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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.22 n.4 Brasília dic. 2013

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742013000400016 

ARTIGO ORIGINAL

 

Mortalidade infantil neonatal: estudo das causas evitáveis em Cuiabá, Mato Grosso, 2007*

 

Neonatal mortality: study of avoidable causes in Cuiabá, Mato Grosso State, Brazil, 2007

 

 

Eloá de Carvalho LourençoI; Gisela Soares BrunkenII; Carla Gianna LuppiIII

IEscola de Saúde Pública de Mato Grosso, Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso e Comitês Estadual e Municipal de Mortalidade Materna e Infantil de Cuiabá-MT, Brasil
IIInstituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso e Comitês Estadual e Municipal de Mortalidade Materna e Infantil de Cuiabá-MT, Brasil
IIIDepartamento de Medicina Social, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever o perfil dos óbitos neonatais em Cuiabá, estado de Mato Grosso, Brasil, em 2007.
MÉTODOS: estudo descritivo dos óbitos neonatais utilizando dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM); as causas foram classificadas conforme a Lista de Causas de Mortes Evitáveis por Intervenções do Sistema Único de Saúde; foram calculadas as taxas de mortalidade neonatal por período e as causas dos óbitos.
RESULTADOS: foram estudados 79 óbitos; a taxa de mortalidade infantil neonatal foi de 8,7/1.000 nascidos vivos (NV); o maior número de mortes ocorreu no período neonatal precoce (6,8/1000 NV); as principais causas foram prematuridade (n=21), septicemia do recém-nascido (n=14), anencefalia (n=14) e síndrome da angústia respiratória (n=12); entre os 65 óbitos considerados evitáveis, 35 foram por inadequada assistência à mulher na gestação e no parto e 30 por inadequada atenção ao recém-nascido.
CONCLUSÃO: em sua maioria, os óbitos neonatais estudados foram considerados evitáveis.

Palavras-chave: Nascimento Vivo; Mortalidade Infantil; Causas de Morte; Epidemiologia Descritiva.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe neonatal deaths in Cuiabá-MT, Brazil, in 2007.
METHODS: a descriptive study was conducted using Mortality Information System data on neonatal mortality. Cases were classified according to the Unified Health System List of Causes of Deaths which could be avoided by interventions. Neonatal mortality rates were calculated per period and by causes.
RESULTS: 79 deaths studied. The neonatal mortality rate was 8.7 per 1000 Live Births (LB). The highest number of deaths occurred in the early neonatal period (6.8/1000 LB). The main causes of death were prematurity (n=21), sepsis (n=14), anencephaly (n=14) and respiratory distress syndrome (n=12). 65 deaths were considered avoidable, 35 owing to inadequate health care during pregnancy and delivery and 30 owing to inadequate care of the newborn.
CONCLUSION: most of the neonatal deaths studied were considered avoidable.

Key words: Live Birth; Infant Mortality; Cause of Death; Epidemiology, Descriptive.


 

 

Introdução

A mortalidade infantil, interpretada como o risco de um nascido vivo (NV) morrer antes de completar um ano de vida, é um importante indicador de saúde da população.1 Ela pode ser impactada por fatores genéticos, pela qualidade da assistência no pré-natal e no parto, e pelo acesso a serviços de saúde que disponham de infraestrutura de maior complexidade. Intervenções no tempo oportuno, em áreas e populações sob risco, podem contribuir para a redução da mortalidade infantil.2

De acordo o Grupo Interagências para a Estimativa da Mortalidade Infantil das Nações Unidas, em 2011, morreram quase três milhões de recém-nascidos em seu primeiro mês de vida, 39 mil deles no Brasil.3 Em 2007, a mortalidade neonatal (óbito no período de 0 a 27 dias de vida) representou 70% da mortalidade infantil no país e o componente neonatal precoce (óbito no período de 0 a 6 dias de vida) foi responsável por 50% dessas mortes.2,4

