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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.2 Brasília jun. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000200011

ARTIGO ORIGINAL

 

Características das crianças nascidas com malformações congênitas no município de São Luís, Maranhão, 2002-2011

 

Characteristics of children born with congenital malformations in São Luís, Maranhão, Brazil, 2002-2011

 

 

Lívia dos Santos RodriguesI; Rômulo Henrique da Silva LimaII; Luciana Cavalcante CostaI; Rosângela Fernandes Lucena BatistaI

IDepartamento de Saúde Pública, Universidade Federal do Maranhão, São Luís-MA, Brasil
IICurso de Enfermagem, Universidade Federal do Maranhão, São Luís-MA, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever as características dos nascidos vivos com malformação congênita em São Luís-MA, Brasil, no período de 2002 a 2011.
MÉTODOS: estudo descritivo baseado nos dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc).
RESULTADOS: dos 180.298 nascidos vivos, 875 (0,49%) apresentaram algum tipo de malformação, principalmente do aparelho osteomuscular (48,0%); os nascidos vivos, em sua maioria, foram a termo (83,7%), com peso adequado (76,4%), do sexo masculino (54,9%) e com escores de Apgar satisfatórios no 1o (71,3%) e 5o minutos (88,9%), nascidos de mães na faixa etária de 20 a 34 anos (71,6%), solteiras (62,5%), com 8 a 11 anos de estudo (58,7%), de gravidez única (97,9%) e por parto cesáreo (54,8%).
CONCLUSÃO: observou-se aumento na frequência de casos registrados no período estudado; entretanto, sugere-se a realização de novos estudos para que seja possível esclarecer se ocorreu melhoria do sistema de notificação ou aumento dos casos.

Palavras-chave: Anormalidades Congênitas; Recém-Nascido; Nascimento Vivo; Epidemiologia Descritiva.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the characteristics of children born with congenital malformations in São Luis-MA, Brazil, between 2002-2011.
METHODS:
a descriptive study using data from the Live Birth Information System.
RESULTS: 875 (0.49%) of the 180,298 live births in the period had some type of malformation, mostly in the musculoskeletal system. The main findings were: mothers in the 20-34 age group (71.6%), single mothers (62.5%), mothers with 8-11 years of education (58.7%), only one pregnancy (97.9%) and cesarean delivery (54.8%). Newborns were mostly term (83.7%), normal weight (76.4%), male (54.9%) and satisfactory Apgar scores at the 1st (71.3%) and 5th minute (88.9%).
CONCLUSION: congenital malformations continue to be a public health problem. In this study it was observed that during the study period there was an increase in reported case frequency. However, we suggest further studies be conducted to clarify whether the notification system improved or there was an increase in cases.

Key words: Congenital Abnormalities; Infant, Newborn; Live Birth; Epidemiology, Descriptive.


 

 

Introdução

A Organização Panamericana da Saúde (OPAS) define malformação congênita como toda anomalia funcional ou estrutural no desenvolvimento do feto, decorrente de fatores originados antes do nascimento, sejam esses genéticos, ambientais ou desconhecidos. Ainda que o defeito não seja aparente e de manifestação clínica mais tardia, é considerado malformação congênita.1

As malformações congênitas podem ser classificadas como maiores e menores. As malformações maiores resultam em graves defeitos anatômicos, funcionais ou estéticos, podendo, muitas vezes, levar à morte, enquanto as menores, geralmente sem importância cirúrgica, médica ou estética, sobrepõem-se aos fenótipos normais, podem ser únicas ou múltiplas e associar-se a malformações maiores.2

Com a queda da mortalidade infantil por doenças infecciosas, parasitárias e respiratórias, houve um aumento da participação relativa dos efeitos congênitos nas mortes infantis, pois, à medida que as outras causas de morte são controladas, eles assumem um papel proporcionalmente maior.3

As principais causas das malformações são os transtornos congênitos e perinatais, em sua maioria decorrentes de doenças transmissíveis, uso de drogas lícitas e ilícitas, de medicações teratogênicas, falta de assistência ou atenção adequada às mulheres na fase reprodutiva, entre outros fatores.4

