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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.2 Brasília jun. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000200009

ARTIGO ORIGINAL

 

Investigação epidemiológica dos óbitos notificados tendo como causa básica a hanseníase, ocorridos em Fortaleza, Ceará, 2006-2011*

 

Epidemiological investigation of reported deaths having as the primary cause of leprosy occured in Fortaleza, Ceará, 2006-2011

 

 

Margarida Cristiana Napoleão RochaI; Leila Posenato GarciaII

IPrograma de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade de Brasília e Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil
IIDiretoria de Estudos Setoriais, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Secretaria de Assuntos Estratégicos, Presidência da República e Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever as características e os resultados da investigação dos óbitos registrados tendo como causa básica a hanseníase, ocorridos em hospitais selecionados do município de Fortaleza-CE, Brasil.
MÉTODOS: estudo descritivo, do tipo de série de casos, em que foram investigados óbitos registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) no período 2006-2011; a investigação foi conduzida por equipe multidisciplinar treinada, utilizando instrumento padronizado, e consulta a prontuários hospitalares e ambulatoriais.
RESULTADOS: dos 19 óbitos investigados, confirmou-se que 11 ocorreram por complicações da hanseníase, e destes, a maioria foi de homens (n=9) e indivíduos de cor da pele ou raça preta/parda (n=10); entre os óbitos confirmados por hanseníase, o motivo da internação mais frequente foi reação hansênica (n=7).
CONCLUSÃO: a investigação confirmou a ocorrência de óbitos causados por complicações da hanseníase, assim como a existência de óbitos por outras causas embora registrados como sendo por hanseníase.

Palavras-chave: Hanseníase/mortalidade; Registros de Mortalidade; Sistemas de Informação; Epidemiologia Descritiva.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the characteristics of deaths occurring in selected hospitals in Fortaleza, CE, Brazil, having leprosy recorded as the underlying cause.
METHODS: this is a descriptive case series study of deaths recorded on the Mortality Information System (SIM) between 2006-2011. The study was conducted by a trained multidisciplinary team using a standardized instrument to examine inpatient and outpatient medical records.
RESULTS:
11 of the 19 deaths investigated were confirmed to have occurred owing to leprosy complications. The majority of these were males (n=9) and people with black/brown skin color or race (n=10). The most frequent reason for their hospitalization was leprosy reaction (n=8).
CONCLUSION:
the study confirmed the number of deaths caused by leprosy complications, as well as the existence of deaths from other causes recorded as being due to leprosy.

Key words: Leprosy/mortality; Mortality Registries; Information Systems; Descriptive Epidemiology.


 

 

Introdução

A hanseníase constitui um importante problema de Saúde Pública no Brasil, sobretudo por sua magnitude e alto potencial incapacitante. Apesar da tendência de redução da endemia no país, prevalências elevadas ainda são encontradas em suas macrorregiões Norte e Centro-Oeste. Em 2011, o coeficiente de prevalência pontual foi de 1,54 casos de hanseníase por 10 mil habitantes, o que corresponde a 29.690 casos em tratamento. Naquele ano, foram notificados 33.955 casos novos da doença.1

A mortalidade por hanseníase apresenta baixa magnitude, uma vez que a doença raramente constitui causa direta de óbito.2 Poucos estudos abordaram a mortalidade tendo por causa a doença;3 contudo, há relatos de óbitos relacionados a alterações sistêmicas, possivelmente devido à presença direta do Mycobacterium leprae ou a estados reacionais, a depender do grau de infiltração, da presença de outras infecções e dos efeitos adversos às drogas.4 Destacam-se, também, o fenômeno de Lúcio - reação necrotizante da pele de pacientes com forma virchowiana difusa, com infiltração difusa do tegumento sem aparecimento de nódulos - e a amiloidose secundária na hanseníase, doença degenerativa que pode evoluir para insuficiência renal e, eventualmente, levar a óbito.5

Engers e Morel estimaram que, no mundo, ocorram cerca de 4.000 óbitos por hanseníase a cada ano, o que, de fato, é um quantitativo baixo se considerada a estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a prevalência de hanseníase com grau 2 de incapacidade física, da ordem de milhões de casos.6

No Brasil, ao observarem o período de 2004 a 2009, Rocha e colaboradores descreveram registro de 1.463 óbitos com hanseníase como causa básica no país, o que corresponde a 243 óbitos, em média, por ano. Destes, 820 (56%) foram encontrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e também no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan); 643 óbitos (44%), porém, foram encontrados apenas no SIM.7 O fato de existirem óbitos por hanseníase para os quais não foi encontrado registro do caso correspondente no Sinan levanta duas hipóteses: a ocorrência de erro de classificação da causa básica do óbito no SIM; e/ou a subnotificação de casos no Sinan.7

