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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.2 Brasília jun. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000200010

ARTIGO ORIGINAL

 

Sífilis congênita no Rio Grande do Norte: estudo descritivo do período 2007-2010

 

Congenital syphilis in the state of Rio Grande do Norte: a descriptive study in the period 2007-2010

 

 

Isaiane da Silva Carvalho; Rosineide Santana de Brito

Departamento de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever a ocorrência e o perfil dos casos notificados de sífilis congênita no estado do Rio Grande do Norte, Brasil, no período de 2007 a 2010.
MÉTODOS:
estudo descritivo, com dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).
RESULTADOS: no período avaliado, verificou-se 598 casos notificados de sífilis congênita e taxas de incidência de 2,7 e 0,9 por 1.000 nascidos vivos, respectivamente nos anos de 2007 e 2010; o município de Natal-RN concentrou 74,6% das notificações; a maioria das notificações foi de nascidos vivos cujas mães tinham até 8 anos de estudo (65,0%), haviam realizado pré-natal (72,2%) e com diagnóstico de sífilis no momento do parto/curetagem (41,0%).
CONCLUSÃO: apesar da diminuição da taxa de incidência no período investigado, em 2010, ela ainda era superior ao valor de 0,5/1.000 nascidos vivos, meta estabelecida para eliminação da doença.

Palavras-chave: Epidemiologia Descritiva; Sífilis; Sífilis Congênita; Nascimento Vivo.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the occurrence and profile of reported congenital syphilis cases in the state of Rio Grande do Norte, 2007-2010.
METHODS: this is a descriptive study using data from the Live Births Information System and the Notifiable Diseases Information System.
RESULTS:
598 congenital syphilis cases were reported in the period studied. The incidence rate was 2.7 per 1,000 live births in 2007 and 0.9 in 2010. 74.6% of notifications were concentrated in the city of Natal. Most notifications related to those with maternal schooling of up to 8 years (65.0%), those who had had an antenatal examination (72.2%) and those diagnosed at the time of delivery/curettage (41.0%).
CONCLUSION: despite the decrease in the incidence rate in the period investigated, in 2010 the rate was still higher than the 0.5 per 1,000 live births target for elimination of the disease.

Key words: Descriptive Epidemiology; Syphilis; Congenital Syphilis; Live Birth.


 

 

Introdução

A sífilis é uma doença infectocontagiosa sistêmica e sexualmente transmissível que se configura como um desafio para a sociedade, pois, apesar da existência de tratamento eficaz e de baixo custo, mantém-se como um grave problema de Saúde Pública. Deste modo, destaca-se a existência de um paradoxo, haja vista que doenças infecciosas de maior complexidade já foram controladas.1

Seu agente etiológico é a bactéria Treponema palidum e a evolução da doença apresenta três fases, a saber: primária, secundária e terciária. A fase primária tem início, normalmente, após 21 dias da infecção. Nesta fase, ocorre o aparecimento de úlcera genital indolor, que pode durar de 2 a 6 semanas. A fase secundária é marcada pelo aparecimento de lesões cutâneas por todo o corpo, associadas, por vezes, a febre e dores musculares. Esta fase tem a mesma duração da primária; porém, é seguida de um período de latência com duração de anos, caracterizado pela inexistência de sinais e sintomas. Por fim, a fase terciária ocorre após vários anos da infecção inicial e compreende, por exemplo, as formas nervosa, cutânea e cardiovascular da doença.2

Na corrente sanguínea de uma mulher grávida, existe a probabilidade de o agente etiológico da sífilis ser transmitido para o feto - transmissão vertical -, principalmente na fase recente da infecção. Em geral, a infecção fetal ocorre entre a 16a e a 28a semana de gestação, o que caracteriza a sífilis congênita.2 No que se refere à taxa de transmissão vertical do Treponema palidum em mulheres não tratadas, a incidência varia de 70 a 100%, considerando-se as fases primária e secundária da doença. Na terciária, esse valor é reduzido para aproximadamente 30%. No caso de gestantes não tratadas, a doença pode desencadear aborto espontâneo, natimorto ou morte perinatal em cerca de 40% das crianças infectadas.3

Por essas características, a ocorrência de sífilis congênita demonstra, claramente, deficiências nos serviços de saúde, sobretudo da atenção pré-natal, uma vez que o diagnóstico e o tratamento oportunos são considerados como medidas relativamente simples e eficazes em sua prevenção. O diagnóstico sorológico apresenta como prova de escolha a reação de Venereal Disease Research Laboratory (VDRL), solicitada no 1o e no 3o trimestres de gestação, e o tratamento é feito com penicilina, sendo o esquema terapêutico definido de acordo com a avaliação clínica.4

