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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.2 Brasília jun. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000200013

ARTIGO ORIGINAL

 

Prevalência e fatores associados à insatisfação com a imagem corporal de adolescentes de escolas do Ensino Médio da zona rural da região sul do Rio Grande do Sul, 2012

 

Body image dissatisfaction prevalence and associated factors among adolescents at rural high schools in the southern region of Rio Grande do Sul State, Brazil, 2012

 

 

Alice Meyer IepsenI; Marcelo Cozzensa da SilvaII

IPrograma de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas-RS, Brasil
IIPrograma de Pós-Graduação em Educação Física da Escola Superior de Educação Física e Grupo de Estudos em Epidemiologia da Atividade Física, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: investigar a prevalência de insatisfação com a imagem corporal e fatores associados, entre adolescentes do Ensino Médio de zona rural do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, em 2012.
MÉTODOS: estudo transversal realizado em escolas da zona rural pertencentes à 5a Coordenadoria Regional de Educação (5a CRE/RS); foi aplicado questionário com informações demográficas, comportamentais e nutricionais, e insatisfação com imagem corporal, esta mensurada pelo Body Shape Questionnarie (BSQ-34); para a análise multivariável, foi aplicada a regressão de Poisson.
RESULTADOS: foram estudados 510 adolescentes; a prevalência de insatisfação com a imagem corporal foi de 16,9%; na análise multivariável, os fatores associados foram sexo feminino (RP=3,1; IC95% 1,8-5,2), sobrepeso (RP=3,4; IC95% 2,3-5,0), obesidade (RP=3,2; IC95% 1,7-5,7) e atividade física suficiente no lazer (RP=1,5; IC95% 1,1-2,2).
CONCLUSÃO: o nível de insatisfação com a imagem corporal encontrado foi maior nas meninas, naqueles com sobrepeso/obesidade e ativos fisicamente.

Palavras-chave: Imagem corporal; Adolescentes; População Rural; Saúde do Adolescente; Estudos Transversais.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to investigate the level of dissatisfaction with body image and associated factors among high school adolescents in rural areas of Rio Grande do Sul State, Brazil, 2012.
METHODS: A cross-sectional study was conducted in schools in the state's 5th Education Region. Students answered a questionnaire about demographic, socioeconomic and behavioral variables. The outcome, body image dissatisfaction, was measured by the Body Shape Questionnaire (BSQ-34).
RESULTS: 510 adolescents were evaluated. Body image dissatisfaction prevalence was 16.9% and the associated factors were: female gender (p<0.001; 95%CI 1.8-5.2), overweight (PR= 3.4; 95%CI 2.3-5.0), obesity (PR= 3.2; 95%CI 1.7-5.7) and sufficient physical activity in leisure time (PR= 1.5; 95%CI 1.1-2.2).
CONCLUSION: the level of dissatisfaction with body image was higher among girls, adolescents who were overweight/obese and those who were physically active.

Key words: Body Image; Adolescents; Rural Population; Adolescent Health; Cross-sectional Studies.


 

 

Introdução

O aumento da insatisfação com a imagem corporal pode impactar negativamente alguns aspectos da vida dos indivíduos, principalmente no que tange ao comportamento alimentar, psicossocial, físico e cognitivo, e também, à autoestima.1 Com o objetivo de alcançar uma efetiva satisfação com a imagem corporal, correspondente aos ideais estéticos da "cultura", indivíduos podem recorrer a dietas, ao exercício físico exagerado, ao uso de diuréticos e laxantes, entre outros recursos, o que, consequentemente, pode levar a transtornos alimentares como a anorexia, a bulimia nervosa e outros importantes problemas de Saúde Pública.2

Segundo Conti e colaboradores,3 a imagem corporal é um tema importante a ser abordado na adolescência. Neste período da vida, os indivíduos passam por uma série de transformações físicas e mentais, as quais podem ocasionar dificuldades para entender e lidar com a imagem que se tem do próprio corpo. Para Kakeshita e Almeida,4 a imagem corporal faz parte do mecanismo de identidade pessoal e refere-se à satisfação de uma pessoa com seu tamanho corporal ou de partes específicas do corpo. Alguns adolescentes, mesmo dentro dos parâmetros de peso considerados normais para a idade e sexo, podem se perceber acima do peso. Tal percepção pode conduzi-los, muitas vezes, a comportamentos inadequados como a prática excessiva de atividade física e a restrição alimentar auto-imposta,5 fatores com poder de impacto - eventualmente grave - sobre a saúde.

