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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.4 Brasília dez. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000400012 

ARTIGO ORIGINAL

 

Estudo transversal dos fatores associados ao uso de corticoide inalatório em crianças residentes no município de Cuiabá, Estado de Mato Grosso, Brasil, 2010*

 

Cross-sectional study of factors associated with the use of inhaled corticosteroids in children living in the city of Cuiabá, state of Mato Grosso/Brazil, 2010

 

 

Antonia Maria RosaI; Ludmilla da Silva Viana JacobsonII; Clóvis BotelhoIII; Eliane IgnottiIV

IUniversidade do Estado de Mato Grosso, Cáceres-MT, Brasil
IIUniversidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIIUniversidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá-MT, Brasil
IVUniversidade do Estado de Mato Grosso, Cáceres-MT e Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá-MT, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar os fatores associados ao uso de corticoide inalatório em crianças menores de cinco anos de idade.
MÉTODOS: estudo transversal, realizado com 733 crianças no município de Cuiabá, Estado de Mato Grosso, Brasil; foram estimadas as odds ratios (OR) brutas e ajustadas e intervalos de confiança de 95% (IC95%) por meio da regressão logística.
RESULTADOS: a prevalência de uso de corticoide inalatório nos últimos 12 meses foi de 13,2% (IC95%: 8,4-18,0%); este uso foi associado à utilização de serviço privado de saúde (ORaj 4,62; IC95%: 2,41-8,85), diagnóstico médico de asma (ORaj 3,97; IC95%: 1,37-11,48), hospitalização por bronquite (ORaj 2,31; IC95%: 1,04-5,12) e três ou mais episódios de sibilos nos últimos 12 meses (ORaj 2,78; IC95%: 1,10-7,03).
CONCLUSÃO: o uso de corticoide inalatório foi associado ao atendimento na rede privada de saúde, diagnóstico médico de asma e indicadores de gravidade de asma.

Palavras-chave: Asma; Corticosteroides; Hospitalização; Bronquite; Crianças.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to analyse factors associated with inhaled corticosteroid use in children under 5 years old.
METHODS: cross-sectional study carried out in Cuiabá with a sample of 733 children. Crude odds ratios (OR) and adjusted odds ratios (ORj) and Confidence Intervals (95%CI) were estimated using logistic regression models.
RESULTS: the prevalence of inhaled corticosteroid use in the past 12 months was 13.2% (95%CI = 8.4; 18.0%). It was associated with the use of private health services (ORaj = 4.62; 95%CI = 2.41; 8.85), asthma diagnosed by a doctor (ORaj = 3.97; 95%CI = 1.37; 11.48), bronchitis hospitalization (ORaj = 2.31; 95%CI = 1.04; 5.12), and three or more wheezing episodes in the past 12 months (ORaj = 2.78; 95% CI = 1.10; 7.03).
CONCLUSION: the use of inhaled corticosteroids was associated with private health services, medical diagnosis of asthma and severe asthma indicators.

Key words: Asthma; Adrenal Cortex Hormones; Hospitalization; Bronchitis; Child.


 

 

Introdução

O aumento da prevalência de sintomas de asma na África, América Latina e parte da Ásia indica que a carga global da asma continua a aumentar, ainda que a prevalência global tenha apresentado poucas diferenças em razão da redução na prevalência de sintomas da doença na América do Norte e Europa. Estima-se que 300 milhões de pessoas são afetadas pela asma no mundo, com 250 mil mortes anuais pela doença.1

A asma é uma doença pulmonar inflamatória crônica cujo controle pode ser alcançado com medidas de controle do meio ambiente e o uso regular de terapêutica medicamentosa.1

Considerando-se o arsenal terapêutico da asma, o corticoide inalatório (CI) constitui-se na droga padrão-ouro para o tratamento e o controle da doença deflagrada por múltiplos fatores.1,2 Todavia, mesmo com esse conhecimento científico difundido em diretrizes e consensos, ainda é baixa a adoção desse medicamento pelos profissionais médicos, assim como é reduzida a adesão dos pacientes.3,4

