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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.3 Brasília sep. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000300013

ARTIGO ORIGINAL

 

Intoxicação aguda por agrotóxicos anticolinesterásicos na cidade do Recife, Pernambuco, 2007-2010*

 

Acute anticholinesterase pesticide poisoning in Recife, Pernambuco State, Brazil, 2007-2010

 

Intoxicación aguda por agrotóxicos anticolinesterásicos en la ciudad de Recife, Pernambuco, 2007-2010

 

 

Márcia Noelle Cavalcante MedeirosI; Marília Cavalcante MedeirosI; Maria Beatriz Araújo SilvaII

IFaculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças, Universidade de Pernambuco, Recife-PE, Brasil
IILaboratório Central de Saúde Pública Dr. Milton Bezerra Sobral, Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco e Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças, Universidade de Pernambuco, Recife-PE, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever as características epidemiológicas e a distribuição espacial dos casos de intoxicações agudas por agrotóxicos anticolinesterásicos na cidade do Recife, estado de Pernambuco, Brasil, no período 2007-2010.
MÉTODOS: estudo descritivo das notificações registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), para levantamento do perfil epidemiológico e geoprocessamento.
RESULTADOS: foram identificados 549 casos de intoxicações agudas por agrotóxicos anticolinesterásicos, sendo as maiores frequências observadas no sexo feminino (60,3%), na faixa etária de 15 a 29 anos (42,3%) e naqueles de cor ou raça parda (95,3%); o "chumbinho" representou o principal agente tóxico envolvido (92,2%) e o principal motivo das intoxicações foi a tentativa de suicídio (79,4%).
CONCLUSÃO: a intoxicação por agrotóxicos anticolinesterásicos acometeu principalmente mulheres, jovens e pardos; o achado de que a grande maioria dos casos estava relacionada a tentativa de suicídio indica a necessidade de ações de prevenção focadas na população detectada como vulnerável.

Palavras-chave: Envenenamento; Carbamatos; Intoxicação por Organofosfatos; Epidemiologia Descritiva; Tentativa de Suicídio.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the epidemiological characteristics and spatial distribution of acute anticholinesterase pesticide poisoning cases in the city of Recife Pernambuco State, Brazil, 2007-2010.
METHODS: this was a descriptive study of cases reported on the Notifiable Diseases Database (Sinan) to obtain their epidemiologic profile andperform geoprocessing.
RESULTS:
549 cases were identified. The highestfrequencies occurredamongfemales (60.3%), the 15-29 age group (42.3%) and brown-skinned individuals (95.3%). "Ratpoison" was the mainpoisoning agent found (92.2%) and attempted suicide was the main reason for poisoning (79.4%).
CONCLUSION: anticholinesterase pesticide poisoning is a serious public health problem with a high proportion of cases concentrated in youth, women and brown-skinned people. The finding that the vast majority of cases were related to attempted suicide indicates the need for prevention actions focusing vulnerable populations.

Key words: Poisoning; Carbamates; Organophosphate Poisoning; Descriptive Epidemiology; Suicide Attempt.


RESUMEN

OBJETIVO: describir las características epidemiológicas y la distribución espacial de los casos de intoxicaciones agudas por agrotóxicos anticolinesterásicos en la ciudad de Recife, estado de Pernambuco, Brasil, en el período 2007-2010.
MÉTODOS:
estudio descriptivo de las notificaciones registradas en el Sistema de Información de Agravamientos de Notificación (Sinan), para analizar el perfil epidemiológico y el geoprocesamiento.
RESULTADOS: se identificaron 549 casos de intoxicaciones agudas por agrotóxicos anticolinesterásicos, siendo observadas las mayores frecuencias en el sexo femenino (60,3%), en la franja de edad de 15 a 29 años (42,3%) y en las personas de color o raza parda (95,3%); el rodenticida ("chumbinho") fue el principal agente tóxico involucrado (92,2%) y el principal motivo de las intoxicaciones fue el intento de suicidio (79,4%).
CONCLUSIÓN: la intoxicación por agrotóxicos anticolinesterásicos acometió principalmente a mujeres, jóvenes y a pardos; el hallazgo de que en la gran mayoría de los casos estaba relacionada al intento de suicidio indica la necesidad de acciones de prevención dirigidas a la población detectada como vulnerable.

Palabras claves: Envenenamiento; Carbamatos; Intoxicación por Organofosfatos; Epidemiología Descriptiva; Intento de Suicidio.


