e Deslandes;4 à exceção dos indicadores de gestão e controle social (dimensões não avaliadas no estudo anterior), incluídos no presente estudo.

A análise foi realizada com base no levantamento da frequência das informações obtidas dos questionários e posterior avaliação de adequação, de acordo com os parâmetros estabelecidos. Para a análise do conteúdo, foi realizada uma leitura de todos os depoimentos, seguida da categorização dos dados com destaque para núcleos de sentido. Em seguida, as informações foram agrupadas por afinidade, criando-se subcategorias, para uma compreensão analítica do tema abordado.13

Os principais núcleos temáticos investigados foram:

a) organização dos serviços de reabilitação e implantação da Rede Estadual de Reabilitação Física;

b) dispensação de órteses, próteses e meios auxiliares para locomoção;

c) conhecimento da Política de Saúde da Pessoa com Deficiência, da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência - PNRMMAV - e da Portaria GM/MS no 818/01; e

d) parceria com outras Secretarias Municipais de Saúde.

O grau de implantação da Rede Estadual de Reabilitação Física constitui um indicador sintético, definido a partir de três dimensões: gestão, atenção à saúde e controle social. Foram analisados 37 indicadores, sendo 13 relacionados à gestão, 17 à atenção à saúde e sete ao controle social; desses indicadores, 11 eram ligados à estrutura da rede e 19 aos processos envolvidos na gestão e atenção à saúde.

A pontuação máxima prevista para uma implantação ideal foi de 100 pontos, distribuídos entre as três dimensões estudadas: 40 pontos para gestão; 50 pontos para atenção à saúde; e 10 pontos para controle social. As maiores pontuações foram destinadas às duas primeiras dimensões, gestão e atenção à saúde, pelo fato de serem consideradas essenciais à implantação da Rede. A pontuação foi distribuída com igual valor para cada indicador: por exemplo, a dimensão da gestão, com pontuação máxima de 40 pontos, tinha 13 indicadores, sendo que cada indicador teve peso 3,1.

Houve grande diferença no número de serviços por municípios, especificamente para a dimensão da atenção à saúde, razão porque foi adotada ponderação para cada município, tomando como base a representação desse serviço no total. O total de serviços foi de 27, cada um correspondeu ao peso 3,7 - valor multiplicado pelo número de pontos obtidos por cada município na atenção à saúde.

Ao final da análise das dimensões, considerando-se a pontuação gerada em cada uma delas, foi obtida uma pontuação final que indicou a situação do estado de Pernambuco quanto ao grau de implantação de sua Rede Estadual de Reabilitação Física: 0 a 50 pontos - implantação Incipiente -; 51 a 75 pontos - implantação Intermediária -; e 76 a 100 pontos - implantação Avançada.

Buscou-se em Denis e Champagne9 uma orientação teórica para análise do contexto. Um contexto favorável à implantação de uma intervenção depende da abordagem política de três fatores: (i) apoio dado à intervenção; (ii) controle suficiente para operacionalizar e tornar eficaz a intervenção; e (iii) coerência entre o apoio dado e os objetivos associados. As categorias investigadas foram baseadas em subcategorias e critérios propostos por Quinino,14 adaptados para este estudo.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fiocruz/PE, sob o Parecer no 042/2008.

 

Resultados

De forma geral, os municípios estudados apresentaram desempenho baixo quanto à estrutura e organização da rede de atenção à reabilitação. Contudo, a amplitude da pontuação foi grande, variando de 20,3 pontos no município do Recife a 34,8 pontos em Paulista (Figura 2).

 

 

Quanto à dimensão da atenção à saúde, na pontuação relativa a processo, apenas um dos indicadores foi considerado inadequado (ação de prevenção aos acidentes e violências, sistematicamente) na maioria dos municípios. Por sua vez, os indicadores considerados adequados em todos os municípios foram: proporção de unidades que dispunham de dois turnos de funcionamento; e proporção de unidades que possuíam mecanismos próprios ou articulados com outros serviços para transferência e transporte de pacientes (Figura 2).

A equipe mínima para funcionamento dos serviços foi considerada inadequada, na maioria dos casos, pela ausência de um médico ou assistente social na equipe. A dimensão da atenção à saúde obteve uma pontuação de 22,5 pontos (valor máximo de 50). A dimensão da gestão obteve uma pontuação total de 21,7 pontos (valor máximo de 40). Dos 11 indicadores de gestão, apenas sete foram considerados adequados. A dimensão do controle social foi a que obteve melhor resultado: quase todos os indicadores foram considerados adequados, exceto a participação em estudos e pesquisas sobre a melhoria da qualidade de vida do deficiente. O Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência não havia registrado qualquer participação em pesquisas e estudos com tais objetivos, anteriormente a esta investigação (Figura 3).

 

 

Diante dos pontos de corte estabelecidos, a implantação da Rede Estadual de Reabilitação Física em Pernambuco foi avaliada como 'implantação Intermediária' com 52,6 pontos.