Nos lactentes e pré-escolares, além das dificuldades inerentes ao diagnóstico, o que limita a probabilidade de tratamento adequado,5 somam-se outros entraves para o uso do CI. Entre esses entraves, destacam-se o conhecimento dos profissionais médicos sobre a asma,6-8 o acesso a especialistas e à medicação,9 a falta de orientação sobre o uso correto dos dispositivos inalatórios e a ausência de planos escritos individualizados de manejo da doença.10

Crianças de famílias com baixa renda costumam apresentar menores frequências de prescrição de medicação de controle para asma,11 o que pode estar relacionado tanto ao acesso a especialistas quanto à medicação propriamente dita. Uma vez com acesso ao profissional, os fatores associados ao uso da corticoterapia inalatória incluem: história familiar de asma; bronquite aguda; bronquiolite; e a experiência do profissional de saúde com a doença.12 Em pesquisa realizada na Holanda, o sexo e outros diagnósticos de doença respiratória que não asma não se mostraram associados positivamente à prescrição do CI.3

Estudos têm encontrado variação de 4 a 19% de prescrição de medicação antiasmática tanto no interior de um país como na comparação entre países, bem como entre diferentes profissionais médicos.13-15 Essa variação é maior ainda entre as crianças menores de seis anos de idade. Outro aspecto refere-se à elevada prescrição de medicação antiasmática, a despeito da ausência de diagnóstico médico da doença.15

É provável que outros fatores, além do diagnóstico médico de asma, estejam associados ao uso de corticoide inalatório. Este estudo teve como objetivo analisar os fatores associados ao uso de corticoide inalatório em crianças menores de cinco anos de idade, residentes em Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso, Brasil.

 

Métodos

Estudo transversal, de base populacional, realizado em Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso. O município possui uma extensão territorial de 3.362.755 km2 e um clima tropical quente e úmido. Segundo dados do Censo Demográfico de 2010, realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), naquele ano, a população de Cuiabá-MT era de 551.098 habitantes, dos quais mais de 95,0% residentes na área urbana. A população menor de cinco anos de idade no município era de 40.553 habitantes.16

O presente estudo é parte integrante do projeto 'Prevalência de doenças respiratórias e variáveis ambientais em crianças, Cuiabá, Mato Grosso', financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Para sua realização, calculou-se o tamanho da amostra considerando uma prevalência de sibilância de 42,5%, definida a partir da variação descrita na literatura,17 assumindo-se uma precisão de 5%, um poder de 80% e nível de confiança de 95%. Dessa forma, o tamanho da amostra foi definido em 591 crianças e a esse valor, acrescentou-se 25% para compensar as possíveis perdas, totalizando 739 crianças.

Foi previsto um plano amostral em dois estágios, com base nos 653 setores censitários delimitados pelo IBGE.16 Inicialmente, definiu-se o tamanho da amostra de cada setor (ni=20) e a partir desse número, o número de setores censitários (n=37). A seleção dos setores foi realizada mediante amostragem sistemática.

Sobre a malha urbana fornecida pelo IBGE, subseção de Cuiabá-MT, e com as delimitações dos setores censitários, determinou-se que o ponto inicial dos trabalhos seria sempre pela rua inicial de demarcação do setor, quadra à direita, contornando-a em sentido horário e assim sucessivamente, até completar o número de crianças necessárias para a amostra.

Para a aplicação dos questionários, oito estudantes universitários foram selecionados e treinados pelos pesquisadores encarregados da condução da investigação.

Ao questionário com as questões do instrumento padronizado do 'Estudio Internacional de Sibilancias en Lactantes - EISL', validado na versão em língua portuguesa e expandido para a faixa etária até 36 meses de vida por Bianca e colaboradores,17 acrescentou-se informação sobre a característica do serviço de saúde utilizado (público ou privado), renda familiar (coletada como variável contínua) e sexo (masculino, feminino).

A renda familiar foi agregada em salários mínimos (SM) (1 salário mínimo correspondente a R$ 510,00, à época), tendo como ponto de corte o valor menor que 3 SM e maior ou igual a 3 SM. O serviço de saúde utilizado pelas famílias foi classificado em público ou privado. Quando a família utilizava ambos os serviços, considerou-se aquele procurado por ela para atendimentos de emergência e internação.

