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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.1 Brasília mar. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000100013

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação da completitude, da consistência e da duplicidade de registros de violências do Sinan em Recife, Pernambuco, 2009-2012*

 

Evaluation of the completeness, consistency and duplicity of cases of violence registered on the National Disease Notification Information System in Recife, Pernambuco State, Brazil, 2009-2012

 

 

Marcella de Brito AbathI; Maria Luiza Lopes Timóteo de LimaII; Priscilla de Souza LimaIII; Maria Carmelita Maia e SilvaIV; Maria Luiza Carvalho de LimaV

ICentro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Instituto Oswaldo Cruz e Gerência de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis, Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, Recife-PE, Brasil
IIDepartamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal de Pernambuco, Recife-PE, Brasil
IIIInstituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira e Coordenação de Vigilância de Acidentes e Violências, Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, Recife-PE, Brasil
IVCoordenação de Prevenção aos Acidentes e Violência, Secretaria de Saúde do Recife, Recife-PE, Brasil
VCentro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Instituto Oswaldo Cruz e Departamento de Medicina Social, Universidade Federal de Pernambuco, Recife-PE, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar a completitude, consistência e duplicidade de registros de violências no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) em Recife, estado de Pernambuco, Brasil, de 2009 a 2012.
MÉTODOS: foi realizado estudo descritivo; a qualidade da base de dados do Sinan foi avaliada quanto à completitude e consistência de 35 variáveis e não duplicidade de registros; aplicou-se o teste do qui-quadrado para tendência linear (p<0,05) para avaliação da completitude e consistência.
RESULTADOS: no período 2009-2012, houve aumento de 283,9% no número de notificações, as médias percentuais de completitude, de consistência e de duplicidade foram, respectivamente, de 70,3%, 98,5% e 0,2%; houve redução de 53,9% na completitude e aumento de 66,7% na consistência das variáveis; o percentual de duplicidade foi de 0,5% em 2012, e inexistente em 2009.
CONCLUSÃO: as médias percentuais de completitude, consistência e duplicidade foram consideradas, respectivamente, regular, excelente e aceitável.

Palavras-chave: Vigilância Epidemiológica; Sistemas de Informação em Saúde; Violência; Violência Doméstica.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to evaluate the completeness, consistency and duplicity of cases of violence registered on the National Disease Notification Information System in Recife-PE, Brazil, 2009-2012.
METHODS: descriptive study. The quality of this database was evaluated regarding the completeness and consistency of 35 variables and non-duplicity of records each year. Chi square for trend (p<0.05) was calculated.
RESULTS: A 283.9% increase was observed in the number of notifications. The average percentage of completeness, consistency and duplicity was 70.3%, 98.5% and 0.2%, respectively. Comparing the number of notifications recorded in the 2009 and 2012, there was a 53.9% decrease in the degree of completeness and an increase of 66.7% in consistency. The percentage of duplicated cases was zero in 2009 and 0.5% in 2012.
CONCLUSION: the average percentage of completeness, consistency and duplicity was considered regular, excellent e acceptable, respectively.

Key words: Epidemiological Surveillance; Health Information Systems; Violence; Domestic Violence.


 

 

Introdução

No Brasil, os acidentes e violências - denominados de causas externas - são um importante problema de Saúde Pública: quinta maior causa de internações hospitalares e terceira causa de mortalidade no país em 2011,1 resultando em elevados custos individuais e coletivos. Entre os residentes na Cidade de Recife-PE, nesse mesmo ano, as causas externas foram a quarta principal causa de mortalidade, com 1.512 óbitos, 44,4% deles por homicídio.1

As causas externas compõem a relação de doenças e agravos acompanhados pelo Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica. A vigilância das causas externas, até o ano de 2006, era realizada mediante a análise de dados provenientes do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS). Essas fontes de dados não cobrem todas as vítimas das causas externas, pois só captam os casos que foram a óbito ou que levaram a internação pela rede do Sistema Único de Saúde (SUS), subestimando a verdadeira magnitude da violência.2-5 De maneira geral, na violência intrafamiliar e doméstica, os episódios de maus-tratos tendem a ser repetitivos6 e iniciam de forma menos agressiva no que se refere ao aspecto físico, sem levar as vítimas ao óbito ou à internação. Além disso, as informações obtidas por meio desses dois sistemas de informações são suscintas,3 não permitem conhecer o perfil da violência e suas consequências, tampouco do provável autor da agressão.

