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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.4 Brasília dic. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000400008 

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil epidemiológico dos acidentes de trabalho graves no Estado do Paraná, Brasil, 2007 a 2010*

 

Epidemiological profile of serious accidents at work in the State of Paraná, Brazil, 2007-2010

 

 

Louise Aracema ScussiatoI; Leila Maria Mansano SarquisI; Ana Lúcia Cardoso KirchhofII; Luciana Puchalski KalinkeI

IUniversidade Federal do Paraná, Curitiba-PR, Brasil
IIUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever o perfil dos acidentes de trabalho graves no Estado do Paraná, Brasil, e estimar sua incidência entre 2007 e 2010.
MÉTODOS: estudo descritivo com dados secundários provenientes dos registros de acidentes de trabalho graves no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
RESULTADOS: no período estudado, houve aumento do número (de 709 para 2002) e da incidência (de 12,0 para 35,8/100 mil da população economicamente ativa) dos acidentes de trabalho graves; o perfil dos trabalhadores acidentados foi de jovens (28,9%), do sexo masculino (88,4%), de cor branca (69,7%), com ensino médio completo (21,5%), da indústria extrativa e da construção civil (13,9%); a maioria (89,9%) necessitou de regime de tratamento ambulatorial ou hospitalar, e 56,3% sofreram incapacidade temporária.
CONCLUSÃO: o alto número de acidentes de trabalho graves registrados aponta a necessidade de as empresas fornecerem equipamentos de proteção e ambiente laboral adequados e os trabalhadores utilizarem esses equipamentos.

Palavras-chave: Epidemiologia Descritiva; Sistemas de Informação; Acidentes de Trabalho; Saúde do Trabalhador.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the profile of serious accidents at work in the state of Paraná and to estimate their incidence between 2007 and 2010.
METHODS: a retrospective and descriptive epidemiological study using secondary data from the records of serious accidents at work held on the Notifiable Injuries Information System - (Sinan).
RESULTS: in the period studied the number of accidents increased (from 709 to 2002) as did incidence (from 12/100.000 to 35.8/100.000 members of the economically active population). Most affected workers were young (28.9%), male (88.4%), Caucasian (69.7%), with secondary education (21.5%), working in mining and quarrying and construction industries (13.9%). The majority (89.9%) required hospital outpatient or inpatient treatment and 56.3% suffered temporary disability.
CONCLUSION: the high number of serious workplace accidents reported indicates the need for companies to provide protective equipment and adequate working environments as well as the need for workers to use such equipment.

Key words: Epidemiology, Descriptive; Information Systems; Accidents, Occupational; Occupational Health.


 

 

Introdução

Os acidentes de trabalho expressam um importante problema de Saúde Pública no Brasil, pois afetam a produção e a economia devido aos custos previdenciários e dias de trabalho perdidos que ocasionam.1 Esses agravos também podem atingir os familiares da vítima, quando esta sofre uma incapacidade permanente ou vai a óbito, prejudicando a renda e o sustento familiar, além de causar dor e sofrimento a seus entes.2

Globalmente, no ano de 2008, aconteceram 317 milhões de acidentes de trabalho que acarretaram até quatro dias de afastamento do trabalho, indicando a ocorrência de mais de 868 mil acidentes de trabalho por dia no mundo. A maioria desses acidentes ocorreu no Sudeste da Ásia e nos países do Pacífico Ocidental - China, Japão, Filipinas, Taiwan, Austrália e Oceania - representando 26% e 38%.3 Este dado é preocupante, considerando-se que os acidentes de trabalho são preveníveis.