Quanto à organização dos serviços de reabilitação física e a implantação da Rede Estadual de Reabilitação Física, os entrevistados trouxeram mais questões relacionadas aos serviços do que à estruturação da Rede propriamente dita. Foi comum a referência aos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), citados pelos participantes como uma novidade que apoiava e "desafogava" os serviços de reabilitação.

A Coordenação Estadual da Política de Saúde da Pessoa com Deficiência tinha uma visão mais abrangente do Sistema de Saúde: foi a única a mencionar a relação com os municípios como parte da estruturação da Rede. Na abordagem sobre o funcionamento dos serviços de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção, houve consenso quanto à referência ser estadual, localizada no município do Recife; o restante dos municípios do estado não dispunha de cobertura para tal serviço.

Quando os coordenadores foram questionados acerca da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, todos afirmaram conhecê-la. A Coordenação Estadual da Política de Saúde da Pessoa com Deficiência mencionou ter lido e feito uso rotineiro desse material, inclusive como documento de referência para a construção de uma proposta de Política Estadual de Saúde da Pessoa com Deficiência.

A parceria com outras Secretarias Municipais para o enfrentamento dos acidentes e violências foi confirmada por todos os entrevistados. A Secretaria de Educação apareceu como parceira em todos os depoimentos, seguida da Secretaria de Assistência Social, também mencionada em alguns depoimentos.

O contexto político e estrutural estadual contribuiu de forma favorável para a implantação da Rede Estadual de Reabilitação Física. Existiam várias ações ligadas diretamente à gestão estadual: implantação da oficina de órteses e próteses no Hospital Regional do Agreste; construção do Plano Estadual de Saúde da Pessoa com Deficiência; capacitação dos agentes comunitários de saúde sobre Reabilitação Baseada na Comunidade, em parceria com o Ministério da Saúde, inicialmente na Região do Sertão; e investimento em ações nos municípios mais carentes.

As pessoas com deficiência contaram com representação no Conselho Estadual de Saúde, que elaborou o Plano Estadual de Saúde 2005-2007. No Plano, a Política de Saúde da Pessoa com Deficiência foi contemplada com cinco metas, em contraste, por exemplo, com a Política de Saúde Mental, contemplada com dezoito metas.15 No Plano Estadual de Saúde 2008-2011, a Política de Saúde da Pessoa com Deficiência foi contemplada com 20 metas.16

Apesar de a Coordenação Estadual da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência ter apresentado dados do trabalho que vinha sendo realizado por ela, não houve confirmação de que a Política de Saúde da Pessoa com Deficiência fosse uma prioridade dentro das ações da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco. No que diz respeito ao contexto estrutural, a coordenadora possuía pós-graduação em Saúde Pública ou áreas afins. Os itens analisados constam da Figura 4.

 

 

O contexto político e estrutural municipal apontou algumas ações ligadas diretamente a sua governabilidade, como: implantação de serviços de reabilitação, seguindo a lógica de, pelo menos, um serviço por distrito sanitário; organização dos serviços e definição de fluxos por área profissional; e mobilização para a criação do Conselho Municipal de Direitos da Pessoa com Deficiência.

Entre os coordenadores dos municípios cuja estrutura incluía a Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência, apenas quatro afirmaram conhecê-la, embora não detalhassem em que situações ocorreu esse contato/conhecimento. A PNRMAV e a Portaria GM/MS no 818/01 eram menos conhecidas entre os coordenadores: apenas um referiu conhecimento desses documentos. Nenhum coordenador municipal conhecia os principais indicadores da área da deficiência, como, por exemplo: número de deficientes no município; localidade com maior número de deficientes; número de deficientes atendidos nos serviços de saúde; e número de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção dispensados para a população do município.

No aspecto estrutural, dos quatro coordenadores municipais supracitados, dois tinham pós-graduação em Saúde Pública ou áreas afins. Não foi identificada, uma atenção voltada para inovação, conforme se pode verificar na lista com as principais ações desenvolvidas pelas coordenações, em sua maioria dirigidas à estruturação e organização dos serviços sem a apresentação/sugestão de inovações. Quanto à orientação cosmopolita ou local, a busca por parcerias com outras Secretarias Municipais era uma preocupação constante das coordenações. As respostas a essa questão foram bastante enfáticas, sendo as parcerias mais frequentes com as Secretarias de Educação e de Assistência Social (Figura 4).

 

Discussão

Foi possível classificar Pernambuco em um nível intermediário de implantação, ou seja, em uma situação média: o estado obteve pouco mais de 50 pontos (52,6), do total de 100 estipulados para uma situação ideal. A implantação não tinha se completado, refletindo deficiências na realização das ações recomendadas, tanto do ponto de vista da cobertura quanto da integralidade dos serviços de reabilitação, principalmente para as vítimas de acidentes de trânsito.

Uma questão que comprometeu a dimensão da gestão foi relacionada à dispensação de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção. Apesar de haver um Manual Operativo, criado pelo estado como um dos requisitos para a habilitação dos primeiros serviços, ele não era utilizado na rotina dos serviços estudados. O único município que realizava essa dispensação - em dois serviços - era Recife.

