SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número1Fatores associados a não adesão ao Papanicolau entre mulheres atendidas pela Estratégia Saúde da Família em Feira de Santana, Bahia, 2010Avaliação da completitude, da consistência e da duplicidade de registros de violências do Sinan em Recife, Pernambuco, 2009-2012 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

  • No hay articulos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.1 Brasília mar. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000100012

ARTIGO ORIGINAL

 

Fatores associados à qualidade de vida relacionada à saúde de receptores de transplantes renais em Teresina, Piauí, 2010*

 

Factors associated with health-related quality of life of kidney transplant recipients in the municipality of Teresina, Piauí state, Brazil, 2010

 

 

Joelma Maria Costa; Lidya Tolstenko Nogueira

Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Piauí, Teresina-PI, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) e fatores associados em receptores de transplantes renais no município de Teresina, estado do Piauí, Brasil, em 2010.
MÉTODOS: estudo transversal, com amostra probabilística de 147 receptores em seguimento ambulatorial pós-transplante; foi aplicado questionário The Medical Outcomes study 36-item short-form health survey (SF-36), para avaliação da QVRS; para análise bivariada entre domínios do SF-36 e variáveis sociodemográficas, utilizou-se o teste U de Mann-Whitney.
RESULTADOS: as médias dos escores do SF-36 indicaram avaliação positiva da QVRS, com exceção da dimensão aspectos físicos (média 48,4); os idosos apresentaram menores escores na capacidade funcional, dor e aspectos físicos; as mulheres apresentaram menores escores para o domínio 'saúde mental'.
CONCLUSÃO: prejuízos na saúde física e nas capacidades funcional e mental podem impor limites e impedir o autocuidado, sendo necessárias ações coletivas e individuais para prevenção de agravos à QVRS, com foco na vulnerabilidade entre idosos.

Palavras-chave: Qualidade de Vida; Transplante de Rim; Estudos Transversais.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate health-related quality of life (HRQOL) and associated factors in kidney transplant recipients.
METHODS: this was a cross-sectional study with a random sample of 147 people in outpatient follow-up after transplantation. HRQOL was assessed by the Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey (SF-36). Bivariate analysis between SF-36 replies and sociodemographic variables was performed using the Mann-Whitney U test.
RESULTS: Mean SF-36 scores indicated a positive assessment of HRQOL, with the exception of physical aspects (average of 48.4). The elderly presented lower scores in functional capacity, pain and physical aspects. Females presented lower scores with regard to mental health.
CONCLUSION: impairments to physical health, functional and mental capacity may impose limits on self-care, indicating a need to plan collective and individual actions to prevent deterioration of HrQol, with focus on vulnerability among the elderly.

Key words: Quality of Life; Kidney Transplantation; Cross-Sectional Studies.


 

 

Introdução

Qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) envolve, de um modo geral, a percepção da saúde e do impacto dos aspectos sociais, psicológicos e físicos sobre ela, que incluem aqueles aspectos relacionados à saúde, mas excluem outros mais genéricos como, por exemplo, ganho salarial, liberdade e qualidade do meio ambiente.1

A avaliação da QVRS tem sido utilizada para determinar os aspectos associados às enfermidades ou ligados às intervenções terapêuticas. Esse tipo de avaliação tende a manter um caráter multidimensional, ainda que a ênfase recaia sobre os sintomas, incapacidades ou limitações ocasionadas por enfermidades.2

Com o objetivo de avaliar a saúde, a medida de QVRS está voltada para a capacidade de viver sem doenças ou de superar as dificuldades dos estados ou condições de morbidade. Ela contribui para a avaliação subjetiva de satisfação ou preocupação desde uma perspectiva individual, bem como os diferentes resultados a partir de intervenções terapêuticas utilizadas em determinada população,3 como por exemplo, em receptores de transplante renal.

Segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), em 2012, o Brasil ocupou a segunda posição no mundo em número absoluto de transplantes de rim, com 4.959 procedimentos.4 O aumento no número de transplantes renais deveu-se à criação de novos centros de transplante e à ampliação de equipes de captação de órgãos, o que possibilitou a identificação de potenciais doadores de rim. Contudo, o acesso ao transplante nem sempre é possível. Embora tenham sido realizados aproximadamente 5.385 transplantes renais em 2012, a necessidade anual foi de 11.445 transplantes.4

No Brasil, um dos fatores que contribui para a dificuldade de acesso ao transplante renal é a subnotificação do diagnóstico de morte encefálica, considerada a principal causa do baixo número de doadores no país, seguida pela contraindicação médica e por negativa familiar.5 A demora no transplante, resultado da distância entre a demanda e a oferta, exerce impactos significativos no bem-estar, nas taxas de sobrevida, na natureza e na extensão das seqüelas nas pessoas com doença renal crônica (DRC). O tempo de espera para realização das intervenções, especialmente as cirúrgicas, é elevado e, em alguns casos, imprevisível. Todos esses fatores podem impactar a QVRS.6

O transplante renal, como terapia de caráter crônico, tem como objetivos básicos (i) aumentar a longevidade, (ii) reduzir a morbidade e (iii) melhorar a qualidade de vida (QV). Tradicionalmente, a avaliação dos dois primeiros objetivos é comumente focada na eficácia de determinado tratamento. A avaliação da QVRS só veio a contar com pesquisas recentes, iniciadas, principalmente, em virtude da evolução de programas preventivos e terapêuticos e do aumento da sobrevida de pacientes transplantados. Para a avaliação da QVRS, foram desenvolvidos diferentes instrumentos de mensuração,7 entre eles o Medical Outcomes Study 36 - Item Short - Form Health Survey (SF-36), publicado em 1992, cuja versão em português foi traduzida, validada e revisada por Ciconelli em 1997. Trata-se de um instrumento genérico, de fácil aplicação e interpretação, sensível a diversos grupos populacionais e adaptado culturalmente para o Brasil.8

Estudos sobre QVRS em populações específicas podem servir de subsídio à definição de intervenções em saúde que priorizem a melhora da QVRS e da assistência prestada aos pacientes transplantados. Dessa maneira, este estudo objetivou avaliar os fatores associados à qualidade de vida relacionada à saúde -QVRS - de receptores de transplante renal atendidos em três clínicas credenciadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no município de Teresina, estado do Piauí, Brasil, em 2010.

 

Métodos

Trata-se de estudo descritivo, transversal, realizado em três clínicas credenciadas para o atendimento ambulatorial pré e pós-transplante renal, das redes pública estadual e privada do município de Teresina-PI. As clínicas estudadas atendiam a pacientes provenientes das zonas rural e urbana, de toda a região Norte e Nordeste do Brasil.

A amostra foi do tipo probabilística (incidência 50%), estratificada (em clínicas A, B e C) e proporcional à quantidade de usuários atendidos em cada clínica. Para o calculo do tamanho da amostra, foi considerado um nível de confiança de 95%, com erro amostral de 5%, a partir da população constituída por 238 usuários do SUS, receptores de transplante renal em acompanhamento ambulatorial no Piauí, no período de abril a setembro de 2010. O tamanho da amostra calculado foi de 147 pessoas. Para o sorteio dos sujeitos, utilizou-se tabela de números aleatórios referentes aos cadastros de receptores de transplantes existentes nas clínicas estudadas. Foram incluídos no estudo os pacientes ambulatoriais de ambos os sexos, alfabetizados, com idade superior a 18 anos, que realizaram o transplante renal há pelo menos seis meses e que possuíam enxerto funcionante. Foram excluídos oito sujeitos que não conseguiram responder ao questionário por não compreenderem o significado das questões formuladas.

As entrevistas foram realizadas no dia do agendamento para consulta ambulatorial pós-transplante. Foram explicados os objetivos do estudo e solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados foram coletados antes da realização da consulta médica, em ambiente privativo.