Os acidentes de trabalho graves, de notificação obrigatória no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), são aqueles que acarretam mutilação, física ou funcional, e que levam a lesão cuja natureza implique em comprometimento extremamente sério e preocupante, capaz de consequências nefastas ou fatais.4

Os Anuários Estatísticos da Previdência Social divulgam o número de acidentes e das doenças do trabalho no Brasil, anualmente. A distribuição de acidentes de trabalho segundo as grandes regiões do país, no ano de 2010, mostrou que o Sudeste participou com 54%, o Sul com 22,4%, o Nordeste com 12,8%, o Centro-Oeste com 6,8% e o Norte com 4,2% do total computado pelo órgão. O Estado do Paraná, entre 2007 e 2010, registrou 214.795 acidentes, representando 33,5% dos acidentes registrados na região Sul.5,6 Esses dados destacam o Estado paranaense como uma região em que ocorrem muitos acidentes de trabalho.

Esta pesquisa teve como objetivo descrever o perfil dos acidentes de trabalho graves no Estado do Paraná e estimar sua incidência entre 2007 e 2010.

 

Método

Estudo descritivo dos casos de acidentes de trabalho graves ocorridos no Estado do Paraná e registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan - entre primeiro de janeiro de 2007 e 31 de dezembro 2010.

Os acidentes e as doenças do trabalho são agravos de notificação compulsória no Sinan desde 2004. O Sinan foi implantado para a notificação de agravos contidos na lista de agravos de notificação compulsória, como botulismo, cólera, varíola, difteria e acidentes por animais peçonhentos, entre outros, além de agravos de interesse nacional, surtos e agravos de interesse estadual e municipal.7,8 A notificação compulsória dos acidentes e doenças do trabalho tem como objetivos (i) gerar informações que permitam identificar as causas da morte e dos adoecimentos dos trabalhadores e (ii) utilizar as informações de morbimortalidade associando-as aos ramos de atividade econômica e aos processos de trabalho, para poder intervir sobre suas causas e determinantes. Ademais, essas informações podem servir como subsídios para a elaboração de estratégias de atuação no campo da promoção e da prevenção, para controlar e enfrentar, de forma estratégica, integrada e eficiente, os problemas de saúde coletiva relacionados com o trabalho.7

Esta pesquisa teve como área de abrangência o Estado do Paraná, localizado na região Sul do país. O Estado tem uma área territorial de 199.880.200 km2 e contava com 10.439.601 habitantes em 2010.9 É uma região em que a agricultura, a pecuária, a indústria e os serviços são as principais atividades socioeconômicas.9

Os dados secundários provenientes do Sinan foram fornecidos pelo Centro Estadual de Saúde do Trabalhador do Paraná (CEST/PR) mediante autorização por escrito, assinada pelo diretor do CEST/PR. Os dados foram levantados do sistema em setembro de 2011.

O critério de inclusão no estudo foi o seguinte: todos os acidentes de trabalho graves registrados no Sinan entre 2007 e 2010 envolvendo trabalhadores entre 16 e 65 anos de idade. Foram excluídos os trabalhadores abaixo de 16 anos e acima de 65 anos, devido ao cálculo da incidência ser realizado com base na população economicamente ativa (PEA), a qual é definida pela faixa etária de 16 a 65 anos. A PEA é entendida como o potencial de mão-de-obra com que pode contar o setor produtivo: PEA 2007, 5.881.441; PEA 2008, 5.842.316; PEA 2009, 5.939.394; e PEA 2010, 5.587.968.9,10

As variáveis socioeconômicas estudadas foram: sexo (feminino, masculino); cor ou raça (branca, negra, amarela, parda, indígena, ignorado, não preenchido); escolaridade (analfabeto, 1a a 4a série incompleta do ensino fundamental, 4a série completa do ensino fundamental, 5a a 8a série incompleta do ensino fundamental, ensino fundamental completo, ensino médio incompleto, ensino médio completo, educação superior incompleta, educação superior completa); e classificação de ocupação dos trabalhadores [categorias da Classificação Brasileira de Ocupação (CBO) ].