No ano de 2006, com o intuito de obter um diagnóstico mais completo e detalhado de casos de causas externas que demandavam atendimentos na rede de saúde, o Ministério da Saúde propôs a implantação do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) em dois componentes: vigilância por inquérito (VIVA inquérito); e vigilância contínua (VIVA contínuo).2,3

O VIVA contínuo, objeto deste estudo, propõe-se a (i) realizar a vigilância das violências - intrafamiliar, doméstica, sexual, outras violências interpessoais e autoprovocadas - e (ii) subsidiar a formulação de políticas públicas intersetoriais e integradas em serviços de saúde, públicos e privados, que reduzam a morbimortalidade por violências. Com o VIVA contínuo, é possível descrever o perfil dos atendimentos por esses agravos2,3 e avaliar, indiretamente, a organização da rede de assistência integral às vítimas de violência.7 O grupo prioritário dessa vigilância é constituído de crianças, adolescentes, idosos e mulheres.2,3

Segundo Waldman,8 todo sistema de vigilância, como o VIVA contínuo, deve ser frequentemente avaliado e, a partir dessa avaliação, modificado quando necessário. Um dos aspectos da avaliação do sistema de vigilância diz respeito à qualidade dos dados, para que o sistema produza informações válidas e capazes de subsidiar a tomada de decisão por parte da gestão. De acordo com Mota, Almeida e Viacava,9 quanto melhor a qualidade da informação, maior seu potencial de aplicação na formulação de políticas, ações e avaliação das intervenções.

De acordo com Lima e colaboradores,10 são dimensões de qualidade da informação: acessibilidade; clareza metodológica; cobertura; completitude; confiabilidade; consistência (coerência); não duplicidade; oportunidade; e validade.

Em estudo de revisão10 de pesquisas que avaliaram a qualidade das informações dos sistemas nacionais de informações em saúde, encontrou-se que a completitude está entre as dimensões de qualidade mais analisadas; contudo, as dimensões da duplicidade e da consistência não eram avaliadas com frequência. Em relação à consistência, o mesmo estudo10 demonstrou que essa dimensão só foi avaliada para o Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM -, indicando a importância de se estudar tais dimensões no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

O presente estudo teve como objetivo avaliar a qualidade da base de dados do Sinan de Recife-PE, módulo violência, quanto à completitude e consistência das variáveis e duplicidade de notificações, por ano, no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2012.

 

Métodos

Trata-se de estudo descritivo no qual foram considerados os casos de violência intrafamiliar/doméstica, sexual e outras violências interpessoais e autoprovocadas notificados em residentes de Recife-PE e registrados no Sinan, no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2012.

A Cidade de Recife é a capital do estado de Pernambuco, localizado na região Nordeste do Brasil. De acordo com o Censo de 2010, Recife-PE possuía 1.537.704 habitantes, cuja maioria (34,6%) contava entre 20 e 39 anos de idade, 24,5%, entre 40 e 59 anos, 16% eram adolescentes, 13,1%, crianças, e 11,8% eram idosos.11

Os dados do VIVA contínuo são processados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan.3 O Sinan é um sistema de informações de registro contínuo de dados sobre doenças e agravos de notificação compulsória da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.

