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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.2 Brasília jun. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000200007

ARTIGO ORIGINAL

 

Vigilância epidemiológica da doença de Chagas no estado de São Paulo no período de 2010 a 2012*

 

Epidemiological Surveillance of Chagas disease in the State of São Paulo, Brazil, 2010-2012

 

 

Rubens Antonio da Silva; Gerson Laurindo Barbosa; Vera Lúcia Cortiço Correa Rodrigues

Superintendência de Controle de Endemias, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, São Paulo-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever os indicadores da vigilância epidemiológica da doença de Chagas no estado de São Paulo, Brasil.
MÉTODOS: foi realizado estudo descritivo dos indicadores entomológicos e epidemiológicos obtidos a partir das atividades desenvolvidas pela Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) no período de 2010 a 2012.
RESULTADOS: foram realizadas 3.867 notificações de insetos, dos quais 72,0% eram triatomíneos; das 2.785 notificações de triatomíneos recebidas, as pesquisas realizadas nos atendimentos resultaram no encontro do vetor em 746 domicílios; onde foram coletados 15.634 exemplares de triatomíneos, 3,4% deles positivos para Trypanosoma cruzi; a espécie mais coletada foi a Triatoma sordida, predominantemente no peridomicílio; não foi constatada reação positiva para T. cruzi em qualquer das amostras de morador examinadas.
CONCLUSÃO: apesar do elevado número de notificações de triatomíneos e da constatação de positividade para T. cruzi nesses vetores, não foram encontradas evidências de transmissão da doença de Chagas.

Palavras-chave: Doença de Chagas; Controle de Vetores; Triatomíneos; Epidemiologia Descritiva; Vigilância Epidemiológica.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe epidemiological surveillance indicators of Chagas disease in the State of São Paulo, Brazil.
METHODS: this was a descriptive study of entomological and epidemiological indicators obtained based on activities undertaken by the Endemic Disease Control Department (SUCEN) between 2010-2012.
RESULTS: there were 3,867 notifications of insects, of which 72.0% were triatomines. Of the 2,785 triatomine notifications received, the vector was subsequently found in 746 households visited, 15,634 specimens of triatomines were collected, 3.4% were positive for Trypanosoma cruzi. Triatoma sordida was the most collected species and was predominantly found in housebold surroundings. Sample household residents had no positive reaction for T. cruzi.
CONCLUSION: despite the high number of triatomine notifications and T. cruzi positive results in these vectors, no evidence was found of Chagas' disease transmission.

Key words: Chagas Disease; Vector Control; Triatomine; Descriptive Epidemiology; Epidemiological Surveillance.


 

 

Introdução

A doença de Chagas apresenta larga distribuição no Continente Americano.1,2 É conhecida a existência de vetores da doença desde o sul dos Estados Unidos da América até a Argentina. São mais de 100 espécies de vetores envolvidas na transmissão natural da infecção pelo Trypanosoma cruzi, seja intervindo diretamente em sua veiculação no ambiente domiciliar, seja participando na manutenção da enzootia chagásica.3 Na América Latina, o número de pessoas vivendo em áreas de risco para aquisição de Trypanosoma cruzi diminuiu entre 1990 e 2006, de cerca de 100 milhões de pessoas para aproximadamente 40 milhões.4 De acordo com estimativas da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), entre 20 e 34% da população latino-americana encontrava-se em situação de risco para contrair a doença de Chagas, sendo quase 7,7 milhões os indivíduos infectados na região, em 2005.5

No estado de São Paulo, no início da década de 1970, foi alcançada a interrupção da transmissão natural da doença de Chagas. Desde então, promoveram-se sucessivas reformulações no Programa de Controle da Doença de Chagas (PCDCh) do estado, com o intuito de manter a interrupção dessa transmissão, bem como investigar as manifestações humanas decorrentes da presença do Triatoma infestans e de colônias de outras espécies de triatomíneos associadas à infecção por T. cruzi no ambiente intradomiciliar, além de identificar e combater os focos domiciliares desses vetores.6