 

 

Introdução

O Brasil é considerado uma potência agrícola mundial, um dos líderes na produção e exportação dos produtos agropecuários. Em 2010, um em cada quatro produtos do agronegócio em circulação no mundo era brasileiro.1 A ascensão do agronegócio no país tem contribuído para a posição de destaque conquistada pelo Brasil na economia mundial; em contrapartida, essa grande produção agrícola gera enorme demanda pelo uso de agrotóxicos, com sérias implicações para o ambiente e para a saúde humana.2,3

Os processos de intoxicação humana têm se constituído em um dos mais graves problemas de Saúde Pública devido à falta de estratégias de controle e prevenção das intoxicações, associada à facilidade de acesso da população a um número crescente de substâncias - lícitas e ilícitas - com alto grau de toxicidade.4

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou para o ano de 2005, aproximadamente 3 milhões de envenenamentos humanos por pesticidas ao ano, em todo o mundo, com mais de 220 mil mortes relatadas.5 Revisão sistemática da literatura, publicada em 2007, aponta que anualmente, seriam mais de 258 mil mortes à causa de autoenvenenamento por tais produtos, correspondendo a cerca de um terço dos suicídios globais.6

Segundo o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), o consumo indiscriminado dos agrotóxicos torna essa categoria a terceira maior causa de intoxicação no país, superada apenas pelas intoxicações medicamentosas e por animais peçonhentos. Em 2009, no Brasil, foram registrados 100.391 casos de intoxicação exógena humana e 404 óbitos decorrentes, sendo os agroquímicos de uso agrícola a principal causa desses óbitos.4

Entre os inseticidas, os carbamatos e os organos-fosforados estão entre os mais utilizados na produção agrícola e nos ambientes domésticos, colocando-se entre os principais agentes tóxicos relacionados aos casos de intoxicação aguda humana, em situações acidentais ou não (de propósito homicida ou tentativas de suicídio), dada a alta toxicidade de alguns desses compostos por sua ação anticolinesterásica.

De acordo com a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos da América (Environmental Protection Agency - EPA, ou USEPA), o Aldicarb é o carbamato de maior toxicidade disponível no mercado.7 Esse agrotóxico é um dos principais compostos encontrados nos granulados de tipo "chumbinho". O uso ilegal do "chumbinho" como rodenticida traz grandes preocupações para a Saúde Pública, haja vista o grande número de pessoas intoxicadas por ele.8

A descrição do perfil e do geoprocessamento de casos de intoxicação é de grande relevância pública, podendo servir de subsídio para a elaboração e implementação de novas políticas visando diminuir a ocorrência desse agravo. Nessa perspectiva, este trabalho teve por objetivo descrever o perfil epidemiológico e a distribuição espacial dos casos de intoxicações agudas por agrotóxicos anticolinesterásicos na cidade do Recife, Pernambuco, no período de 2007 a 2010.

 

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo das características epidemiológicas e da distribuição espacial dos casos de intoxicações agudas por agrotóxicos anticolinesterásicos na cidade do Recife, capital do estado de Pernambuco.

Recife-PE localiza-se na região Nordeste do Brasil. Possui uma área de aproximadamente 220 km2 e compreende 94 bairros, os quais, para efeito de formulação, execução e avaliação permanente das políticas e do planejamento governamentais, encontram-se distribuídos em seis regiões político-administrativas (RPA): RPA I - Centro, com 11 bairros; RPA II - Norte, com 18 bairros; RPA III - Noroeste, com 29 bairros; RPA IV - Oeste, com 12 bairros; RPA V - Sudoeste, com 16 bairros; e RPA VI - Sul, com 8 bairros. A RPA VI é a mais populosa do Recife-PE; em situação inversa, encontra-se a RPA I, região que concentra o centro tradicional de comércio e o menor número de domicílios. A RPA II ocupa fortemente os morros da zona norte, enquanto a RPA III reúne grande extensão de matas da cidade. As proporções de casos referentes aos bairros foram calculadas levando-se em consideração o número total de casos notificados em cada RPA.

Como fonte de dados, foi utilizado o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), disponibilizado pela Secretaria de Saúde do Recife-PE. Para a seleção dos casos que comporiam a amostra, promoveu-se uma revisão sistemática de todos os registros de notificação que apresentavam como agente tóxico os agrotóxicos anticolinesterásicos. Foram extraídos do Sinan todos os dados referentes aos casos notificados e registrados no período de 2007 a 2010.