Esses registros são feitos a partir de fichas individuais de notificação e de investigação dessas doenças e agravos.9 No caso da violência, há uma ficha única, denominada 'Ficha de notificação/investigação individual de violência doméstica, sexual e/ou outras violências'.7 É considerado caso de violência:

[...] uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo, ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.4

Qualquer tipo de violência contra criança, adolescente, mulher (20 a 59 anos) e pessoa idosa (60 anos ou mais) deve ser notificado. A violência urbana em homens de 20 a 59 anos de idade não é objeto de notificação compulsória segundo documento instrutivo de notificação de violência doméstica, sexual e outras violências.12

Neste estudo, a qualidade da base de dados do Sinan, módulo violência, foi avaliada quanto à completitude e consistência das variáveis e à não duplicidade de registros. Essas dimensões da qualidade foram definidas conforme Lima e colaboradores.10

Completitude é o grau de preenchimento da variável analisada, mensurado pela proporção de notificações com variável preenchida com categoria distinta daquelas indicadoras de ausência do dado. As variáveis em branco ou preenchidas com 'ignorado' foram consideradas como incompletas.

Consistência é o grau de coerência do dado de determinada variável com o de outra relacionada. Por exemplo, o registro de uma pessoa do sexo masculino caracterizada como vítima de violência sexual com penetração vaginal seria considerado um dado conflitante. O grau de consistência foi medido pela proporção de notificações com variáveis relacionadas preenchidas com categoria consistente, ou seja, com valores e categorias coerentes (não conflitantes).

Não duplicidade de registros é o grau de registro único para cada evento (ocorrido com o mesmo indivíduo). A duplicidade acontece quando, no universo de registros, um mesmo evento (com o mesmo indivíduo) foi notificado mais de uma vez. Assim, o grau de duplicidade foi calculado pela proporção de registros duplicados.

Foram utilizados os seguintes parâmetros para avaliar o grau de completitude das variáveis: boa - igual ou superior a 75,1% -; regular - de 50,1 a 75,0% -; baixa - de 25,1 a 50,0% -; e completitude muito baixa - igual ou inferior a 25,0%.13 Quanto ao grau de consistência das variáveis, foram adotados os seguintes parâmetros: excelente - igual ou superior a 90,0% -; regular - de 70,0 a 89,0% -; e baixa - inferior a 70,0%.14 Em relação à duplicidade, foi considerado aceitável o percentual de duplicidade até 5,0%.

Foram analisadas 35 variáveis do total das 71 existentes na ficha de notificação/investigação da violência doméstica, sexual e/ou outras violências. Essas variáveis foram selecionadas em função de três critérios:

a) serem de digitação obrigatória (variáveis obrigatórias);

b) serem consideradas pelo Ministério da Saúde como essenciais para análise epidemiológica e operacional (variáveis essenciais);15

c) serem consideradas importantes para a vigilância das violências, por possibilitarem a construção de indicadores epidemiológicos relevantes para a construção do perfil da violência - apesar de não serem consideradas obrigatórias ou essenciais, de acordo com as orientações de preenchimento do Sinan (variáveis importantes).

Seis das variáveis estudadas apresentavam mais de uma opção de escolha, totalizando 92 campos: 13 obrigatórios; 76 essenciais; e 3 importantes. A distribuição dos campos segundo esses critérios encontra-se na Figura 1.

 

 

Todas as variáveis foram analisadas quanto à completitude, exceto aquelas de preenchimento obrigatório. Em relação à consistência, foram analisados todos os relacionamentos possíveis entre os campos das seguintes variáveis: idade; sexo; escolaridade; situação conjugal/estado civil; lesão autoprovocada; tipo de violência; meio de agressão; tipo de violência sexual; procedimento realizado; natureza da lesão; parte do corpo atingida; vínculo com a pessoa atendida; e sexo do provável autor da agressão. A descrição de todas as variáveis e suas categorias consta do manual instrutivo elaborado pelo Ministério da Saúde.12

As duplicidades foram identificadas inicialmente no Sinan, por meio da ferramenta 'rotina de duplicidade', utilizando-se o critério de identificar o primeiro e o último nome da vítima, o sexo e a data de nascimento da pessoa atendida. Os casos identificados por esse critério foram exportados do Sinan para o Excel, procedendo-se à identificação do nome completo da pessoa atendida e de sua mãe e, ainda, da data da notificação. Finalmente, os casos que apresentavam essas informações idênticas foram considerados como duplicidade de registro.