A situação epidemiológica da sífilis, em nível mundial, mostra-se variável, conforme aponta um estudo sobre estimativas globais da sífilis na gravidez. Em 2008, por exemplo, as estimativas demonstraram que a distribuição de mulheres grávidas com sífilis era de 603.209 (44,3%) na Ásia, 535.203 (39,3%) na África, 106.500 (7,8%) nas Américas, 53.825 (4,0%) no Pacífico, 40.062 (3,0%) no Mediterrâneo e 21.602 (1,6%) na Europa.5

Calcula-se que, a cada ano, ocorram mais de 12 milhões de novos casos de sífilis na população adulta, e desses, mais de 2 milhões são de mulheres grávidas.6 Como resultado, 25% dos casos de sífilis gestacional resultarão em natimortos ou abortos espontâneos e 25% dos nascidos vivos terão baixo peso ou infecção grave, condições que contribuem para aumentar o risco de mortalidade perinatal.2

No Brasil, entre janeiro de 1998 e junho de 2012, segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), foram notificados 80.041 casos de sífilis congênita em menores de um ano. A maioria desses casos centrou-se nas regiões Sudeste - 36.770 (45,9%) - e Nordeste - 25.133 (31,4%) - do país. Em 2011, a taxa de incidência nacional foi de 3,3 casos por 1.000 nascidos vivos e, mais uma vez, as regiões a apresentar os maiores valores foram o Nordeste e o Sudeste: 3,8 e 3,6 casos por 1.000 nascidos vivos, respectivamente.7

Considerando-se a necessidade de diminuir a incidência de sífilis congênita, é importante que os profissionais de saúde e gestores tenham acesso a informações demonstrativas da magnitude do problema em cada localidade, com base na situação epidemiológica, e assim disponham de subsídios para o planejamento e monitoramento das intervenções a serem empreendidas.

O presente estudo objetivou descrever a ocorrência e o perfil dos casos notificados de sífilis congênita no estado do Rio Grande do Norte, Brasil, entre 2007 e 2010.

 

Métodos

Foi realizado estudo descritivo, com dados secundários referentes aos casos de sífilis congênita notificados no estado do Rio Grande do Norte, no período de 2007 a 2010.

Em 2010, de acordo com dados do Censo Demográfico daquele ano, disponibilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio Grande do Norte ocupava uma área de 52.811,047 km2 e reunia uma população de 3.168.027 habitantes, com densidade demográfica de 59,99 hab./km2. O estado contava com 167 municípios, distribuídos administrativamente em sete regionais de saúde, sendo a cidade de Natal sua capital.8

As informações sobre sífilis congênita foram obtidas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, consolidado em 4 de fevereiro de 2013, considerando-se apenas os casos confirmados e notificados no referido sistema. Foram empregadas variáveis sociodemográficas e assistenciais:

a) faixa etária da criança (até 6 dias, 7 a 27 dias, 28 dias até menos de 1 ano, 1 ano (12 a 23 meses), 2 a 4 anos, 5 a 12 anos);

b) cor da pele/raça (branca, preta, parda, ignorada/ em branco);

c) sexo (masculino, feminino, ignorado/branco);

d) regional de saúde (Açú, Caicó, João Câmara, Metropolitana, Mossoró, Pau dos Ferros, Santa Cruz, São José de Mipibu);

e) municípios de notificação (os cinco primeiros em número de casos notificados, outros);

f) zona de residência (urbana, rural, periurbana, ignorada/em branco);

g) escolaridade da mãe (nenhuma, até 8 anos, acima de 8 anos, não se aplica, ignorado/branco);

h) realização de pré-natal (sim, não, ignorada/em branco);

i) período de diagnóstico da sífilis materna (durante o pré-natal, no momento do parto/curetagem, após o parto, não realizado, ignorado/em branco); e

j) tratamento do parceiro (sim, não, ignorado/em branco).

Dados dos nascidos vivos foram obtidos do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), implantado pelo Ministério da Saúde em 1990 com o objetivo de agregar informações epidemiológicas sobre os nascimentos ocorridos no país, tendo a Declaração de Nascidos Vivos como documento de entrada no sistema.9

Para o cálculo das taxas de incidência anual, considerou-se o número de casos de sífilis congênita por 1.000 nascidos vivos em cada ano do período 2007-2010. A análise e o processamento desses dados deram-se por meio dos aplicativos TabWin [Tab para Windows, do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus)] e Excel (Microsoft®). Os resultados foram descritos por meio de frequências relativa e/ou absoluta.

O estudo foi realizado exclusivamente com dados secundários de acesso livre, garantindo-se a preservação da identidade dos sujeitos, em consonância com os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS no 466, de 12 de dezembro de 2012, que trata de pesquisas envolvendo seres humanos.

 

Resultados

No Rio Grande do Norte, no período de 2007 a 2010, verificou-se um total de 194.488 nascidos vivos, dos quais 598 foram notificados com sífilis congênita. Destes, 578 (96,7%) tinham até 6 dias de vida, 284 (47,5%) eram pardos e 284 (47,5%) do sexo feminino. A média anual de casos de sífilis congênita foi de 149,5 e o ano de 2008 apresentou o maior número dessas ocorrências no estado: 214 (35,8%). A partir de então, observou-se uma diminuição nesses números, até o registro de 44 casos (7,4%) no ano de 2010. A taxa de incidência de sífilis congênita por 1.000 nascidos vivos no Rio Grande do Norte foi de 4,3 e 0,9 nos anos de 2008 e 2010, respectivamente (Tabela 1).

 

 

Sobre a regional de saúde onde residiam os casos confirmados, a região metropolitana de Natal destacou-se com 389 casos (65,1%). Entre os municípios com maior número de notificações, encontra-se a capital do estado, com 446 casos confirmados (74,6%). A zona de residência que apresentou o maior número de casos foi a urbana: 499 (83,4%). Em 389 casos (65,0%), as mulheres tinham até 8 anos de estudo; entretanto, o número de casos de mães com registro de escolaridade ignorada e em branco correspondeu a 18,9%. A maioria das mulheres (72,2%) recebeu atendimento pré-natal. Em 245 (41,0%) casos, o diagnóstico de sífilis materna ocorreu no momento do parto/curetagem, e em 240 (40,1%), durante o atendimento pré-natal. O parceiro recebeu tratamento em apenas 151 (25,3%) casos, e o percentual de parceiros com registro de tratamento ignorado/em branco foi de 17,2% (Tabela 2).

 

 

Discussão

Os casos de sífilis congênita no estado do Rio Grande do Norte merecem especial atenção. Apesar da diminuição da taxa de incidência no período investigado, de 2007 a 2010, os resultados obtidos não estão em consonância com a meta da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) para eliminação da doença. Entre os Objetivos e Metas do Milênio, espera-se uma incidência de sífilis congênita menor do que 0,5/1.000 nascidos vivos até 2015.10

Um estudo sobre incidência de sífilis congênita em todo o Brasil, considerando-se o período de 2003 a 2008, apresentou taxas que variaram de 1,7 a 2,1 casos para cada 1.000 nascidos vivos, valores aquém daqueles identificados no estado do Rio Grande do Norte.11 Como signatário de um acordo internacional para eliminar a sífilis congênita, o Ministério da Saúde do Brasil tem empreendido ações para o alcance desse objetivo, com foco no tratamento adequado, integração com outros programas de saúde, sistemas de vigilância locais atuantes e consequente interrupção da cadeia de transmissão.4 Nesse sentido, para o alcance da meta proposta, são imprescindíveis melhorias na qualidade da vigilância epidemiológica, associadas à correta aplicação das condutas preconizadas para o atendimento de gestantes e recém-nascidos acometidos pela doença.12

A regional de saúde Metropolitana, composta pelos municípios de Extremoz, Macaíba, Natal, Parnamirim e São Gonçalo, foi destaque no número de casos de nascidos vivos com sífilis. Cinco municípios com maior número de casos notificados - Natal, Parnamirim, Mossoró, Ceará-Mirim e São José de Mipibu - foram responsáveis por 43,8% dos nascimentos.9 À exceção do município de Mossoró, os demais integram a região metropolitana de Natal e dispõem de uma rede assistencial em melhores condições, comparativamente a outros municípios do interior. O mesmo ocorre com o município de Mossoró, referência em atendimento para a mesorregião do Oeste Potiguar, fato que justifica um maior número de notificações por essas localidades. Maiores taxas de sífilis congênita foram observadas nos municípios mais populosos, como a capital do estado, Natal. Uma pesquisa realizada para avaliar o perfil epidemiológico da sífilis congênita, realizada naquela cidade entre 2004 e 2007, demonstrou problemas no controle da doença, uma vez que se observaram taxas médias de incidência de 6,0 casos para cada 1.000 nascidos vivos, valor acima dos parâmetros nacionais.13 Por sua vez, municípios com menor disponibilidade de recursos têm maiores chances de apresentar subnotificação em seus registros, condição que dificulta o real conhecimento da situação de saúde e consequentemente, o planejamento de ações e o monitoramento de indicadores.

