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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.1 Brasília mar. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000100009

ARTIGO ORIGINAL

 

Gravidez na adolescência: estudo ecológico nas microrregiões de saúde do Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil - 2008*

 

Adolescent pregnancy: an ecological study in the health micro-regions of the State of Mato Grosso do Sul, Brazil - 2008

 

 

Paulo Cezar Rodrigues MartinsI; Elenir Rose Jardim Cury PontesII; Antonio Conceição Paranhos FilhoIII; Alisson André RibeiroIII

ISupervisão de Pesquisas Sociais e Populacionais, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Campo Grande-MS, Brasil
IICentro de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil
IIIDepartamento de Hidráulica e Transportes, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande-MS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever a proporção de nascidos vivos e a taxa de fecundidade de mães de 15 a 19 anos de idade e analisar sua correlação com indicadores socioeconômicos, nas microrregiões de saúde do estado de Mato Grosso do Sul, Brasil.
MÉTODOS: estudo ecológico com medidas agregadas por microrregião, calculadas a partir de (i) dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) para o ano de 2008 e de (ii) indicadores de desenvolvimento social e econômico.
RESULTADOS: do total de 40.867 nascidos vivos, 22% eram de mães adolescentes; as taxas específicas de fecundidade (15 a 19 anos) variaram de 73 a 116 por mil habitantes, entre as microrregiões de saúde estudadas; verificou-se correlação significativa entre taxas específicas de fecundidade e índice de responsabilidade social (r=0,646; p=0,032) e analfabetismo funcional (r=0,7180; p=0,013).
CONCLUSÃO: a fecundidade das mulheres adolescentes tende a ser maior nas microrregiões com piores indicadores de escolaridade e desenvolvimento socioeconômico.

Palavras-chave: Gravidez na Adolescência; Nascimento Vivo; Indicadores Básicos de Saúde; Estudos Ecológicos; Taxa de Fecundidade.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the proportion of live births and the fertility rate of mothers aged 15-19 years and correlation with socio-economic indicators in the health micro-regions of Mato Grosso do Sul State.
METHODS: an ecological study using indicators aggregated by micro-region, calculated based on 2008 data from the Live Birth Information System and regional indicators of social and economic development.
RESULTS: teenage mothers accounted for 22% of the total of 40,867 live births. Specific fertility rates (15-19 age group) ranged from 73 to 116 per thousand inhabitants in the health micro-regions studied. There was significant correlation between specific fertility rates and Social Responsibility Index (r = 0.646p = 0.032) and functional illiteracy (r = 0.7180p = 0.013).
CO
NCLUSION: female adolescent fertility tends to be higher in micro-regions with the worst education and socio-economic development indicators.

Key words: Pregnancy in Adolescence; Live Birth; Health Status Indicators; Ecological Studies; Fecundity Rate.


 

 

Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a adolescência é o período de transição entre a infância e a idade adulta: inicia-se aos 10 e termina aos 19 anos de idade.1 Essa transição é marcada pelo desenvolvimento biológico, do início da puberdade à maturidade sexual e reprodutiva, pelo desenvolvimento psicológico dos padrões cognitivos e emocionais da infância para idade adulta e pela mudança do estado de uma infância com dependência socioeconômica para uma situação de relativa independência.

No Brasil, a gravidez na adolescência e suas complicações são importantes causas de mortalidade entre mães de 10 a 19 anos de idade. Estudos na área indicam que as complicações obstétricas decorrem principalmente da imaturidade biológica e do desenvolvimento incompleto da ossatura da pelve do útero. Para filhos dessas mães, a probabilidade de nascerem com baixo peso e serem prematuros aumenta, respectivamente, os riscos de mortalidade infantil e perinatal.2-4

Embora a taxa de fecundidade e a proporção de nascidos vivos de mães adolescentes estejam a diminuir, a preocupação com sua saúde reprodutiva deve ser cada vez mais assegurada, uma vez que a prevalência permanece elevada.5 No Brasil, segundo dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), foram registrados quase 3 milhões de nascimentos em 2008, 570.560 (19%) deles de mães entre 15 e 19 anos de idade.6

Por sua relevância para a Saúde Pública, a gravidez na adolescência tem sido objeto de vários estudos epidemiológicos e um dos principais fatores relacionados ao fenômeno é a questão socioeconômica das jovens mães.3,7,8 As significativas disparidades existentes, com desvantagens entre as mulheres mais pobres, com menor escolaridade e que vivem em áreas rurais, podem ser observadas tanto no âmbito regional como nacional, internamente aos países em entre suas macrorregiões.

A importância do desenvolvimento econômico torna-se mais evidente quando os dados referentes aos países são agrupados de acordo com seus respectivos índices de desenvolvimento econômico. A ocorrência de gravidez entre adolescentes é mais elevada nos países menos desenvolvidos, que apresentaram, em 2010, uma média de 103 nascimentos para cada 1000 mulheres na faixa etária entre 15 e 19 anos - média cinco vezes mais alta que a média observada nas regiões mais desenvolvidas, de 21 nascimentos em cada 1000 mulheres na mesma faixa etária.7

Em 2012, estimou-se um risco de morte materna aos 15 anos de 395 em 100 mil nascidos vivos nos países desenvolvidos e de 667 em 100 mil nascidos vivos nos países em desenvolvimento.3 Uma das metas descritas no quinto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (Melhorar a Saúde Materna) é reduzir a mortalidade materna em três quartos, entre 1990 e 2015. A mortalidade materna em adolescentes ainda é alta em relação à meta proposta.9

No Brasil, as trajetórias dos jovens de diferentes classes sociais reúnem características bastante distintas: enquanto nos estratos sociais mais elevados, a permanência na casa dos pais acontece por um período mais prolongado - o que favorece uma maior escolarização -, nas classes mais pobres, a juventude tende a ser mais breve, com a interrupção precoce dos estudos para inclusão do adolescente no mercado de trabalho. As adolescentes das classes populares que engravidam já têm uma carreira escolar bastante irregular, a qual não é resultado de uma relação direta com a ocorrência da maternidade.8

O objetivo deste estudo foi descrever a proporção de nascidos vivos e a taxa de fecundidade de mães de 15 a 19 anos e analisar sua correlação com indicadores socioeconômicos, nas microrregiões de saúde (MRS) do estado de Mato Grosso do Sul, Brasil, no ano de 2008.

 

Métodos

Foi realizado estudo ecológico. As unidades de análise foram as 11 microrregiões de saúde - MRS - do estado de Mato Grosso do Sul (Figura 1).

 

 

Localizado ao sul da região Centro-Oeste do país, Mato Grosso do Sul, com uma área de 357.145,43 km2, tem como limites os estados de Goiás a nordeste, Minas Gerais a leste, Mato Grosso ao norte, Paraná ao sul e São Paulo a sudeste, além da Bolívia (oeste) e do Paraguai (oeste e sul). Segundo o Censo Demográfico 2010, o estado contava com 2.449.024 habitantes em seus 78 municípios. Então, pouco mais de 50% de sua população residia em cinco municípios, com destaque para a capital, Campo Grande, que concentrava 32,13% da população. A taxa média de crescimento anual da população no período 2000-2010 foi de 1,66%. Com um produto interno bruto (PIB) de 43,514 bilhões de reais e um PIB per capita de R$ 17.765,68, a maior contribuição para a formação final de riqueza no estado provém do setor terciário da economia (62,40%), seguido pelos setores secundário (22,15%) e primário (15,45% ).10

Foram incluídas no estudo as mulheres de 15 a 19 anos de idade que tiveram filhos nascidos vivos no ano de 2008, residentes no estado de Mato Grosso do Sul e cujas informações referentes à idade e escolaridade materna, provenientes da Declaração de Nascido Vivos (DN), estavam incluídas no banco de dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - Sinasc. Para a distribuição dos eventos nas microrregiões de saúde, considerou-se o município de residência da mãe.

As mulheres de 10 a 14 anos que tiveram filhos nascidos vivos não foram objeto de estudo, tendo em vista que a variável taxa específica de fecundidade (TEF) tem como categorias sugeridas para análise as seguintes faixas etárias: 15 a 19; 20 a 24; 25 a 29; 30 a 34; 35 a 39; 40 a 44; e 45 a 49 anos. A TEF mede a intensidade de fecundidade a que as mulheres estão sujeitas em cada grupo etário do período reprodutivo (de 15 a 49 anos de idade) e é bastante usada para subsidiar processos de planejamento, gestão e avaliação da atenção materno infantil.11

Foi calculada a TEF do grupo de idade de 15 a 19 anos, resultante da divisão do número de filhos nascidos vivos de mulheres de 15 a 19 anos pelo total de mulheres do mesmo grupo etário, multiplicado por 1000.

A proporção de filhos de mães adolescentes (PFA) foi calculada para estimar a participação desse grupo no total de nascidos vivos. Trata-se da razão entre o número de filhos nascidos vivos de mães adolescentes de 15 a 19 anos pelo total de nascidos vivos de mães de todas as faixas etárias, multiplicado por 100.

Para medir o nível de escolaridade das mães de 15 a 19 anos, utilizou-se o conceito de analfabetismo funcional preconizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco): menos de quatro anos de estudo.12 Foi calculada a proporção (%) de mães adolescentes com escolaridade menor que quatro anos em relação ao total de mães de 15 a 19 anos de idade.

Para cada microrregião de saúde do Estado, foram utilizadas medidas individuais, logo sintetizadas nas seguintes medidas agregadas: proporção (%) de filhos de mães adolescentes; taxa específica de fecundidade (%); e proporção (%) de mães adolescentes com analfabetismo funcional. Também foi utilizada uma medida global, o índice de responsabilidade social (IRS).

O IRS por municípios foi publicado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (Semac/MS) em 2009, o que justificou o ano eleito (2008) para o presente estudo.13 O IRS é constituído por três dimensões (indicadores setoriais): riqueza, longevidade e escolaridade (Figura 2).

 

 

Para atender às necessidades deste estudo no que se refere à compatibilização das áreas geográficas, uma vez que o IRS foi elaborado em nível municipal, realizou-se a média aritmética ponderada, de forma a obter o IRS por microrregião de saúde. Este procedimento permitiu que as 11 microrregiões de saúde obtivessem escores de 1 a 5. Quanto mais próximo o IRS do valor 1, a microrregião de saúde apresentava melhores condições de desenvolvimento social e econômico, e quanto mais próximo de 5, piores situações.13

Todos os dados, com exceção do IRS, foram extraídos do Sinasc, implantado em 1990 pelo Ministério da Saúde e sob responsabilidade das Secretarias de Estado e Municipais de Saúde. O índice tem como instrumento de coleta de dados a Declaração de Nascido Vivo (DN), documento individualizado e padronizado em nível nacional.

Os dados do Sinasc foram obtidos na forma de planilhas eletrônicas do Excel® versão 2003, posteriormente exportados para os programas Epi Info versão 3.4.3. e BioEstat versão 5.0. A análise descritiva foi realizada com base em representação tabular e mapas temáticos. A correlação entre as variáveis mensuradas foi avaliada por meio do teste de correlação linear de Pearson, visto que elas apresentaram distribuição normal. Foi aplicado o teste de normalidade Kolmogorov-Smirvov. O nível de significância adotado foi de 5%.

Em atendimento às resoluções normativas do Ministério da Saúde, o projeto de pesquisa foi submetido a apreciação e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - Protocolo no 1605.

 

Resultados

Do total de 40.867 nascidos vivos no estado de Mato Grosso do Sul, 8.991 (22,0%) eram de mães de 15 a 19 anos de idade. A distribuição geográfica da PFA de 15 a 19 anos, em 2008, demonstrou maiores valores nas MRS de Naviraí (25,8%), Ponta Porã (25%) e Paranaíba (24,9%). A MRS de Campo Grande registrou a menor proporção (19,5%) (Figura 3A).

 

 

O IRS, utilizado neste estudo como uma aproximação da qualidade de vida da população (variação de 1=melhor situação até 5=pior situação), apresentou os melhores escores nas MRS de Corumbá (1,15), Campo Grande (1,35) e Três Lagoas (1,40). Os piores escores foram verificados nas MRS de Aquidauana (4) e Ponta Porã (3,97) (Figura 3B).

As maiores TEF encontradas foram nas MRS de Ponta Porã (116,1‰) e Aquidauana (101,1‰). A MRS de Campo Grande apresentou menor TEF, com 72,6% (Figura 3C).

A informação sobre idade materna estava disponível para todos os nascidos vivos em Mato Grosso do Sul registrados no Sinasc, no ano de 2008. A escolaridade materna ignorada foi registrada em 1,07% das DN avaliadas.

O percentual de analfabetismo funcional das mães adolescentes de 15 a 19 anos apresentou valores mais baixos nas MRS de Três Lagoas, Jardim e Campo Grande: menos de 5%. A MRS de Ponta Porã destacou-se com os piores resultados: para cada grupo de 100 adolescentes que tiveram filhos nascidos vivos em 2008, aproximadamente 19 eram analfabetas funcionais (Figura 3D).

A MRS de Ponta Porã apresentou quatro áreas escuras nas figuras 3 A, B, C e D (Figura 3), correspondendo a uma elevada proporção de filhos de adolescentes em 2008, baixo escore do IRS e valores maiores da TEF e percentual de analfabetismo funcional, o que indicou um pior quadro para as mães adolescentes dessa microrregião. Similar a esse quadro, a MRS de Aquidauana apresentou situação desfavorável em três indicadores utilizados (três áreas escuras nas figuras 3A, B e C - Figura 3); o analfabetismo funcional apresentou baixa ocorrência (5,1 a 7,5%) nessa microrregião. Em um cenário contrário - portanto, favorável -, encontra-se a MRS de Campo Grande (área mais clara nas figuras 3 A, B, C e D - Figura 3).

Não se observou correlação significativa entre a escolaridade menor que quatro anos de estudo e a proporção de filhos de mães adolescentes de 15 a 19 anos (r=0,3553; p=0,284). Não obstante, foram encontradas correlações estatisticamente significativas entre TEF e PFA (r=0,6163; p=0,043), IRS e PFA (r=0,6812; p=0,021), IRS e TEF (r=0,6446; p=0,032), assim como entre a escolaridade menor que quatro anos de estudo e a TEF (r=0,7180; p=0,013) (Tabela 1).

 

 

Discussão

No presente estudo, referente ao ano de 2008, a proporção de nascidos vivos de mães adolescentes variou de 19,5 a 25,8% nas microrregiões de saúde do estado do Mato Grosso do Sul. A taxa de fecundidade das mães adolescentes foi maior nas microrregiões de saúde com maior percentual de analfabetismo funcional e piores indicadores de desenvolvimento social e econômico.

Em 2009, estudo semelhante sobre variáveis do Sinasc, realizado em 28 municípios do estado de São Paulo, encontrou variações na proporção de filhos de mães adolescentes - PFA - de 14,6 a 29,8%,14 portanto uma amplitude maior em relação aos valores do presente estudo. Segundo dados do Sinasc,6 em 2010, os valores da PFA de 15 a 19 anos em Mato Grosso do Sul (21,09%) foram superiores aos do Brasil (18,36%) e da região Centro-Oeste (18,35%). Entre as unidades da Federação, Mato Grosso do Sul é a 11a com maior PFA.

O presente estudo apontou maior frequência de nascidos vivos de mães adolescentes em regiões com piores valores de indicador socioeconômico regional. Regiões com problemas socioeconômicos apresentam segmentos sociais em processo de vulnerabilização social e individual. Tais aspectos, somados à debilidade dos sistemas públicos de proteção social, traz consequências diretas para a qualidade de vida dessas populações. Muitos indicadores podem ser utilizados para medir a pobreza, razão porque se coloca a necessidade fundamental de se conceituar o fenômeno da pobreza para, em seguida, criar medidas e parâmetros de comparação.15

No município de São Paulo-SP, estudo ecológico sobre a gravidez na adolescência e suas associações com características socioeconômicas verificou que a ocorrência de gravidez precoce é maior nos municípios de menor tamanho populacional, menor PIB per capita, menor índice de desenvolvimento humano (IDH) e maior proporção de pobreza, e com maior percentual de indivíduos vulneráveis segundo o índice paulista de vulnerabilidade social (IPVS), demonstrando uma estreita relação entre gravidez na adolescência e indicadores econômicos e sociais.16

A escassez de informações socioeconômicas desagregadas em áreas hierarquicamente inferiores às unidades da Federação, padronizadas, de âmbito nacional e periodicidade anual, dificultaram análises comparativas para as áreas eleitas neste estudo. Diante da impossibilidade de usar um índice nacional, como o IDH, por exemplo, optou-se pelo uso de um indicador regional (IRS 2009/MS). Este procedimento não permite a reprodução deste estudo no que se refere a informações socioeconômicas.

Duarte, Nascimento e Akerman,17 ao analisarem a gravidez na adolescência por meio de um estudo transversal ecológico com 1.314 adolescentes de quatro áreas socioeconômicas distintas, utilizando um índice de inclusão/exclusão social (semelhante ao utilizado neste estudo) para verificar as associações com a gravidez na adolescência, observaram que a maior taxa específica de fecundidade - TEF (15 a 19 anos) -, de 35,7%, pertencia à área de pior condição socioeconômica, enquanto a menor taxa (12,1‰) foi observada na área mais favorecida.

O "Relatório sobre a Situação da População Mundial", publicado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), apontou que o índice de partos entre adolescentes (medida da quantidade anual de partos entre jovens de 15 a 19 anos de idade para cada 1000 jovens nessa faixa etária) é mais elevado em países minimamente desenvolvidos (116) quando comparado aos índices do total mundial (49), das regiões mais desenvolvidas (23) e das menos desenvolvidas (52). O mesmo Relatório revelou aumento das taxas de nascimento entre mães adolescentes pobres e menos escolarizadas, quase sempre de comunidades rurais. Em contraste, adolescentes mais escolarizadas que vivem nos 60% de domicílios mais ricos de áreas urbanas apresentaram taxas baixas de nascimento, em declínio desde 2000.18

As jovens mais pobres destacam-se por suas taxas de fecundidade mais elevadas. Em 1991, entre as mulheres de 15 a 19 anos de idade inseridas em grupo familiar com até um salário mínimo, a taxa de fecundidade foi calculada em 128%; já entre aquelas cuja renda familiar soma dez salários mínimos ou mais, a taxa de fecundidade foi de 13%.19

No Brasil, a TEF (15 a 19 anos) em mulheres com até três anos de instrução, que era de 122,9% em 1991, passou para 161% em 2000. A mesma taxa, quando se considera o conjunto total de mulheres da faixa etária de 15 a 19 anos, passou de 85% (1991) a 91% (2000) nesse período. As maiores taxas no último grupo foram de mulheres que residiam na região Norte: 171% em 1991 e 214% em 2000 - uma variação de 25,2% no período. Para o total de mulheres, esse aumento foi de apenas 2,7% (de 134,3% em 1991 para 137,9% em 2000). Ou seja, o aumento verificado no grupo de mulheres jovens de 15 a 19 anos, analfabetas funcionais, representa mais de nove vezes o observado para o conjunto das mulheres da mesma faixa etária na macrorregião citada.20

No período 2000-2010, com relação à TEF das mulheres de 15 a 19 anos, observou-se uma redução de 22% em Mato Grosso do Sul, passando de 104 para 80%. Os dados para o conjunto do Brasil em 2000 (91%) e 2010 (67%) também demonstraram uma tendência de declínio (26%), apesar de os resultados ficarem abaixo daqueles para o estado.21

Ao estudar a gravidez na adolescência na América Latina e Caribe, Guzmán, Contreras e Hakkert,22 utilizando-se do cálculo das taxas específicas de fecundidade de 15 a 19 anos, classificaram as adolescentes da região em três grupos: grupo 1, com taxas acima de 100 nascimentos para cada mil mulheres de 15 a 19 anos (Nicarágua, Honduras, Guatemala, El Salvador, República Dominicana e Belize); grupo 2, com taxas entre 75 e 100 por mil (Bolívia, Paraguai, Equador, Panamá, Colômbia, Costa Rica, Brasil, Venezuela, Haiti, México e Peru); e grupo 3, com taxas abaixo de 75 por mil (Uruguai, Chile, Guiana, Argentina, Cuba, Trinidad e Tobago, Barbados e Suriname).

Comparando-se a classificação do Brasil em 2001 (no grupo 2, segundo Guzmán, Contreras e Hakkert22), percebe-se que a situação melhorou no país. Entretanto, se em 2010, a TEF foi de 67 por mil, que corresponde ao grupo com menores valores da taxa (grupo 3), o grupo de menor escolaridade apresentou valores maiores da TEF em relação ao conjunto total de mulheres, ao longo desses anos.

Verificou-se correlação positiva significativa entre a prevalência de mães com baixa escolaridade e a prevalência de mães adolescentes. Resultados semelhantes foram encontrados em outro estudo23 sobre indicadores de saúde materno infantil, a partir de dados do Sinasc.

Ao ser analisada a escolaridade por áreas de exclusão/inclusão social, uma análise de disparidades intraurbanas encontrou relação estatisticamente significativa (p<0,001), verificando-se um número maior de mães adolescentes de menor escolaridade nas áreas de maior exclusão social, em comparação com as áreas de maior inclusão social. O baixo grau de instrução é um fator que expõe a adolescente à gestação não planejada; em contrapartida, adolescentes com maior escolaridade consideram a educação formal como uma possibilidade concreta para alcançar melhores condições de vida e portanto, adiam a procriação.17

O fenômeno da maternidade na adolescência é complexo, associado a grande número de fatores. O contexto familiar, a formação pessoal e o meio em que as mães adolescentes vivem estão fortemente relacionados à gravidez nesta fase da vida e ao nascimento de filhos saudáveis.

Em 2005, no município do Rio de Janeiro-RJ, os nascidos vivos de mães adolescentes apresentaram um risco 1,3 vezes maior de falecer, quando comparados aos nascidos vivos de mães na idade de 20 a 34 anos. Verificou-se, ademais, menor sobrevida entre os filhos de mães adolescentes, de acordo com o mesmo estudo.24

Dados do Sistema de Internações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) de agosto de 2010 demonstraram que a principal causa de internação em mulheres de 10 a 19 anos de idade refere-se à gravidez, ao parto e ao puerpério, totalizando 67% do total das internações nessa faixa etária.25

Com relação à gravidez na adolescência e a outros fatores de risco para a mortalidade fetal e infantil, observa-se uma tendência maior de óbitos no primeiro ano de vida, à medida que diminui a idade materna, com um efeito direto sobre os óbitos pós-neonatais e um efeito indireto, intermediado por outras variáveis, sobre os óbitos neonatais. Tanto as morbidades maternas quanto a assistência pré-natal inadequada estiveram associadas ao óbito fetal e ao neonatal.4

A utilização de dados do Sinasc foi satisfatória para a análise realizada no presente estudo. Ao verificar a incompletude do sistema de informações - campos de registro de dados em branco e registros de 'ignorado' - para as variáveis de estudo do Sinasc de Mato Grosso do Sul referentes o ano de 2008, constatou-se que os preenchimentos foram de excelente qualidade (1,07% de escolaridade materna ignorada). Essa proporção de não preenchimento é inferior àquela sugerida por Romero e Cunha26 como 'excelente' (5%), em sua escala de classificação da qualidade do registro.

A avaliação da Rede Interagencial de Informações para a Saúde (Ripsa),11 quando da elaboração dos indicadores e dados básicos para a saúde no Brasil (IDB), considerou o nível de cobertura do Sinasc do estado de Mato Grosso do Sul igual ou superior a 90%. Ou seja, os dados do sistema são passíveis de utilização e cálculo direto, sem a necessidade de qualquer estimativa por técnicas demográficas especiais.

Mediante a boa qualidade dos dados utilizados, as limitações do presente estudo referiram-se ao desenho de estudo adotado e à utilização da técnica estatística da correlação. A análise ecológica, por utilizar medidas agrupadas, introduz importante fonte de incerteza na inferência ecológica: a agregação dos dados implica uma perda de informação, dada a impossibilidade de associação entre exposição e doença no nível individual.27 A correlação, por sua vez, apenas testa se duas variáveis numéricas são direta ou inversamente proporcionais, o que matematicamente, por si só, não estabelece relações de interferência entre as variáveis.28

Por ter sido utilizada em um estudo ecológico, cujas limitações foram citadas no parágrafo anterior, essa correlação e seus resultados mostraram tendências. A direção apontada por essas tendências é similar à verificada em estudos individuais: maior prevalência de gravidez na adolescência associada com piora da condição socioeconômica, o que fortalece os resultados aqui apresentados.

Ao revelar menor ocorrência de gravidez na adolescência em regiões com melhor desenvolvimento socioeconômico e nível de escolaridade, este estudo evidencia a importância de reforçar as ações voltadas à prevenção da gravidez na adolescência naquelas regiões menos desenvolvidas do estado. Evidencia-se, também, a importância do desenvolvimento econômico para a redução da gravidez na adolescência, evento que, potencialmente, traz importantes consequências adversas para as adolescentes e seus filhos, suas famílias e a sociedade geral. Ademais, ao descrever a distribuição das mães adolescentes nas microrregiões, o estudo reforça a possibilidade de utilização do Sinasc como um sistema de informações útil ao direcionamento de ações com o objetivo de melhorar a saúde das mães e de seus recém-nascidos.

A abordagem efetiva da questão da gravidez na adolescência e seus efeitos para a saúde materna e do recém-nascido dever-se-á pautar em políticas de saúde reprodutiva e programas que promovam maior adesão às consultas de pré-natal, atenção especializada e multidisciplinar durante a gestação e o puerpério. Ações desse tipo proporcionarão uma diminuição dos riscos inerentes a esse grupo de mães e seus bebês.

 

Contribuição dos autores

Martins PCR e Pontes ERJC foram responsáveis pelo delineamento do estudo, análises estatísticas, interpretação dos dados e redação do artigo.

Paranhos Filho AC e Ribeiro AA confeccionaram os mapas temáticos e contribuíram na interpretação dos dados.

Todos os autores participaram da revisão final do manuscrito e são responsáveis por todos os aspectos do relato, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Paulo Cezar Rodrigues Martins
- Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
Rua Barão do Rio Branco, no 1431,
Centro, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil.
CEP: 79002-174
E-mail: pcrmpaulo@gmail.com

Recebido em 15/06/2013
Aprovado em 27/11/2013

 

 

*Artigo elaborado a partir da dissertação de Mestrado apresentada pelo autor principal e aprovada junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no ano de 2011.