Para os casos que apresentaram alguma divergência, foi feita uma revisão manual das fichas para comprovação da duplicidade, quando se analisou a data da ocorrência, o tipo de violência e o provável autor da agressão.

Para o processamento e a análise dos dados, utilizou-se o tabulador TabWin, o software Epi Info e o Sinan. Os dados foram apresentados em tabelas de distribuição de frequência simples e proporção. Foi aplicado o teste do qui-quadrado para tendência linear, com nível de significância estatística de 5% para verificar a existência de relação linear entre a variável 'ano de notificação' e as demais variáveis estudadas, quanto à completitude e consistência.

Em função da extensão das tabelas de apresentação dos dados e resultados encontrados, para as seis variáveis que possuíam múltiplos campos, optou-se por não se apresentar o resultado da análise da completitude por campo. Para cada ano estudado, calculou-se a média entre todos os valores do conjunto dos campos; em seguida, observou-se os campos com o maior e com o menor valor e selecionou-se um desses dois valores, a depender do que mais se aproximava da média obtida. Com base nesses valores, aplicou-se o teste do qui-quadrado de tendência linear.

O estudo foi conduzido conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS no 466, de 12 de dezembro de 2012, e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães/Fiocruz - processo no 66.574/2012.

 

Resultados

De janeiro de 2009 a dezembro de 2012, foram notificados 7.345 casos de violência em residentes de Recife-PE. Entretanto, 479 desses casos não atendiam à definição de casos notificáveis e foram excluídos do estudo. Desse modo, foram analisados 6.866 casos, a maioria na faixa etária de zero a 19 anos (60,0%). A faixa etária em que houve menos casos notificados foi a de pessoas idosas (3,4% do total de notificações). O ano de 2011 representou 39,8% das notificações. Considerando-se o número de notificações, houve um aumento proporcional de 283,9% entre 2009 e 2012 (Tabela 1).

 

 

A análise da completitude revelou que a proporção média de preenchimento das variáveis foi de 70,3%. Para os blocos de variáveis 'notificação individual e 'dados da pessoa atendida', a média percentual de completitude foi de 69,9%, variando entre 61,6% ('possui algum tipo de deficiência/transtorno') e 84,0% ('situação conjugal/ estado civil'). Para o bloco 'dados da ocorrência', foi de 67,2%, sendo 'hora da ocorrência' a variável com a menor completitude (34,9%) e 'unidade federada' com a maior (81,5%). Nos blocos 'tipologia da violência' e 'violência sexual', a proporção de preenchimento foi de 81,6%, variando entre 65,7% ('meio de agressão') e 95,1% ('tipo de violência sexual'). No bloco 'lesão', a completitude das variáveis foi de 76,6% para 'parte do corpo atingida' e de 73,1% para 'natureza da lesão'. Para o bloco 'dados do provável autor da agressão', a variável 'sexo do provável autor da agressão' obteve a maior completitude (67,5%). O bloco 'evolução e encaminhamento' teve preenchimento de 64,8%, sendo a variável 'evolução do caso' a com menor preenchimento (60,9%) e a 'violência relacionada ao trabalho' a melhor (73,0%) (Tabela 2).

 

 

Comparando-se os anos extremos da série temporal (2009 e 2012), observou-se redução estatisticamente significativa (p<0,05) do percentual de preenchimento (completitude) em sete variáveis. A redução foi maior nas variáveis 'hora da ocorrência' (53,0%) e 'encaminhamento da vítima para outros setores' (44,7%). Entre as seis variáveis que apresentaram aumento estatisticamente significativo (p<0,05) da completitude, destacaram-se a 'natureza da lesão' (43,1%) e a 'raça/cor' (18,9%) (Tabela 2).

Em relação à análise de consistência, a média foi de 99,0% no período, sendo de 89,2% a menor proporção média de consistência (relação entre as variáveis violência psicológica x meio de agressão).

Quando comparados os anos extremos do período estudado, observou-se aumento estatisticamente significativo (p<0,05) no percentual de consistência para as seguintes relações entre as variáveis: lesão autoprovocada x vínculo e violência psicológica (sim) x meio de agressão (exceto ameaça), as quais, juntas, representam dois terços do total das relações avaliadas como estatisticamente significantes. Doze das 26 relações estudadas apresentaram 100,0% de consistência nos quatro anos do período estudado (Tabela 3).

 

 

Do total de casos registrados no período, 23 estavam duplicados, a maioria deles referente ao ano de 2012. Em 2009 e 2010, não foi identificada qualquer duplicidade no banco analisado (Tabela 4).

 

 

Discussão

Os resultados demonstraram que no período estudado, houve aumento no número de notificações de casos de violência em residentes de Recife-PE e melhoria na consistência dessas notificações, embora tenha-se observado diminuição na proporção de completitude e aumento de duplicidade de dados.

O aumento no número de notificações ao longo dos anos sugere maior fortalecimento do VIVA. Apesar de desde 2009 a vigilância da violência ter sido incorporada ao Sinan,3 contribuindo para seu fortalecimento, apenas no ano seguinte, com o advento da Portaria do Ministério da Saúde MS/GM no 2.472, de 31 de agosto de 2010,16 esse agravo passou a constar da Lista de Notificação Compulsória em Unidades Sentinelas, de modo a obrigar os profissionais de saúde a sua notificação. Só em 2011, pela Portaria MS/GM no 104, de 25 de janeiro de 2011,17 a violência passou a compor a Lista de Doenças de Notificação Compulsória universal. O fato de a notificação compulsória da violência ter se tornado universal foi, provavelmente, o principal motivo impulsionador do fortalecimento do VIVA.

Destaca-se o elevado número de casos que não deveriam constar no banco de dados - por exemplo, casos de homens com idade entre 20 e 59 anos vítimas de violência urbana ou casos de acidentes, totalizando 479, que foram excluídos do estudo -, achado indicativo de falha de preenchimento por parte da vigilância epidemiológica do município. Ainda que os profissionais de saúde tenham notificado esses casos equivocadamente, caberia à vigilância identificá-los e excluí-los do banco de dados.

Em relação ao grupo populacional, o fato de o maior número de casos notificados ter sido de crianças/adolescentes, seguido de mulheres na faixa etária de 20 a 59 anos, sugere mais sensibilização dos profissionais de saúde para notificações desses grupos. Quanto às mulheres, segundo Maia e Silva e colaboradores,18 soma-se o fato de haver se desenvolvido um trabalho integrado entre a Secretaria de Saúde de Recife e a Secretaria da Mulher, a Promotoria de Justiça de Pernambuco e organizações não governamentais de Recife-PE, para a notificação e o enfrentamento da violência contra esse segmento populacional.

Apesar de a pessoa idosa também fazer parte do grupo prioritário para a notificação da violência, foram notificados poucos casos nesse grupo. O número de casos notificados em idosos só não foi menor que o de homens na faixa etária de 20 a 59 anos, cuja notificação deve ser feita no VIVA apenas em situações específicas.12 Parte desse cenário pode ser justificada pelo fato de a população idosa corresponder à menor parcela da população de Recife-PE (11,8%),11 como, também, porque esse foi o último segmento da população a ser estudado em relação à violência, tanto no âmbito nacional quanto no internacional.19 No âmbito internacional, durante a década de 1960, os estudos focavam nos maus-tratos na infância. Já na década de 1970, a atenção se voltou para a violência contra as mulheres. Apenas em 1975, no Reino Unido, iniciaram-se investigações individuais sobre a violência contra a pessoa idosa, melhor sistematizadas na década de 1990.20

No que se refere à análise do preenchimento das variáveis, em média, o grau de completitude foi considerado regular e a comparação entre os anos extremos da série estudada demonstrou redução na maioria das variáveis. Esse fato indica a necessidade de se investir na melhoria da qualidade dos dados, ainda mais importante quando se trata de variáveis como hora da ocorrência, tipo de violência e vínculo do provável autor da agressão, fundamentais para subsidiar políticas públicas de enfrentamento à violência. Essas variáveis, juntamente com aquela indicadora de para qual serviço extraordinário ao setor Saúde a vítima foi encaminhada, foram as que apresentaram maior percentual de redução no grau de completitude.