Sobre a zona de residência, os resultados obtidos corroboram o cenário brasileiro, onde, no ano de 2008, em 87 a 90% dos casos de sífilis congênita, as mães residiam na zona urbana.11 Outro estudo, desenvolvido na cidade de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, demonstrou que 91,3% das gestantes infectadas também residiam em área urbana.14 No que se refere à escolaridade das mães, os casos de sífilis congênita ocorreram em maior número nas mães com baixo nível de instrução, resultado identificado por outros trabalhos.11,15 Possivelmente, as mães pertencentes a estratos sociais menos favorecidos contam com pouco acesso às informações necessárias para evitar a infecção e consequente transmissão vertical da Treponema palidum, ou, em caso de serem diagnosticadas com a doença, desconhecem a importância de um tratamento completo.

No presente estudo, chamou a atenção o achado de que em mais de dois terços dos casos de sífilis congênita, havia-se realizado o atendimento pré-natal. Este fato configura-se como um indicativo de falha na assistência pré-natal, sinalizando a necessidade de uma maior atenção da Estratégia Saúde da Família na identificação, acompanhamento e tratamento dos casos.16 Trata-se de uma realidade verificada no Brasil: entre os casos de sífilis notificados no país, mais de 40% das mães iniciaram o pré-natal no primeiro trimestre, e mais de 60% realizaram cinco ou mais consultas, fato que evidencia fragilidades na qualidade do atendimento prestado.17

A atenção pré-natal adequada é uma ferramenta ímpar para a diminuição da sífilis congênita, considerando-se suas diversas oportunidades de intervenção. Entre suas ações, destacam-se a captação oportuna da gestante, o acompanhamento da gravidez, a solicitação de um exame VDRL na primeira consulta e de mais um, este próximo à 28a semana gestacional. Somam-se, ademais, o aconselhamento e tratamento da gestante e dos parceiros sexuais acometidos pela infecção.18

O pré-natal representa um momento relevante para a identificação de agravos que acometem a saúde materna e infantil, possibilitando aos profissionais de saúde - o que inclui toda a equipe multiprofissional - espaços para a discussão e orientação da saúde, com foco em um processo de cuidar dedicado aos aspectos biológicos, psicológicos e culturais da gestante. Essa assistência multiprofissional, obtida graças à expansão da Estratégia Saúde da Família, permite um atendimento integral à gestante e seu filho, e aos profissionais envolvidos, o compartilhamento de responsabilidades sobre o atendimento prestado nesse período.19

Nesse sentido, destacam-se as atividades desenvolvidas pelas equipes de Saúde da Família, nas quais diferentes profissionais - agente comunitário de saúde; técnico de enfermagem; enfermeiro; médico; cirurgião dentista -, juntos, podem atuar como agentes de prevenção da sífilis congênita. As atribuições das equipes de Saúde da Família incluem a busca ativa das gestantes faltosas (pelo agente comunitário de saúde), a identificação de vulnerabilidades e situações de risco (pelo técnico de enfermagem), a realização de consulta de pré-natal das gestantes de baixo risco (função intercalada entre médico e enfermeiro) e o desenvolvimento de atividades educativas, estas sob a responsabilidade de toda a equipe.20

Dessa forma, ressalta-se a importância da implementação de políticas que busquem qualificar a assistência pré-natal, garantindo os recursos necessários para o atendimento das gestantes e parceiros acometidos por sífilis.21 Estudo desenvolvido em um município do Rio Grande do Norte há cerca de dez anos, sobre a prevenção da sífilis congênita, já apontava divergências entre o preconizado pelo Ministério da Saúde e o que, de fato, imperava na prática do pré-natal, demonstrando a necessidade de aperfeiçoamento de enfermeiros e médicos no que se refere à sífilis na gravidez, com foco na oferta de uma assistência de qualidade.22

No presente estudo, um aspecto a chamar a atenção é o fato de apenas 25,3% dos parceiros terem recebido tratamento. Uma pesquisa realizada em Sobral, estado do Ceará, no ano de 2010, também demonstrou que das nove gestantes identificadas com sífilis no pré-natal, sete parceiros não realizaram, ou não se obteve informações acerca do tratamento a que deviam se submeter.23 Dos casos de sífilis congênita no Brasil, mais de 80% dos parceiros não receberam tratamento, condição desencadeadora de novas infecções.17