Os instrumentos utilizados para medir as variáveis de interesse foram: um formulário com questões fechadas, para caracterizar a população do estudo e obter dados relativos a aspectos sociodemográficos, características clínicas e ambulatoriais; e o Questionário Genérico de Qualidade de Vida SF-36 (Medical Outcome Study 36 - Item Short - Form Health Survey), um instrumento que avalia a QVRS, composto por 36 questões genéricas, divididas em oito escalas denominadas 'domínios'. Para avaliação dos resultados, cada questão (2 a 10 itens) recebeu um escore padronizado de acordo com o questionário e expresso, posteriormente, em uma escala de zero a 100. Para cada domínio, os resultados mais próximos de 100 foram sugestivos de uma melhor qualidade de vida do respondente.

As variáveis dependentes estudadas foram os domínios da capacidade funcional, aspectos físicos, dor física, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental (Questionário Genérico de Qualidade de Vida SF-36).

As variáveis independentes foram idade (18 a 30, 31 a 40, 41 a <60 e 60 anos e mais), sexo, escolaridade (<4, 5 a 8, 9 a 11 e 12 anos e mais de estudo), situação conjugal (casado/união consensual, solteiro, viúvo e outro), tipo de doador (vivo e cadáver), tempo de transplante (8 a 70 meses e 71 a 250 meses), etiologia presumida da doença renal (hipertensão, diabetes, indeterminada e outras) e presença atual de comorbidades (diabetes, hipertensão, diabetes e hipertensão, outras e sem doenças associadas). A atividade física foi considerada por este estudo como o acúmulo de pelo menos 30 minutos de atividade física diária de intensidade moderada, no mínimo 5 dias por semana. A atividade de lazer foi considerada como o conjunto de ocupações consideradas prazerosas, desenvolvidas no tempo liberado do trabalho.

A análise estatística foi realizada incorporando a estrutura do plano amostral que, no estudo em questão, constitui-se de amostra estratificada. Os dados foram analisados utilizando-se o programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 17.0. A análise descritiva foi realizada para todas as variáveis. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi aplicado para observar se as variáveis numéricas tinham distribuição normal. Como a única variável com distribuição normal do estudo foi a idade, utilizou-se o teste U de Mann-Whitney para analisar a correlação entre as dimensões do questionário SF-36 e as variáveis da população do estudo, considerando-se como nível de significância 0,05.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí: CAAE 0012.045.000-10.

 

Resultados

Foram excluídos oito sujeitos que não conseguiram responder ao questionário por não compreenderem o significado das questões formuladas. Entre os 147 pacientes estudados, a média de idade correspondeu a 40,8 anos (DP=11,6). A maior parte dos receptores de transplante renal (92,5%) tinha menos de 60 anos de idade e 7,5% eram idosos. Observou-se a predominância de indivíduos do sexo masculino (62,6%), casados ou em união consensual (56,5%), com baixo nível de escolaridade (7,5 anos de estudo formal, em média; desvio-padrão, DP=4,7 anos). Quanto ao tipo de doador, houve maior proporção de transplante de rim de doador vivo (69,9%). O tempo de realização do transplante foi de 74,3 meses, em média (DP=48,9). A etiologia mais prevalente da doença foi a hipertensão arterial (42,9%); também entre as comorbidades, 55,1% dos sujeitos referiram a hipertensão arterial. Quanto à atividade de lazer, 67,3% não realizavam qualquer atividade desse tipo. A maioria (66,7%) não praticava atividade física (Tabela 1).

 

 

A Tabela 2 apresenta os escores obtidos na aplicação do SF-36. O domínio aspectos físicos foi o que apresentou o menor escore, com média de 48,4 (DP=42,6), seguido respectivamente pelo domínio aspecto emocional, com média de 56,5 (DP=44,0), e pelo domínio estado geral de saúde, com média de 60,8 (DP= 23,7).