O encaminhamento da vítima pelo profissional de saúde para outro serviço da rede de atenção e proteção social favorece a integralidade e a humanização no atendimento.21 É uma das atribuições do VIVA contínuo articular e integrar essa rede.7 Nesse sentido, Gawryszewski e colaboradores (2007)2 ressaltam que o VIVA contínuo, além de atender às leis e portarias referentes à notificação obrigatória de violência contra a criança, o adolescente, a mulher e a pessoa idosa, estimula os serviços de saúde a estarem atentos para detectar, acolher e encaminhar os casos atendidos, facilitando o acesso à rede de apoio e proteção das vítimas de violência. O elevado grau de incompletude dessa variável dificulta identificar se o registro sobre os encaminhamentos não foi feito pelo sistema de informação ou se os encaminhamentos, de fato, não foram realizados, possivelmente por falta de conhecimento dos profissionais sobre a rede de apoio às vítimas, descrença em sua eficiência ou medo de se comprometer.22,23

É importante destacar que, ao mesmo tempo em que a universalização do VIVA contínuo pode ter sido positiva na ampliação do número de fontes notificadoras e, consequentemente, de casos notificados, também pode ter contribuído para aumentar o número de variáveis incompletas. Com o aumento do número de casos notificados, é provável que a Secretaria de Saúde do Recife tenha tido dificuldade para realizar a crítica das fichas de notificação e investigar os casos. O aumento da demanda na Secretaria também poderia estar relacionado ao elevado número de casos notificados sem indicação para tal e apesar disso, não excluídos do banco de dados. Ainda em relação à completitude, a variável que obteve melhor completitude (95,1%) foi a que indicava a violência sexual. Isso ocorreu, possivelmente, pelo fato de essa variável ser automaticamente marcada pelo Sinan como 'não se aplica' quando a opção 'violência sexual' não foi marcada na variável 'tipo de violência', reduzindo a possibilidade de ser preenchida com a opção 'ignorado' ou 'em branco'.

A qualidade dos dados quanto à consistência mostrou-se melhor que quanto à completitude, uma vez que o pior percentual de consistência foi considerado regular e este foi o grau médio de completitude encontrado. De acordo com Oliveira e colaboradores,24 um fator decisivo para a deficiência na qualidade dos dados é a falta de compromisso dos profissionais com a obrigatoriedade da notificação. Segundo os autores, ainda que o profissional não preencha todas as informações ou preencha-as de forma incoerente no momento da notificação, essas informações devem ser resgatadas pelos profissionais da vigilância epidemiológica mediante revisão de prontuários ou visitas domiciliares. Nesse sentido, a baixa qualidade dos dados, seja em relação à completitude ou à consistência, indicaria falha no momento do preenchimento pelos profissionais dos serviços de saúde e/ou da vigilância epidemiológica.

No que se refere à duplicidade, segundo Lima e colabs. (2009),10 a análise desse aspecto é importante porque repetidas notificações de um mesmo caso podem impactar na superestimação da incidência e/ ou da prevalência de um determinado agravo. O fato de este estudo ter encontrado casos duplicados - não obstante terem sido poucos - sugere que a vigilância epidemiológica precisa melhorar a rotina de identificação das duplicidades para que todos os casos duplicados sejam identificados e excluídos. Considerando-se que na violência doméstica, objeto principal do VIVA contínuo, os episódios de maus-tratos tendem a se repetir,19 é possível que uma mesma vítima busque por atendimento em intervalos curtos de tempo, em função do mesmo tipo de violência e agressor. Isso dificulta a diferenciação entre caso e não caso de duplicidade, podendo justificar os achados do presente estudo.