Nesse contexto, além de melhorias assistenciais, é imprescindível que o parceiro seja sensibilizado a participar das consultas de pré-natal e compreenda a importância da realização do teste não treponêmico, do tratamento e seguimento dos casos identificados de infecção, seja individualmente, seja na perspectiva do casal.23 Além disso, as gestantes demonstram satisfação quando o homem participa do pré-natal e esse envolvimento deve ser cada vez mais estimulado, para que o cônjuge possa desenvolver, ao longo do ciclo gestacional, uma postura ativa e facilitadora no sentido de uma maior compreensão das especificidades associadas a esse período.24

Uma limitação referente ao presente estudo diz respeito ao percentual de informações ignoradas ou em branco, como por exemplo, a escolaridade materna, o tratamento do parceiro e a realização do pré-natal. Soma-se a isso a questão da subnotificação, condição possível de favorecer interpretações errôneas sobre características epidemiológicas relacionadas a uma determinada doença.

Neste estudo, é difícil afirmar, por exemplo, se a maior ou menor concentração de casos em determinados municípios representa a realidade local da doença ou se é reflexo de uma menor ou maior proporção de subnotificações. Isto pode ser percebido, especialmente quando se considera a situação dos municípios de referência ou integrantes da região metropolitana de Natal, que, normalmente, apresentam menor subnotificação e, consequentemente, maior número de casos notificados. A maior concentração do número absoluto de casos na região metropolitana de Natal também se deve à maior concentração da população do estado nessa região, especialmente dentro dos limites da Capital. Da mesma forma, espera-se uma concentração de casos em área urbana, onde reside a maior parte da população. Tal realidade demonstra a necessidade de melhorias e avanços na qualidade dos sistemas de informações, principalmente nos municípios do interior, para que as informações produzidas possam, efetivamente, orientar a tomada de decisão no âmbito da Saúde.

Pesquisa desenvolvida em um hospital de Palmas-TO identificou que, dos 28 casos de sífilis congênita ocorridos em 2004, apenas dez foram notificados.12 Ademais, quando se buscou o número de casos notificados a partir do Boletim Epidemiológico da Sífilis, percebeu-se uma evidente inconsistência de dados, devida à existência de períodos com subestimação ou superestimação dos resultados: de acordo com o Boletim, no ano de 2007, foram notificados 126 casos de sífilis congênita em menores de um ano.7 O Sinan, por sua vez, apresentou um quantitativo de 130 casos. No ano de 2010, segundo o Boletim Epidemiológico, notificou-se 201 casos mas o Sinan apresentou apenas 44. Isto pode estar relacionado à baixa qualidade no processo de obtenção e digitação de informações para a atualização do Sinan nos níveis municipal e estadual, com consequente perda ou acréscimo de dados. Portanto, uma maior atenção ao registro correto dessas informações poderá contribuir para o real conhecimento da problemática e, por conseguinte, a instauração de medidas pertinentes à realidade estadual.

Os achados deste estudo são relevantes à medida que denotam a necessidade da implementação de ações voltadas para a redução dos casos de sífilis congênita no estado do Rio Grande do Norte. Assim, torna-se essencial a avaliação da qualidade da assistência pré-natal que vem sendo prestada, haja vista que, na maior parte dos casos observados, as mães realizaram consultas durante esse período. Nessa avaliação, merece destaque a região metropolitana de Natal e seus municípios, responsáveis por parcela considerável do número de casos notificados.

Especial atenção, igualmente, deve ser dada aos profissionais da equipe de saúde que realizam o pré-natal, oferecendo-lhes a devida capacitação e monitoramento das atividades desenvolvidas e associadas à prevenção da sífilis congênita. Também faz-se necessário intensificar mecanismos que busquem integrar o parceiro ao período gravídico e, consequentemente, favoreçam sua adesão ao tratamento proposto para os casos diagnosticados como positivos. Tais ações podem contribuir para o enfrentamento desse grave problema de Saúde Pública.

 

Contribuição das autoras

Carvalho IS participou da concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados e redação do manuscrito.

Brito RS participou da concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados e revisão crítica do manuscrito.

As autoras aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Isaiane da Silva Carvalho
-
Rua Carlos Alexandre, no 215,
Bairro Frei Damião, Nova Cruz-RN, Brasil.
CEP: 59215-000
E-mail: isaianekarvalho@hotmail.com

Recebido em 29/08/2013
Aprovado em 17/03/2014