Após a eliminação do T. infestans, as espécies nativas de triatomíneos assumiram papel de maior relevância em São Paulo. Entre essas espécies, destacaram-se o Triatoma sordida, cuja maior área de dispersão inclui o planalto de São Paulo - regiões de São José do Rio Preto, Araçatuba, Presidente Prudente e parte de Ribeirão Preto -, coincidindo com a área de dispersão do Rhodnius neglectus. Essas espécies colonizam o peridomicílio e raramente estão acompanhadas de infecção por T. cruzi, representando pequeno grau de importância epidemiológica para a transmissão da doença de Chagas humana. Outra espécie de triatomíneo, o Panstrongylus megistus, encontra-se nas regiões do Vale do Ribeira, Sorocaba, Campinas e Litoral Norte, além de municípios da região de Ribeirão Preto, na divisa com o estado de Minas Gerais. Esta última espécie tem sido encontrada - com grande frequência - em colônias no intradomicílio, apresentando consideráveis índices de infecção natural.7,8

Para essas espécies, tem sido possível manter níveis de infestação e de colonização intradomiciliar incompatíveis com a transmissão da doença de Chagas, apesar de ser necessário um trabalho de vigilância de caráter contínuo, com pronta intervenção, sempre que haja evidência de constituição de colônias de triatomíneos nos domicílios.9 A participação da população na vigilância entomológica do Programa de Controle da Doença de Chagas foi instituída em 1983 como medida para a descoberta de colônias de triatomíneos; porém, somente no ano de 2004, a participação do cidadão passou a ser a única estratégia de vigilância entomológica instituída no estado de São Paulo. O encaminhamento de insetos suspeitos de serem triatomíneos é feito com a colaboração-intermediação das unidades básicas de saúde e das escolas, ou diretamente pelos Serviços Regionais da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen). A partir do recebimento de triatomíneos, enviados pela população, é programado atendimento com pesquisa entomológica minuciosa na unidade domiciliar e nos domicílios de seu entorno.6

O objetivo deste estudo foi descrever os indicadores da vigilância epidemiológica da doença de Chagas no estado de São Paulo, correspondentes ao período de 2010 a 2012.

 

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo dos indicadores entomológicos e epidemiológicos do Programa de Controle da Doença de Chagas - PCDCh - desenvolvido no estado de São Paulo pela Sucen, referente ao período de janeiro de 2010 a dezembro de 2012.

A vigilância entomológica no estado ocorreu por meio do estímulo ao encaminhamento, pela população, de exemplares suspeitos de serem triatomíneos (atividade de notificação), recebimento desses exemplares e atendimento de toda notificação de triatomíneo (atividade de atendimento à notificação), seguidos de pesquisa entomológica minuciosa na unidade domiciliar, em prazo não superior a 60 dias. Tal estímulo partiu da capacitação de profissionais de todos os municípios paulistas no tocante ao componente educativo do PCDCh, com palestras que reforçavam a importância da manutenção dessa vigilância.

A pesquisa entomológica englobou a casa e o peridomicílio da unidade notificante, além das casas situadas em um raio de 200 metros - para a área de dispersão da espécie T. sordida - e de 100 metros - para área de dispersão do P. megistus. A atividade, designada como de extensão, foi dirigida ao local de repouso e abrigo de animais que constituíam fonte alimentar para os triatomíneos. Todas as notificações de triatomíneos recebidas no período foram atendidas.

O controle do vetor foi realizado por meio da borrifação dos imóveis utilizando inseticidas da classe dos piretróides (Alfacipermetrina em suspensão concentrada de 20%, na dose de 40 mg/m2), aplicados no local de coleta do triatomíneo, e respectiva revisão do controle químico após 60 a 90 dias da realização da atividade em área de P. megistus, com nova borrifação quando do encontro de insetos vivos.