Estudo sobre a mortalidade de pessoas acometidas pela hanseníase no estado de São Paulo revelou que as doenças infecciosas e parasitárias representaram as principais causas de óbito. Entretanto, o mesmo estudo ressaltou que a baixa letalidade da doença é consenso clássico e se baseia na assertiva de que o doente morre com hanseníase e não de hanseníase.2

Mello Jorge e colaboradores destacaram que a finalidade precípua da investigação de óbito é a qualificação da informação ou vigilância do óbito e, portanto, recomendaram sua realização, inclusive nos casos em que a causa não está devidamente esclarecida na Declaração de Óbito (DO) ou que, embora a causa esteja bem definida, seja necessário compreender porque a morte ocorreu.8

No país, tendo em vista o registro de óbitos por hanseníase como causa básica e a existência de inconsistências entre a notificação de óbitos e casos registrados nos sistemas de informações nacionais,7 o presente estudo justifica-se pela necessidade de se investigar esses óbitos, e assim contribuir para a melhoria da vigilância da doença.

O objetivo deste estudo foi descrever as características e os resultados da investigação dos óbitos registrados tendo como causa básica a hanseníase, ocorridos em hospitais selecionados do município de Fortaleza, estado do Ceará, Brasil, no período de 2006 a 2011.

 

Método

Trata-se de estudo descritivo, do tipo de série de casos, no qual foram investigados os óbitos tendo por causa básica a hanseníase (A.30), segundo a Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), registrados no SIM e ocorridos em hospitais selecionados do município de Fortaleza, no período de 2006 a 2011.

Fortaleza é a capital do estado do Ceará, que possuía 2.452.185 habitantes em 2010. O município foi escolhido por ser o terceiro no país com maior número desses óbitos, no referido período,9 e o primeiro em número de casos novos da doença no ano de 2012 (n=104).

Para a investigação, foram selecionados os óbitos ocorridos em quatro hospitais de Fortaleza-CE (aqui denominados A, B, C e D), pela razão de concentrarem a maioria (n=23) dos óbitos com causa básica registrada como hanseníase, entre todos os óbitos pela doença ocorridos nos hospitais do município (n=31), no período considerado. A investigação foi realizada a partir das informações contidas nos prontuários das unidades de saúde ambulatorial em que os casos de hanseníase haviam sido atendidos, e de estabelecimentos hospitalares onde os óbitos ocorreram.

A investigação foi conduzida por equipe multidisciplinar treinada, utilizando-se um instrumento padronizado, criado para essa finalidade, tendo por base o modelo da 'Ficha de Investigação de Óbitos com Causa Mal Definida', adotada pelo Ministério da Saúde.10 O instrumento da coleta dos dados elaborado (Figura 1) está dividido em cinco partes:

 

 

- a primeira parte corresponde à identificação do óbito e do caso, tendo como fontes de dados a DO e a ficha de notificação do caso;

- a segunda parte do instrumento de coleta é preenchida a partir da investigação no prontuário da unidade de saúde ambulatorial;

- a terceira parte aborda a investigação no estabelecimento hospitalar de ocorrência do óbito;

- a quarta objetiva subsidiar a conclusão da investigação, no que se refere à verificação se o óbito foi provocado pela hanseníase ou, caso contrário, qual teria sido a provável causa do óbito; e

- a quinta parte do instrumento de coleta consiste da identificação do investigador.

Os dados dos óbitos foram descritos e comparados quanto às frequências absolutas das seguintes variáveis:

- ano de ocorrência (2006 a 2011);

- sexo (masculino, feminino);

- cor da pele ou raça (branca, parda/preta);

- faixa etária (<15, 15-60, ≥60);

- escolaridade (sem escolaridade, 1 a 3 anos, 4 a 7 anos, 8 a 11 anos, ignorada);

- hospital de ocorrência do óbito (A, B, C, D);

- causa básica (hanseníase não especificada, hanseníase lepromatosa, hanseníase indeterminada, hanseníase tuberculóide, outras formas, hanseníase dimorfa);

- notificação ao Sinan (sim, não);

- classificação operacional (paucibacilar, multibacilar);

- forma clínica (indeterminada, tuberculóide, dimorfa, virchowiana, não classificada, ignorada);

- número de doses supervisionadas de poliquimioterapia (PQT) administradas (categorias numéricas);

- tipo de saída (cura, transferência para o mesmo município, transferência para outro município, óbito);

- tempo entre a data do diagnóstico e a data do óbito (em meses);

- motivo da internação; e

- quadro clínico descrito no prontuário.