Foram avaliadas as seguintes variáveis demográficas e socioeconômicas: sexo (masculino/feminino); faixa etária (até 14; 15 a 29; 30 a 44; 45 a 60; mais de 60 anos); cor da pele ou raça (branca; preta; amarela; parda; indígena); condição de gestante (sim/não); e RPA/bairro de residência. As variáveis especificas do agravo estudadas foram: tipo de agrotóxicos anticolinesterásicos (organofosforados e carbamato); agente tóxico envolvido ("chumbinho"; Baygon; outros); local de ocorrência da exposição (residência; local de trabalho; outros); via de exposição (digestiva; cutânea; respiratória); circunstância de exposição (tentativa de suicídio; acidental; uso habitual; violência/homicídio; ingestão de alimento ou bebida; ambiental; tentativa de aborto; outra); hospitalização (sim/não); e evolução do caso (cura sem sequelas; cura com sequelas; óbito por intoxicação exógena; óbito por outra causa; perda de seguimento).

Os dados foram analisados com o auxílio do software SPSS, para cálculo das frequências absolutas e percentuais. O teste qui-quadrado foi utilizado para comparação de proporção entre as variáveis. E para avaliar a associação do perfil do paciente (sexo e faixa etária) com a intoxicação intencional, foi aplicado o teste qui-quadrado para independência. Em todas as conclusões, foi considerado o nível de significância de 5%.

A representação cartográfica foi confeccionada utilizando-se o software livre TerraView 4.1.0, versão para Windows de 32 bits. Pelo mesmo aplicativo, foi realizada a montagem e o processamento da base de dados georreferenciados. A base de dados cartográficos utilizados incluiu a Malha de Setores Censitários da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) para o ano de 2010, o Sistema Geodésico de Referência Sirgas 2000 e o sistema de projeção latitude/longitude (não projetado).

O estudo foi submetido a apreciação e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Agamenon Magalhães, na cidade do Recife-PE, sob o Protocolo no 01018613.9.0000.5197. Todos os cuidados foram adotados visando garantir o sigilo e a confidencialidade das informações, de acordo com os aspectos éticos estabelecidos na Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, 12 de dezembro de 2012.

 

Resultados

No período de 2007 a 2010, foram encontrados 549 casos de intoxicação aguda por agrotóxicos anticolinesterásicos notificados ao Sinan do Recife-PE. Os bairros de Boa Vista, Água Fria, Nova Descoberta, Iputinga, Afogados e Ibura foram os mais acometidos, considerando-se cada região político-administrativa da cidade (Figura 1). Entre esses bairros, Água Fria, Iputinga e Ibura obtiveram os maiores valores percentuais: respectivamente, 29,3%, 27,7% e 24,8% dos casos registrados em cada uma das RPA onde estão localizados. Verificou-se que 39,7% (218 casos) dos pacientes atendidos em decorrência de intoxicação por agrotóxicos eram do sexo masculino, enquanto 60,3% (331 casos) eram mulheres; destas, 12 (0,27%) eram gestantes. A proporção de casos no sexo feminino foi estatisticamente superior à do sexo masculino (p<0,001) (Tabela 1).

 

Figura 1 – Mapeamento dos casos de intoxicação por agrotóxicos anticolinesterásicos, de acordo com região politico-administrativa (RPA) e bairro. Recife, Pernambuco, 2007 a 2010

 

 

Tabela 1 – Características sociodemográficas dos pacientes vítimas de intoxicação aguda por agrotóxicos anticolinesterásicos. Recife, Pernambuco, 2007 a 2010

 

A faixa etária com maior frequência de intoxicação por agrotóxico anticolinesterásico foi a de 15 a 29 anos: 42,3% (232 casos) (p<0,001). A amplitude de idade variou de menos de 1 ano a 79 anos de idade. A média de idade dos pacientes avaliados no estudo foi de 27,1 anos, com desvio-padrão de 15,2 anos. Ressalta-se, ainda, a expressiva maioria das ocorrências (95,3%) entre pessoas da raça/cor parda (Tabela 1).

Acerca do distrito de residência das vítimas atendidas, 6,6% moravam na RPA I, 27,6% na RPA III e 19,7% na RPA VI. A Região Político-Administrativa III foi a que apresentou maior numero de casos, seguida da RAP VI. O local de ocorrência das intoxicações foi a própria residência das vítimas em 94,4% dos casos. O "chumbinho" representou o principal agente tóxico, referido em 92,2% das notificações. A via de intoxicação mais frequente foi a digestiva: 97,8% (Tabela 2).

 

Tabela 2 – Características descritivas da ocorrência de intoxicação aguda por agrotóxicos anticolinesterásicos. Recife, