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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.1 Brasília mar. 2014
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000100011
ARTIGO ORIGINAL
Fatores associados a não adesão ao Papanicolau entre mulheres atendidas pela Estratégia Saúde da Família em Feira de Santana, Bahia, 2010*
Non-adherence to pap smear and associated factors among women aided by the Family Health Strategy in Feira de Santana - Bahia, Brazil, 2010
Magna Santos AndradeI; Maura Maria Guimarães de AlmeidaII; Tânia Maria de AraújoII; Kionna Oliveira Bernardes SantosII
IDepartamento de Educação, Universidade do Estado da Bahia, Senhor do Bonfim-BA, Brasil
IIDepartamento de Saúde, Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana-BA, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: analisar fatores associados a não adesão ao Papanicolau em mulheres de 25 a 59 anos de idade atendidas pela Estratégia Saúde da Família em Feira de Santana, Bahia, Brasil, em 2010.
MÉTODOS: foi realizado estudo transversal; a amostragem foi aleatória, por conglomerados, com 230 mulheres entrevistadas; foi desenvolvida análise descritiva por estrato de interesse, estimada prevalência de não adesão e as razões de prevalência.
RESULTADOS: 12,6% das mulheres entrevistadas não realizaram o Papanicolau nos últimos três anos ou nunca fizeram o exame; a não adesão ao Papanicolau foi significativamente superior entre mulheres que nunca frequentaram escola, com quatro ou mais filhos, história de quatro ou mais partos, que não usavam método contraceptivo e tinham conhecimento inadequado sobre o exame.
CONCLUSÃO: houve elevada cobertura de realização do Papanicolau; entretanto, mulheres com fatores de risco para o desenvolvimento da neoplasia cérvico-uterina, como pouca escolaridade e multiparidade, apresentaram cobertura abaixo do esperado.
Palavras-chave: Esfregaço Vaginal; Prevenção Secundária; Saúde da Mulher; Saúde Pública.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to analyse factors associated with Pap smear non-adherence among women aged 25-59 living in areas covered by the Family Health Strategy in Feira de Santana-BA, Brazil, 2010.
METHODS: cross sectional study using random conglomerate sampling, 230 women were interviewed. Descriptive analysis was conducted by stratum of interest. Non-adherence prevalence and prevalence rate and prevalence rate ratios were estimated.
RESULTS: 12.6% of women had not had a Pap smear in the last three years or had never had this examination. Non-adherence was significantly associated to women who had never gone to school, had four or more children, four or more childbirths, did not use contraception and had inadequate knowledge about the examination.
CONCLUSION: we found a high proportion of adherence to Pap smears. However, coverage for women with risk factors for developing cervical cancer, such as low education and multiple childbirths, was below expected.
Key words: Vaginal Smears; Secondary Prevention; Women's Health; Public Health.
Introdução
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA) em 2011, o câncer de colo de útero era a terceira neoplasia maligna mais frequente entre as mulheres no Brasil e em países em desenvolvimento, apresentando menor prevalência apenas quando comparado ao câncer de pele e ao câncer de mama. Em todo o mundo, a cada ano, aproximadamente 520 mil casos novos e 270 mil óbitos devem-se à neoplasia cérvico-uterina. No Brasil, são cerca de 18 mil novos casos por ano.1
Em algumas regiões brasileiras, o câncer de colo de útero foi o segundo tipo de neoplasia maligna mais frequente na população feminina. Na região Norte, por exemplo, a incidência atingiu 22,8 casos por 100 mil mulheres em 2011, enquanto o mesmo indicador para câncer de mama foi de 16,6 casos por 100 mil mulheres, no mesmo ano.2
Além da morbidade e da mortalidade relacionadas ao câncer cérvico-uterino, ele também acarreta prejuízos socioeconômicos para a sociedade: elevados custos do tratamento, redução da população economicamente ativa e consequências psicológicas e sociais para as famílias das mulheres acometidas pela doença.3,4
Diversos são os fatores associados ao desenvolvimento da doença, como precocidade do início da atividade sexual, múltiplos parceiros sexuais, tabagismo, baixa condição socioeconômica, multiparidade, entre outros. Um importante fator de risco para o desenvolvimento dessa patologia é a infecção pelo papilomavírus humano (HPV), microrganismo associado à maior parte dos casos de lesão precursora do câncer de colo de útero. Essa lesão pode ser identificada precocemente, a partir da realização do exame Papanicolau.5
O Ministério da Saúde preconiza a realização do Papanicolau em mulheres que já iniciaram a atividade sexual, principalmente aquelas na faixa etária de 25 a 59 anos. São recomendados dois exames, a serem realizados em anos consecutivos, e caso ambos apresentem resultados negativos, o procedimento deverá ser repetido a cada três anos.6
A implantação do Programa de Saúde da Família em 1994, renomeado Estratégia Saúde da Família (ESF) desde 1996, foi o principal mecanismo para a ampliação da oferta do Papanicolau em todo o território nacional.7,8
As altas taxas de câncer de colo de útero ainda representam um desafio para a Saúde Pública. As medidas adotadas até o momento, como a oferta do Papanicolau gratuitamente nas unidades de Saúde da Família, ainda não foram suficientes para reduzir, de forma expressiva, a morbimortalidade por essa doença entre a população feminina brasileira.9
O desenvolvimento de estudos que busquem, além de dimensionar os índices de cobertura do exame Papanicolau, identificar os fatores associados à realização do exame preventivo - como características sociodemográficas, culturais, reprodutivas e de acesso aos serviços de saúde -,9-12 são importantes para subsidiar intervenções qualificadas e efetivas, capazes de impactar na incidência do câncer de colo de útero em subgrupos vulneráveis.
O presente estudo teve por objetivo analisar os fatores associados à não adesão ao exame de Papanicolau em mulheres com idade de 25 a 59 anos, residentes nas áreas de abrangência da Estratégia Saúde da Família no município de Feira de Santana, estado da Bahia, no ano de 2010.
Métodos
Trata-se de um estudo epidemiológico de corte transversal, sobre população constituída de famílias residentes nas áreas de atuação das equipes de Saúde da Família (zona urbana) de Feira de Santana-BA, município com população de 591.707 habitantes e cobertura de 47,8% pela Estratégia Saúde da Família.13
Para a obtenção da amostra, foi utilizado o método de amostragem aleatória por conglomerados em um único estágio. Foram consideradas como conglomerados as 71.737 famílias da zona urbana, atendidas pelas equipes de Saúde Família.14
A opção pela utilização da família como conglomerado para a amostragem deve-se à inexistência de uma listagem com dados de todas as 57.524 mulheres entre 25 e 59 anos atendidas pelas equipes de Saúde da Família da zona urbana do município. Entretanto, cada núcleo familiar cadastrado na ESF possuía uma numeração específica no Sistema de Informação da Atenção Básica (Siab). A média considerada de mulheres na faixa etária-alvo do estudo por família foi de 1:1 (1 mulher de 25 a 59 anos por família), o que reduz o efeito decorrente da tendência de similaridade de informações de mulheres de uma mesma residência - fato que poderia ocorrer, provavelmente, pela razão de essas mulheres estarem expostas às mesmas condições de vida.
Para o cálculo do tamanho da amostra, considerou-se a prevalência de não adesão ao Papanicolau nos últimos três anos: 18,0%.10,15,16 A amostra foi estimada em 227 famílias, quantitativo acrescido de 20% (273) para compensar possíveis perdas. O calculo foi realizado com base no número de famílias cadastradas na zona urbana.
Para a realização da amostragem aleatória por conglomerados, foram desenvolvidas as seguintes etapas:
1) identificação das famílias pela numeração no Siab;
2) reunião dos conglomerados em banco de dados, para sorteio aleatório e constituição da amostra;
3) sorteio casual simples das famílias para o estudo até alcançar as 273 famílias constituintes da amostra; para esta etapa, foi utilizado o software livre R Foundation for Statistical Computing versão 2.2.1; e
4) identificação das mulheres entre 25 e 59 anos residentes nos domicílios, a partir do registro na Ficha A.
Devido a problemas de identificação das famílias no Siab, um novo sorteio foi realizado durante o estudo, selecionando-se, por procedimento aleatório, mais 180 famílias para compor a amostra. Portanto, 453 famílias foram selecionadas para inclusão no estudo.
Como critérios de inclusão das mulheres no estudo, foram consideradas: mulheres residentes na zona urbana do município, em áreas cobertas pela Estratégia Saúde da Família, pertencentes à faixa etária de 25 a 59 anos de idade, que haviam iniciado atividade sexual, sem histerectomia (total ou parcial), e que aceitaram participar da pesquisa.
Mediante o preenchimento de formulário estruturado em nove blocos temáticos, desenvolvido especialmente para a realização deste estudo, foram obtidas informações sobre características sociodemográficas e do trabalho, antecedentes ginecológicos e sexualidade, conhecimento sobre o preventivo, adesão ao Papanicolau, serviço de saúde do bairro, antecedentes obstétricos, antecedentes pessoais e antecedentes familiares. O formulário, previamente testado em estudo-piloto (pré-teste), passou por reformulações para a padronização do instrumento.
As entrevistas foram realizadas entre os meses de maio e outubro de 2010, por estudantes da área de saúde que receberam treinamento para coleta de dados. O instrumento foi aplicado durante visitas domiciliares, precedido da leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram realizadas até três visitas, nas situações em que a mulher não se encontrava no domicílio.
A variável dependente estudada foi a não adesão ao exame Papanicolau. Para a definição da não adesão ao exame, foram consideradas as respostas positivas para uma ou ambas as seguintes situações: 1) a mulher referiu nunca ter realizado o exame; 2) referiu não ter feito o exame nos últimos três anos. O recorte de realização do exame nos últimos três anos considerou a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Quanto aos aspectos sociodemográficos, as variáveis independentes estudadas foram: idade (25 a 39; 40 a 59 anos); raça/cor da pele autorreferida (não preta/parda; preta/parda); escolaridade (nunca frequentou a escola; ensino fundamental I; ensino fundamental II; ensino médio/ensino superior); situação conjugal (casada/união estável; solteira; separada/divorciada/desquitada/viúva); renda familiar (menor ou igual a 1 salário mínimo; maior ou igual a dois salários mínimos); e possuir alguma atividade remunerada (sim; não).
Em relação aos antecedentes ginecológicos, obstétricos e de sexualidade, as variáveis independentes foram: idade na primeira relação sexual (menos de 20 anos; 20 anos ou mais); número de parceiros nos últimos três meses (nenhum; um ou mais); uso de método contraceptivo (sim; não); uso de preservativo (sim; não); história de DST (sim; não); ter filhos (sim; não); número de filhos (menos de quatro; quatro ou mais); número de partos (menor ou igual a três; quatro ou mais); e abortamento (sim; não).
Para estudar a variável independente - conhecimento sobre o Papanicolau -, utilizou-se um indicador composto, formado pelas seguintes categorias: conhecimento adequado sobre o Papanicolau (quando a entrevistada já tinha ouvido falar sobre o exame preventivo e sabia que sua finalidade era detectar o câncer em geral, ou mais especificamente, o câncercérvico-uterino); e conhecimento inadequado (definido quando a mulher nunca tinha ouvido falar sobre o Papanicolau ou já tinha ouvido falar, mas não sabia que era utilizado para detectar câncer). Tal classificação foi utilizada em estudos realizados nos municípios de São Paulo-SP e Puerto Leoni, este na Argentina.3,17 A utilização da unidade de Saúde da Família do bairro foi verificada a partir das seguintes categorias: sempre; às vezes; nunca.