Os dados foram inseridos em uma planilha eletrônica do programa Excel versão 2010, o qual também foi utilizado para tabulação.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), validado por Comitê Avaliador Externo à UnB - CAE no 11408612.8.0000.0030 - e autorizado pelo Parecer no 190.905, emitido em 30 de janeiro de 2013.

 

Resultados

Dos 23 óbitos considerados, 19 foram investigados. Quatro óbitos foram excluídos por não terem sido encontrados os respectivos prontuários hospitalares. Como resultado da investigação, constatou-se que 11 óbitos decorreram de complicações da hanseníase, sendo denominados confirmados. Sete óbitos foram descartados quanto à provável causa ser a hanseníase. Para o caso remanescente, a investigação resultou inconclusiva.

A Tabela 1 descreve as características dos óbitos. Do total de óbitos investigados, a maioria era de homens (n=12), indivíduos de cor da pele ou raça preta/parda (n=17) e com 60 ou mais anos de idade (n=12). Quanto à escolaridade, observou-se elevado número de informação ignorada (n=6). Mais da metade dos óbitos (n=10) ocorreram no hospital denominado D. A causa básica de óbito registrada com maior frequência no SIM foi hanseníase não especificada (n=16). Para quatro óbitos, não foi encontrada a notificação do caso correspondente no Sinan. Desses quatro óbitos, dois foram confirmados e dois foram descartados.

 

 

Entre os óbitos confirmados por esta investigação, o motivo da internação descrito com maior frequência foi reação hansênica (n=7), seguido por fenômeno de Lúcio (n=2), síndrome da sulfona (n=1) e lúpus (n=1).

Destaca-se o óbito que foi confirmado por causa relacionada à hanseníase e teve internação motivada pelo diagnóstico de lúpus. A presença de reação de tipo 2 foi confirmada no dia anterior ao falecimento, ainda que, durante a internação, a conduta terapêutica tenha sido conduzida para lúpus. O diagnóstico incorreto, sem consideração da hanseníase como diagnóstico provável, abriu margem para a realização de conduta iatrogênica. Todavia, para o propósito do presente estudo, optou-se por classificar esse óbito como tendo sua causa relacionada à hanseníase.

Entre os óbitos descartados, os motivos da internação foram distintos para cada um deles: linfoma (neoplasia) (C82); eritema polimorfo (síndrome de Stevens-Johnson) (L51); íleo paralítico e obstrução intestinal sem hérnia (K56); hemorragia subaracnoide (I60); insuficiência cardíaca (I50); insuficiência respiratória (J96); e pneumonia (J15) (Tabela 1).

A notificação ambulatorial ocorreu em sete unidades de saúde. Destas, a unidade de referência para tratamento da hanseníase no estado do Ceará concentrou nove casos. Cada uma das demais unidades de saúde fez o registro de um caso. Tendo em vista que três unidades notificadoras estavam situadas em outros municípios, três óbitos não foram investigados nas unidades ambulatoriais de tratamento. Não obstante, as informações disponíveis nas fichas de investigação foram utilizadas.

A Tabela 2 apresenta as características clínicas dos óbitos investigados para os quais foi encontrada correspondência de registro no Sinan (n=15). A maior parte desses óbitos apresentou classificação operacional multibacilar (n=14), forma clínica virchowiana (n=8), e recebeu esquema terapêutico da PQT de 12 doses (n=5). Quanto ao tipo de 'saída' do Sinan, prevaleceu a cura (n=7), seguida por óbito (n=3) e transferência para o mesmo município (n=4). A maioria dos óbitos ocorreu nos primeiros 12 meses após o diagnóstico (n=7). Quatro óbitos confirmados como decorrentes da hanseníase ocorreram após o término da PQT e tiveram alta por cura como tipo de saída do Sinan.

 

 

O quadro clínico dos pacientes que faleceram em consequência de reações hansênicas foi caracterizado, sobretudo, pela presença de nódulos subcutâneos dolorosos, febre, infecção bacteriana, lesões dermatológicas, alterações de cor e edema nas lesões e alterações renais (Tabela 3).

 

 

Entre os 11 óbitos confirmados, incluídos os subnotificados no Sinan, dez foram relacionados a complicações das reações hansênicas, tais como: reação reversa; eritema nodoso hansênico; amiloidose e/ou fenômeno de Lúcio; e um óbito atribuído a efeitos adversos à PQT, cujo paciente veio a falecer após apresentar febre, hepatoesplenomegalia e icterícia.

