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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.4 Brasília dez. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000400010 

ARTIGO ORIGINAL

 

Serviços odontológicos especializados nas cidades médias não metropolitanas do estado do Paraná, entre 2003 e 2010: estudo exploratório*

 

Specialized dental services in medium-sized non-metropolitan cities in Parana state between 2003 and 2010: an exploratory study

 

 

Fabrício Rutz da SilvaI; Edna Zakrzevski PadilhaII; Márcia Helena BaldaniIII

IFaculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas, Piracicaba-SP, Brasil
IIFaculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo, Bauru-SP, Brasil

IIIDepartamento de Odontologia, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa-PR, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever a evolução na provisão de serviços odontológicos especializados nos municípios médios não metropolitanos do estado do Paraná, Brasil, após a implantação dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO).
MÉTODOS:
estudo descritivo, utilizando dados secundários do Sistema de Informações Ambulatoriais do Sistema Único de Saúde (SIA/SUS); foram identificadas características de oferta e evolução de serviços especializados realizados entre 2003 e 2010; os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e regressão linear simples.
RESULTADOS: a melhor razão entre estrutura disponível nos CEO/habitante ocorreu em Ponta Grossa e Maringá; houve redução no número de exodontias nos municípios estudados, exceto em Ponta Grossa, onde também se verificou queda no número de endodontias; o único município que apresentou tendência inversa entre a provisão de exodontias (reduziu) e endodontias (ampliou) após a implantação do CEO foi Cascavel.
CONCLUSÃO:
verificou-se aumento na oferta de serviços especializados, todavia sem ampliação da provisão de tratamentos conservadores.

Palavras-chave: Serviços de Saúde Bucal; Especialidades Odontológicas; Sistemas de Informações em Saúde.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the evolution of the provision of specialized dental services in medium-sized non-metropolitan cities of the State of Paraná, following the implementation of Specialized Dental Clinics (CEO).
METHODS: a descriptive study was developed, using secondary data from the Outpatient Information System of the Brazilian Unified Health System (SUS). We identified the supply characteristics and evolution of specialized services performed between 2003 and 2010. Data were analyzed using descriptive statistics and simple linear regression.
RESULTS: the best relationship between structure available in CEOs / inhabitant occurred in Ponta Grossa and Maringa. We identified a reduction in the number of extractions in the cities studied, except in Ponta Grossa where we also found a reduction in the number of endodontic treatments. Casacavel was the only city showing an inverse trend between the provision of extractions (reduced) and root canal fillings (increased) following CEO implantation.
CONCLUSIONS: the results suggest that increasing the supply of services was not enough to expand their use.

Key words: Dental Health Services; Specialties, Dental; Health Information Systems.


 

 

Introdução

A expectativa de vida da população brasileira vem aumentando nos últimos anos, situando-se em 72,9 (2010), segundo as Nações Unidas.1 No sentido de acompanhar essa tendência, práticas de saúde vêm sendo implementadas com o objetivo de alcançar e manter a saúde bucal da população em todas as fases da vida. Dados do último levantamento epidemiológico de saúde bucal realizado no país, o Saúde Bucal Brasil 2010 (SB Brasil 2010),2 apontaram melhora nas condições bucais da população nas últimas duas décadas. Entretanto, 66% das crianças de 12 anos de idade apresentaram histórico de cárie, 13% dos adolescentes necessitavam próteses dentárias, os adultos possuíam elevadas prevalências de cárie e doença periodontal e milhões de idosos necessitavam de próteses totais em ao menos um dos arcos dentais.2

Sendo a cárie e a doença periodontal as grandes causadoras de perdas dentárias em todo o mundo, evitar essas perdas é, sem dúvida, um grande desafio a ser enfrentado pelos gestores e demais profissionais que atuam no âmbito da saúde bucal.3

A implantação do atual modelo assistencial brasileiro apresenta, diante do gestor, desafios a serem superados. Na organização da assistência odontológica, um dos conflitos com que o gestor se defronta é, segundo Roncalli,4 a manutenção da racionalidade e praticidade no atendimento a grupos priorizados (focalização) sem comprometer a universalidade, assegurando as características de um sistema eficaz e resolutivo.