Em parte dos municípios, não havia o entendimento de que seus serviços compunham uma rede. Essa questão ficou mais clara na dispensação de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção: não existia o conhecimento ou responsabilidade como sendo do município.

Dos 27 serviços, apenas dois realizaram alguma ação de prevenção aos acidentes e violência. Parece haver uma visão estabelecida de que as ações de prevenção não eram de responsabilidade dos serviços de saúde. É importante ressaltar que uma das diretrizes da PNRMAV preconiza a adoção de comportamentos e ambientes seguros e saudáveis, como responsabilidade de toda a sociedade.

Na análise do contexto político, foi possível identificar os fatores que podem ter favorecido a implantação da Rede de Reabilitação Física em Pernambuco, no nível estadual. A coordenação demonstrou influência nas decisões politicas, bom conhecimento do funcionamento da Rede e dos principais indicadores para a área, planejamento e acompanhamento da maioria das ações realizadas, embora as questões ligadas à organização da rede como um todo ainda não fossem suficientes para se implantar um modelo assistencial hierarquizado que funcionasse em rede, para atender desde o nível municipal ou, no mínimo, regional.

O contexto político, no âmbito dos municípios avaliados, não foi favorável à implantação da Rede. De forma geral, dos quatro critérios gerais analisados no contexto político, os municípios atenderam apenas um, com total desconhecimento dos principais indicadores para a área, além da pessoa com deficiência não ter sido assumida como uma prioridade pela gestão local.

Esperava-se que o estado tivesse habilitado os oito serviços de reabilitação física previstos para sua população, tomando por base a quantidade máxima de serviços previstos. Contudo, o estado atingiu 37,5% do previsto, aquém dos percentuais de implantação em todo Brasil, que, em 2009, correspondiam a 72% da Rede.7 Além disso, no Plano Estadual de Saúde 2008-2011, foi estabelecido o compromisso de implantar três serviços para a Rede de Reabilitação Física17 no estado.

Comparando-se o estado de Pernambuco com o de Alagoas, foi possível verificar o quanto é preciso avançar. Alagoas, com uma população inferior à metade da população pernambucana, dispunha de quatro serviços habilitados, número maior do que estipula a Portaria no 818/01.6,18

Outros estudos que investigaram a reabilitação para vítimas de violência já haviam apontado escassez de serviços para dispensação de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção em Pernambuco19,20 e em outros estados do Brasil.21 A Portaria no 818/01 prevê que a dispensação de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção seja realizada por todos os serviços. O relatório de gestão 2008 do Ministério da Saúde indicava a insatisfação das Secretarias de Estado e Municipais de Saúde, e de prestadores de serviços quanto aos valores repassados para órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção.6,7

Foi também recorrente a referência, por parte dos gestores, de que a reabilitação vivia uma nova fase com a criação dos Nasf. Os gestores tinham o entendimento de que os Nasf poderiam reforçar o programa de reabilitação baseado na atuação da comunidade, na medida em esse programa preconiza a reabilitação das pessoas com deficiência no âmbito das unidades básicas de saúde, com o apoio de profissionais de saúde e de familiares.21

Como principais limitações do presente estudo, é possível apontar o fato de a análise do contexto haver considerado parte dos municípios estudados, haja vista nem todos apresentarem uma coordenação local para a implementação da Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência. Além disso, os indicadores utilizados apresentaram-se demasiado amplos, o que demonstra a necessidade de sua adequação para uso específico em serviços de reabilitação. Seria importante que outros estudos avaliassem a organização dos serviços de reabilitação a partir da ótica dos usuários.

Conclui-se que há um movimento importante, por parte da gestão estadual, no sentido de avançar na implantação da Rede Estadual de Reabilitação Física em Pernambuco. Porém, isso só ocorrerá com o maior envolvimento e colaboração dos municípios. Também falta priorizar a descentralização desses serviços com qualidade, de modo a serem assumidos também pelos municípios, mediante um planejamento que contemple toda a população, de forma mais equânime, sem priorizar determinadas regiões do estado.

 

Contribuição das autoras

Lima MLLT trabalhou na concepção, metodologia, pesquisa, análise e interpretação dos dados, e na redação do artigo.

Lima MLC trabalhou na orientação do trabalho, revisão crítica da pesquisa e aprovação da versão a ser publicada.

Ambas as autoras aprovaram a versão final do manuscrito, e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Maria Luiza Lopes Timóteo de Lima
- Rua José Bonifácio, no 125,
apto. 502, Madalena, Recife-PE,
Brasil. CEP: 50710-000
E-mail: mluizatimoteo@bol.com.br

Recebido em 02/05/2013
Aprovado em 30/10/2013

 

 

*Este artigo foi baseado na tese de Doutorado em Saúde Pública 'Implantação da Rede Estadual de Reabilitação Física em Pernambuco: uma avaliação na perspectiva da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência', de autoria de Maria Luiza Lopes Timóteo de Lima (2011; 192f.) e sob orientação de Maria Luiza Carvalho de Lima, apresentada ao Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz, em 2011. O estudo foi financiado com recursos da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do estado de Pernambuco - Facepe - e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.