Servicios Personalizados
Revista
Articulo
Indicadores
- Citado por SciELO
Links relacionados
- Similares en SciELO
Compartir
Epidemiologia e Serviços de Saúde
versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.1 Brasília mar. 2014
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000100010
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação da assistência pré-natal em unidades selecionadas de Saúde da Família de município do Centro-Oeste brasileiro, 2008-2009*
Evaluation of antenatal care in selected Family Health Centres in a Midwest Brazilian municipality, 2008-2009
Ingrid Botelho Saldanha HandellI; Marly Marques da CruzII; Marina Atanaka dos SantosIII
ISuperintendência de Política de Saúde, Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso, Cuiabá-MT, Brasil
IIEscola Nacional de Saúde Pública, Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIIInstituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá-MT, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: avaliar a implementação da assistência pré-natal em unidades de Saúde da Família (SF) no município de Cuiabá-MT, Brasil.
MÉTODOS: estudo de avaliação normativa, com estratégia de pesquisa de estudo de caso realizado em duas unidades de SF - caso I e caso II -; adotou-se a dimensão de conformidade do pré-natal ao Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN); utilizaram-se parâmetros para classificação do grau de implementação - implementado (≥80%), parcialmente implementado (40 a 79,9%) e implementação crítica (<40%).
RESULTADOS: participaram do estudo 69 gestantes; 19/30 (caso I) e 17/39 (caso II) tiveram seis ou mais consultas de pré-natal; 27/30 (caso I) e 10/39 (caso II) tiveram VDRL realizado na 1a consulta; os casos I e II apresentaram, respectivamente, 67,9% e 64,3% de implementação no elemento 'insumo', e 69,7% e 70,0% no elemento 'atividade'.
CONCLUSÃO: a assistência pré-natal apresentou implementação parcial nos dois casos, sinalizando necessidade de melhorar sua qualidade.
Palavras-chave: Cuidado Pré-Natal; Atenção Primária à Saúde; Avaliação em Saúde.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to evaluate antenatal care implementation in Family Health (FH) facilities in Cuiabá/MT.
METHODS: normative evaluation study using two FH centres as case studies (Case I and Case II). The extent of antenatal compliance was evaluated according to Antenatal and Birth Humanization Program standards. Degree of implementation was classified using the following parameters: Implemented: ≥80%; Partially implemented: 40%-79.9%; Implementation Critical: <40%. Differences between cases were checked using Fisher's exact test.
RESULTS: 69 pregnant women were recruited. 19/30 (Case I) and 17/39 (Case II) had six or more antenatal consultations. 27/30 (Case I) and 10/39 (Case II) had VDRL screening at the 1st consultation. Case I had 67.9% 'input' implementation and 69.7% 'activity' implementation. Case II had 64.3% and 70%, respectively.
CONCLUSION: antenatal care was partially implemented in both cases, indicating the need to adopt measures to improve its quality.
Key words: Prenatal Care, Primary Health Care, Health Evaluation.
Introdução
A saúde materna é um tema de grande relevância nacional e internacional no campo da Saúde Pública, dos direitos sexuais e reprodutivos.1,2 No Brasil, durante a década de 1980, o Ministério da Saúde implantou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), voltado aos principais problemas de morbidade e mortalidade nessa população. Suas diretrizes previam a capacitação dos serviços de saúde para atender necessidades específicas da mulher, além da humanização da assistência durante todas as fases da vida.3
Diante dos questionamentos relacionados à qualidade da assistência prestada e o impacto na mortalidade materna,4 no ano 2000, o Ministério da Saúde lançou o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN), propondo a humanização como estratégia para a melhoria da qualidade da atenção a saúde materna. Suas principais ações visavam a redução da mortalidade materna, assegurando o direito da gestante de acesso a um atendimento digno e de qualidade na gestação, no parto e no puerpério.4 Contudo, se desde o final da década de 1990, o Brasil vem apresentando aumento da cobertura da assistência pré-natal e do número de consultas por gestantes, persiste um elevado número de mortes de mulheres e crianças por complicações da gravidez e do parto.5
Na cidade do Rio Grande-RS, em 2007, apenas 26,8% dos pré-natais foram classificados como adequados, segundo os parâmetros fixados pelo PHPN.6 Outro ponto considerado como um desafio para a melhoria da qualidade do pré-natal no Brasil consiste na realização de exames, medida importante na assistência às mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal.7