A insatisfação com a imagem corporal tem sido associada a fatores como sexo, cor da pele, massa corporal, atividade física, alimentação e local de moradia, entre outros. Com relação ao sexo, alguns estudos têm demonstrado que o sexo feminino apresenta maior insatisfação com a imagem corporal,6 enquanto outras pesquisas verificaram que essa insatisfação foi mais evidente no sexo masculino.7 Adami e colaboradores8 observaram que, enquanto as meninas desejam perder peso e apresentar uma silhueta corporal mais magra, o ganho de massa muscular é o maior anseio dos meninos. Smolak1 salienta que adolescentes sofrem influências da cultura na qual estão inseridos, sentindo-se pressionados a atingir o corpo ideal preconizado por essa mesma cultura. O baixo peso e o sobrepeso estão associados à insatisfação com a imagem corporal entre os meninos, enquanto nas meninas, a insatisfação é maior entre aquelas com elevada massa corporal.9,10 Segundo Gonçalves e cols.,11 a relação atividade física-imagem corporal vem ganhando importância entre adolescentes, nos últimos anos, e importantes informações a respeito dessa associação têm sido investigadas. Todavia não se sabe se a baixa satisfação corporal motiva os jovens à atividade física ou serve como um obstáculo para essa prática.12 Outro fator a ser analisado é a zona de moradia dos indivíduos. Segundo Triches e Giugliani,6 aqueles que habitam a zona rural são mais satisfeitos com seu corpo do que os que vivem na zona urbana, sendo estes mais pressionados a adotar os estereótipos de beleza vigentes.

Sabendo-se que a insatisfação com a imagem corporal pode gerar importantes problemas de saúde, tais como bulimia e anorexia nervosas,2 estudos que identifiquem essa insatisfação e fatores a ela associados são relevantes. Até o presente momento, poucos estudos nacionais exploraram os fatores associados à insatisfação com a imagem corporal, especialmente entre os que vivem na zona rural.

O objetivo deste estudo foi investigar a prevalência de insatisfação com a imagem corporal e sua associação a fatores demográficos, comportamental e nutricional entre alunos do Ensino Médio da zona rural da região sul do estado do Rio Grande do Sul.

 

Métodos

A presente pesquisa caracterizou-se como de caráter observacional, de corte transversal, do tipo censo. A coleta de dados foi realizada entre julho e novembro de 2012 e abrangeu todas as escolas de Ensino Médio da zona rural compreendidas pela 5a Coordenadoria Regional de Educação do estado do Rio Grande do Sul (5a CRE/RS). Na região abrangida pela 5a CRE/RS, exatas dez escolas localizadas na zona rural dispunham de Ensino Médio: quatro localizadas em Canguçu; duas em São Lourenço do Sul; duas em Pelotas; uma em Piratini; e uma em Cerrito.

Foram convidados a participar da pesquisa todos os estudantes com idade entre 13 e 19 anos matriculados no 1o, 2o ou 3o anos do Ensino Médio das escolas da zona rural compreendidas pela 5a CRE/RS.

Inicialmente, o pesquisador responsável solicitou, junto à 5a CRE, uma autorização para a realização da pesquisa nas escolas selecionadas. Houve um contato preliminar com cada escola, para explicar os objetivos do estudo e solicitar a listagem de matriculados no Ensino Médio. Na primeira visita realizada na escola, foi explicado a cada turma o objetivo da pesquisa e, posteriormente, entregue a cada aluno um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para ser preenchido e assinado pelos pais ou responsáveis. Em duas datas posteriores, visitas foram realizadas às escolas para recolher os Termos de Consentimento e enfatizar a importância do retorno desse documento por parte dos adolescentes que, até então, não o haviam trazido de volta. Em uma data posterior, foi aplicado o questionário e tomadas as medidas antropométricas.

Este estudo fez parte de um inquérito realizado por quatro estudantes de Educação Física, que pesquisaram temas de interesse próprio.13,14 As variáveis coletadas, a partir de perguntas diretas aos adolescentes, foram: sexo (masculino/feminino); idade (anos completos); cor da pele (branco/não branco); e escolaridade (1o, 2o, 3o ano do Ensino Médio). As medidas de peso e altura foram tomadas diretamente, utilizando-se (i) balança digital da marca Slim Control®, com capacidade para 150 kg e precisão de 100 g, e (ii) fita métrica metálica inextensível, de 150 cm de comprimento e precisão de 1,0 mm, afixada a um metro de altura, sobre uma parede lisa. Os adolescentes foram medidos sem calçados, com o mínimo de roupas possível, em sala reservada. O estado nutricional foi avaliado segundo o índice de massa corporal (IMC) (peso em quilos divididos pela altura em metros elevada ao quadrado). A classificação dos adolescentes nas categorias de IMC foi baseada nos pontos de corte propostos por Cole e cols.15 O nível de atividade física semanal foi avaliado mediante a aplicação de um questionário de prática de atividade física no lazer para adolescentes, recomendado por Farias Júnior e colaboradores.16 Foram classificados como insuficientemente ativos os adolescentes que não atingiram pelo menos 300 minutos de atividades físicas moderadas no lazer e escola na última semana; e como ativos, os que atingiram 300 minutos ou mais, nas mesmas situações.17