Laguardia e colaboradores25 citam que a deficiência na qualidade dos dados pode resultar do fato de a maioria dos profissionais considerarem o preenchimento do instrumento de notificação como uma atividade meramente burocrática. A rotina de retroalimentação das informações pela equipe da vigilância junto aos profissionais de saúde, não apenas em relação ao perfil dos casos notificados e à qualidade dos dados produzidos como também - e principalmente - no que se refere ao desdobramento do caso a partir da notificação, pode favorecer a melhoria da qualidade dos dados. Os profissionais poderão se motivar a preencher melhor a ficha de notificação se perceberem que seu preenchimento, efetivamente, gera resolubilidade no caso de violência atendido. Muguande e colaboradores26 sugerem que sejam feitos estudos para compreender as possíveis causas associadas à baixa qualidade das bases de dados e identificar ferramentas apropriadas para sua correção, de modo a garantir que as informações utilizadas pelos gestores possibilitem maior eficiência na definição de políticas públicas.

Apesar dos problemas detectados na qualidade dos dados do Sinan, módulo de violência, a média percentual de completitude, consistência e duplicidade foi considerada, respectivamente, regular, excelente e aceitável. Entre todas as variáveis, as que merecem maior atenção em relação à melhoria da qualidade são as que indicam, especialmente a hora da ocorrência e se a violência ocorreu outras vezes. O uso dessas variáveis deve ser feito com bastante cautela, em função do elevado grau de incompletude apresentado.

É importante considerar que o estudo se limitou a estudar três dimensões de qualidade da informação. Por não ter investigado outras, como cobertura, confiabilidade e validade, não permite julgar se os casos notificados retratam a realidade da violência na Cidade de Recife-PE. Entretanto, demonstra que muitos casos foram notificados, casos que precisam ter suas informações completas e consistentes para que possam ser adotadas medidas de intervenção.

Sugere-se que a Secretaria de Saúde do Recife adote estratégias para melhorar o preenchimento da ficha de notificação/investigação de violência doméstica, sexual e/ou outras violências em relação à completitude e consistência dos dados nela registrados. São algumas dessas estratégias: capacitação dos profissionais de saúde para o adequado preenchimento da ficha; sensibilização desses profissionais sobre a importância da qualidade dos registros por eles produzidos; monitoramento sistemático, por parte da equipe de vigilância, da qualidade do banco de dados, realizando análises de rotina para identificar sua eventual incompletude, inconsistência e/ou duplicidade; e realização do resgate das informações. Igualmente, é imprescindível retroalimentar os profissionais de saúde envolvidos e interessados nessas notificações sobre os resultados e as informações obtidas de suas análises.

 

Contribuição dos autores

Abath MB concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados e redação do manuscrito.

Lima PS e Silva MCM participaram do delineamento do estudo e revisão do manuscrito.

Lima MLLT e Lima MLC concepção e delineamento do estudo e revisão do manuscrito.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

Referências

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2. Gawryszewski VP, Silva MMA, Malta DC, Mascarenha MDM, Costa VC, Matos SG, et al. A proposta da rede de serviços sentinela como estratégia da vigilância de violências e acidentes. Cienc Saude Coletiva. 2007;11(Supl.):1269-78.

3. Ministério da Saúde (BR). Vigilância de Violências e Acidentes, 2006 e 2007. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. 154 p.

4. Dahlberg LL, Krug EG. Violence: a global public health problem. In: Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R, editors. World report on violence and health. Geneva: World Health Organization; 2002. p. 1-22.

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Endereço para correspondência:
Marcella de Brito Abath
- Rua Guedes Pereira, no 144, apto. 703,
Casa Amarela, Recife-PE, Brasil.
CEP: 52060-150
E-mail: abtabt@ig.com.br

Recebido em 23/07/2013
Aprovado em 24/01/2014

 

 

*Este artigo é um dos produtos da tese de Doutorado em Saúde Pública, a ser defendida no primeiro semestre de 2014 pela autora principal do artigo junto ao Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães da Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Recife-PE .