Entre os sete óbitos descartados, os seguintes diagnósticos - encontrados nos prontuários - poderiam estar relacionados a possíveis causas básicas: corpo estranho no brônquio (T17.5); miocardiopatia (I25.5); hemorragia subaracnóide (I60); linfoma (C82); íleo paralítico e obstrução intestinal sem hérnia (K56); pneumonia (J18.9); e eritema polimorfo (síndrome de Stevens-Johnson) (L51).

 

Discussão

A investigação dos óbitos tendo como causa básica a hanseníase, ocorridos em hospitais do município de Fortaleza-CE no período de 2006 a 2011, revelou que dois terços desses óbitos ocorreram devido a complicações da hanseníase. A maioria foi de homens, pessoas idosas, de cor ou raça preta/parda e baixa escolaridade.

O perfil observado foi semelhante ao encontrado em estudo sobre óbitos registrados no Brasil com a causa básica de hanseníase, no período de 2006 a 2009.7 Todavia, há de se registrar a elevada ocorrência de falta de informação sobre a escolaridade no SIM, prejudicando a comparação dos óbitos quanto a essa característica.

Sobre o local de ocorrência, mais da metade dos óbitos investigados no presente estudo aconteceram em um único hospital, provavelmente em razão de se tratar de um estabelecimento de referência estadual em doenças infecciosas e parasitárias, portanto habilitado para o acolhimento dos casos mais complicados da doença.

A reação hansênica foi o principal motivo da internação entre os óbitos confirmados no presente estudo. O quadro clínico dos pacientes incluiu características típicas das reações de tipo 1 e tipo 2, como alterações de cor e edema nas lesões antigas, infiltração, dor nos nervos periféricos, presença de nódulos subcutâneos dolorosos e febre.11 Esses achados corroboram os de estudo sobre o perfil epidemiológico da demanda de internação por reação hansênica, realizado no Pará, no período de 1992 a 1999, que identificou a mesma reação como diagnóstico principal em 98,7% das internações.12

A maioria dos casos correspondentes aos óbitos investigados apresentou classificação operacional multibacilar e forma clínica virchowiana. Esse perfil é descrito como o de maior risco para desenvolver reações, dano neural e acometimento sistêmico pela doença.13

Chama a atenção o fato de a maior parte dos óbitos, incluindo os confirmados, ocorrer após a conclusão da poliquimioterapia - PQT - e da alta por cura no Sinan. A alta por cura é estabelecida segundo os critérios de regularidade no tratamento: número de doses administradas; e tempo de tratamento. Os pacientes que apresentam reações no momento da alta por cura devem ser monitorados e orientados para retorno imediato à unidade de saúde, em caso de agravamento dos sintomas.11

Estudo que caracterizou a demanda pós-alta por cura de hanseníase em serviços de saúde de Minas Gerais revelou a ocorrência de reações/neurites anteriores à alta por cura em 72,9% dos casos estudados, e que o principal motivo do primeiro retorno pós-alta na amostra estudada foi reação/neurite, observada em 64,3% dos casos.13

Quanto aos óbitos descartados, é possível que tenham ocorrido problemas de seleção da causa básica, tais como falha na codificação da causa de morte, aplicação inadequada das regras de codificação, desconsideração de afecções mencionadas no atestado de óbito e diferenças de interpretação de relações causais entre as doenças.14 Outros problemas podem estar relacionados a incorreções no preenchimento da DO e/ou, muitas vezes, ao próprio desconhecimento da doença pelo médico.8 Ademais, pode haver falta de uniformidade no entendimento da definição da causa básica de morte.15

Entre os óbitos descartados, um paciente apresentou síndrome de Stevens-Johnson. Embora essa síndrome esteja associada a efeito colateral da dapsona,16 o usuário apresentou-a antes de iniciar a PQT, segundo o prontuário ambulatorial. Tal fato fundamentou o descarte da causa básica desse óbito como hanseníase.

As limitações do presente estudo referem-se ao uso de dados secundários, sobretudo à qualidade da informação nos prontuários ambulatorial e hospitalar, nas fichas de notificação do Sinan e nas DO. A perda de quatro dos 23 óbitos selecionados para investigação também constitui uma limitação. Provavelmente, essa perda deve-se à ocorrência do óbito na emergência, ou antes de 24 horas da entrada no hospital, situações em que a abertura de prontuário é menos improvável.

Como pontos fortes da investigação, destacam-se a participação de uma equipe multiprofissional e o emprego de uma ficha de investigação estruturada.