Os dados coletados foram analisados pelo programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 9.0. Realizou-se uma análise exploratória e descritiva da amostra, sobre características sociodemográficas, antecedentes ginecológicos, obstétricos e sexualidade, conhecimento sobre o Papanicolau, fatores referentes ao serviço de saúde e motivos associados a não adesão ao exame, de acordo com o formato original do formulário utilizado no inquérito. Em seguida, para avaliação das associações, os estratos foram agrupados seguindo critérios da literatura, de maneira a permitir maior viabilidade para a análise. Foram estimadas a prevalência de não adesão, as razões de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança (IC) de 95,0%. O teste do qui-quadrado de Person foi empregado para avaliação da significância estatística das associações, adotando-se como significativos os valores de p≤0,05.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS - e registrado sob o Protocolo no 120/2009 (CAAE 0127.0.059.000-09), atendendo as especificações da Resolução CNS no 196, de 16 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde.
Resultados
Em decorrência de problemas existentes no Siab do município (incompatibilidade entre os dados das famílias no banco de dados, nos prontuários das unidades e informações encontradas no domicílio; endereços inexistentes; funcionamento de escola, igrejas ou lojas comerciais nos endereços das residências), de todas as 453 famílias sorteadas, foram identificadas 241 (53,0%) com dados corretos de cadastro no Siab; destas, após aplicação do critério de inclusão, 230 mulheres foram selecionadas para entrevista.
Entre a população estudada, 12,6% não aderiam ao exame (não haviam realizado o Papanicolau nos últimos três anos que antecederam a pesquisa ou nunca o fizeram).
Em relação à caracterização sociodemográfica: 37,1% das entrevistadas tinham entre 25 a 34 anos de idade; 87,6% referiram sua cor da pele preta/parda; 42,6% haviam cursado o ensino médio (1o ao 3o ano); e 5,7% nunca frequentaram a escola (não sabiam ler e escrever ou apenas assinavam o nome). A maior parte das mulheres era casada ou encontrava-se em união estável (63,0%), 49,3% possuíam renda menor ou igual a um salário mínimo e 54,8% exerciam alguma atividade remunerada (Tabela 1).
Verificou-se que 37,4% das entrevistadas tiveram a primeira relação sexual entre os 18 e os 20 anos de idade, 36,5% entre 15 e 17 anos e 19,4% não tiveram qualquer parceiro sexual nos três meses anteriores à entrevista. O uso de algum método contraceptivo foi referido por 69,6% das entrevistadas. Apenas 33,1% das mulheres entrevistadas utilizavam preservativo; e entre estas, 52,8% sempre usavam preservativo nas relações sexuais. Apenas 4,8% referiram história de doença sexualmente transmissível (DST); e entre estas, 80,0% relataram que haviam sido tratadas para essas DST. A maioria das entrevistadas tinha filhos (87,4%), sendo que 77,1% tinham de 1 a 3 filhos. Com relação ao número de partos, 76,2% das mulheres tiveram três partos ou menos, e 33,8% sofreram algum episódio de abortamento (Tabela 2).
Das mulheres entrevistadas, 99,1% já tinham ouvido falar sobre o Papanicolau, para 48,9% delas o exame deveria ser feito anualmente, para 47,6% a cada seis meses e apenas 1,3% respondeu que a cada três anos (dados não apresentados em tabela).
A não adesão ao exame foi maior entre as mulheres com idade mais elevada (40 a 59 anos) e de cor preta/ parda (Tabela 3). Entre as características sociodemográficas, observou-se associação estatisticamente significativa entre não adesão e baixa escolaridade (nunca frequentou a escola) (valor de p=0,01). A prevalência de não adesão também foi maior entre as entrevistadas sem parceiro (separada/divorciada/desquitada/viúva) e com renda familiar menor ou igual a um salário mínimo.
Observou-se maior prevalência de não adesão ao Papanicolau em mulheres que não tiveram parceiro sexual nos últimos três meses. Houve associação estatisticamente significativa entre a não adesão e o não uso de métodos contraceptivos (valor de p=0,02) (Tabela 4). Foi observada elevada prevalência de não adesão ao exame em mulheres que não usavam preservativo e com história de DST. Houve associação estatisticamente significativa entre não adesão e número de filhos (quatro ou mais) (valor de p>0,01) e entre não adesão e número de partos (quatro ou mais) (valor de p=0,02).
A não adesão foi 2,5 vezes maior entre as mulheres que tinham conhecimento inadequado sobre o exame (valor de p=0,02) (Tabela 5).