O pré-teste do questionário foi realizado com uma amostra de crianças de um setor censitário de Cuiabá-MT não selecionado para a pesquisa. Após a realização do pré-teste e da análise do α-Cronbach, o questionário foi adequado. Para o módulo de sibilância, o valor do teste foi de 0,83.

Os dados foram digitados no programa Epi Info™ 3.5.1 com dupla entrada, por profissionais diferentes, sendo posteriormente analisados quanto a inconsistências.

A variável dependente deste estudo foi o uso de CI nos últimos 12 meses de vida, ante a sintomas de sibilância respiratória. A questão que definiu o uso de CI foi 'Seu filho recebeu tratamento com corticoides (cortisonas) inalatórios (bombinhas)?' (Por exemplo: Symbicort®, Flixotide®, Seretide®, Clenil®, Bedosol®, Budesonida®, Busonid®, Pulmicort®, Beclometasona, Fluticasona, etc.). As seguintes variáveis independentes foram utilizadas como ajuste na análise: característica do serviço de saúde utilizado, história de asma familiar, sintomas de gravidade de asma, consulta em unidades de emergência, hospitalização por bronquite, diagnóstico médico de asma, renda familiar, sexo e idade do primeiro episódio de sibilos (<1 ano; 1 a 4 anos).

Procedeu-se à análise bivariada e ao cálculo de Odds Ratio (OR) bruta com respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), para avaliação das possíveis associações entre as variáveis estudadas e o desfecho. No ajuste do modelo de regressão logística múltiplo, foram consideradas aquelas variáveis significativas no nível de significância de 20%, na análise bivariada. As variáveis foram incluídas no modelo, uma a uma, mediante o procedimento Stepwise Forward e do teste da razão de verossimilhança, até encontrar o modelo mais parcimonioso. O modelo final considerou as variáveis que se mantiveram associadas ao uso de CI no nível de significância de 5%, por meio do teste de Wald, após o ajuste.

Por se tratar de uma amostra complexa, foi expandida considerando-se o peso natural do desenho e as informações estruturais do plano de amostragem, tendo por base a população referida no Censo 2000, disponível à época.

As análises foram realizadas com o auxílio da biblioteca survey versão 3.29, do software R versão 2.15.1 (The R Foundationfor Statistical Computing, Viena, Áustria; http://www.r-project.org).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller - HUJM -, da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso, em 9 de junho de 2010: Protocolo no 770/CEP-HUJM/2010. Todos os responsáveis pelas crianças foram orientados sobre os objetivos da pesquisa, sendo incluídos aqueles que concordaram em participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

Resultados

Das 739 crianças avaliadas e questionários preenchidos, 733 questionários foram considerados válidos (99,2%). A perda de 6 questionários (0,8%) deu-se em razão de preenchimento inadequado, sem a possibilidade de eles serem corrigidos ainda que se realizasse uma segunda visita à residência da criança. Não houve recusas em participar do estudo.

A expansão da amostra estimou um total populacional de 37.172 crianças menores de cinco anos de idade residentes no município de Cuiabá-MT (estimativa baseada no Censo 2000 do IBGE).

A maioria das famílias das crianças apresentou renda menor que 3 salários mínimos (54,1%) e utilizou a rede pública para suas necessidades de saúde (80,2%). Entre as crianças, 52,6% eram do sexo masculino. Nessa população, a prevalência de sibilância nos últimos 12 meses foi de 43,2% e a de sibilância recorrente (≥3 episódios de sibilos nos últimos 12 meses) correspondeu a 35,5% do total de sibilantes; a prevalência do uso de CI nos últimos 12 meses foi de 13,2% (IC95%: 8,4-18,0%) (Tabela 1).