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a razão de mortalidade materna aceitável é de até 20 óbitos por 100 mil nascidos vivos (NV).8 No Brasil, a mortalidade materna apresentou queda, entre os anos de 2006 e 2010: a razão de 2006 foi de 77,2/100 mil NV; e a de 2010, 68,2/100 mil NV.9 No município de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, a razão de mortalidade materna também apresentou tendência de queda, de 116,41/100 mil NV (2006) para 80,40/100 mil NV (2011).10 Esses valores foram superiores ao indicador nacional e muito acima do aceitável segundo a OMS, que preconiza até 20/100 mil NV.8 As causas de mortes maternas predominantes foram as obstétricas diretas, com destaque para as doenças hipertensivas e as síndromes hemorrágicas.9,10 Dessa forma, no Brasil, uma década após a criação do PHPN, questiona-se sobre o que ainda deve ser feito para promover uma maior redução da mortalidade materna, visando atingir o valor máximo aceitável pela OMS, ainda que observada cobertura adequada do pré-natal.11,12
O presente estudo teve por objetivo avaliar a implementação da assistência pré-natal oferecida às gestantes atendidas, durante os anos de 2008 e 2009, em duas unidades de Saúde da Família do município de Cuiabá, Mato Grosso, segundo sua conformidade com as normas preconizadas pelo Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, do Ministério da Saúde.
Métodos
Foi realizado um estudo de avaliação normativa, tendo como estratégia de pesquisa o estudo de caso descritivo. O estudo de caso é uma estratégia na qual o pesquisador decide trabalhar com uma quantidade pequena de unidades de análise, concentrando a potência explicativa na profundidade da análise do caso.13 Dessa forma, as evidências de um estudo de caso podem vir de múltiplas fontes de dados, reforçando a validade de construção de um caso.14
O município de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, possui um território de 3.538 km e em 2010, apresentava-se organizado em quatro regiões administrativas: Norte, Sul, Leste e Oeste. Segundo estimativa da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população residente no município era de 550.562 habitantes no ano de 2009.15 No mesmo ano, a Estratégia Saúde da Família apresentava uma cobertura de 42,20% da população municipal, sustentada em 63 unidades, 60 delas urbanas e 3 rurais.16
O estudo abordou unidades selecionadas de Saúde da Família, nos anos de 2008 e 2009. Para a seleção dessas unidades de saúde, realizou-se uma reunião entre a responsável pela pesquisa e representantes da área técnica da Saúde da Mulher, da Secretaria Municipal de Saúde, que forneceram informações-chave para a definição das unidades.
Como critério de inclusão de uma unidade no estudo, foi considerado o tempo transcorrido desde sua implantação. E como critério de exclusão, foram desconsideradas pelo estudo as unidades não cadastradas e/ou não credenciadas como de Saúde da Família. Isto posto, decidiu-se avaliar duas unidades: o caso I, justamente a unidade de Saúde da Família com mais tempo de existência e funcionamento (10 anos); e o caso II, correspondente à unidade de implantação mais recente (2 anos).
O caso I localizava-se no Bairro Jardim Vitória e contava, em 2009, com uma população residente de 3.848 habitantes15 e uma equipe de nove profissionais registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES): uma enfermeira; um auxiliar de enfermagem; um técnico de enfermagem; e seis agentes comunitários de saúde. No momento da pesquisa, a equipe não contava com um profissional médico.
O caso II, por sua vez, estava localizado no Bairro Pedra 90 e contava, em 2009, com uma população de 4.211 habitantes15 e uma equipe de dez profissionais registrados no CNES, atuantes no momento da pesquisa: um médico; uma enfermeira; um técnico de enfermagem; e sete agentes comunitários de saúde.
O trabalho de campo desenvolveu-se entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010. Fizeram parte do estudo 69 gestantes residentes em Cuiabá-MT e usuárias das duas unidades de Saúde da Família avaliadas.
Para a seleção dos prontuários dessas gestantes, procedimento encarregado ao responsável pela unidade, promoveu-se a separação de todos os prontuários de gestantes atendidas que se encontravam no terceiro trimestre de gestação ou com o atendimento pré-natal finalizado no intervalo de tempo entre 2008 e 2009. Assim, foram disponibilizados aos pesquisadores 30 prontuários do caso I e 39 do caso II.