No Brasil, vem acontecendo uma redução média anual da taxa de mortalidade infantil. Entre 1990 e 2007, essa redução foi de 4,8% ao ano. O componente pós-neonatal (28 a 365 dias) apresentou o maior declínio (7,3%/ano), e o componente neonatal precoce, o menor (3,1%/ano) .2 Apesar do decréscimo observado, grande parte da mortalidade infantil é potencialmente evitável e está associada à desnutrição e às doenças infecciosas. As mortes por essas causas devem ser consideradas eventos-sentinela, ou seja, preveníveis pela atuação adequada dos serviços de saúde, dado o conhecimento e os recursos disponíveis na atualidade.2 As principais causas de mortalidade neonatal no Brasil estão relacionadas ao acesso e utilização dos serviços de saúde e à qualidade da assistência no pré-natal, no parto e ao recém-nascido. As afecções perinatais são responsáveis por cerca de 80% das mortes neonatais.2

Em Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso (MT), o Comitê Municipal de Mortalidade Materna e Infantil e a equipe da Vigilância de Nascimentos e Óbitos foram reestruturados em 2006. Desde 2007, suas ações visam (i) qualificar os dados relativos aos óbitos maternos e infantis, (ii) planejar ações pertinentes e (iii) identificar se as Metas do Milênio para redução da mortalidade materna e infantil serão alcançadas até 2015. A partir da referida reestruturação, a proporção de óbitos totais investigados pela Vigilância de Óbito do município passou de 15% em 2006 para 81% em 2007.

Conhecer as causas relacionadas à mortalidade neonatal, a partir dos sistemas de informações, e identificá-las como evitáveis por ações efetivas dos serviços de saúde que estejam acessíveis em determinado local e época2,4 são iniciativas imprescindíveis para o planejamento de ações de promoção da saúde e prevenção, em todos os níveis da atenção à saúde.1,5 Diante dessas constatações, foi considerada pertinente a realização deste estudo, sobre dados do ano de 2007 - considerado um marco inicial de uma rotina consolidada -, proposto a descrever a situação presente como linha de base para ações de prevenção e redução da mortalidade infantil neonatal no município, além de possibilitar futuras comparações.

O estudo teve como objetivo descrever os óbitos infantis neonatais ocorridos no município de Cuiabá-MT, no ano de 2007, segundo o critério de evitabilidade preconizado pelo Ministério da Saúde para o Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil.6

 

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo sobre a mortalidade neonatal e sua evitabilidade em nascidos vivos residentes em Cuiabá-MT, cujo óbito ocorreu no município em 2007. Cuiabá-MT, capital do Mato Grosso, estado localizado na região Centro-Oeste do Brasil, contava com uma população de 510 mil habitantes, em 2007. No mesmo ano, o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) registrava 9.020 nascidos vivos no município.

No presente estudo, foram incluídos 79 nascidos vivos (NV) que, entre 1o de janeiro de 2007 e 27 de janeiro de 2008, foram a óbito dentro do período neonatal. As crianças nascidas vivas com peso igual ou inferior a 500 gramas, os abortos e os óbitos fetais2 foram excluídos deste estudo. Os dados foram coletados das fichas da Declaração de Óbito (DO), a partir de investigações realizadas no ambiente ambulatorial, hospitalar e domiciliar, e da Declaração de Nascidos Vivos (DN), ambos os documentos investigados no procedimento de rotina da Vigilância de Nascimentos e Óbitos e do Comitê Municipal de Mortalidade Materna e Infantil de Cuiabá-MT.

Elaborou-se um modelo de ficha para coleta de dados, logo testada em estudo-piloto e submetida a correções nas inconsistências das variáveis, além de adequações compatíveis com a máscara de digitação do software Epi Info. Essas fichas foram preenchidas, numeradas e organizadas por data de nascimento, óbito e nome da mãe. As causas dos óbitos foram revisadas por três pediatras, atuantes na atenção básica, na assistência hospitalar e em unidade de terapia intensiva neonatal. Tal revisão teve a finalidade de analisar a uniformidade da causa básica descrita nas DO e no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM). Na análise e correção de cada subgrupo, foi utilizada a codificação estabelecida na Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).7

A classificação dos óbitos neonatais foi realizada conforme a Lista de Causas de Mortes Evitáveis por Intervenções do Sistema Único de Saúde.6 As inconsistências dos dados foram corrigidas no Sinasc e no SIM. Posteriormente, essas inconsistências foram encaminhadas para a análise do Comitê Municipal de Mortalidade Materna e Infantil, conforme recomendado pelo Ministério da Saúde.2

Sobre os dados da mãe, as variáveis estudadas foram:

a) idade (11 a 20; 21 a 30; 31 a 40 anos de vida);

b) escolaridade (0 a 7; 8 e mais anos de estudo);

c) estado civil (solteira; casada);

d) número de consultas de pré-natal (1 a 2; 3 a 5; 6 e mais consultas);

e) número de filhos mortos (nenhum; 1 ou mais filhos mortos);

f) tipo de parto (vaginal; cesárea; fórceps);

g) idade gestacional (pré-termo; a termo; pós-termo);

h) local do parto (hospital; domicilio); e

i) tipo de internação (hospital privado - convênio SUS -; hospital público/filantrópico SUS; hospital privado não SUS).

E sobre as características dos neonatos, foram estudadas as seguintes variáveis:

a) sexo (masculino; feminino);

b) cor da pele (parda; branca; negra);

c) Apgar 1o minuto (0 a 7; >7);

d) Apgar no 5o minuto (0 a 7; >7);

e) faixa de peso (<2.500 gramas; >2.500 gramas);

f) período do óbito (neonatal precoce; 24 horas após o parto; neonatal tardio);

g) investigação do óbito (óbito investigado; reinvestigado); e

h) causas básicas do óbito no SIM e após revisão, com relação à Lista de Causas de Mortes Evitáveis por Intervenções do Sistema Único de Saúde (evitáveis - reduzíveis por adequada atenção ao recém-nascido; reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação; reduzíveis por adequada atenção à mulher no parto -; e não evitáveis - demais causas não claramente evitáveis).

Foram calculados os seguintes indicadores, pelo programa Epi Info 2000: taxas, frequências e medianas de peso. A significância estatística das possíveis diferenças das distribuições dos pesos dos recém-nascidos foi avaliada pelo teste de Kruskal-Wallis. Foi adotado o nível de significância de p<0,05.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, sob o protocolo no 073/09.

 

Resultados

Foram incluídos no estudo 79 óbitos neonatais, ocorridos no ano de 2007, de um total de 180 óbitos de nascidos vivos - NV -, todos investigados. Do total de nascidos vivos, foram excluídos do estudo 96 óbitos: 71 fetais; 20 ocorridos no período pós-neonatal; e 5 com peso inferior a 500 gramas ou 22 semanas de gestação.

A taxa de mortalidade neonatal foi corrigida no SIM, de 10,0 para 8,7/1000 nascidos vivos - NV. O maior número de óbitos ocorreu no período neonatal precoce, com 6,8/1000 NV. A mortalidade neonatal tardia foi de 1,9/1000 NV, a pós-neonatal foi de 6,0/1000 NV, e a fetal, de 7,9/1000 NV. A taxa de mortalidade neonatal evitável foi de 7,1/1000 NV.

A Tabela 1 apresenta as características relacionadas à mãe, à gravidez e ao parto. A idade da mãe variou entre 14 e 37 anos, sendo 24 anos a média de idade materna no momento do parto. A maioria das mães (n=56) tinham 8 ou mais anos de estudo e eram solteiras (n=58). Em 57 casos, não houve registro de antecedente de filho natimorto ou aborto anterior.

 

 

A Tabela 2 apresenta as características relativas aos neonatos. Dos óbitos estudados, pouco mais da metade (n=45/79) era de crianças do sexo masculino e a maioria (n=66/79) era de cor da pele parda. Em relação às condições do nascimento, grande parte (n=52/79) apresentou Apgar menor que 7 no 1o minuto; metade dos nascimentos apresentou (n=37/79) Apgar menor que 7 no 5o minuto. Em três casos, o campo relativo ao Apgar estava sem preenchimento, uma vez que se tratava de nascimentos domiciliares e sem assistência neonatal apropriada. A mediana do peso dos neonatos foi de 1.520 gramas, com amplitude de 530 a 4.350 gramas. A mediana de peso dos óbitos neonatais evitáveis foi de 1.387 gramas, e dos não evitáveis, 2.407 gramas: uma diferença não estatisticamente significativa (Kruskal-Wallis = 2,843; p=0,08). A maior parte dos neonatos nasceu com peso inferior a 2.500 gramas (n=53/79), considerado baixo peso.

 

 

Dos 79 óbitos neonatais estudados, 65 foram considerados evitáveis, por causas relacionadas às afecções originadas no período perinatal. Das mortes evitáveis, quase metade (n=30/79) poderia ser evitada com uma adequada atenção aos recém-nascido; ademais, quase todas (n=25/30) foram decorrentes de transtornos respiratórios e cardiovasculares específicos do período perinatal (P20 a P29). Os outros 35 óbitos evitáveis seriam reduzíveis com uma adequada atenção à mulher na gestação (n=25) e no parto (n=10), conforme mostra a Tabela 3.

 

 

A causa básica foi reclassificada em 26 casos. Na classificação final, a maior proporção de óbitos poderia ser evitada pela adequada atenção ao recém-nascido, com variação no SIM de 39 para 30 óbitos após reavaliação. A estabilidade por adequada atenção à mulher na gestação ficou na segunda posição, na classificação final (n=25), divergindo dos dados que constavam no SIM e que apontavam as demais causas não claramente evitáveis (n=16) como a segunda causa mais relevante, nesse contexto.

Constatou-se ausência de informação relacionada à intercorrência materna no parto em 72 óbitos, tanto nas Declarações de Óbito, como nas investigações realizadas. Dos 79 óbitos neonatais, 57 aconteceram no período neonatal precoce (taxa de 6,3/1000 NV). Destes, 29 ocorreram nas primeiras 24 horas após o parto (taxa de 3,2/1000 NV) e 22 no período neonatal tardio (2,4/1000 NV).

Das causas evitáveis encontradas no estudo, a maior parte (40/65) correspondeu aos transtornos respiratórios, cardiovasculares e infecções específicas do período perinatal. Entre elas, a septicemia bacteriana não especificada e a perfuração intestinal no período perinatal (classificação na CID-10: P01.1; P20 a P29; P35 a P39) foram mais frequentes e seriam evitáveis com uma adequada atenção ao recém-nascido.

Os transtornos relacionados à duração da gestação e ao crescimento fetal foram responsáveis por quase um terço dos óbitos evitáveis (21/65) (classificação na CID-10: P05 a P08), seguidos pelas malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas (consideradas causas não claramente evitáveis), responsáveis por aproximadamente um quinto dos óbitos (classificação na CID-10: Q00 a Q99). Foram encontrados 4 casos de recém-nascidos afetados por fatores maternos, complicações na gravidez, no trabalho de parto e no parto (classificados, segundo a CID-10, em P00 a P04). Tais óbitos poderiam ser evitados com uma adequada atenção à mulher na gestação.

 

Discussão

O estudo encontrou que, no município de Cuiabá-MT, em 2007, a taxa de mortalidade infantil foi de 14,8/1000 NV, e a taxa de mortalidade neonatal, 8,7/1000 NV, corroboradas pelo estudo de Moraes e colaboradores.8 Observou-se, no período, estabilidade da taxa de mortalidade infantil. A taxa encontrada foi inferior à nacional para o mesmo ano - 19,3/1000 NV -;2 porém, ao realizar-se a classificação dos óbitos neonatais segundo critérios estabelecidos de evitabilidade, a frequência estimada de óbitos infantis para Cuiabá-MT foi mais elevada que a observada para o Brasil em 2010: respectivamente, 82% e 70%.9

A proporção de óbitos investigados pela Vigilância do município de Cuiabá-MT passou de 15% em 2006 para 81% em 2007. Dos 79 óbitos neonatais, incluídos no presente estudo, em um único caso não foi encontrada a DN e o cadastro no Sinasc. Em outro caso, não houve registro no SIM, apesar de apresentar DO e constar como documento digitado. Dessa forma, constatou-se 99% de registros dos nascimentos e dos óbitos ocorridos no período neonatal estudado, garantindo confiabilidade às informações investigadas.

A taxa de mortalidade neonatal evitável encontrada em Cuiabá-MT foi de 7,1/1000 nascidos vivos. Uma taxa possível de ser reduzida, se houvesse adequada atenção à mulher na gestação, no parto, e ao recém-nascido.6 A mortalidade neonatal pode estar relacionada a piores condições socioeconômicas e de saúde da mãe, como também a uma assistência inadequada durante o pré-natal, o parto e o pós-parto.6,10,11 As principais causas de óbitos neonatais evidenciadas em Cuiabá-MT, no ano de 2007, foram similares às encontradas para o Brasil.12

Após revisão da causa básica dos óbitos neonatais, a evitabilidade por adequada atenção à mulher na gestação ficou em primeiro lugar, à frente dos óbitos reduzíveis por adequada atenção ao recém-nascido. Dessa forma, intervenções com o objetivo de diminuir os óbitos evitáveis devem focar na qualificação da atenção pré-natal e na melhoria da atenção básica. Considerando-se os resultados do SIM, seu foco deveria se voltar à atenção de média complexidade, equipando unidades de tratamento intensivo neonatal, treinando e contratando profissionais intensivistas neonatais. Estudo realizado no município de Pelotas-RS também apontou que, após a revisão dos óbitos, houve mudança do foco das ações para a prevenção primária da prematuridade, enquanto os dados anteriores do SIM indicavam medidas de prevenção secundária ou mesmo terciária.13

Em Cuiabá-MT, o maior número de óbitos ocorreu em crianças do sexo masculino e de cor da pele parda. Estudos apontam que recém-nascidos do sexo masculino apresentam o amadurecimento mais tardio do pulmão, elevando, consequentemente, o risco de problemas respiratórios, que estão entre as principais causas de óbito no período neonatal.14 Estudos realizados sobre mortalidade infantil no Brasil mostraram que ocorre uma variação de 40 a 80% a mais de óbitos em crianças com cor da pele preta, indicando desigualdade no acesso aos serviços de saúde.15 Entretanto, há que se destacar as limitações na determinação da cor da pele do recém-nascido.

Os óbitos neonatais de NV com idade gestacional inferior a 37 semanas de gestação e o peso menor que 2.500 gramas mostraram-se os mais frequentes.16

A prematuridade esteve associada a 71% da mortalidade neonatal, sendo a causa mais frequente de morbidade nesse período. A prematuridade poderia estar relacionada a alguns fatores de risco demográficos e obstétricos, tendo como etiologia fatores maternos, fetais e ambientais, e assistência recebida.16

A mediana de peso dos óbitos neonatais evitáveis representa fator de risco importante para a sobrevivência infantil, quando relacionado à prematuridade e à desnutrição materna.11,17 Nos achados deste estudo, o baixo peso foi observado em mais da metade dos óbitos. Estudo realizado por Silva e colaboradores18 verificou associação entre baixo peso ao nascer e morte precoce. O baixo peso é descrito como um dos fatores de risco isolado que mais afetam as crianças antes de completarem um ano de vida.19

Das causas não claramente evitáveis encontradas por este estudo, houve maior ocorrência de anencefalia: uma malformação que poderia ser diagnosticada previamente como de risco, se houvesse maior número de consultas com acompanhamento adequado de pré-natal e acesso aos exames preconizados em tempo oportuno.9

O baixo número de consultas (<6 consultas) de pré-natal (50/79), indicador da qualidade do serviço de saúde, aponta para deficiência na assistência durante a gestação.10,20 Em relação à assistência ao recém-nascido, esta poderia estar relacionada à quantidade insuficiente de leitos obstétricos de UTI neonatal, diante do número de habitantes.11,12 O baixo valor de Apgar encontrado no primeiro minuto indicou que a disponibilidade de procedimentos como ventilação, oxigênio com pressão positiva, manobras de massagem cardíaca e uso de drogas vasoativas, não foram suficientes para evitar os óbitos estudados. Esses achados apontam para o papel da organização da rede de atenção obstétrica e neonatal, no sentido de melhorar a qualidade dessa assistência e minimizar os fatores de risco que podem levar à hipóxia perinatal e aos óbitos neonatais precoces.19