Os motivos mais referidos para a não realização do exame preventivo nos últimos três anos ou para nunca ter realizado o Papanicolau foram ausência de problemas ginecológicos (47,0%) e vergonha (23,5%) (dados não apresentados em tabela).
Entre as mulheres que realizaram o exame, 38,0% responderam que o fizeram em serviço particular e 27,7% não sabiam como marcar o exame na unidade de Saúde da Família do bairro (dados não apresentados em tabela).
Discussão
O estudo demonstrou alta cobertura de realização do Papanicolau entre as mulheres atendidas pela ESF do município de Feira de Santana-BA (87,4%). Foram encontradas associações estatisticamente significativas entre a não adesão e (i) nunca ter frequentado a escola, (ii) não usar método contraceptivo, (iii) ter quatro ou mais filhos, (iv) ter quatro ou mais partos e (v) ter conhecimento inadequado sobre o exame, achados que ampliam o conhecimento sobre as especificidades que interferem, de modo relevante, na não adesão ao exame.
A prevalência de não adesão ao exame (12,6%) encontrada foi menor se comparada à de pesquisas realizadas no estado de Pernambuco (18,0%), em áreas da ESF de Londrina-PR (19,3%), em estudos populacionais realizados em São Luís-MA (18,1%) e em Pelotas-RS (17,0%).9,12,15,16 No presente estudo, 0,9% das entrevistadas nunca tinha ouvido falar do exame de Papanicolau, resultado coincidente com o achado de inquérito populacional realizado no município de São José do Mapibu-RN, e maior que o valor de 0,5% encontrado em Pelotas-RS.16,18
Em relação ao período de realização do último exame, 71,2% das mulheres que fizeram o Papanicolau referiram ter realizado o procedimento há um ano ou menos do período da entrevista. Em inquérito domiciliar realizado no município de São Luís-MA, 65,8% das entrevistadas referiram intervalo de tempo de um ano ou menos entre o penúltimo e o último exame.15
No que se refere a aspectos sociodemográficos, a associação estatisticamente significante entre não adesão ao exame e baixa escolaridade também foi observada em estudos realizados no estado de Pernambuco e no município de Campinas-SP.9,19
Em relação ao uso de métodos contraceptivos, na mesma pesquisa realizada em São Luís-MA,15 também foi encontrada associação significativa entre não adesão ao Papanicolau e não uso desses métodos.
A associação estatisticamente significativa entre não adesão e ter quatro ou mais filhos pode ter relação com a sobrecarga das mulheres com as responsabilidades pelo cuidado da família, influenciando diretamente no acesso da população feminina aos serviços de saúde e contribuindo para que o cuidado da mulher com sua própria saúde fique em segundo plano.20
A não adesão ao exame apresentou associação estatisticamente significativa com o conhecimento inadequado da mulher sobre o Papanicolau, associação também observada no estudo realizado com mulheres residentes em São Luís-MA.15
O grande número de mulheres que justificaram não aderir ao Papanicolau por ausência de sintomas evidencia comportamento característico de países em desenvolvimento e emergentes, onde as condições socioeconômicas, aliadas à desinformação, podem contribuir para o entendimento da população de que não se deve procurar assistência à saúde caso não se apresente sintomas.3
A vergonha, um dos principais motivos referido pelas mulheres para a não adesão ao Papanicolau, está relacionada a tabus sobre a sexualidade e ao desconforto em expor o próprio corpo. São questões de gênero, que podem contribuir para a não adesão ao exame.21 A ausência de queixa ginecológica e a vergonha também estão entre os motivos mais relatados para a não adesão ao exame nos estudos realizados em São Paulo-SP e Campinas-SP.3,20
Quanto aos aspectos institucionais, observou-se prevalência de não adesão ao citopatológico entre as mulheres que não utilizavam o serviço de saúde do bairro, embora sem associação estatisticamente significativa. Entre aquelas que já realizaram o procedimento, foi elevada a realização do último Papanicolau no setor privado (38,0%). Este fato foi observado de maneira ainda mais evidente em Campinas-SP, onde 56,8% das entrevistadas haviam realizado o exame preventivo em serviço privado.19 A realização do preventivo nos serviços públicos de saúde caracteriza-se por ocorrer em conjunto com a assistência ao planejamento familiar, ginecológica e obstétrica,9 colaborando para que mulheres não inseridas em programas referentes ao ciclo gravídico-puerperal, a exemplo daquelas que não fazem uso de método contraceptivo, apresentem menor cobertura de realização do Papanicolau. Fatores como descrença na qualidade do exame realizado na unidade do bairro e demora para agendamento, entre outros aspectos, também podem ter relação com a baixa realização do exame na unidade de saúde local.19
Entre as limitações encontradas durante este estudo, observou-se a inconsistência das informações apresentadas pelo Siab, dificultando a identificação das mulheres para a pesquisa e, por conseguinte, a coleta de dados, sendo necessária a realização de sorteio adicional para o alcance da amostra mínima. Outra limitação está relacionada ao viés de recordatório: nem todas as pessoas possuem adequada recordação de fatos passados, podendo haver equívocos na informação pessoal do tempo de realização do último exame. Sempre que possível, solicitava-se à entrevistada a demonstração do resultado do último exame, de modo a eliminar possíveis dúvidas sobre a data do último preventivo.
Se esse resultado não estivesse acessível no momento da entrevista, e dada a possibilidade de viés de informação caso a mulher confundisse o exame clínico ginecológico com o exame Papanicolau, o entrevistador detalhava a diferença entre o exame ginecológico e a coleta de material para o exame citopatológico, no sentido de minimizar a possibilidade de confusão entre os procedimentos por parte da entrevistada. No entanto, estudo de corte transversal realizado com adolescentes e adultas jovens demonstrou que o relato das mulheres sobre o Papanicolau apresentou elevada confiabilidade quando comparado com os seus registros em prontuário,22 demonstrando ter sido a estratégia adotada para a coleta de dados (o relato das entrevistadas) um mecanismo de boa confiabilidade. Por se tratar de uma pesquisa transversal de natureza exploratória, não foi avaliado confundimento para associação principal. Nesse sentido, outros estudos com abordagem analítica são necessários para o estabelecimento de ajustes das variáveis de interesse, na verificação do efeito do conhecimento sobre a adesão ao exame Papanicolau.
Este estudo apontou as desigualdades sociodemográficas associadas a não adesão ao Papanicolau no município de Feira de Santana-BA, a exemplo da baixa escolaridade, além do desconhecimento das mulheres entrevistadas sobre o objetivo do exame. As informações obtidas podem contribuir para o conhecimento das especificidades locais e para a compreensão das iniquidades existentes, no que se refere ao acesso e realização regular do exame de prevenção do câncer de colo de útero. É importante destacar que foram justamente as mulheres com fatores de risco para o desenvolvimento da neoplasia cérvico-uterina, como aquelas com menor escolaridade e multiparidade, que tiveram menor cobertura do exame preventivo. Tais informações devem ser consideradas no planejamento e implementação de ações que reduzam as iniquidades locorregionais, aumentando, por conseguinte, a cobertura do exame Papanicolau na rede pública de serviços de saúde.
Contribuição dos autores
Andrade MS e Almeida MMG participaram da concepção e delineamento do estudo, redação e revisão crítica do conteúdo intelectual.
Araújo TM e Santos KOB participaram da análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo.
Todas as autoras aprovaram a versão final do manuscrito, e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.
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Endereço para correspondência:
Magna Santos Andrade
- Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Educação, Campus VII,
Rodovia Lomanto Júnior, BR 407, Km 127,
Senhor do Bonfim-BA. CEP: 48970-000
E-mail: magnaenf@yahoo.com.br
Recebido em 25/04/2013
Aprovado em 16/10/2013
*Este estudo é parte da dissertação do Mestrado em Saúde Coletiva intitulada 'Adesão ao Papanicolau na Estratégia Saúde da Família', defendida junto à Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS - em maio de 2011. O estudo foi contemplado com o Auxílio de Financiamento Interno de Projeto de Pesquisa UEFS (Edital no 01/2009).