A variável 'insatisfação com a imagem corporal' foi verificada por meio do Body Shape Questionnarie (BSQ-34).18 Este instrumento, que avalia a preocupação com peso e aparência, foi traduzido para o português por Cordás e Castilho19 e validado para aplicação em adolescentes.20 O BSQ-34 é um questionário autoaplicável constituído de 34 perguntas, e consiste em uma escala Likert de pontos variando de 1 (nunca) a 6 (sempre). Esse questionário também estima o tamanho do corpo e os sentimentos em relação a ele, assim como a satisfação com a própria forma física. A partir da pontuação alcançada nesse questionário, os adolescentes foram classificados em: satisfeitos com a imagem corporal (0 a 80 pontos); com preocupação leve (81 a 110 pontos); com preocupação moderada (111 a 140 pontos); e com preocupação severa (141 a 204 pontos).10 Para fins de análise, o desfecho do BSQ-34 foi avaliado de duas formas: uma utilizando as quatro categorias originais propostas pelo instrumento (satisfeito, com preocupação leve, moderada ou severa, diante da imagem corporal); e a outra, dicotomizada nas categorias satisfeito e insatisfeito.

Os dados coletados foram duplamente digitados no programa EpiData 3.1. Realizou-se uma análise para verificação de inconsistência das digitações entre os bancos. Para a análise estatística, foi adotado o programa Stata 12.0. Foi realizada a análise descritiva das variáveis em estudo, com cálculo de média e respectivo desvio-padrão para variáveis contínuas; e cálculo de proporção e intervalos de confiança para as variáveis categóricas. A análise bivariada foi realizada por meio dos testes de Wald para heterogeneidade de proporções e tendência linear (nominal e ordinal). Para o desfecho dicotômico, foi realizada análise multivariável por meio de regressão de Poisson, para análise de associação entre o desfecho e as variáveis independentes, com controle simultâneo para fatores de confusão. A análise multivariável seguiu um modelo hierarquizado de análise. Nesse modelo, as variáveis presentes em cada nível hierárquico foram controladas entre si e para as variáveis dos níveis mais distais em relação ao desfecho. O primeiro nível hierárquico (distal) foi composto pelas variáveis sexo, idade e cor da pele; o segundo nível foi composto pela variável escolaridade; e o terceiro nível, pelas variáveis atividade física no lazer e IMC. Todas as variáveis, independentemente do valor p encontrado na análise bruta, foram encaminhadas para análise ajustada. Na análise ajustada, manteve-se, no modelo para controle de confusão, somente as variáveis que apresentaram valor p≤0,2. Para todas as análises de associação, foi adotado um nível de significância para associação de p<0,05.

Este estudo foi conduzido dentro dos padrões éticos exigidos pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012, e foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas (Protocolo no 038/2011).

 

Resultados

O número total de alunos devidamente matriculados no Ensino Médio das escolas incluídas no estudo foi de 1.502, dos quais 1.102 estavam regularmente frequentando a escola, além de se encontrarem na faixa etária definida para o estudo. Foram considerados como perdas, os alunos que não apresentaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado por seus responsáveis (n=448) ou não se encontravam na escola nos dias de aplicação do questionário (n=144). No total, incluídas todas as escolas, 510 alunos participaram do estudo, resultando em uma proporção de perdas de 53,7%.

Na Tabela 1, são apresentadas as variáveis demográficas, comportamentais e antropométricas dos escolares participantes da pesquisa. A maioria da população avaliada era do sexo feminino (59,0%), de cor da pele branca (90,0%), com idade entre 15 e 17 anos (80,0%). Aproximadamente 38,0% dos alunos frequentavam o 1o ano do Ensino Médio. A prevalência de inatividade física foi de 53,3%; e 82,9% dos alunos foram classificados na categoria de normalidade, no que se refere ao índice de massa corporal - IMC.