Em Cuiabá-MT, no ano de 2007, os neonatos que evoluíram a óbito nasceram, em grande parte, de parto vaginal (n=43/79). Em estudo conduzido no estado de Goiás,21 o parto cesáreo foi fator protetor para recém-nascidos com peso ao nascer inferior a 1.500 gramas. Não obstante, essa associação pode indicar má qualidade da assistência no parto vaginal e distorções nas indicações da via de parto, uma vez que se verifica elevada taxa de cesáreas em gestações de baixo risco, na população com melhores condições socioeconômicas, em detrimento de partos vaginais nas gestações de alto risco, de mulheres em piores condições socioeconômicas.18,20 Em decorrência de diversos fatores socioeconômicos, portanto, mulheres em melhores condições teriam maior acesso a parto cesáreo e menor mortalidade entre seus neonatos.21-23

Para a gestão da rede de serviços dedicada à redução da mortalidade neonatal, recomenda-se que uma gestante com idade gestacional inferior a 33 semanas, em trabalho de parto prematuro, seja encaminhada para um centro especializado, conduzido por uma equipe treinada, com disponibilidade de terapia intensiva, corticoterapia e surfactante. O encaminhamento da gestante - e não do neonato - para esse centro pode ser mais efetivo na redução da morbimortalidade neonatal.24 Quando relacionadas aos fatores acima, a dificuldade de acesso e a disponibilidade de UTI neonatal somente após o parto representaram fatores de risco determinantes para a ocorrência desses óbitos neonatais evitáveis.

Este estudo encontrou limitações relacionadas à falha no preenchimento das DO, das DNV e das fichas de investigações (domiciliar, ambulatorial e hospitalar). Constatou-se ausência de fichas de investigações e de DNV, como também foram encontradas fichas de investigação inadequadas para o óbito investigado e inconsistência na digitação do SIM e do Sinasc. Todas essas informações foram investigadas, localizadas, corrigidas e readequadas.

No ano de 2007 - mesmo ano quando se iniciaram as atividades do Comitê Municipal de Mortalidade Materna e Infantil -, oito em cada 10 óbitos neonatais seriam evitáveis em Cuiabá-MT. A falta de condições adequadas para a mulher, na gestação e no parto, poderia ser considerada como o principal determinante dessa mortalidade. O acompanhamento e a avaliação dos fatores de risco maternos, com o devido amparo em protocolos, não foram suficientes para a redução da mortalidade neonatal. Sugere-se, fortemente, a estruturação de uma linha de cuidado para a gestante e o recém-nascido, no município de Cuiabá-MT, capaz de garantir a rede de atenção e cuidado à saúde materno-infantil. Recomenda-se a realização de estudos comparativos, com o objetivo de avaliar o impacto de ações dirigidas à redução das taxas de mortalidade infantil e neonatal.

Espera-se, com a continuidade das ações de acompanhamento pelo Comitê Municipal de Mortalidade Materna e Infantil e com a implantação da Rede Cegonha no estado, que se reduzam as mortes neonatais evitáveis em Cuiabá-MT.

 

Agradecimentos

Aos membros do Comitê Municipal de Mortalidade Materna e Infantil e da Gerência de Vigilância de Nascimentos e Óbitos de Cuiabá-MT.

E aos pediatras Lúcia Helena Barbosa Sampaio, Carlos Antonio Maciel de Moraes e Regina Coeli Pereira, pela revisão da causa básica dos óbitos.

 

Contribuição dos autores

Lourenço EC participou da concepção e delineamento do estudo, coleta, análise e interpretação dos dados, redação e revisão/correção do conteúdo do manuscrito.

Brunken GS e Luppi CG participaram da concepção e delineamento do estudo, interpretação, revisão crítica e redação final.

Todas as autoras aprovaram a versão final do manuscrito, e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Eloá de Carvalho Lourenço
- Escola de Saúde Pública de Mato Grosso,
Av. Adauto Botelho, no 552, Coxipó Sul,
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Recebido em 20/02/2013
Aprovado em 04/11/2013

 

 

*Artigo baseado na dissertação de Mestrado apresentada ao Colegiado da Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, em 2010.