Para a análise dos serviços objeto desta pesquisa, selecionou-se a dimensão de conformidade do atendimento pré-natal às normas e recomendações do PHPN, no âmbito da Atenção Básica, priorizando-se, nesta análise, os elementos 'insumo' e 'atividade'. Definida a dimensão de conformidade, foram adotadas as seguintes subdimensões de disponibilidade, oportunidade, qualidade técnico-científica e adequação:17
a) disponibilidade - a relação entre os serviços e recursos existentes e a necessidade dos usuários, ou seja, a oferta de exames fundamentais -;17
b) oportunidade - a existência dos recursos no lugar e no momento em que são requeridos e necessários no atendimento aos usuários -;17
c) qualidade técnico-científica - a atenção à saúde enquanto aplicação apropriada do conhecimento médico disponível, no cuidado com o paciente -;18 e
d) adequação - a relação entre a forma como os serviços de saúde se organizam para receber o usuário e como o usuário deve-se adaptar a essa organização.18
Estas subdimensões da conformidade representam pontos fundamentais para o pré-natal, pois abrangem a disponibilidade de exames e ações de prevenção, promovendo interface da usuária com o serviço.
Desenvolveu-se um modelo lógico, adaptado daquele proposto por Hartz,19 priorizando-se os aspectos relacionados com a assistência pré-natal, prestada pelas unidades de Saúde da Família selecionadas, e sua conformidade com o padrão das normas e recomendações do PHPN (Figura 1).
O parâmetro para classificação do grau de implementação foi definido por meio de tercil, baseado nos pontos de corte sugeridos por Cosendey:20 implementado - 80% ou mais -; parcialmente implementado - 40 a 79,9% -; e implementação crítica - menos de 40%.
Utilizou-se como fonte de dados um questionário aplicado a diversos atores, a análise de prontuários e dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Optou-se pela convergência de dados e a triangulação de métodos. Esta triangulação consistiu na combinação e no cruzamento de múltiplos pontos de vista, de vários informantes, e nas informações obtidas de diferentes fontes, conforme Minayo e colaboradores.21 As técnicas utilizadas compreenderam o levantamento de dados primários (questionários semiestruturados) e dados secundários (extraídos de sistemas de informações e de documentos impressos como, no caso deste estudo, o prontuário de pré-natal).
Com relação aos dados primários, procedeu-se a elaboração do questionário semiestruturado, único, aplicado ao profissional responsável pela direção da Atenção Básica do município, ao responsável pela unidade de Saúde da Família e aos profissionais da unidade (médico, auxiliar administrativo, técnico de enfermagem e agente comunitário de saúde), abarcando questões sobre disponibilidade de insumos, número de consultas de pré-natal realizadas, captação de gestantes e oferta, por esses profissionais, de atividades educativas em grupo.
Para a análise de prontuários, o roteiro incluiu questões sobre o processo assistencial oferecido às gestantes no pré-natal e dados sociodemográficos. No âmbito do elemento 'insumo', foram verificadas as seguintes variáveis: capacitação de profissionais no atendimento ao pré-natal e disponibilidade do protocolo do PHPN para consulta na unidade; adequação da área física; e disponibilidade de recursos para atividades educativas. Sobre o elemento 'atividade', verificou-se os seguintes registros no prontuário, sobre a gestante: nome; endereço; idade; situação conjugal; escolaridade; peso; aferição da pressão arterial; batimento cardíaco fetal; altura uterina; captação precoce; mais de 6 consultas realizadas; imunização; registro dos exames VDRL (Veneral Disease Research Laboratory), anti-HIV (vírus da imunodeficiência humana) e de EAS (elementos anormais do sedimento - exame de urina), glicemia de jejum, tipagem sanguínea e fator RH; e registro de exame preventivo de câncer.
Os resultados, coletados em formulários específicos, foram codificados e digitados em um banco de dados, reunidos e contabilizados em planilha e exportados para análise pelo Minitab Statistical Software (MINITAB), versão 15.
A análise dos dados foi realizada sob duas perspectivas: (i) análise dos dados obtidos dos prontuários das gestantes; e (ii) análise dos dados obtidos dos questionários respondidos pelos profissionais, segundo as subdimensões de disponibilidade, oportunidade, qualidade técnico-científica e adequação. Realizou-se análise estatística de teste de distribuição normal para duas proporções e o teste exato de Fisher, com nível de significância de 0,05, para dois critérios.
Foi solicitada às participantes a assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual constavam os objetivos da pesquisa, informação sobre a garantia da não divulgação dos nomes das participantes e a confidencialidade das informações por elas oferecidas, além de seu direito de recusa à participação. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz - CEP/ENSP/ Fiocruz -, conforme o Parecer no 141/09.
Resultados
A avaliação dos prontuários observou as características sociodemográficas e o processo de atendimento pré-natal. Entre os 69 prontuários avaliados, o nome e o endereço das gestantes estavam completos, e a amplitude de idade era de 14 a 40 anos: 12 (caso I) e 13 (caso II) eram adolescentes e 3 tinham 35 ou mais anos de idade. Em 24 prontuários do caso I e em 36 do caso II, não havia informação sobre situação conjugal. Em nenhum dos prontuários pesquisados havia registro sobre a renda. E quanto à escolaridade, 61 prontuários não apresentavam essa informação (Tabela 1).
Todos os prontuários continham informação sobre aferição de pressão arterial, peso, registro de batimento cardíaco fetal e altura uterina. Quanto ao início do pré-natal, 21 gestantes do caso I e 33 do caso II começaram a ser atendidas no 1o trimestre. Entre as gestantes do caso I, 19 realizaram 6 ou mais consultas de pré-natal, e 8 gestantes, entre 2 e 4 consultas. No caso II , 17 gestantes realizaram 6 ou mais consultas, e 19, entre 2 e 4 consultas (Tabela 1).
Em relação aos demais procedimentos preconizados pelo PHPN, no caso I, o exame de VDRL foi solicitado na primeira consulta, segundo 27 prontuários; já no caso II, essa solicitação consta de 10 prontuários. O VDRL foi solicitado na segunda consulta em 1 prontuário do caso I e em 3 do caso II. Houve solicitação de exame anti-HIV em 26 prontuários do caso I e em 10 do caso II. Em 1 prontuário do caso I e em 5 do caso II, havia registros de exame preventivo para câncer cérvico-uterino. Quanto ao esquema de vacinação antitetânica, foi observado o registro correspondente em 20 prontuários do caso I e em 36 do caso II. Encontrou-se registro de EAS em 16 prontuários do caso I e em 21 do caso II, de glicemia de jejum em 17 prontuários do caso I e em 14 do caso II, tipagem sanguínea e fator RH em 19 prontuários do caso I e em 12 do caso II.
Tanto o caso I como o caso II apresentavam estruturas físicas adequadas, com salas limpas e confortáveis e de fácil acesso às gestantes. O protocolo do PHPN não foi encontrado nas duas unidades, apesar de as responsáveis informarem que o conheciam e o adotavam. Não foi encontrado qualquer material educativo específico do pré-natal, como folders à disposição das gestantes e cartazes afixados nas salas de espera. Sobre a capacitação de profissionais para o atendimento pré-natal, esse procedimento foi confirmado por 9 profissionais do caso I e 10 do caso II.
No que concerne ao elemento 'insumo', a subdimensão de disponibilidade apresentou um grau de implementação parcial (55%) nos casos I e II. A subdimensão de qualidade técnico-científica apresentou-se implementada (100%) no caso I e parcialmente implementada (75%) no caso II. Já a subdimensão de adequação apresentou-se implementada nos casos I e II (Tabela 2).
Quanto ao elemento 'atividade', verificou-se que a subdimensão de oportunidade obteve um grau de implementação parcial (58,5% no caso I e 59% no caso II). A subdimensão de qualidade técnico-científica apresentou-se implementada (87,5% nos dois casos), como também mostrou-se implementada a adequação (100% nos dois casos) (Tabela 3).
Constatou-se diferença entre o caso I e o caso II no que tange à realização das ações de pré-natal registradas nos prontuários, consideradas por este estudo como pertencentes ao elemento 'atividade', subdimensão de oportunidade. O caso I, proporcionalmente, executou mais atividades previstas no PHPN que o caso II, especialmente para os testes VDRL na primeira consulta (p<0,001), anti-HIV (p<0,001), de tipagem sanguínea e de fator RH (p<0,005). O caso II realizou mais ações de imunização das gestantes (p<0,008).
Discussão
No presente estudo, ao se avaliar a qualidade do pré-natal em duas unidades de saúde do município de Cuiabá-MT, evidenciou-se que o pré-natal estava parcialmente implementado em ambas as unidades.
Foi verificada elevada proporção de gestantes adolescentes (25/69). Estudo realizado no município do Rio de Janeiro-RJ22 revelou maior probabilidade de óbito no primeiro ano de vida, à medida que diminuía a idade materna. Devido à maior ocorrência de efeitos adversos no primeiro ano de vida em filhos de adolescentes,6,23 fica evidente a necessidade, para todo o país, de programas educacionais nessa faixa etária: é por demais conhecida a falta de informação das adolescentes, expostas não somente a uma gestação como a doenças sexualmente transmissíveis.24
Não foi encontrada informação sobre escolaridade em 61 prontuários e nenhum registro sobre a renda foi apresentado. Pesquisas encontraram que a ausência dessas informações se relaciona, no seu conjunto ou isoladamente, com a baixa utilização da assistência pré-natal, contribuindo para o aumento da morbimortalidade materno-fetal.5,25
Com relação ao processo de atendimento no pré-natal, apesar de 54/69 gestantes (21 do caso I e 33 do caso II) terem iniciado as consultas no primeiro trimestre da gravidez, apenas 36 (19 do caso I e 17 do caso II) realizaram 6 ou mais consultas, sugerindo despreparo dos serviços de saúde avaliados para captar essas gestantes. A baixa cobertura também foi identificada em outros estudos nacionais.11,12 Um número maior de consultas pode significar mais oportunidade de receber cuidados preventivos e de promoção da saúde. Entretanto, a discussão mais importante reside na qualidade dessas consultas e desses contatos com os serviços de saúde.11
Em relação aos demais procedimentos preconizados pelo PHPN, apesar de haver registro de aferição da pressão arterial e peso das gestantes, batimento cardíaco fetal e altura uterina em todos os prontuários avaliados, o registro de vários exames - como VDRL, anti-HIV, preventivo de câncer, glicemia de jejum, EAS, entre outros - foi muito baixo, semelhantemente ao verificado em outra pesquisa.23 Um dos pontos críticos para assegurar a qualidade da assistência pré-natal é a realização de exames complementares,5 cuja ausência de registro foi observada em elevado número de prontuários. É possível que essa ausência se deva à não solicitação dos exames pelos profissionais, dificuldades para a realização ou obtenção dos resultados, ou ainda, ao fato de os exames não terem sido registrados nos prontuários, simplesmente, o que representa séria omissão por parte dos profissionais das unidades avaliadas.5
A ausência do registro no prontuário - de 50,51% no caso I e de 72,3% no caso II - foi considerada como não realização do procedimento e consequente inadequação do cuidado pré-natal, critério já adotado em outros estudos de avaliação.5 Ademais, a ausência de registro em prontuários pode dificultar a tomada de decisão pelo profissional quando ocorre algum problema com a gestante, comprometendo a qualidade da assistência prestada.
A estrutura física das unidades avaliadas foi considerada adequada para o atendimento pré-natal. Contudo, nas duas unidades em questão, não foi encontrado o protocolo do Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento - PHPN -, tampouco os recursos visuais previstos - folders e cartazes -, elementos que pressupõem baixo custo tecnológico. O protocolo do PHPN é de grande importância para a qualidade do pré-natal, tanto nas atividades dos profissionais envolvidos, no diagnóstico e na terapêutica, quanto nas atividades das gestantes que procuram pelos tratamentos disponibilizados.26
Outro fator importante na assistência pré-natal é a capacitação periódica dos profissionais para acolher e solucionar as dúvidas da gestante e sua preocupação com a possibilidade de gerar um recém-nascido saudável, e assim diminuir sua ansiedade e insegurança durante o período de gestação até o parto.11
O não acatamento das normas e rotinas do PHPN, principalmente no registro inadequado das consultas, tem sido apontado como um dos obstáculos para o aperfeiçoamento da qualidade da assistência no pré-natal.5 Recursos visuais, como cartazes e folders sobre assistência pré-natal, DST/aids, gravidez na adolescência e outros temas relacionados à saúde da mulher, disponíveis para observação e consulta na sala de espera e nos consultórios, fazem parte das atividades educativas recomendadas para a assistência pré-natal.
A partir dos registros nos prontuários, em termos comparativos, o caso I foi melhor avaliado - de maneira significativa - quanto à oportunidade nas seguintes variáveis: registro de VDRL (p<0,001); testagem anti-HIV (p<0,001); tipagem sanguínea; e exame do fator RH (0,005). O caso II foi melhor avaliado nas seguintes variáveis: imunização das gestantes (0,008); e captação precoce das gestantes (0,151).
Apesar de questões relacionadas à quantidade e qualidade dos registros - e reiterando o que já foi dito neste relato -, aceitou-se como ações realizadas aquelas que se encontravam registradas nos prontuários, e como ações não realizadas, aquelas para as quais não havia esse registro nos prontuários.
O grau de implementação relacionado à conformidade da assistência pré-natal às normas do PHPN nas subdimensões de adequação, disponibilidade e oportunidade dos elementos 'insumo' e 'atividade' e na subdimensão de qualidade técnico-científica do elemento 'atividade', foi semelhante entre os casos I e II. Contudo, para o grau de implementação do elemento 'insumo' da subdimensão de qualidade técnico-científica, houve sim diferença entre o caso I e o caso II.
Nas ações de pré-natal, verificou-se que, principalmente nos exames básicos, a unidade com maior tempo de implementação (caso I) realizou mais atividades. A unidade com menor tempo de implantação (caso II) apresentou melhores indicadores de captação precoce da gestante e de imunização. Já a disponibilidade e oportunidade da assistência pré-natal conforme o padrão PHPN foi considerada parcialmente implantada, com grau de implementação semelhante entre as duas unidades.
Considerando-se as subdimensões de oportunidade, disponibilidade e qualidade técnico-científica dos elementos 'insumo' e 'atividade' da assistência pré-natal, segundo as normas do PHPN, para a efetiva implementação desses serviços em conformidade com o programa, as unidades necessitam ajustes internos de acordo com critérios e indicadores característicos, bem como do contexto organizacional e externo.
Os resultados encontrados não podem ser generalizados para a população de gestantes da cidade de Cuiabá-MT. Porém, a análise dos dados permite questionamentos e discussões sobre a assistência prestada, a gestão dos serviços de Atenção Básica e a situação da própria Estratégia Saúde da Família no município.
Entre as limitações metodológicas do estudo, além do pequeno tamanho da amostra, pode-se mencionar a qualidade da informação nos prontuários avaliados, nos quais, para algumas variáveis, identificou-se uma proporção relevante de ausência de registro, dificultando o entendimento quanto à não realização do procedimento ou à ausência do respectivo registro.
Os resultados sugerem que a assistência pré-natal nas unidades de Saúde da Família selecionadas no município de Cuiabá-MT, em seus componentes essenciais preconizados pelo PHPN, apresentou falhas que resultaram na avaliação de uma implementação parcial dessa assistência, sinalizando a necessidade de adoção de medidas com o objetivo de melhorar a qualidade da atenção a ser prestada, além de evidenciar a importância da realização de avaliações periódicas da assistência pré-natal na Atenção Básica do Sistema Único de Saúde - SUS.
Contribuição dos autores
Handell IBS foi a responsável pela coleta dos dados.
Handell IBS, Cruz MM e Santos MA participaram do delineamento do estudo.
Todas as autoras foram responsáveis pela análise das informações, redação inicial e revisão do artigo, responsabilizando-se por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.
Referências
1. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Síntese das diretrizes para a política de atenção integral à saúde da mulher. Brasília: Ministério da Saúde; 2003.
2. Cecatti JG. Saúde da mulher: enfoque da evidência científica para a prevenção da morbidade e mortalidade materna. Rev Bras Saude Matern Infant. 2005 jan-mar;5(1):9-11.
3. Osis MJMD. Paism: um marco na abordagem da saúde reprodutiva no Brasil. Cad Saude Publica. 1998;14(Supl. 1):25-32.
4. Almeida CAL, Tanaka OY. Perspectiva das mulheres na avaliação do Programa de Humanização do Pré-Natal e Nascimento. Rev Saude Publica. 2009 fev;43(1): 98-104.
5. Domingues RMSM, Hartz ZMA, Dias MABD, Leal MC. Avaliação da adequação da assistência pré-natal na rede SUS do Município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2012 mar;28(3):425-37.
6. Gonçalves CV, Cesar JA, Mendoza-Sassi RA. Qualidade e eqüidade na assistência à gestante: um estudo de base populacional no Sul do Brasil. Cad Saude Publica. 2009 nov;25(11):2507-16.