Foram investigadas características relacionadas ao acidente de trabalho: partes do corpo atingidas (olho, cabeça, pescoço, tórax, abdome, mão, membro superior, membro inferior, pé, todo o corpo, outro, ignorado); classificação da lesão [agrupamento da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10a Revisão (CID-10)]; regime de tratamento (hospitalar, ambulatorial, ambos, ignorado, não preenchido); situação de trabalho; tipo do acidente (típico, trajeto, ignorado, não preenchido); local do acidente (instalações do contratante, via pública, instalações de terceiros, domicílio próprio, ignorado, não preenchido); causa do acidente (agrupamento da CID-10); e evolução dos casos (cura, incapacidade temporária, incapacidade parcial, incapacidade total permanente, óbito por acidente de trabalho grave, óbito por outras causas, outro, ignorado, não preenchido).

Foram calculados números absolutos e frequências relativas dos eventos estudados. A incidência anual dos acidentes foi obtida dividindo-se o número absoluto de acidentes pela população economicamente ativa referente a cada ano pesquisado.

Os dados foram processados pelo programa Microsoft Excel® 2010. A planilha de dados foi exportada para o software R® versão 2.5.0, pelo qual se procederam as análises.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria da Saúde/Hospital do Trabalhador e recebeu como identificação o Registro do Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria da Saúde/Hospital do Trabalhador no 231/2010 e o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética no 0015.0.429.091-10.

 

Resultados

O número total de acidentes de trabalho graves ocorridos no Estado do Paraná, no período 2007 a 2010, foi de 4.354.

No mesmo período, o número e a incidência de acidentes de trabalho graves no Estado aumentaram (Tabela 1). A incidência elevou-se de 12 para 35,8/100 mil pessoas em idade ativa. Predominaram os acidentes típicos (73,9%), em trabalhadores de cor branca (69,7%), com idade entre 26 e 30 anos (17,1%), nível de escolaridade de ensino médio completo (21,5%) e sexo masculino (88,4%) (Tabela 2).

 

 

 

 

A Tabela 3 aponta que 89,9% dos trabalhadores acidentados precisaram de regime de tratamento ambulatorial ou hospitalar e 56,3% tiveram evolução do caso para incapacidade temporária. As mãos, os membros superiores, os inferiores e a cabeça foram as partes do corpo mais atingidas.

 

 

Do total de acidentados, 70% eram trabalhadores com carteira assinada; os 30% restantes eram empregados não registrados, autônomos, servidores públicos estatutários ou celetistas, aposentados, desempregados, trabalhadores temporários, cooperativados ou avulsos.

Os trabalhadores da indústria extrativa e da construção civil foram os mais acometidos, somando 603 (13,9%). Entretanto, os trabalhadores de funções transversais (recursos humanos, marketing, comunicação, auditoria, controle de gestão, contabilidade, compras, serviços gerais: 13,4%), dos serviços (11,9%) e da exploração agropecuária (9,6%) também representaram parcela expressiva dos acidentados.

Em relação ao local de ocorrência, obteve-se que 58,5% dos acidentes ocorreram nas instalações do contratante e 26,0% em via pública. A causa de acidente mais frequente foi 'outras causas externas de traumatismos acidentais' (53,1%), seguida pelos 'acidentes' (pedestres traumatizados em colisão com veículo a pedal, podendo ser de trânsito ou não: 24,6%). Sobre a classificação da lesão, os traumatismos da cabeça (68,9%) e os traumatismos envolvendo múltiplas regiões do corpo (10,6%) predominaram no estudo.

 

Discussão

O presente estudo revelou que os acidentes de trabalho graves no Estado do Paraná tiveram maior incidência no ano de 2010; e que o número de registros aumentou gradativamente, desde 2007.

Segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social de 2009, o Paraná registrou em 2007 um total de 51.470 acidentes de trabalho, e no ano de 2008, 57.529.5 Em 2009, houve um registro de 53.487 acidentes de trabalho, e em 2010, de 51.509.6 Esses dados expressam um aumento no registro de 2007 para 2008 de aproximadamente 11%. Não obstante, de 2008 para 2010, houve redução no número de acidentes de trabalho segundo os Anuários.5,6 Esses dados, porém, não são diretamente comparáveis com os resultados do presente estudo, uma vez que seus registros provêm do Sistema Único de Benefícios e do Sistema de Comunicação de Acidente de Trabalho, não sendo computados aqueles acidentes em que não houve pagamento de benefícios. Os achados do presente estudo, por sua vez, demostraram que muitos trabalhadores acometidos por agravos relacionados ao trabalho não têm registro em carteira profissional e, consequentemente, ficam sem esses benefícios.