 

 

Quando avaliada a preocupação que os participantes apresentavam com seu peso e aparência, obteve-se 16,9% de insatisfação com a imagem corporal, 11,5% de preocupação leve, 3,6% de preocupação moderada e 1,8% de preocupação severa.

A Tabela 2 apresenta a relação das variáveis independentes com as respostas obtidas via BSQ-34. As variáveis sexo e IMC foram as que obtiveram relação significativa com o peso e a aparência. Mais de 90,0% dos participantes do sexo masculino e 76,5% do sexo feminino estavam satisfeitos com sua imagem corporal. Poucos alunos foram identificados como tendo uma preocupação severa com seu peso e imagem, independentemente do sexo (1,8%). A partir das respostas ao BSQ-34, observou-se que, em qualquer um dos níveis de IMC, a maioria dos participantes estava satisfeita com sua imagem corporal. Não obstante, verificou-se a existência de mais participantes satisfeitos com sua imagem corporal entre os estudantes com IMC normal (87,7%), comparativamente àqueles com IMC relativo a sobrepeso (57,1%) e obesidade (65,4%).

 

 

A partir das respostas ao BSQ-34, na análise bivariada (Tabela 3), as variáveis sexo e IMC estiveram associadas à insatisfação corporal. Após ajuste, ambas as variáveis permaneceram associadas ao desfecho, juntamente com a variável atividade física no lazer. Adolescentes do sexo feminino apresentaram três vezes mais probabilidade de estarem insatisfeitas com a imagem corporal, quando comparadas aos meninos (RP=3,1; IC95% 1,8-5,2). Da mesma maneira, indivíduos com sobrepeso e obesidade e indivíduos ativos apresentaram, respectivamente, probabilidades acima de 200% (RP=3,2; IC95% 1,7-5,7) e acima de 50% (RP=1,5; IC95% 1,1-2,2) para insatisfação com sua imagem, quando comparados a seus grupos de referência (indivíduos com IMC normal e indivíduos insuficientemente ativos).

 

 

Discussão

Os adolescentes do Ensino Médio da zona rural da região sul do Rio Grande do Sul apresentaram, neste estudo, prevalência de insatisfação com a imagem corporal inferior à encontrada por Castro e cols.21 ao analisarem dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar de 2009, segundo a qual 39,0% se achavam magros ou gordos. Os fatores que estiveram associados à imagem corporal dos adolescentes foram sexo feminino, IMC relativo a sobrepeso e obesidade, e atividade física suficiente no lazer.

No presente estudo, a prevalência de insatisfação corporal foi de 16,9% (7,7% do sexo masculino e 23,5% do sexo feminino). Estudo de Petroski e cols.,22 realizado com adolescentes de 13 a 17 anos da zona rural de municípios dos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, encontrou uma prevalência de 64,2% de insatisfação com a imagem corporal. A grande discordância entre as prevalências encontradas acontece por conta do instrumento utilizado para verificar essa insatisfação. Enquanto o estudo de Petroski e cols.22 chegou a tal prevalência por meio da escala de silhuetas, o presente estudo alcançou seu resultado utilizando-se do BSQ-34. Estudo de Aerts e cols.23 com escolares de 5a a 8a séries do Ensino, na cidade de Gravataí-RS, encontrou resultados pouco discrepantes aos do presente estudo entre os homens (10,2% insatisfeitos), porém diferente entre as mulheres (40,2%). Possivelmente, essas divergências devem-se a que meninas podem autoavaliar seu corpo com maior frequência e, por conseguinte, sentirem-se menos satisfeitas com seu corpo quando comparadas a seus pares.24 Ademais, indivíduos da zona rural podem estar menos expostos à pressão social da cultura da magreza ou, no caso dos meninos, do corpo musculoso, comparativamente a adolescentes da zona urbana.22 Segundo Alves,25 a satisfação com a imagem corporal está ligada à maior ou menor relação com os ideais de beleza incutidos culturalmente.