 

 

Os resultados apresentados na Tabela 3 evidenciaram diferença significativa entre as médias dos escores das dimensões capacidade funcional (p=0,04), aspectos físicos (p=0,04) e dor (p=0,04) segundo faixa etária. A pontuação dos escores para a faixa etária com menos de 60 anos obteve valores acima da média (50) em todos os domínios. A comparação entre os sexos e o domínio saúde mental obteve uma diferença significativa (p=0,01), com os menores valores no sexo feminino. Os sujeitos com menor escolaridade apresentaram os menores escores para as dimensões capacidade funcional (p<0,01), dor (p=0,04), aspectos físicos (p=0,04), estado geral de saúde (p=0,03), aspecto social (p=0,02), aspecto emocional (p=0,01) e saúde mental (p=0,03).

 

 

A Tabela 4 apresenta valores marginalmente significativos (p=0,07) para a diferença entre as médias dos escores de capacidade funcional das pessoas em relação ao tempo de transplante. Os receptores de transplante renal com menor tempo de transplante apresentaram a menor média. As pessoas com menor tempo de transplante (entre 71 e 250 meses) apresentaram menor média (p=0,04) no domínio saúde mental. Os sujeitos inativos fisicamente apresentaram menores escores para os domínios capacidade funcional (p<0,01), dor (p<0,01), estado geral de saúde (p=0,03), vitalidade (p<0,01) e aspecto emocional (p=0,04), quando comparados aos que praticavam atividade física. Os receptores de transplante renal que não referiram atividade de lazer apresentaram menores escores para os domínios capacidade funcional (p<0,01), dor (p<0,01), estado geral de saúde (p<0,01) e aspectos sociais (p<0,01), em relação aos ativos no lazer.

 

 

Discussão

Neste estudo, as médias dos escores do SF-36 indicaram avaliação positiva da qualidade de vida relacionada à saúde - QVRS -, à exceção da dimensão aspectos físicos. As variáveis que se correlacionaram de maneira significativa com os menores escores de qualidade de vida foram: idade acima de 60 anos; sexo feminino; baixa escolaridade; inativos fisicamente; e sem atividade de lazer.

Quanto aos aspectos sociodemográficos, houve a predominância de pessoas do sexo masculino. Estes dados são concordantes com estudos que apontam uma maior prevalência de insuficiência renal em homens, comparativamente às mulheres.9,10 Com relação à idade, a maioria encontrava-se na faixa etária de 18 a 59 anos, com média de 40 anos, ou seja, em idade produtiva. Pesquisas mostram que a terapia renal substitutiva em idade produtiva torna a pessoa vulnerável a problemas emocionais, sendo necessário cuidado por parte dos profissionais de saúde envolvidos na assistência.11,12 Os resultados relacionados à escolaridade estão de acordo com a realidade brasileira, em que grande parcela da população é analfabeta ou tem poucos anos de estudo.13

Em relação às características clínicas, os sujeitos, em sua maioria, eram receptores de doador vivo. Este resultado se assemelha aos dados encontrados em outro estudo, realizado no Hospital Universitário do Maranhão, onde predominou o transplante de doador vivo (87%),14 e ao número de transplantes com doador vivo realizados no Piauí, com (59%) dos casos em 2012.4 Entretanto, esses achados são discordantes daqueles apresentados pela ABTO, considerando-se que no Brasil, 72,3% de transplantes de rim realizados em 2012 foram de doador falecido.4 São dados indicadores da necessidade de fortalecer o trabalho das equipes que integram os serviços da Organização à Procura de Órgãos no estado, de modo a evitar prejuízos na operacionalização de doação de órgãos por morte encefálica.

Em relação à etiologia referida da doença renal, a hipertensão arterial foi responsável por 42,9% dos casos, e o diabetes por 3,4%; 31,3% dos transplantados referiram não conhecer a causa da doença renal. Tais dados convergem com outros estudos realizados no país, que encontraram associação entre doença renal crônica (DRC) e hipertensão, doenças cardiovasculares e diabetes. A etiologia indeterminada da DRC em 31,3% dos pacientes pode estar associada ao quadro clínico avançado da doença renal, o que dificulta a identificação da doença de base.15,16

Em relação aos valores obtidos pelo SF 36, observou-se que, de forma geral, os escores foram acima de 50 em todos os domínios. Os valores encontrados neste estudo foram semelhantes aos relatados em outros estudos com pessoas que realizaram transplante renal.17,18 Os resultados revelaram baixos escores no domínio aspecto físico, o que pode estar associado ao comprometimento na execução de atividades da vida diária. Tais achados convergem com os resultados encontrados em estudo com o uso do SF-36 em pessoas pré e pós-transplante renal no Hospital de Base de São José do Rio Preto-SP, onde foram encontrados valores de média no domínio aspectos físicos no período pós-transplante de 44,1, o que indicaria prejuízo na realização das atividades diárias.18

Quanto às variáveis associadas à QVRS, as pessoas acima de 60 anos de idade atribuíram menores escores médios para as dimensões dor, capacidade funcional e aspectos físicos. Estudos epidemiológicos sobre QVRS demonstram que a média dos escores diminui progressivamente com o avançar da idade.19-21

As pessoas do sexo feminino obtiveram menor escore no domínio saúde mental. Estudo comparativo entre homens e mulheres tratados cronicamente por hemodiálise encontrou níveis mais baixos de QVRS em mulheres, na comparação com os homens, independentemente da idade e da presença de comorbidades.22

As médias de todos os escores da QV atribuídos pelas pessoas com maior tempo de escolaridade foram superiores, o que corrobora estudo realizado no Brasil, com pacientes em terapias renais de substituição, que encontrou associação significativa entre escolaridade acima de oito anos de estudo e melhor QV.21 As pessoas com menor tempo de transplante atribuíram menores valores nos escores do domínio saúde mental. Os primeiros seis meses após a realização do transplante podem interferir na qualidade de vida, de acordo com a adaptação do receptor de transplante renal aos imunossupressores e seus efeitos colaterais, ansiedade sobre perspectivas na vida profissional e alto risco rejeição do órgão.18 Entretanto, outros estudos não demonstraram uma associação significativa entre o tempo de transplante e a QV.21,23

O estudo também demonstrou uma associação positiva entre os praticantes de atividades físicas e os escores dos domínios capacidade funcional, dor, estado geral de saúde, vitalidade e aspecto emocional. Infere-se, assim, que a atividade física favorece a manutenção da saúde física e mental, uma vez que colabora para o controle de doenças como a hipertensão arterial, o diabetes, as dislipidemias, comorbidades presentes em algumas pessoas submetidas a transplante renal, contribuindo para a promoção da qualidade de vida e redução da vulnerabilidade e riscos à saúde.24,25 Vários estudos enfatizam a importância da atividade física como fundamental no processo preventivo de doenças e na manutenção das capacidades funcionais, atenuando o impacto da degeneração provocada pelo processo de envelhecimento não saudável nos domínios físicos, psicológicos e sociais da QVRS.26,27

As pessoas que realizavam atividades de lazer atribuíram valores mais elevados para os domínios capacidade funcional, dor, estado geral de saúde e aspecto social. Em estudo realizado na cidade de Maringá-PR, com adultos portadores de insuficiência renal crônica em tratamento dialítico, verificou-se que a redução de passeios e atividades de lazer, justificada pela necessidade de manter uma regularidade nos horários de medicação e por particularidades do tratamento, contribuíram para prejuízos na QV.28

O presente estudo apresentou algumas limitações. Entre elas, destaca-se a possível dificuldade de compreensão do instrumento SF-36 por parte dos participantes. Todavia, além de se tratar de instrumento validado e empregado em estudos anteriores, foram excluídos da amostra os indivíduos que não conseguiram responder ao questionário por não compreenderem o significado das questões formuladas. Outros ajustes estatísticos robustos das variáveis poderiam ter sido investigados, para controle de fatores de confusão. Além disso, a validade externa é limitada, pois o estudo foi realizado com sujeitos atendidos em apenas três clínicas.