Até 2004, os serviços odontológicos do Sistema Único de Saúde (SUS) eram pautados na Atenção Básica. Os serviços especializados correspondiam a apenas 3,5% do total de procedimentos clínicos realizados. Como os procedimentos na Atenção Secundária e na Atenção Terciária eram em número insuficiente, tornava-se impossível dar continuidade aos atendimentos odontológicos, o que comprometia a integralidade da assistência.5

Na busca por reverter esse quadro, em 2005, o Ministério da Saúde instituiu os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) como a iniciativa de maior ênfase no conjunto de políticas subsetoriais reconhecidas sob a denominação de Política Nacional de Saúde Bucal - Brasil Sorridente.5

Esses centros deveriam servir de referência para as equipes de Saúde da Família, priorizando as áreas de diagnóstico de lesões bucais, endodontia, periodontia, cirurgia oral menor e próteses, além do atendimento a pacientes especiais. Porém, o Brasil tem inúmeras especificidades culturais, geográficas e políticas que a Portaria no MS/GM no 599, de 23 de março de 2005, procurou contemplar ao classificar os CEO em três tipos, cujas principais diferenças entre eles são o número de consultórios e o número de profissionais atuantes: o tipo I tem três consultórios odontológicos completos e três ou mais cirurgiões dentistas; o tipo II conta com quatro a seis consultórios odontológicos e, no mínimo, quatro cirurgiões dentistas; e o tipo III, sete ou mais consultórios odontológicos, com sete ou mais cirurgiões dentistas. Todos os três tipos de CEO têm um auxiliar por consultório.6

Entre as várias especialidades que compõem os CEO, a periodontia e a endodontia têm papel fundamental na redução do número de exodontias. A periodontia, atuando em uma das maiores causas de exodontias, colabora diretamente com a manutenção dos dentes, proporcionando conforto ao paciente e reduzindo o impacto dos problemas gengivais em inúmeras doenças sistêmicas. A endodontia atua diretamente na dor, fator que é responsável por inúmeras extrações dentárias.

Pesquisas no campo da avaliação da implementação dos CEO revelaram baixo desempenho no cumprimento das metas de produção propostas pelo Ministério da Saúde,7-9 bem como baixa utilização de serviços endodônticos e de cirurgia oral menor (exodontias) por parte dos usuários.10

Estudos que se debruçaram sobre a análise de dados de produção dos serviços de saúde mostram-se relevantes ao proporcionar subsídios para o planejamento e gestão, seja no monitoramento e na organização dos serviços, seja na orientação dos formuladores de políticas de saúde bucal que contemplem os princípios do SUS.

O objetivo desse trabalho foi descrever, a partir dos bancos de dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS), a evolução da provisão de serviços odontológicos especializados nas cidades médias não metropolitanas do estado do Paraná, antes e após a implantação dos CEO, cobrindo o período de 2003 a 2010.

 

Métodos

Foi realizado um estudo exploratório, de natureza transversal e descritiva, a partir de dados secundários disponibilizados pelo Ministério da Saúde no SIA/SUS.

A partir do Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES) e da consulta às bases de dados disponibilizados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) para o ano de 2010, foram selecionados os cinco municípios do interior do estado do Paraná de grande porte demográfico (acima de 200 mil habitantes) que atendiam aos critérios propostos: localizados em diferentes regiões geográficas do estado, pólos regionais e de referência para os serviços de saúde. Os CEO desses municípios - Cascavel, Foz do Iguaçu, Londrina, Maringá e Ponta Grossa -, implantados entre 2004 e 2006, constituem polos de macrorregiões.11,12 A capital do estado, Curitiba, foi excluída deste estudo por suas características particulares de organização da atenção em saúde bucal.

Cascavel localiza-se no oeste do estado, a 496 km da capital, Curitiba, e soma uma população de aproximadamente 286.205 habitantes. Foz do Iguaçu, a 637 km de Curitiba, possui aproximadamente 256.088 habitantes, encontra-se no extremo oeste do Paraná e faz divisa com o Paraguai e a Argentina. Londrina e Maringá localizam-se no 'Norte Pioneiro' e estão próximas uma da outra (99 km). Londrina tem aproximadamente 506.701 habitantes e fica a 388 km de Curitiba. Maringá tem aproximadamente 357.077 habitantes e fica a 426 km da capital. Ponta Grossa localiza-se na região do Paraná chamada de 'Campos Gerais', possui aproximadamente 311.611 habitantes e fica a 119 km da capital do estado.11

Na primeira etapa do estudo, foram identificadas as características de oferta de serviços de Atenção Básica e Especializada nos municípios, no ano de 2010. Para tanto, foram identificados os seguinte indicadores, obtidos a partir do SIA/SUS:

a) razão de equipamentos no CEO pela população;e

b) características da Atenção Básica em Saúde Bucal - cobertura populacional de equipes de saúde bucal na Estratégia Saúde da Família; total de procedimentos odontológicos na Atenção Básica, por habitante; e primeira consulta programática, por habitante.