 

 

Na Tabela 2, verifica-se que as crianças sibilantes atendidas no serviço privado de saúde tiveram 3,8 vezes mais chances de usar corticoide inalatório em relação àquelas atendidas na rede pública (IC95%: 2,04-7,11). Crianças de famílias com renda maior ou igual a 3 salários mínimos apresentam 2,3 vezes a chance de utilizar corticoide observada entre crianças de famílias de menor renda (IC95%: 1, 19-4,35). Também estiveram associados ao uso de corticoide inalatório no nível de 20% de significância: consultas em unidades de emergência (OR 2,81; IC95%: 1,14-6,89); hospitalizações por bronquite (OR 2,41; IC95%: 1,20-4,82); diagnóstico médico de asma (OR 3,59; IC95%: 1,52-8,43); história familiar de asma (OR 2,14; IC95%: 0,87-5,28 ); e idade do primeiro episódio de sibilos (Or 0,61; IC95%: 0,30-1,26). Por sua vez, sexo (OR 1,10; IC95%: 0,55-2,21) e despertar noturno frequente por sintomas (OR 2,35; IC95%: 0,62-8,86) não estiveram associados ao uso de corticoide inalatório.

 

 

A Tabela 3 apresenta o resultado do modelo múltiplo final, considerando-se a odds ratio ajustada (ORaj). A característica do serviço de saúde utilizado pela família mostrou-se fortemente associada ao uso de CI pelas crianças, com maiores chances de uso para aquelas atendidas nos serviços privados de saúde (ORaj 4,62; IC95%: 2,41-8,85). Outras variáveis que se mostraram associadas ao uso de CI foram: diagnóstico médico de asma (ORaj 3,97; IC95%: 1,37-11,48); hospitalização por bronquite (ORaj 2,31; IC95%: 1,04-5,12); e frequência de sibilos maior ou igual a 3 vezes nos últimos 12 meses (ORaj 2,78; IC95%: 1,10-7,03).

 

 

Discussão

Os fatores associados ao uso de corticoide inalatório em crianças menores de cinco anos de idade residentes em Cuiabá-MT foram: utilização de serviços privados de saúde; diagnóstico médico de asma; hospitalização por bronquite; e frequência de sibilos maior ou igual a 3 vezes nos últimos 12 meses.

Revisão de literatura que incluiu 12 estudos, realizados em seis países, verificou que a prevalência de uso de medicação antiasmática variou de 5 a 26%, com prevalência global de 13,3%.14 A prevalência do uso de corticoide inalatório no presente estudo situou-se entre os limites de variação descritos na literatura.14 As crianças que são atendidas nos serviços privados de saúde têm maior chance de utilizar medicação de controle da asma. Vários fatores podem concorrer para essa situação, como a limitação de acesso a especialistas entre as crianças que não utilizam os serviços privados de saúde, a falta de seguimento ambulatorial, a possível não qualificação e atualização dos profissionais da rede de atenção em asma, dificuldades de acesso à medicação na rede pública e o não seguimento das condutas já padronizadas.6,18-20

As crianças que buscam o serviço privado de saúde podem ter acesso mais facilitado aos especialistas, em detrimento daquelas atendidas no serviço público. Especialistas, possivelmente, teriam uma conduta mais afinada com recentes diretrizes nacionais e internacionais sobre manejo da asma nesse grupo etário.

Cuiabá-MT concentra a maior parte dos pneumologistas do Estado de Mato Grosso. Entretanto, estes ainda constituiriam um pequeno número. Em julho de 2011, o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES)21 registrava 10 pneumologistas em Cuiabá-MT, o que representa 1,8/10 mil habitantes do município. Desses 10 pneumologistas, 3 são pneumologistas pediátricos e nenhum deles atende na rede pública de saúde. Quanto aos alergistas/imunologistas, o CNES registra 8 profissionais nesse período, dos quais 2 atendem na rede pública de saúde. Esse fator pode ser um importante limitador do acesso a especialistas pelas crianças atendidas na rede pública.

Ainda que o instrumento de coleta de dados não diferenciasse se o atendimento era realizado por generalista ou especialista, indicadores de gravidade, como a hospitalização por bronquite e a frequência de sibilo, podem refletir uma possível limitação do acesso a esse profissional.

Os indicadores de gravidade podem ser indicativos, outrossim, da ausência de um adequado seguimento ambulatorial. Uma vez hospitalizadas e tendo-se obtido o controle - ainda que parcial - da crise, as crianças atendidas deveriam ser encaminhadas para seguimento ambulatorial. Entretanto, é possível que elas não estejam sendo acompanhadas adequadamente. As razões para a falta de acompanhamento podem ser diversas, desde o não encaminhamento pelos profissionais dos serviços de emergência ou hospitais, a falta de uma orientação aos pais sobre a necessidade do acompanhamento após o desaparecimento dos sintomas,19 o desconhecimento dos pais sobre a necessidade de acompanhamento da doença, ou ainda, a experiência dos profissionais da atenção primária no diagnóstico e manejo da asma.

Estudos têm mostrado inadequação nas práticas prescritivas em relação às diretrizes nacionais e internacionais estabelecidas para o tratamento da doença.8,18 Essa inadequação, mais acentuada entre profissionais generalistas, ocorre também entre os especialistas. Tanto os serviços de atenção primária4 quanto os serviços de emergência6 apresentam pouca aderência às diretrizes de manejo da asma.

No Brasil, a implantação de condutas baseadas na proposta da Global Initiative for Asthma (GINA) reduziu as internações por asma e os atendimentos de emergência por sintomas de asma.20 A adesão à medicação antiasmática ainda é baixa no país, com potencial para incremento se programas de atenção, embasados nas diretrizes de manejo da asma, forem implantados.10,20 Sabe-se que um programa sistematizado de manejo da asma incrementa a aderência às diretrizes e, por consequência, aumenta a prescrição de medicação antiasmática de controle por parte dos profissionais da atenção primária;22 no entanto, a implantação de programas de atenção ao paciente asmático é relativamente recente no país.23

Outro aspecto que merece destaque é o custo da medicação antiasmática, que pode causar um impacto na economia familiar, difícil de absorver por aquelas famílias de menor renda.10 Apesar de a medicação já se encontrar disponível no atual ano de 2013, tanto na rede pública de saúde como pelo Programa Farmácia Popular e a custo zero,24 esse sistema de disponibilização de medicamento encontrava-se em fase de normatização e implantação na época deste estudo.25

Em 2002, Moura e colaboradores10 fizeram referência aos avanços obtidos em relação ao diagnóstico e ao tratamento da asma, registrados em diretrizes nacionais e internacionais. Àquela época, e até o período de coleta de dados deste estudo, ainda significava um desafio disponibilizar amplamente a medicação, então acessível apenas na farmácia de alto custo da rede pública26 e passível de prescrição unicamente por especialistas. O desafio de hoje é garantir o acesso a serviços qualificados e a continuidade do tratamento para essas crianças.

Percebe-se um lapso entre as políticas públicas e as práticas assistenciais. É provável que uma preocupação com os custos tenha influenciado a imposição de limites à prescrição da medicação antiasmática. Partiu-se do pressuposto de que em todas as regiões do Brasil, o acesso aos especialistas seria garantido. Na prática, isso não ocorre.

Possivelmente, há subtratamento com medicação de controle da asma entre as crianças estudadas aqui. Da mesma forma que em outro trabalho,27 verificou-se que uma considerável parcela das crianças com asma não utilizava qualquer medicação antiasmática.

A instituição da terapêutica anti-inflamatória para as crianças que dela se beneficiarão é um dos primeiros passos rumo ao efetivo controle da asma, ainda que o fato de prescrever a medicação não garanta que ela será utilizada, nem mesmo que se obterá o controle da doença com seu uso.

Estudo realizado em Tangará da Serra-MT mostrou que entre as crianças atendidas na rede ambulatorial do Sistema Único de Saúde (SUS), no período de 2006-2007, os casos mais frequentes de doenças das vias aéreas inferiores foram bronquite e em seguida, asma. No referido estudo, mais de 60% dos casos de doenças das vias aéreas inferiores estavam relacionadas a doenças que cursam com sibilância.28

O presente estudo apresentou limitações: o questionário utilizado é validado para crianças de 12 até 36 meses de vida; tanto o uso de corticoide inalatório quanto o diagnóstico médico de asma foram referidos pelas famílias; e quanto ao tipo de estudo realizado - estudo transversal -, a exposição e o desfecho são captados e analisados simultaneamente, não sendo possível identificar o que ocorreu primeiro. Parece pouco provável que o uso de corticoide inalatório levaria ao atendimento da criança na rede privada de saúde, a um diagnóstico médico de asma ou a indicadores de gravidade de asma. E, por fim, o fato de que a amostra foi calculada para identificar a prevalência de sibilância e não a associação entre sibilância e o desfecho 'uso de corticoide inalatório', constitui outra limitação para estes autores.

Embora a amostra não tenha sido calculada para analisar a associação entre sibilância e uso de corticoide inalatório, ela se mostrou adequada para esta análise em razão dos estreitos valores observados nos IC95%. Quanto à idade, é provável que não haja diferenças importantes em relação às respostas da mãe ou responsável pelas crianças de quatro anos em relação àquelas de três anos. As diferenças encontradas podem ser aquelas próprias das variações de idade. Estudos têm demonstrado alta validade da informação da família sobre o uso de medicação antiasmática pela criança,29 assim como o diagnóstico médico de asma referido pelos familiares é uma medida sensível e específica da asma em crianças.30 É possível que crianças que não tenham asma estejam recebendo corticoide inalatório, o que poderia influenciar os resultados deste estudo; assim, optou-se por ajustar a análise pelo diagnóstico médico de asma. Para limitar uma possível influência da renda familiar no uso do corticoide inalatório, as análises também foram ajustadas para essa variável.

Sugere-se, portanto, a implantação de um programa de atenção à criança com asma em Cuiabá-MT, nos moldes de experiências de sucesso no Brasil, como o Criança que Chia, de Belo Horizonte-MG, o PROAR em Feira de Santana-BA ou o Respira, de Londrina-PR,23 respeitando as características próprias de Cuiabá-MT e dos serviços de saúde do município. Sugere-se, ademais, a realização de novos estudos - após a implantação do Programa Farmácia Popular -, considerando a distribuição de medicamentos gratuitos para asma, o que poderia contribuir para uma melhor compreensão dessa questão no município de Cuiabá-MT.

Conclui-se que os fatores associados ao uso de corticoide inalatório em crianças menores de cinco anos de idade em Cuiabá-MT foram o atendimento na rede privada de saúde, o diagnóstico médico de asma e os indicadores de gravidade da doença, destacando-se, assim, a importância de atenção especial às crianças menores de cinco anos de idade, especialmente àquelas atendidas na rede pública de saúde.

 

Agradecimentos

A Sílvia Líllian Rosinha Queiroz, pelo apoio na logística da pesquisa na fase de coleta de dados.

Aos acadêmicos Aparecido Silva Santos, Danilo Vitor Camargo Prates, Denyth Sempio Justino, Fanni Cristina Rodrigues dos Santos, Jéssica Alves Oliveira, Luciney dos Santos Lara, Míria Brandão de Araújo e Pâmela Rodrigues da Silva, pela participação na etapa de coleta de dados.

 

Contribuição dos autores

Rosa AM e Jacobson LSV participaram no delineamento do estudo, coleta de dados, análise e descrição do relatório e revisão final.

Botelho C participou na análise dos dados, descrição do relatório e revisão final.

Ignotti E participou no delineamento do estudo, análise dos dados, descrição do relatório e revisão final.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito, e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

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Endereço para correspondência:
Antonia Maria Rosa
- Universidade do Estado de Mato Grosso,
Avenida Getúlio Vargas, 2335,
Bairro Jardim Aida, Cáceres-MT,
Brasil. CEP: 78200-000
E-mail: antonia-mr@unemat.br

Recebido em 16/04/2013
Aprovado em 12/08/2013

 

 

*O estudo recebeu o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): CTSAUDE/edital MCT/CNPq/CT - Saúde no 54/2009 - Doenças Respiratórias na Infância, Processo no 557333/2009-1.