Os triatomíneos coletados foram submetidos a exame do conteúdo intestinal, através de esfregaço em lâmina de vidro, para identificação de positividade por T. cruzi (infecção natural). Aqueles com resultado positivo foram submetidos à reação de precipitina para identificação do sangue ingerido, utilizando-se prova completa com os anti-soros humano, marsupial, roedor, canídeo, felídeo e de aves.6

Foram realizados exames sorológicos - com coleta de sangue por punção digital em papel filtro - de moradores das unidades domiciliares onde tenha sido constatada a presença de Triatoma infestans ou de colônias intradomiciliares de triatomíneos de qualquer espécie associada à infecção por T. cruzi, mediante aplicação de pelo menos duas técnicas - imunofluorescência indireta e imunoensaio enzimático -, seguindo protocolos de bula, além de investigação epidemiológica familiar.6 Em domicílios com detecção de indivíduos soropositivos, especial atenção foi concedida àqueles nascidos no estado de São Paulo e com idade igual ou inferior a 35 anos: indivíduos pertencentes a esse grupo de idade estariam fora da época considerada como de transmissão natural intensa da doença no estado de São Paulo, o que poderia ser indicativo de transmissão recente.

Os resultados dessa avaliação foram consolidados a partir dos relatórios disponíveis no sistema de informações sobre doença de Chagas da Sucen.6

O presente estudo foi submetido e aprovado pela Sucen. A análise baseou-se em dados secundários, com a divulgação de dados agregados, tão-somente. O estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, sob registro de no 1210/12.

 

Resultados

No período de 2010 a 2012, foram encaminhadas à Sucen 3.867 notificações de insetos, das quais 72,0% (2.785/3.867) corresponderam a triatomíneos. Essas notificações procederam de 318 diferentes municípios (49,3% dos existentes no estado), variando de 251 a 289 municípios entre os anos estudados. Os atendimentos positivos, ou seja, com encontro de novos exemplares de triatomíneos nos domicílios pesquisados, corresponderam a 26,7% no período estudado (Tabela 1).

 

 

Na Figura 1, apresenta-se a distribuição espacial das notificações de outros insetos e de triatomíneos, de acordo com a espécie notificada no período considerado.

 

 

As pesquisas realizadas nos atendimentos às 2.785 notificações de triatomíneos resultaram na identificação do vetor em 746 domicílios (26,7%); em 80,6% (601/746) desses domicílios, o exemplar foi encontrado no peridomicílio. Simultaneamente a esses atendimentos, foram pesquisados outros 6.476 imóveis localizados ao redor das casas notificantes, onde houve positividade para triatomíneos de 8,4% (544/6.476).

No período estudado, foram coletados 15.634 exemplares de triatomíneos, dos quais 3,4% foram positivos para T. cruzi (Tabela 2). A espécie mais encontrada foi a T. sordida, representando 78,9% (12.338/15.634) dos exemplares estudados, presentes predominantemente no peridomicílio [89,7% (11.067/12.338)] e distribuídos nas regiões norte, oeste e noroeste do estado. A espécie apresentou baixa proporção de infecção natural: 0,5% (63/11.822). Quando verificado o hábito alimentar desses triatomíneos, 1,6% (1/63) foram reagentes para sangue humano (dados não apresentados em tabela).

 

 

A espécie Panstrongylus megistus correspondeu a 15,6% (2.453/15.634) dos exemplares coletados, principalmente na encosta da Serra da Mantiqueira, ao leste, e em regiões de Mata Atlântica. Esses exemplares foram coletados predominantemente no peridomicílio, correspondendo a 79,8% (1.957/2.453) dos casos. Destaca-se o elevado percentual de infecção natural dessa espécie (23,6%), justificado pelo encontro de um foco com grande número de exemplares infectados nos municípios de São Sebastião da Grama e Santo Antônio do Jardim, onde foram coletados 1.206 exemplares, sendo 369 deles positivos para T. cruzi (30,6%). Quando analisado o hábito alimentar dos triatomíneos, verificou-se que em três exemplares, houve reação para o sangue humano. Os maiores percentuais foram observados para sangue de marsupial [35,5% (152/428)] e sangue de roedores [26,2% (112/428)] (dados não apresentados em tabela). Para R. neglectus e T. tibiamaculata, as amostras testadas não foram reagentes para qualquer dos anti-soros da bateria. Ressalta-se que todos os 75 exemplares de T. tibiamaculata enviados por moradores, via notificação, foram coletados no intradomicílio.