Os resultados deste estudo foram similares àqueles de outras pesquisas nacionais,11-20 em relação à predominância de indivíduos do sexo masculino e jovens. Uma pesquisa realizada com dados hospitalares, de 2006 a 2008, em duas áreas do sul da China, sendo uma costeira e uma área de montanha, revelou que dos 8.929 acidentes de trabalho, 82,88% acometeram homens.21 Outras pesquisas internacionais22,23 também encontraram uma elevada prevalência de trabalhadores do sexo masculino a sofrer acidente de trabalho.22,23

Estes dados revelam predominância mundial dos acidentes de trabalho graves no sexo masculino e demonstram a necessidade de trabalhar a prevenção desses agravos com maior enfoque nessa população. É importante ressaltar que a população masculina desenvolve grande parte de serviços capazes de desencadear tais acidentes, porque, muitas vezes, eles desempenham tarefas mais perigosas e que demandam mais força física.11

Em relação à faixa etária, diversos estudos2,12,14,17,21,22,24 confirmaram que há mais acidentes em adultos entre 20 e 40 anos, por estarem na idade mais produtiva.

Em relação à cor da pele, dados dos registros do Caderno Estatístico do Paraná de 2012 indicaram que a população branca do Estado correspondeu a 70,3%, do total de acidentes, valor bem próximo à proporção de indivíduos de cor da pele branca entre os casos incluídos no presente estudo.9 É importante destacar que a cor da pele/etnia depende das distribuição dessa característica na população de cada região do país. Estudos realizados na Bahia,12,16 por exemplo, verificaram que a cor de pele predominante entre trabalhadores acidentados foi a negra.

Entre os trabalhadores avaliados aqui, 21% tinham ensino médio completo, o que reflete a maior escolaridade da população paranaense em comparação às de outras regiões do Brasil.16,25 Observa-se, no Paraná, um mercado de trabalho mais exigente quanto à escolaridade, o que divergiu de outros estudos realizados no país.16,25

Quanto à classificação de ocupação dos trabalhadores que sofreram os acidentes de trabalho graves, predominaram aqueles da indústria extrativa, da construção civil, de funções transversais, dos serviços e da exploração agropecuária. Pesquisa realizada em Santa Maria-RS revelou que 36% dos acidentados eram do ramo de atividade econômica do comércio e 25,1% desenvolviam a ocupação de pedreiro.11 Também foi constatado que o padrão mais grave de acidentes ocorreu no ramo de transportes, seguido pelo comércio. Os casos graves ou críticos foram mais frequentes no comércio e no setor de construção civil.11,16 Porém, outra pesquisa realizada em Curitiba-PR, capital do Estado, sobre acidentes de trabalho fatais, observou que a maioria dos trabalhadores fazia parte do comércio, seguidos pelos trabalhadores dos transporte e da construção civil. Tal resultado se justifica pela localização da pesquisa na capital do Estado, o que compromete, em ambas as situações, a saúde dos trabalhadores.20

Outro estudo2 sobre acidentes de trabalho fatais na construção civil no Rio de Janeiro apontou que esse ramo de atividade ainda expressa elevada mortalidade. Muitas vezes, pela necessidade de sobreviver e sustentar seus dependentes, o trabalhador se expõe a atividades degradantes e que colocam em risco sua vida.2 Isto ocorre nas vezes em que trabalham sem os equipamentos de proteção individual ou coletiva, ou ainda quando a empresa empregadora não oferta esses equipamentos - obrigatórios, por Lei - e os trabalhadores, por necessidade financeira, aceitam trabalhar sem eles e correr o risco de um agravo ocupacional. Em consonância com esses resultados, o Anuário Estatístico de 2010 registrou que os trabalhadores da indústria extrativa, da construção civil, dos serviços, de funções transversais e da exploração agropecuária foram os mais atingidos no país, representando 31,9%.6