Apesar da baixa letalidade da doença, o presente estudo confirmou a ocorrência de óbitos por causas relacionadas à hanseníase, especialmente por complicações decorrentes da doença. Para uma parte destes óbitos, não foi encontrado o registro correspondente ao caso no Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan -, revelando subnotificação nesse sistema. Todavia, foram identificados óbitos registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM - com causa básica de morte por hanseníase que, efetivamente, não tiveram relação direta com a doença, revelando superestimação da mortalidade por essa causa no SIM. Tais achados corroboram a hipótese levantada por Rocha e colaboradores:7 uma parte dos óbitos registrados com a hanseníase como causa básica ocorrem em consequência dela, enquanto a outra parte não tem relação com a doença.

Frente a essa situação, é reforçada a necessidade da atenção integral e oportuna aos casos mais complicados da hanseníase, sobretudo no pós-alta, quando o usuário já não se encontra nos registros de prevalência pontual mas necessita de acompanhamento. Outro estudo realizado no Ceará, no período de 2006 a 2007, encontrou lacunas importantes na operacionalização da atenção à pessoa acometida pela hanseníase, no pós-alta.16 É recomendável o planejamento das ações de vigilância e assistência para contemplar essa demanda, além da capacitação dos profissionais para a condução dos casos complicados da doença.

Também é imprescindível valorizar o risco de óbito entre as pessoas que apresentam reações hansênicas e efeitos adversos à dapsona, uma vez que essas reações estiveram relacionadas aos óbitos confirmados no presente estudo. Por conseguinte, os profissionais dos hospitais devem receber orientação para o manejo dessas reações.

Recomenda-se, finalmente, a implementação da vigilância do óbito registrado com hanseníase como sua causa básica, com o objetivo de melhorar a qualidade da informação. A ficha de investigação elaborada para este estudo poderia ser aprimorada e empregada como instrumento de subsídio às ações de vigilância. Portanto, faz-se mister um trabalho conjunto entre as áreas técnicas da Hanseníase e o SIM, no sentido de se apropriarem da condução lógica da investigação dos óbitos e incorporarem essa rotina aos serviços sob sua responsabilidade.

 

Agradecimentos

Aos técnicos da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará, especialmente a Ana Fátima Porto de Miranda Teixeira, Gerlânia Maria Martins de Melo Soares, Ediânia de Castro Albuquerque, Almezina Apoliano Moreira e Pedro Antônio de Castro Albuquerque. A Rosa Castália França Ribeiro Soares, Eliane Ignotti, Maria Aparecida de Faria Grossi, Juan José Cortez Escalante, Raquel Barbosa de Lima, André Peres Barbosa de Castro e Lúcia Rolim Santana de Freitas, pelas valiosas colaborações para a realização deste estudo.

 

Contribuição das autoras

Rocha MCN e Garcia LP participaram da concepção do estudo.

Rocha MCN realizou a análise dos dados e redação do manuscrito.

Garcia LP orientou todas as etapas do estudo.

As autoras aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

Referências

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2. Lombardi C. Aspectos epidemiológicos da mortalidade entre doentes de hanseníase no estado de São Paulo. Rev Saude Publica. 1984;18(2):71-107.

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4. Fleury RN, Araújo MG. Manifestações sistêmicas. In: Talhari S, Neves RG, Penna GO, Oliveira MLV. Dermatologia tropical: hanseníase. 4. ed. Manaus: Tropical, 2006. p. 95-100.

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9. Mortalidade - Brasil [Internet]. 2012 [citado 2013 jul 22]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obt10br.def

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11. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria no 3.125, de 7 de outubro de 2010. Aprova as diretrizes para vigilância, controle e atenção e controle da hanseníase. Diário Oficial da União, 7 out 2010; Seção 1.

12. Soares C. Hanseníase no estado do Pará: perfil epidemiológico da população que demanda internação por reações hansênicas. Belém: Escola Nacional de Saúde Pública; 2001.

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14. Ishitani LH, França E. Uso das causas múltiplas de morte em saúde pública. Inf Epidemiol SUS. 2001 dez;10(4):163-75.

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16. Ministério da Saúde (BR). Guia de vigilância epidemiológica. 7. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2010.

 

 

Endereço para correspondência:
Margarida Cristiana Napoleão Rocha
- SQN 216, Bloco G, Apto. 605,
Brasília-DF, Brasil. CEP: 70875-070
E-mail: marcrisrocha@gmail.com

Recebido em 18/12/2013
Aprovado em 24/03/2014

 

 

*Este manuscrito faz parte da dissertação de Mestrado defendida por Margarida Cristiana Napoleão Rocha junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade de Brasília - UnB - em 2013.