Na segunda etapa, foram obtidas informações sobre produção ambulatorial de procedimentos odontológicos em Atenção Básica e Especializada entre 2003 e 2009, procurando configurar a evolução da provisão de serviços, anterior e posteriormente à implantação da Política Nacional de Saúde Bucal e dos CEO. Os dados referentes a procedimentos foram coletados nas duas bases presentes no SIA/SUS (de 1999 a 2007; e a partir de 2008), sendo selecionados apenas os procedimentos que apresentavam correspondência entre ambas as bases (Figura 1).

 

 

Na última etapa, foram elaborados gráficos de série histórica comparativos, sobre a evolução dos procedimentos endodônticos e periodontais, e das exodontias, com o propósito de verificar uma possível relação entre a oferta dos dois primeiros procedimentos e a redução das perdas dentárias (exodontias). A primeira consulta odontológica programática foi usada como parâmetro para avaliar a procura por atendimento odontológico.13

Os dados obtidos foram exportados para o programa Excel, versão 2007 (Microsoft Corp., Estados Unidos da América), agrupados de acordo com os subgrupos de procedimentos odontológicos a serem analisados e apresentados em frequências absolutas e relativas. Para a análise da evolução da série histórica dos indicadores, foi utilizada a análise de regressão linear simples utilizando-se o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0, com significância estatística avaliada a partir do resultado do teste F da análise de variância, considerada no nível de 5%.14

Como o estudo utilizou base de dados secundárias e de domínio público, foi dispensado de apreciação por comitê de ética em pesquisa.

 

Resultados

Na Tabela 1, são apresentadas as características dos serviços de saúde bucal dos municípios selecionados, para o ano de 2010. Os municípios de Londrina e Cascavel apresentaram menor cobertura de equipes de Saúde Bucal na Estratégia Saúde da Família e, também, menor proporção de equipamentos odontológicos no CEO/habitante, em relação aos demais municípios estudados. Londrina foi o município que apresentou menor número de procedimentos odontológicos em Atenção Básica por habitante, em 2010. O município de Ponta Grossa, por sua vez, apresentou o maior número per capita desse tipo de procedimento (praticamente dois por habitante) e foi o município com melhor razão CEO/habitante.

 

 

A Tabela 2 evidenciou as variações nos indicadores de provisão de serviços antes (2003) e depois (2009) da implantação dos CEO nos municípios estudados. Constatou-se uma diminuição no número de primeiras consultas odontológicas programáticas/100 habitantes, com exceção das cidades de Cascavel e Maringá. Mesmo apresentando uma redução desse indicador, Londrina-PR referiu a maior média entre os municípios estudados. As exodontias/100 habitantes tiveram redução em todos os municípios estudados. Com relação às ações de endodontia/1000 habitantes, Londrina e Ponta Grossa registraram redução no número de procedimentos.

 

 

A Tabela 3 demonstrou o total de procedimentos cirúrgicos, endodônticos e periodontais estudados e sua distribuição percentual dentro dos três grupos de especialidade, para o ano de 2010. O município com a menor proporção de exodontias realizadas entre os procedimentos de cirurgia oral menor é Cascavel, e os que detêm a maior porcentagem desses mesmos procedimentos são Ponta Grossa e Foz do Iguaçu. Entre os procedimentos endodônticos, verificou-se que aqueles que representam ações resolutivas (obturações efetivas de condutos radiculares e retratamentos endodônticos) significaram pequena parcela do total. As porcentagens de dentes abertos e sem o tratamento endodôntico concluído foram maiores em Londrina, seguida de Foz do Iguaçu e Ponta Grossa (Tabela 3).

 

 

A Figura 2 mostra as séries históricas para os procedimentos estudados, separadamente por município, entre os anos de 2003 e 2009. A análise de regressão linear mostrou tendência ascendente significativa no número de procedimentos endodônticos para os municípios de Cascavel e Foz do Iguaçu, e aumento no número de procedimentos periodontais para Londrina a Maringá. Tendência à redução no número de exodontias foi observada nos municípios de Cascavel e Maringá. Diferentemente dos demais municípios, Ponta Grossa apresentou tendência à redução no número de procedimentos endodônticos/1000 habitantes, no período.

 

 

O ano de implantação e início de atividades dos CEO para cada município está marcado com asterisco nos gráficos da Figura 2. Para os municípios de Foz do Iguaçu e Maringá, observou-se aumento dos procedimentos endodônticos e periodontais e redução das exodontias de dentes permanentes a partir da implantação dos CEO. Foz do Iguaçu, que teve seu CEO habilitado pelo Ministério da Saúde em 2005, apresentou aumento acentuado na quantidade de ações de endodontia/1000 habitantes no ano seguinte. Londrina apresentou resultados diferentes de todos os outros municípios estudados: não houve alteração nos indicadores de exodontias e endodontias desse município, ao longo dos anos.

 

Discussão

A organização da Atenção Secundária e Terciária está fortemente associada à consolidação do SUS e, especialmente no campo da Odontologia, da Política Nacional de Saúde Bucal - Brasil Sorridente.9 Passada uma década desde sua implantação, surgiram evidências de que o programa Brasil Sorridente e, dentro dele, o CEO, parece haver contribuído para a melhora nas condições de saúde bucal da população.2 O relatório do levantamento SB Brasil 2010 apresenta dados que mostram, entre adolescentes e adultos, redução dos componentes 'cariados' e 'perdidos' e aumento do componente 'obturados' no índice CPO-D, o que demonstra maior utilização de serviços odontológicos e redução das perdas dentárias.2

Apesar de a avaliação na área da saúde bucal ser todavia incipiente, nos últimos anos, têm surgido estudos avaliativos e metodologias direcionadas especificamente à implementação dos CEO por parte dos gestores. Os resultados deste estudo em particular, ainda que exploratórios, sugerem que a maior oferta de serviços odontológicos especializados não foi suficiente para ampliar a provisão de tratamentos conservadores - no caso, as endodontias, o que seria indício de redução de perdas dentárias - na grande maioria dos municípios estudados. Estes achados apontam para a necessidade de serem intensificados os mecanismos de avaliação e reorganização do processo de trabalho, com vistas à maior resolubilidade dos serviços.

Mesmo com o lançamento, em 2004, da atual Política Nacional de Saúde Bucal e a consequente ampliação da oferta de serviços odontológicos especializados, o número de procedimentos periodontais e endodônticos não aumentou em todos os municípios estudados. Este fato, segundo Chaves e colaboradores,8 perpassa uma gama de possibilidades explicativas, como a disponibilidade da força de trabalho e sua distribuição geográfica, a facilidade de acesso a serviços odontológicos, as características da gestão do serviço ou organização da rede assistencial e do processo de trabalho. Vários estudos associam a saúde bucal a características do local de residência,15-17 o que ajudaria a compreender as variações encontradas nos resultados de cada município. Figueiredo e colaboradores.9 indicam a necessidade de revisão dos marcos regulatórios da Atenção Secundária em saúde bucal, de modo a levar em consideração as características dos indivíduos onde os serviços estão implantados como, por exemplo, o porte populacional, a cobertura da Estratégia Saúde da Família e as condições de trabalho dos profissionais.

Apesar das peculiaridades específicas do estado do Paraná, verificou-se, quanto à evolução das ações especializadas ofertadas, certa semelhança com a situação encontrada no estado de Pernambuco, onde Figueiredo e Goes7 analisaram 22 CEO, a maioria do tipo II (59,1%) e com um tempo de implantação superior a 12 meses (86,4%). Esses autores concluíram que os CEO com mais de um ano de funcionamento tiveram um desempenho melhor no cumprimento de metas pré-estabelecidas. No Paraná, destaca-se o município de Cascavel, onde a maior oferta de serviços odontológicos, disponibilizada com a instalação do CEO, possivelmente provocou um aumento no número de procedimentos endodônticos e, como resultado, uma diminuição das exodontias - e consequentemente, um maior número de dentes em função.

Ponta Grossa apresentou uma melhor proporção de equipamentos nos CEO/população (Tabela 1), mas isso não se refletiu em aumento nas médias anuais de provisão dos procedimentos estudados em relação aos demais municípios analisados (Tabela 2). Nesse município, não houve alteração no número de exodontias/habitante ao longo dos anos, mesmo após a instalação dos CEO. Uma possível explicação para tal configuração é a de que Ponta Grossa já contava com um centro de especialidades no atendimento odontológico a sua população, antes de 2004. Se de um lado - provavelmente -, a ampliação das possibilidades de acesso no nível de Atenção Básica abriu as portas a uma demanda reprimida de indivíduos - antes excluídos - com dentes a tratar que apresentavam a exodontia como única possibilidade terapêutica, por outro lado, a não redução no número de exodontias pode ter vários significados, por exemplo:

a) falta de acesso, no nível de Atenção Básica, para o tratamento das lesões de cárie em estágios iniciais; e

b) deficiências quanto aos recursos (humanos, materiais, estruturais) para a atenção odontológica na Atenção Básica.

Ainda com relação ao município de Ponta Grossa, pode-se observar redução no número de endodontias ao longo dos anos, informação complementada pela proporção de dentes com câmaras pulpares abertas e medicação intracanal, o que indica que os dentes abertos nas Unidades Básicas de Saúde não têm o tratamento endodôntico concluído. Este fato é indicativo de acesso restrito de usuários e de baixa resolubilidade, mostrando o quão é importante a discussão sobre o processo de trabalho. Segundo Carvalho,18 de um modo geral, o acesso do usuário depende dos serviços de referência, ou seja, para ser atendido nos CEO, é necessário passar anteriormente pela UBS para - somente a partir daí - conseguir um agendamento para consulta especializada.

Os profissionais da Atenção Básica são responsáveis pelo primeiro atendimento ao paciente e pelo encaminhamento dos casos mais complexos aos centros especializados. O tratamento oferecido nos CEO deve ser entendido como uma continuação daquele realizado pela rede de Atenção Básica e pelas Equipes de Saúde Bucal da ESF. A partir dessa afirmação, pode-se sugerir que a manutenção das quantidades de tratamentos endodônticos e exodontias, a despeito da maior oferta de tratamento especializado, deve-se a uma falta de sincronia entre as unidades de referência (UBS) e as de contrarreferência (CEO).

Ao se observar os resultados deste estudo, é importante considerar as dificuldades metodológicas referentes à qualidade dos dados utilizados. As fontes oficiais do SUS apresentam limitações importantes, tanto de inconsistência de registro no nível municipal como de controle de qualidade dessas informações por parte dos níveis estadual e federal. Por exemplo, observou-se que, em 2007, o número de endodontias em dentes permanentes registradas no município de Ponta Grossa, igual a zero, provavelmente significa que não foram enviados dados sobre esses procedimentos ao SIA/SUS. Portanto, faz-se necessário o treinamento dos profissionais de saúde para o correto preenchimento dos instrumentos de registro de dados de saúde, bem como sua sensibilização sobre a importância e a maneira correta de utilização dos sistemas de informações em saúde.19

Ainda quanto à qualidade dos dados, um fator que pode ter contribuído para os resultados encontrados está relacionado a modificações na forma de classificação dos procedimentos odontológicos estudados. Entre 2003 e 2007, esses procedimentos eram classificados de maneira diferente, na comparação com o período de 2008 e 2010. Isso pode ter ocasionado a quantificação diferente de dados entre os períodos, contribuindo para os resultados apresentados de evolução da provisão de serviços. Os resultados deste estudo devem ser considerados preliminares.

É importante salientar que a manutenção de registros corretos sobre as quantidades de procedimentos é fundamental para nortear a gestão dos serviços.19 No entanto, a análise das quantidades de atendimentos é insuficiente para avaliar a qualidade dos serviços prestados, porém pode (i) contribuir para o monitoramento do grau de cumprimento de metas, além de (ii) sugerir obstáculos capazes de comprometer o desempenho dos CEO. Ao utilizar os recursos disponíveis nas bases de dados do Ministério da Saúde, este estudo buscou verificar as possibilidades de aplicação de uma ferramenta acessível ao gestor, possível de ser utilizada na avaliação e planejamento das ações em saúde bucal.

Uma análise realística dos dados dos municípios e da diversidade de resultados apresentada demonstra a importância de se levar em conta as especificidades regionais. Sugere-se a realização de mais trabalhos com foco na análise em cada município estudado, isoladamente. Em suma, não basta a maior oferta dos serviços odontológicos especializados para que aumente o acesso ao serviço e, consequentemente, o número de procedimentos.

 

Contribuição dos autores

Silva FR participou da coleta de dados e redação do manuscrito.

Padilha EZ participou da coleta de dados e revisão do manuscrito.

Baldani MH participou da concepção do manuscrito, redação do manuscrito.

Todos os autores revisaram e aprovaram a versão final do artigo.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito, e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Fabrício Rutz da Silva
- Av. Limeira, 901,
Piracicaba-SP, Brasil.
CEP: 13414-903
E-mail:
fabriciorutz@hotmail.com

Recebido em 17/03/2013
Aprovado em 07/10/2013

 

 

*Artigo originado de monografia de conclusão do curso de Especialização em Gestão em Saúde promovido pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, estado do Paraná, e apresentada em dezembro de 2011.