Quando observada a coleta de triatomíneos segundo atividade desenvolvida no âmbito do PCDCh, pôde-se apreender que a maior coleta desses vetores ocorreu na atividade de atendimento às notificações, quando 6.556 exemplares foram coletados (Tabela 3). No período estudado, a taxa de colonização observada para todas as espécies de triatomíneos foi de 17,6%, com a presença de triatomíneos em estágios iniciais de formação em 499 domicílios.

 

 

Foram examinadas 22 amostras de sangue de moradores de cinco domicílios com presença de colônias de triatomíneos infectados, não sendo constatada reação positiva para T. cruzi em qualquer uma delas (dados não apresentados em tabela).

 

Discussão

Os resultados deste estudo corroboram a não ocorrência da transmissão vetorial da doença de Chagas no estado de São Paulo. Ao longo do período estudado, houve boa cobertura de municípios que notificaram insetos suspeitos e manutenção de positividade para triatomíneos na investigação das notificações. Foi observada baixa proporção de infecção natural por T. cruzi em triatomíneos, com pequeno percentual desses vetores tendo se alimentado de sangue humano.

Com o controle da doença de Chagas no Brasil, que obteve certificação internacional de eliminação da transmissão da enfermidade pelo Triatoma infestans conferida pela OPAS, torna-se cada vez mais rara a possibilidade de ocorrência de transmissão vetorial da doença em São Paulo e no país.2,10

O modelo de vigilância entomológica para doença de Chagas mostrou-se eficaz no estado, demonstrando invasão esporádica de triatomíneos no intradomicílio e colonização do peridomicílio por espécies secundárias. A presença de anexos domiciliares (peridomicílio), como galinheiros e paióis onde há disponibilidade de fonte alimentar para os triatomíneos, tem funcionado como barreira a impedir a invasão das espécies no intradomicílio.11 O PCDCh no estado de São Paulo evitou a domiciliação das espécies de triatomíneos ou manteve a densidade intradomiciliar em níveis muito baixos. Este fato também foi observado por outros autores, quando avaliaram o PCDCh no estado de Minas Gerais, no período de 1984 a 1998.12 A ausência de colonização em grau significativo de densidade no ecótopo humano, dissociado de infecção natural, é fator impeditivo para a transmissão da doença em humanos.

A notificação de triatomíneos pela população ocorreu de forma contínua em São Paulo. O morador, mediante a notificação de triatomíneos, contribuiu para a seleção das casas a serem pesquisadas e com maior chance de ser infestadas, permitindo o monitoramento da situação.13 As notificações de triatomíneos procederam de todas as regiões, conforme avaliações anteriores realizadas no estado.7,8

No período analisado, o T. sordida, comparado às demais espécies encontradas no estado, foi o triatomíneo com maior número de exemplares coletados, embora com os menores índices de infecção natural. Foram mais frequentes as detecções de T. sordida nas regiões norte e noroeste paulistas, geralmente em capturas peridomiciliares e com baixo grau de infecção natural, em região agrícola e climática bem definida. Entretanto, o Panstrongylus megistus se mostrou cada vez mais próximo ao homem e constituiu o vetor mais importante da doença de Chagas no estado, fato evidenciado pelo processo de domiciliação da espécie e altos índices de infecção natural.6-8,14