Os escores de qualidade de vida relacionada à saúde dos receptores de transplante renal no Piauí, avaliada pelo SF-36, tiveram como resultados valores acima da média para os domínios de QV; à exceção do domínio aspecto físico, que apresentou valores abaixo da média. As pessoas do sexo masculino apresentaram melhor saúde mental do que as do sexo feminino. O tempo de transplante foi diretamente associado à melhor saúde mental. Por sua vez, foi possível identificar se os receptores de transplante renal do sexo feminino, idosos, pessoas com baixa escolaridade, sem acesso a atividade de lazer e inativos fisicamente apresentaram menores escores nos domínios da qualidade de vida relacionada à saúde. Portanto, faz-se necessário que a equipe multiprofissional responsável pelo atendimento ambulatorial pós-transplante ofereça orientações aos pacientes transplantados, relativas ao autocuidado, manutenção e melhoria da saúde.

Os resultados apresentados sugerem que os profissionais devem ir além do tratamento medicamentoso e controle da rejeição ao transplante. Recomenda-se a (i) elaboração de um plano de atenção à saúde individual, com olhar atento para os idosos e suas limitações, (ii) parcerias com cuidadores e familiares, (iii) fortalecimento da participação social coletiva - a exemplo da formação de grupos de mútua ajuda - e o (iv) reforço permanente da importância da atividade física e do lazer. Tais ações poderiam representar grande impacto na qualidade de vida relacionada à saúde dos receptores de transplantes renais.

 

Contribuição das autoras

Ambas as autoras participaram da concepção do estudo.

Costa JM participou da redação, análise estatística, interpretação dos dados e revisão do manuscrito.

Nogueira LT participou da interpretação dos dados e revisão do manuscrito.

Ambas as autoras assumem a responsabilidade por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

Referências

1. Zambi SSV. Análise dos instrumentos de avaliação de qualidade de vida WHOQOL-bref e SF-36: confiabilidade, validade e concordância entre pacientes de Unidades de Terapia Intensiva e seus familiares [tese]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2006.

2. Seidl EMF, Zannon CMLC. Qualidade de vida e saúde: aspectos conceituais e metodológicos. Cad Saude Publica. 2004 mar-abr;20(2):580-8.

3. Minayo MCS, Hartz ZMA, Buss PM. Qualidade de vida em saúde: um debate necessário. Cienc Saude Coletiva. 2000;5(1):7-18.

4. Associação Brasileira de Transplante de Órgão. Registro Brasileiro de Transplante. ABTO [Internet]. 2012 jan-mar [citado 2013 abr 26]:18(4):1-21. Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2012/RBT-dimensionamento2012

5. Assis FN. Dez anos de transplantes sob a Lei da Vida. Aliança Brasileira para Doação de Órgãos e Tecidos. 2007 [Internet]. [citado 2009 jun 28]. Disponível em: http://www.adote.org.br/pdf/adote lei da vida.pdf

6. Marinho A. Um estudo sobre as filas para transplantes no Sistema Único de Saúde brasileiro. Cad Saude Publica. 2006 out;22(10):2229-39.

7. Ware Junior JE, Sherbourne CD. The MOS 36-item short-form health survey (SF-36). I. Conceptual Framework and item Selection. Med Care. 1992 Jun;30(6):473-83.

8. Ciconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999 mai-jun;39(3):143-50.

9. Pereira LC, Chang J, Fadil-Romão MA, Abensur H, Araújo MRT, Noronha IL, et al. Qualidade de vida relacionada à saúde de paciente transplantado renal. J Bras Nefrol. 2003 mar;25(1):10-6.

10. Barbosa LMM, Andrade Júnior MP, Bastos KA. Preditores de qualidade de vida em pacientes com doença renal crônica em hemodiálise. J Bras Nefrol. 2007 out-dez;29(4):222-9.

11. Santos PR. Relação do sexo e da idade com nível de qualidade de vida em renais crônicos hemodialisados. Rev Assoc Med Bras. 2006 set-out;52(5):356-9.

12. Lanza AHB, Chaves APA, Garcia RCP, Brandão JAG. Perfil biopsicossocial de pacientes renais crônicos em tratamento hemodialítico. Arq Bras Cienc Saude. 2008 set-dez;33(3):141-5.

13. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A Síntese dos Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2007. [Internet] [citado 2013 jul 20]. Disponível em: http://www.spm.gov.br/nucleo/dados/indic-sociais2007-mulher.pdf

14. Oliveira MIG, Santos AM, Salgado Filho N. Survival analysis and associated factors to mortality of renal transplant recipients in a University Hospital in Maranhão. J Bras Nefrol. 2012 Jul-Sep;34(3):216-25.

15. Bastos MG, Bregman R, Kirsztajn GM. Doença renal crônica: frequente e grave, mas também prevenível e tratável. Rev Assoc Med Bras. 2010 mar-abr;56(2):248-53.

16. Guerra Júnior AA, Acúrcio FA, Andrade EIG, Cherchiglia ML, Cesar CC, Queiroz OV, et al. Ciclosporina versus tracolimus no transplante renal no Brasil: uma comparação de custos. Cad Saude Publica. 2010 jan;26(1):163-74.

17. Martins MRI, Cesarino CB. Qualidade de vida de pessoas com doença renal crônica em tratamento hemodialítico. Rev Lat Am Enfermagem. 2005 set-out;13(5):670-6.

18. Ravagnani LMB, Domingos NAM, Miyazaki MCOS. Qualidade de vida e estratégias de enfrentamento em pacientes submetidos a transplante renal. Estud Psicol. 2007;12(2):177-84.

19. Kusumota L, Marques S, Haas VJ, Rodrigues RAP. Adultos e idosos em hemodiálise: avaliação da qualidade de vida relacionada à saúde. Acta Paul Enferm. 2008;21(numero especial):152-9.

20. Alvares J, Almeida AM, Szuster DAC, Gomes IC, Andrade EIG, Acurcio FA, et al. Fatores associados à qualidade de vida de pacientes em terapia renal substitutiva no Brasil. Cienc Saude Coletiva. 2013 jul;18(7):1903-10.

21. Lima MG, Barros MBA, César CLG, Goldbaum M, Carandina L, Ciconelli RM. Health related quality of life among the elderly: a population-based study using SF-36 survey. Cad Saude Publica. 2009 Oct;25(10):2159-67.

22. Lopes GB, Martins MTS, Matos CM, Amorim JL, Leite EB, Miranda EA, et al. Comparisons of quality of life measures between women and men on hemodialysis. Rev Assoc Med Bras. 2007 Nov-Dec;53(6):506-9.

23. Baiardi F, Degli EE, Cocchi R, Fabbri A, Sturani A, Valpiani G, et al. Effects of clinical and individual variables on quality of life in chronic renal failure patients. J Nephrol. 2002 Jan-Feb;15(1):61-7.

24. Benedetti TRB, Borges LJ, Petroski EL, Gonçalves LHT. Physical activity and mental health status among elderly people. Rev Saude Publica. 2008 Apr;42(2):302-7.

25. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação de Saúde. Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.

26. Kaczor JJ, Ziolkowski W, Antosiewicz J, Hac S, Tarnopolsky MA, Popinigis J. The effect of aging on anaerobic and aerobic enzyme activities in human skeletal muscle. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2006 Apr;61(4):339-44.

27. Matsudo SM, Matsudo VKR, Barros Neto TL. Efeitos benéficos da atividade física na aptidão física e saúde mental durante o processo de envelhecimento. Rev Bras Ativ Fis Saude. 2000 abr-jun;5(2):60-76.

28. Carreira L, Marcon SS. Cotidiano e trabalho: concepções de indivíduos portadores de insuficiência renal crônica e seus familiares. Rev Lat Am Enfermagem. 2003 nov-dez;11(6):823-31.

 

 

Endereço para correspondência:
Joelma Maria Costa
- Rua 5, no 2475,
Loteamento Sol Nascente,
Bairro Satélite, Teresina-PI, Brasil.
CEP: 64055-495
E-mail: joelmamariacosta@gmail.com

Recebido em 03/05/2013
Aprovado em 11/11/2013

 

 

*Manuscrito oriundo de dissertação da primeira autora defendida em 2011 junto ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Piauí.