Adolescentes do sexo feminino apresentaram probabilidade elevada para insatisfação com a imagem corporal quando comparadas aos jovens do sexo masculino de sua idade. Estudo de Pinheiro e Giugliani26 concluiu: escolares sem sobrepeso que acreditavam serem obesos eram, com maior frequência, do sexo feminino. Fidelix e cols.,7 por sua vez, relataram em seu estudo que meninos apresentaram uma probabilidade 1,2 vezes maior de apresentar insatisfação com a imagem corporal, na comparação com as meninas. Segundo Laus e cols.,27 a insatisfação com a imagem corporal pode atingir os adolescentes independentemente do sexo. Entretanto, a insatisfação com a imagem apresenta explicações diferenciadas entre os sexos: enquanto as meninas se preocupam em atingir corpos mais magros, os meninos focam sua aparência em corpos mais volumosos e maior definição de musculatura.9

As análises realizadas demostraram que os indivíduos nas categorias de sobrepeso e obesidade apresentaram maior insatisfação com a imagem corporal quando comparados à categoria normal, segundo o índice de massa corporal. Estudos de Costa e Vasconcelos28 e Vilela e cols.29 corroboram o resultado do presente estudo. Costa e Vasconcelos28 encontraram uma prevalência de 91,4% de satisfação com a imagem corporal, para uma amostra de universitárias com baixo peso; já para alunas com obesidade, a prevalência de insatisfação com a imagem corporal foi de 85,7%. O estudo de Vilela e cols.29 identificou que adolescentes com elevado somatório de dobras cutâneas possuem 2,08 vezes mais probabilidade de insatisfação corporal em relação aos adolescentes com adiposidade ideal. Tal constatação sugere a necessidade de orientação nutricional para preservar a saúde dos escolares, haja vista que adolescentes insatisfeitos com a imagem do próprio corpo podem - com frequência - adotar comportamentos alimentares anormais e práticas inadequadas de controle de peso, como uso de diuréticos, laxantes e atividade física extenuante.29

A variável atividade física no lazer esteve associada ao desfecho em estudo. Segundo Adami e cols.,8 poucos trabalhos têm demonstrado a relação existente entre insatisfação corporal e atividade física. Para Furnham e cols.,30 adolescentes que se exercitavam para controlar o peso e melhorar o tônus muscular apresentavam maiores níveis de insatisfação corporal.

É importante salientar que este é o primeiro estudo a verificar a satisfação com a imagem corporal de adolescentes da zona rural da região sul do Rio Grande do Sul, e algumas limitações para sua consecução devem ser descritas e analisadas.

Uma dessas limitações é o número de perdas e recusas para participação no estudo. Esse percentual pode, ainda, estar superestimado devido ao fato de muitos alunos da listagem de matriculados entregue pela instituição não estarem, no momento do estudo, frequentando a escola regularmente. Segundo muitos dos professores das turmas investigadas, à época de colheita e plantio - atividades realizadas por toda a família, incluindo os filhos - é comum a evasão escolar no meio rural. Além disso, como a coleta de dados foi realizada em um único dia, os alunos que não trouxeram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos pais não puderam participar do estudo. Contudo, acredita-se que a validade interna do estudo não tenha sido afetada, pois as perdas e recusas foram semelhantes aos percentuais de sexo, idade e cor da pele da população considerada pelo estudo.

Outro ponto a ser discutido consiste no delineamento da pesquisa. Estudos transversais, apesar de reduzirem o tempo de coleta e minimizarem o custo neles implicado, podem ser afetados por vieses importantes, como o de memória e o de causalidade reversa. No sentido de sua superação, para as variáveis que necessitavam de informações retrospectivas, utilizou-se tempo de recordatório reduzido - como a última semana, para atividade física. Mesmo assim, causalidades de algumas associações podem ficar comprometidas pelo fato de não se saber a temporalidade dos acontecimentos (IMC e imagem corporal, por exemplo).

A prevalência de insatisfação com a imagem corporal entre os adolescentes da zona rural do sul do Rio Grande do Sul foi de 16,9%. Sexo feminino, índice de massa corporal - IMC - relativo a sobrepeso e obesidade e atividade física no lazer foram as variáveis associadas ao desfecho. Sugere-se que as escolas orientem seus alunos sobre a relação existente entre a imagem corporal e a saúde da população, especialmente de adolescentes. Também é fundamental a parceria entre os conselhos administrativos escolares a os órgãos públicos que trabalham com saúde, a exemplo dos conselhos municipais de saúde e das universidades regionais, para ações focadas nos subgrupos vulneráveis à insatisfação com a imagem corporal.

 

Contribuição dos autores

Iepsen AM participou da criação do projeto, coleta de dados, revisão de literatura e análise dos dados.

Silva MC supervisionou o trabalho de campo, realizou a análise de dados e participou em todas as fases de redação do artigo.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Marcelo Cozzensa da Silva
-
Rua Luis de Camões, no 625,
Três Vendas, Pelotas-RS, Brasil.
CEP: 96055-630

E-mail: cozzensa@terra.com.br

Recebido em 05/09/2013
Aprovado em 08/05/2014