7. Parada CMGL. Avaliação da assistência pré-natal e puerperal desenvolvidas em região do interior do estado de São Paulo em 2005. Rev Bras Saude Matern Infant. 2008 jan-mar;8(1):113-24.
8. World Health Organization. Trends in maternal mortality: 1990 to 2008. Estimates developed by WHO, UNICEF, UNFPA and The World Bank. Switzerland: World Health Organization; 2010.
9. Ministério da Saúde (MS). Departamento de Informática do SUS [Internet]. [citado 2013 set 4]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2011/C03b.htm
10. Mato Grosso. Secretaria de Estado de Saúde. Sistemas [Internet]. [citado 2013 set 4]. Disponível em: http://www.saude.mt.gov.br/aplicativo/indicadores
11. Andreucci CB, Cecatti JG. Desempenho de indicadores de processo do Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento no Brasil: uma revisão sistemática. Cad Saude Publica. 2011 jun;27(6):1053-64.
12. Serruya SJ, Cecatti JG, Lago TG. O Programa de Humanização do Pré-natal e Nascimento do Ministério da Saúde no Brasil: resultados iniciais. Cad Saude Publica. 2004 set-out;20(5):1281-9.
13. Champagne F, Brousselle A, Hartz Z, Contandriopoulos A-P, Denis JL. A análise da implantação. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2011. Avaliação: conceitos e métodos. p. 217-38.
14. Yin RK. Estudo de caso, planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman; 2005.
15. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2009: indicadores e dados básicos/Brasil [Internet]. [citado 2010 mar 10]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br
16. Mato Grosso. Secretaria de Estado de Saúde. Desenvolvido pela Coordenadoria de Tecnologia de Informação da SES/MT [Internet]. [citado 2010 ago 20]. Disponível em: http://www.ses.mt.gov.br/aplicativo/fundoafundo
17. Penchansky DBA, Thomas JW. The concept of access: definition and relationship to consumer satisfaction. Med Care. 1981 Feb;19(2):127-40.
18. Vuori H. A qualidade da saúde. Rev Divulg Saude Debate. 1991 fev;3:17-24.
19. Hartz ZMA. Avaliação dos programas de saúde: perspectivas teórico metodológicas e políticas institucionais. Cienc Saude Coletiva. 1999;4(2):341-53.
20. Cosendey MAE, Hartz ZMA, Bermudez JAZ. Validation of a tool for assessing the quality of pharmaceutical services. Cad Saude Publica. 2003 Mar-Apr;19(2):395-406.
21. Minayo MCS, Assis SG, Souza ER. Métodos, técnicas e relações em triangulação. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2005. Avaliação por triangulação de métodos: abordagens de Programas Sociais. p. 71-103.
22. Oliveira EFV, Gama SGN, Silva CMFP. Gravidez na adolescência e outros fatores de risco para mortalidade fetal e infantil no Município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saude Publica. 2010 mar;26(3):567-78.
23. Araujo MAL, Silva DMA, Silva RM, Goncalvez MLC. Análise da qualidade dos registros nos prontuários de gestantes com exame de VDRL reagente. Rev APS. 2008 jan-mar;11(1):4-9.
24. Dias ACG, Teixeira MAP. Gravidez na adolescência: um olhar sobre um fenômeno complexo. Paideia. 2010 jan-abr;20(45):123-31.
25. Pinto LF, Malafaia MF, Borges JA, Baccaro A, Soranz DR. Perfil social das gestantes em unidade de saúde da família do município de Teresópolis. Cienc Saude Coletiva. 2005 jan-mar;10(1):205-13.
26. Rodrigues EM, Nascimento RG, Araújo A. Protocolo na assistência pré-natal: ações, facilidades e dificuldades dos enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família. Rev Esc Enferm USP. 2011 out;45(5):1041-7.
Endereço para correspondência:
Ingrid Botelho Saldanha Handell
- Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso,
Superintendência de Política de Saúde,
Centro Político Administrativo,
Palácio Paiaguás, Bloco D, Cuiabá-MT, Brasil.
CEP: 78049-902
E-mail: ingridhandell@gmail.com
Recebido em 27/07/2013
Aprovado em 11/01/2014
*Artigo elaborado a partir da dissertação de Mestrado Profissional em Vigilância em Saúde de Ingrid Botelho Saldanha Handell apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - ENSP/Fiocruz - em Brasília-DF, no ano de 2010.