Neste estudo, verificou-se que a colonização das espécies observadas ocorreu principalmente no peridomicílio, ambiente problemático para o controle químico dos insetos. Nesse local, o efeito residual dos inseticidas é menor porque esses produtos sofrem maior ação das variações climáticas, da incidência direta do sol e das chuvas.15

Inquérito de soroprevalência de infecção chagásica, também realizado no estado de São Paulo, entre os anos de 2001 a 2008, dirigido às crianças de 0 a 5 anos de idade, coletou 4.725 amostras oriundas de 238 municípios sem que se detectasse presença de sororreagentes.16 A sorologia de infecção chagásica em moradores de unidades domiciliares com presença comprovada de triatomíneos infectados não revelou a transmissão natural pelas espécies secundárias no estado de São Paulo,7,8,17 como também demonstra o presente estudo.

Ainda que os resultados apresentados indiquem baixo risco de transmissão vetorial pelas espécies secundárias, tem sido possível detectar infestação e colonização intradomiciliar, o que justifica a vigilância contínua, com pronta intervenção, sempre que houver evidência de constituição de colônias na habitação.

Do ponto de vista das estratégias de vigilância entomológica, ratifica-se a contribuição da vigilância passiva, realizada pela população, para a descoberta de colônias de triatomíneos. Entretanto, tendo em vista a baixa participação da população, seja em áreas específicas, seja em um contexto mais amplo, e reduzida ou nenhuma demanda social espontânea pelas ações de controle da doença de Chagas, é fundamental o desenvolvimento de atividades permanentes e contínuas de sensibilização da população para a melhoria de condições sanitárias dos domicílios rurais e a vigilância de vetores. Muitas vezes, a população não reconhece o problema doença de Chagas.18 Avaliações das notificações de triatomíneos pela população apontaram áreas do estado de São Paulo sem presença de notificações. Para monitorar essa situação, foi proposta a busca ativa em localidades dessas áreas, com resultados que demonstraram a ausência de infestação, reafirmando a não ocorrência de notificações de triatomíneos. De todo modo, os trabalhos de educação em saúde foram intensificados, visando manter a população motivada a identificar a presença de insetos vetores e encaminhá-los às áreas competentes para a confirmação e controle de eventuais focos de infestação.19

Independentemente desse fator, o quadro descrito sugere pensar ações que promovam o avanço na descentralização da pesquisa entomológica e controle dos vetores da endemia entre os municípios paulistas, precedidas da necessária revisão das normas atuais técnicas de vigilância e controle da transmissão vetorial da doença de Chagas. Para a proposição da reformulação da norma técnica, deve-se considerar a conveniência e validade de estratégia de abordagem de risco no planejamento das atividades.

O cenário apresentado pelo estado de São Paulo, de baixo risco de transmissão da doença de Chagas, possibilita que todas as ações de vigilância e controle fiquem sob a responsabilidade do gestor municipal. Dessa forma, a Sucen/Secretaria de Estado da Saúde poderá assumir outras responsabilidades na vigilância da doença de Chagas, como por exemplo:

a) constituição de uma rede de monitoramento dos vetores, acompanhando os municípios mediante a definição e análise de indicadores de risco e a implantação do PCDCh;

b) capacitação dos servidores de laboratório nas esferas estadual e municipal;

c) capacitação dos servidores municipais para as ações de vigilância e controle;

d) gerenciamento dos sistemas de informações e acompanhamento dos casos agudos detectados; e

e) proposição de estudos que respondam às questões de vigilância e controle, como a avaliação da capacidade e competência vetorial de novas espécies de triatomíneos encontradas em diferentes ecótopos.