Apesar dos avanços da genética médica e molecular, sua etiologia permanece parcialmente obscura. O fato é que uma parte das causas que levam a esses distúrbios continua sem explicação.5

A oferta de serviços assistenciais à criança com malformação congênita deve primar pela integralidade como forma de garantir o atendimento das necessidades afetadas, com justiça social. Entretanto, a resposta insuficiente à problemática dos defeitos congênitos perpassa vários fatores. Entre os problemas identificados na assistência aos usuários com esse agravo de saúde, está a dificuldade de acesso aos serviços de genética, concentrados em sua maioria nas macrorregiões Sul e Sudeste do país, suporte laboratorial deficiente, ausência de serviços de referência e contrarreferência, fragilidades nas estratégias de prevenção e no registro epidemiológico.6,7

Acredita-se que conhecer o perfil das crianças nascidas com malformação congênita seja importante para a assistência, no sentido de oferecer subsídios à melhoria da qualidade da assistência profissional prestada no nascimento de uma criança com malformação congênita.

O presente estudo teve como objetivo descrever as características dos nascidos vivos (NV) com malformação congênita no município de São Luís, estado do Maranhão, Brasil, no período de 2002 a 2011.

 

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo dos casos de NV com malformações congênitas no município de São Luís-MA, no período de 2002 a 2011. Foram utilizados dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) do Ministério da Saúde.

Em 2010, segundo dados do Censo Demográfico realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), São Luís-MA tinha uma população de 1.014.837 habitantes, sendo o município mais populoso do estado do Maranhão, o 4o mais populoso do Nordeste e o 15o mais populoso do Brasil. Da totalidade de sua área geográfica de 831,7 km2, 157,5656 km2 estavam em perímetro urbano. O município localiza-se na ilha de Upaon-Açu, no Atlântico Sul, entre as baías de São Marcos e São José de Ribamar, e faz parte da mesorregião do norte maranhense, e da microrregião da aglomeração urbana de São Luís-MA.8

Foram considerados os NV que apresentaram algum defeito congênito, residentes na cidade de São Luís-MA, registrados no Sinasc, no período de estudo. Os dados não possuem identificação nominal e endereço residencial e estão disponíveis, para livre acesso, no endereço eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus).

As variáveis foram selecionadas e agrupadas de acordo com as seguintes características:

a) obstétricas e socioeconômicas maternas

- escolaridade em anos de estudo (0 a 3; 4 a 7; 8 a 11; 12 e mais anos);

- faixa etária (até 19; 20 a 34; 35 e mais anos);

- estado civil (casada/mora junto ou solteira/viúva/separada);

- número de filhos mortos (nenhum; 1; 2 e mais filhos);

- número de filhos vivos (nenhum; 1; 2 e mais filhos);

- tipo de gravidez (única ou múltipla);

- número de consultas de pré-natal (0 a 3; 4 a 6; 7 e mais consultas);

- tipo de parto (cesáreo ou vaginal); e

b) do nascido vivo

- idade gestacional em semanas (<37 e ≥37 semanas);

- peso ao nascer (<2.500g e ≥2.500g);

- sexo (feminino ou masculino);

- escore de Apgar no 1o e no 5o minuto de vida (<7 ou ≥7);

- raça/cor (branca, preta, amarela, parda ou indígena), sendo que para esta variável, não foi possível descrever o ano de 2011, pois a partir desse período, ela correspondeu à raça/cor da mãe.

Informações não preenchidas ou dados ignorados nas Declarações de Nascidos Vivos (DN) foram excluídos da análise.

A classificação das malformações congênitas correspondeu às causas do Capítulo XVII - Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas - da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), agrupadas nas seguintes categorias:

- malformações congênitas do sistema nervoso (Q00-Q07);

- malformações congênitas do olho, do ouvido, da face e do pescoço (Q10-Q18);

- malformações congênitas do aparelho circulatório (Q20-Q28);

- malformações congênitas do aparelho respiratório(Q30-Q34);

- fenda labial e fenda palatina (Q35-Q37);

- outras malformações congênitas do aparelho digestivo (Q38-Q45);

- malformações congênitas dos órgãos genitais (Q50-Q56);

- malformações congênitas do aparelho urinário (Q60-Q64);

- malformações e deformidades congênitas do sistema osteomuscular (Q65-Q79);

- outras malformações congênitas (Q80-Q89);

- anomalias cromossômicas não classificadas em outra parte (Q90-Q99); e

- hemangioma e linfangioma de qualquer localização (D18).

A presença de malformação congênita é descrita no item 34 da Declaração de Nascido Vivo - DN.

Os dados do Sinasc foram transferidos para uma planilha eletrônica pelo programa Excel versão 2007. As frequências absolutas e relativas das variáveis foram calculadas pelo programa Stata versão 10.0.

Uma vez baseado em um banco de dados de acesso público, sem identificação dos sujeitos, o estudo foi dispensado de apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa, e foi realizado de acordo com os princípios da ética na pesquisa com seres humanos, regulamentados pela resolução do Conselho Nacional de Saúde - CNS no 466, de 12 de dezembro de 2012.

 

Resultados

No período de 2002 a 2011, de um total de 180.298 NV registrados no Sinasc como filhos e filhas de mães residentes em São Luís-MA, 876 (0,5%) apresentaram algum tipo de malformação congênita. A ocorrência de malformações congênitas elevou-se de 0,34% em 2002 para 0,75% em 2011 (Tabela 1).

 

 

A maioria das malformações corresponderam àquelas do aparelho osteomuscular, com 48% dos casos notificados, seguidas das malformações do sistema nervoso com 16,2% das notificações (Tabela 2).

 

 

Entre os NV com malformações congênitas, a maioria eram crianças de mães na faixa etária de 20 a 34 anos (70,0%), com escolaridade de 8 a 11 anos, (58,3%), que se declararam solteiras, separadas ou viúvas (63,4%) (Tabela 3).

 

 

Quase metade dos NV com malformações congênitas eram crianças de mães que haviam realizado de 4 a 6 consultas de pré-natal, correspondendo a 48,3% dos casos. No entanto, é relevante o aumento observado na proporção de mulheres que fizeram 7 ou mais consultas de pré-natal, passando de 17,7% em 2002 para 35,2% em 2011. A maioria das mulheres não tinha filhos vivos (37,5%), ou mortos (75,6%); 16,6% delas tinham um filho morto. Destacaram-se as gravidezes únicas, totalizando 98,1% dos registros. O parto cesáreo foi o mais frequente - 54,3% -, aumentando de 49,2 para 59,6% no final dos anos estudados (Tabela 3).

A maioria dos NV com malformações congênitas nasceu de parto a termo (37 e mais semanas gestacionais), totalizando 85,4% das crianças. Destaca-se o aumento na frequência daqueles com menos de 37 semanas de gestação, de 8,2% em 2002 para 27,7% em 2011. Os NV com peso igual ou superior a 2.500g corresponderam a 76,1% dos casos. Em 55,2% das notificações, o NV era do sexo masculino. Os escores de Apgar igual ou superior a 7, no 1o e no 5o minutos, totalizaram 70,6% e 88,3% dos NV, respectivamente. A raça/cor parda destacou-se em 78,8% dos casos notificados pelo Sinasc, representando um aumento em sua participação de 62,9% em 2002 para 91,8% em 2010 (Tabela 4).

 

 

Discussão

As malformações congênitas mais comuns entre os NV de São Luis-MA foram aquelas do aparelho osteomuscular. Entre os NV com malformações congênitas, predominaram crianças cujas mães tinham entre 20 e 34 anos de idade, com 8 a 11 anos de estudo, solteiras, viúvas ou separadas, que realizaram 4 a 6 consultas de pré-natal e tiveram seus filhos por parto cesáreo. Os NV tinham, em sua maioria, entre 37 e mais semanas gestacionais, peso igual ou superior a 2.500g, eram do sexo masculino, de raça/cor parda e nasceram com escores de Apgar satisfatórios no 1o e no 5o minutos.

Estima-se que cerca de 3% dos NV no mundo apresentem algum tipo de malformação expressiva.9 Vários fatores ambientais e nutricionais podem aumentar a prevalência de defeitos congênitos. Porém, em países cuja mortalidade infantil é elevada, as principais causas de morte no primeiro ano de vida relacionam-se, sobretudo, à desnutrição e às doenças infecciosas, sendo as malformações responsáveis por até 5% dessas mortes.10

Estudo realizado com o objetivo traçar o perfil epidemiológico das malformações congênitas ocorridas em NV e natimortos no município de Vitória-ES, no período de janeiro de 2001 a dezembro de 2004, encontrou uma frequência relativa de malformação de 0,4% entre os NV. Dados do Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas (ECLAMC), referentes a uma pesquisa realizada com 740.139 NV em 64 hospitais de diferentes países da América do Sul, inclusive o Brasil, demonstraram uma prevalência de 2,3% de malformações entre os anos de 1967 e 1979.2 Em 1980-1981, o ECLAMC estimou uma frequência de 2,7% em uma população de 109.242 neonatos vivos. Outros estudos apontaram para uma incidência de 5% nos anos 1994-1995, e de 1,4% em 2000-2001.11,12

Mais um estudo, também realizado em Vitória-ES, demonstrou serem as anomalias do sistema osteomuscular as mais frequentes (40%), seguidas pelas malformações do sistema nervoso. Constatou-se, ademais, que se acrescentadas a esses casos as anomalias associadas que contenham este tipo de defeito, obtém-se uma frequência relativa de cerca de 47%, seguida pelas malformações do sistema nervoso, com frequência de cerca de 12%. A fenda labial isolada ou associada à fenda palatina constitui 5,9% do total de malformações.2

O presente estudo mostrou que a maioria dos NV com malformações congênitas tinham mães na faixa etária de 20 a 34 anos (70,0%), período que coincide com a idade reprodutiva na mulher. A literatura destaca a idade materna como um dos fatores biológicos do risco gestacional: gestantes com menos de 20 ou mais de 34 anos de idade são consideradas de risco para baixo peso e mortalidade infantil.2

Este estudo revelou que a maioria das mulheres eram solteiras, viúvas ou separadas. Outro estudo aponta que a união conjugal estável é considerada benéfica, uma vez que situações inseguras, como ausência de companheiro, podem figurar entre os fatores de risco reprodutivo.13 Um dos estudos de Vitória-ES citados revela que cerca de 40% das mães de crianças com malformação viviam sem a presença de um parceiro (solteiras, separadas judicialmente e viúvas), um percentual bastante mais alto que o de mães de crianças nascidas vivas que não apresentavam malformação congênita.2

No presente estudo, foi observado que 58,3% dos NV com malformações congênitas eram de mães com 8 a 11 anos de estudo. A maior escolaridade favorece a busca por informações sobre os fatores de risco capazes de afetar a criança durante o período gestacional, e estimula a demanda por ações dos profissionais de saúde no sentido da promoção e prevenção de agravos ao potencial humano em formação.14

No estado de Tocantins, onde 39,4% das gestantes tinham 8 a 11 anos de estudo,15 encontrou-se relação entre escolaridade e malformação congênita. Outrossim, estudo realizado no município do Rio de Janeiro-RJ encontrou associação entre baixa escolaridade materna e malformação congênita, indicando que piores condições socioeconômicas em países em desenvolvimento podem contribuir para o aparecimento de defeitos congênitos.16,17

Outro aspecto relacionado à maior escolaridade e que pode favorecer a redução das malformações congênitas é o uso de suplementação de ácido fólico. O ácido fólico tem papel importante durante a gestação, na prevenção de defeitos relacionados ao nascimento e complicações comuns à gravidez, tais como prematuridade, baixo peso ao nascer e anemia. Por essa razão, os países ocidentais tomaram a iniciativa de implementação da fortificação de alimentos como uma maneira custo-efetiva para reduzir os efeitos adversos da deficiência de folato.19

A assistência pré-natal tem como um de seus principais objetivos identificar fatores de risco para a ocorrência de anomalias congênitas, bem como evitar que fatores extrínsecos cheguem a causar danos para o embrião ou feto.2 Neste estudo, 48,3% dos NV eram de mães que haviam realizado de 4 a 6 consultas de pré-natal.

Apesar de estudos não encontrarem relação entre número de consultas de pré-natal realizadas e presença de defeito congênito, uma pesquisa indicou aumento na frequência dessas anomalias à medida que ocorre redução do número de consultas realizadas.18 Segundo mais um estudo, as gestantes que receberam menos de sete consultas apresentaram maior proporção de filhos com malformação.16 É possível que essas mulheres, ao identificarem essa associação, procuraram realizar mais consultas de pré-natal; ou realizaram mais consultas de pré-natal, identificaram a presença de malformação e, possivelmente, decidiram interromper a gestação.

Neste estudo, a maioria dos casos de malformação congênita ocorreu em gravidezes únicas, embora outros estudos tenham observado um predomínio desses casos nas gestações múltiplas.2 A gemelaridade, segundo esses autores, é causa importante de malformação congênita, principalmente nas gestações monozigóticas. Mais um estudo apontou que a frequência de malformações congênitas é consideravelmente maior em gestações múltiplas, comparativamente às gestações únicas.20 Seus autores encontraram maiores defeitos em crianças gêmeas, precisamente o dobro (2%) em relação aos encontrados em crianças de gestações únicas; já a frequência de malformações menores é de aproximadamente 4% em gêmeos e de 2,5% em nascidos únicos. Segundo os mesmos autores, a proporção de abortos devidos a alguma malformação em gestações gemelares é cerca de três vezes maior que a mesma proporção verificada em gestações únicas.20

No que diz respeito ao tipo de parto, diversos estudos verificaram que praticamente 2 em cada 3 NV com malformação congênita nasceram de parto cesáreo. Trata-se de uma proporção bem mais alta quando comparada à mesma proporção entre o grupo de NV sem malformação.16,2,18 A associação com partos cesáreos pode estar relacionada ao diagnóstico de malformação intraútero e seu encaminhamento para cesárea como opção médica.18 Contudo, o número de cesarianas entre crianças sem malformação também é bastante elevado, o que reforça a ideia de que o Brasil é o país "campeão mundial em cesarianas", cujo percentual pode chegar até 90% em alguns hospitais do país.2 A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia recomenda que o índice de cesariana não deva ultrapassar 20%.21

Outro dado importante diz respeito ao tempo de gestação. No presente estudo, entre os NV com malformações congênitas, a maioria nasceu com 37 ou mais semanas de gestação. Estudos relatam maior frequência de malformação congênita entre os nascimentos de pré-termo do que entre aqueles nascidos com 37 ou mais semanas de gestação.16 A associação entre defeito congênito e nascimento pré-termo não está bem definida; todavia não se sabe se os defeitos congênitos teriam sido o fator causal da menor duração da gestação,18 indicando que a presença da malformação não levou, necessariamente, à prematuridade; ou seja, a deformidade não se mostrou como um fator de interrupção precoce da gravidez.2

Um trabalho cujo objetivo foi caracterizar o perfil dos NV com malformações em Foz do Iguaçu-PR, entre 1996 e 2006, apresentou resultados semelhantes do presente estudo, quanto ao sexo do nascido vivo: seus autores observaram, para um período de dez anos, que 56,7% dos NV com malformações eram do sexo masculino.22 Outros estudos também encontraram maior incidência de malformações no sexo masculino, variando de 51 a 64%.2,23-25

Os escores de Apgar no 1o e no 5o minutos de vida foram considerados bons - valores de 7 a 10 - segundo este estudo. Achados semelhantes foram observados na literatura, cuja maioria de relatos sobre neonatos com malformação referiu um índice de Apgar considerado satisfatório, tanto no 1o como no 5o minuto, indicando boa vitalidade e boa adaptação à vida extrauterina.2

Sobre a variável 'peso ao nascer', este estudo constatou que a maioria dos NV apresentou peso adequado. Este achado é semelhante ao de outros estudos, em que se observou que a maior parte dos NV encontrava-se com peso entre 3.000 e 3.999g, o que favorece uma adequação à vida extrauterina, uma vez que os índices de mortalidade nessa faixa de peso são inferiores aos considerados como sendo de baixo peso.22

Tendo em vista que a maioria dos NV foi a termo, o fato de os mesmos nascerem com um peso tido como adequado revela, apesar da presença de malformação e/ou anormalidades cromossômicas, ganho de peso e comprimento normais, não sendo esse um fator agravante ao feto do ponto de vista geral.

Segundo os registros analisados, pouco menos da metade (48%) dos NV tiveram malformações relacionadas ao sistema osteomuscular. O segundo mais acometido por malformações congênitas foi o sistema nervoso (16,23%). Em menor quantidade, entre outros órgãos afetados e anomalias, encontram-se o aparelho digestivo, anomalias cromossômicas, órgãos genitais, olhos, ouvido, face e pescoço, fenda labial e palatina.

Em estudo realizado no estado do Tocantins, as anomalias do sistema osteomuscular apresentaram-se como as mais frequentes (51%), e em segundo lugar no número de casos em um sistema orgânico, as malformações congênitas do sistema nervoso (15%), principalmente a polidactilia (no sistema osteomuscular) e a hidrocefalia (no sistema nervoso).15

Uma das limitações deste estudo encontra-se no uso das Declarações de Nascidos Vivos - DN - do Sinasc, dada a possibilidade da ocorrência de falhas no preenchimento da DN, geralmente atribuídas à baixa valorização e utilização da informação produzida, treinamento insuficiente dos profissionais para seu preenchimento, assim como dos técnicos administrativos na alimentação do banco de dados, além de registros incompletos nos prontuários, pois muitas malformações congênitas podem não ser detectadas no momento do nascimento e, por conseguinte, não serem incluídas no Sinasc.

Outro estudo realizado em São Luís-MA, ao utilizar a técnica de linkage entre o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos e pesquisa perinatal realizada na cidade, estimou uma cobertura do Sinasc de 75,8% (IC95%: 73,3%-78,2%).26 Conclui-se que neste estudo, houve um aumento gradual das notificações de malformações congênitas no sistema, possivelmente um reflexo de melhorias no preenchimento da DN ao longo dos anos. Ressalta-se a importância das malformações congênitas como um problema de Saúde Pública, o reconhecimento da importância do cuidado integral à criança portadora de deficiência - incluindo diagnóstico, tratamento, procedimentos de reabilitação e medicalização, entre outros - e a promoção de sua qualidade de vida.

Considera-se relevante a realização de cursos de capacitação dos profissionais da saúde na identificação e notificação das malformações congênitas, objetivando melhorar o sistema de informações, e dessa forma, estabelecer programas de saúde adequados para sua prevenção e assistência. Essas medidas contribuirão para o planejamento de ações de saúde na área materno-infantil, atenção adequada e ampla cobertura do pré-natal, além da organização de uma rede de referência para malformações congênitas.

A prevenção é essencial. Algumas ações têm sido sugeridas, a exemplo da imunização contra rubéola como procedimento de rotina para mulheres e homens entre 20 e 39 anos de idade, a assistência pré-natal em condições de identificar possíveis riscos teratógenos - pela disponibilidade, no sistema de saúde, de exames capazes de identificar toxoplasmose aguda, rubéola e doenças sexualmente transmissíveis (DST) com potencial de risco teratógeno - e a realização de exames mais complexos e específicos, necessários à identificação precoce de malformações congênitas.27

 

Contribuição dos autores

Rodrigues LS e Lima RHS participaram da concepção do estudo, análise dos dados, interpretação dos resultados, elaboração do texto e redação da versão final do manuscrito.

Costa LC e Batista RFL participaram da análise dos dados e contribuíram na discussão e redação final do artigo.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

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Endereço para correspondência:
Lívia dos Santos Rodrigues
- Universidade Federal do Maranhão,
Departamento de Saúde Pública, Núcleo de Pesquisa,
Rua Barão de Itapary, no 155,
Centro, São Luís-MA, Brasil.
CEP: 65020-070
E-mail: livia.s.r@hotmail.com

Recebido em 10/08/2013
Aprovado em 18/02/2014