Em relação à situação de trabalho, este estudo encontrou que mais de 70% dos trabalhadores acidentados tinham a carteira assinada, fato também observado em outras pesquisas.16,19,26 Outro estudo realizado em Salvador-BA, revelou que 54,4% dos trabalhadores que sofreram acidente de trabalho eram assalariados formais.16 Em outro trabalho, realizado em Curitiba-PR, os autores verificaram que em 17 dos 25 casos de acidentes de trabalho fatais registrados no Sinan, entre agosto de 2006 e dezembro de 2010, os trabalhadores encontravam-se em emprego com carteira assinada.19 Em outra pesquisa, com 109 trabalhadores entrevistados, verificou-se que 69 (63%) possuíam vínculo formal de trabalho.26

Sobre o local de ocorrência, observou-se que a maioria dos acidentes ocorreu nas instalações do contratante, seguidos por via pública. Entretanto, acidentes de trabalho não são mais específicos dos ambientes laborais e ocorrem, com frequência cada vez maior, na via pública. O dado em via pública pode indicar que a violência urbana é cada vez maior, em todo o país. Uma pesquisa realizada em Campinas-SP25 aponta o aumento da violência urbana que desencadeia acidentes de trabalho.

Estudos nacionais18,19 indicam como exemplos de associação entre o aumento da violência urbana e os acidentes de trabalho, os motociclistas de entrega e os mototaxistas. Estes trabalhadores desenvolvem suas atividades nas ruas, o que eleva os riscos de acidentes de trajeto e de acidentes de trabalho.18,19

A respeito do tipo de acidente, observou-se que os típicos ainda predominam. Mais de dois terços dos registros analisados neste estudo referiam-se aos acidentes de trabalho graves típicos, e aproximadamente um quinto àqueles de trajeto. Com dados bem semelhantes a esses, uma pesquisa sobre acidentes atendidos em serviço de emergência de Salvador-BA encontrou que os acidentes de trabalho típicos representaram 77,9%, e os de trajeto, 22,1%.27 Outra pesquisa sobre a incidência de acidentes do trabalho não fatais no Sudeste do Brasil verificou que 86,2% dos acidentes eram típicos e 13,8% de trajeto.26 Miranda e colaboradores20 concluíram que foram registrados 52% de acidentes de trabalho fatais típicos nacionais no Sinan, entre agosto de 2006 e dezembro de 2010.20

Em relação às causas dos agravos, registros do Anuário Estatístico do Paraná apontaram 'outras causas externas de traumatismos acidentais' como a principal causa de hospitalizações pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Houve 54.176 internações por essas causas no Paraná em 2010, o que resultou em um gasto médio por internação no valor de R$1.160,25, com duração média de 3,8 dias.8 Esses dados, mais uma vez, confirmam a dimensão dos gastos públicos com acidentes de trabalho e dos dias de trabalho perdidos.

Em estudo sobre acidentes de trabalho fatais em Uberaba, no Estado de Minas Gerais e no Brasil, no período de 1996 a 2000, verificou-se que, entre os óbitos por acidentes de trabalho típicos, a principal causa foi 'outras causas externas de lesões acidentais', o que corrobora o achado deste estudo.17

As partes do corpo mais atingidas nos acidentes graves investigados aqui foram as mãos, os membros superiores e inferiores e a cabeça. Em concordância, uma pesquisa observou que os membros superiores foram os mais acometidos em acidentes ocorridos em Salvador-BA.16 Outros estudos também apontam as partes acima citadas como as mais atingidas em acidentes de trabalho.13,19,20,22,27,28

Ainda sobre as partes do corpo atingidas, uma pesquisa realizada na Suíça com um banco de dados de um hospital universitário, ao analisar 782 acidentes de trabalho na construção civil, mostrou que as extremidades são as partes mais acometidas, com 472 casos.23 Segundo a classificação da lesão, a mais encontrada neste estudo foram os traumatismos da cabeça e os traumatismos envolvendo múltiplas regiões do corpo, o que justifica a gravidade do acidente. Uma pesquisa realizada na China também mostrou que os traumatismos da cabeça e os traumatismos envolvendo múltiplas regiões do corpo foram as lesões que mais apareceram nos acidentes analisados.21

Em relação ao regime de tratamento, aproximadamente metade dos trabalhadores acidentados receberam tratamento ambulatorial e 40,5% hospitalar. Esses dados revelam a gravidade dos acidentes pela porcentagem de trabalhadores que necessitaram de atendimento hospitalar relacionado ao trabalho.

Mais da metade dos trabalhadores acidentados incluídos no presente estudo sofreram incapacidade temporária, demonstrando que houve dias perdidos de trabalho e gravidade nos acidentes. No ano 2000, estudo realizado no Estado da Bahia mostrou que mais de 80% dos benefícios concedidos a acidentados foram devidos à incapacidade temporária.1

Neste estudo, particularmente, foram encontradas algumas limitações para trabalhar com dados secundários. Entre elas, inclui-se a existência de dados preenchidos de forma incorreta ou incompletos. O preenchimento inadequado das fichas impediu o aproveitamento de duas variáveis importantes que poderiam ser estudadas - horas após o início da jornada; e tempo de trabalho na ocupação -, pois continham inconsistências nos dados. Isso demonstra a necessidade de capacitação dos profissionais que reforce a importância do correto preenchimento dessas informações. O monitoramento da qualidade das informações digitadas no Sinan é muito importante e deve ser reforçado junto aos profissionais de saúde responsáveis por esse registro, haja vista a ocorrência de campos em branco em quase todas as variáveis analisadas.

Outrossim, o aumento da incidência de acidentes de trabalho deve ser interpretado com cautela, uma vez que pode ser parcialmente explicado por um aumento no número de acidentes que foram notificados no Sinan.

É indiscutível a importância desses agravos para a Saúde Pública, uma vez que implicam aumento de gastos com emergência, assistência e reabilitação. No nível macroeconômico, a perda de profissionais em idade produtiva e os custos resultantes dos benefícios a serem pagos aos trabalhadores em decorrência dos afastamentos e incapacidades representam importantes gastos governamentais.

É necessário conhecer com maior abrangência os acidentes ocorridos entre os trabalhadores informais. O presente estudo reforça a presença do Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan - como um importante banco de dados para pesquisas nesse sentido. O uso de fontes secundárias de dados permite utilizar amostras mais amplas, a baixo custo, com maior validade externa e flexibilidade metodológica.

O levantamento das características dos acidentes de trabalho graves permitiu conhecer o perfil dos trabalhadores acidentados. Os resultados oferecem subsídios para a elaboração de condutas que priorizem a prevenção dos acidentes de trabalho graves.

 

Agradecimentos

As autoras agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento da pesquisa.

E à direção do Centro Estadual em Saúde do Trabalhador do Paraná (CEST PR), pela disponibilização dos dados.

 

Contribuição dos autores

Scussiato LA participou do delineamento e redação do manuscrito.

Sarquis LMM e Kirchhof ALC participaram do delineamento do estudo, e revisão do manuscrito

Kalinke LP realizou revisão crítica do manuscrito.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito, e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

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Endereço para correspondência:
Louise Aracema Scussiato
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Rua Padre Francisco Madej, no 480, CIC,
Curitiba-PR, Brasil. CEP: 81280-210
E-mail: louisearacema@yahoo.com.br

Recebido em 01/04/2013
Aprovado em 01/08/2013

 

 

*Produto científico de mestrado acadêmico em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Paraná (PPGENF), financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).