Sugere-se avaliar o custo-efetividade de diferentes formas de implementação e operacionalização das estratégias de controle, a suscetibilidade e a resistência de espécies de triatomíneos a inseticidas, além de propor estudos de estratégias para o aprimoramento e fortalecimento dos sistemas de vigilância para identificação precoce de situações de risco em áreas urbanas e em áreas sob controle da transmissão vetorial. Ademais, faz-se mister avaliar - qualitativa e quantitativamente - as mudanças na paisagem e no uso do solo (ao longo do tempo e do espaço) que influenciem a infestação por vetores da doença de Chagas; e desenvolver estratégias de mobilização comunitária nas práticas de educação em saúde, para a vigilância entomológica da doença de Chagas.

Segundo Silveira,20 a descentralização dos programas de controle de endemias pode originar benefícios: (i) respostas oportunas e eficazes, em virtude da possibilidade de efetuar intervenções imediatas; (ii) maior adequação das ações, em razão dos trabalhadores municipais apresentarem conhecimento preciso da realidade local; e (iii) maior continuidade das operações nas municipalidades, dada à possibilidade de serem executadas pelos serviços de saúde locais. Porém, o mesmo estudo citado relatou algumas dificuldades, possíveis de ocorrer no novo sistema, como ausência de prioridade na abordagem da questão por parte das autoridades locais, e perda de coesão entre as ações, desenvolvidas de forma desarticulada e descontinuada. Vale ressaltar que o problema da desarticulação e quebra de continuidade nas ações de vigilância e controle dos triatomíneos foi diagnosticado por Villela e colaboradores21,22 em municípios de Minas Gerais. Uma das evidências apontadas nesse sentido foi o fato de o processo de descentralização das endemias não ter acontecido de forma gradativa, impedindo a preparação adequada de repasse das responsabilidades da vigilância epidemiológica aos municípios - a mesma dificuldade observada para o Brasil, de acordo com Cerqueira e cols.23

Este estudo apresenta limitações metodológicas comuns às pesquisas com base em dados secundários, principalmente no que toca à subnotificação de insetos suspeitos. Não obstante, ele se justifica como avaliação operativa da vigilância da doença de Chagas e análise da tendência de domiciliação de espécies de triatomíneos no estado de São Paulo.

Apesar de todo esforço realizado até o momento da conclusão deste estudo, para manutenção dos indicadores entomológicos de vigilância ao longo dos anos, sempre haverá a possibilidade da presença das espécies secundárias de triatomíneos no ambiente domiciliar e, consequentemente, a ameaça da continuidade do convívio da população com esses vetores, em maior ou menor intensidade. O controle das populações de triatomíneos domiciliares em níveis incompatíveis com a transmissão da doença de Chagas deve-se aplicar às espécies nativas e obriga a manutenção de ações permanentes de vigilância, melhor acompanhadas pela esfera municipal. O reforço ao funcionamento adequado do sistema de vigilância existente, permitiria assegurar os resultados alcançados e reafirmar um dos princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde brasileiro: a descentralização das ações em saúde.

No âmbito da vigilância epidemiológica, os dados apresentados podem contribuir para o aprimoramento das ações de controle da doença de Chagas, especialmente em um modelo participativo como o do Programa de Controle da Doença de Chagas no estado de São Paulo, de caráter educativo, pautado em ações integradas com o Programa de Agentes Comunitários de Saúde e a própria Estratégia Saúde da Família, no sentido de estimular a notificação e orientação para o manejo do ambiente.

 

Contribuição dos autores

Silva RA participou da concepção, delineamento, análise dos bancos de dados, redação e revisão do manuscrito.

Barbosa GL participou do delineamento do estudo, análise e revisão do manuscrito.

Rodrigues VLCC participou do delineamento do estudo, análise e revisão do manuscrito.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Rubens Antonio da Silva
- Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo,
Superintendência de Controle de Endemias,
Rua Paula Sousa, no 166, 1o andar, Luz,
São Paulo-SP, Brasil. CEP: 01027-000
E-mail: rubensantoniosilva@gmail.com

Recebido em 26/08/2013
Aprovado em 08/05/2014

 

 

*Estudo financiado com recursos da Superintendência de Controle de Endemias, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.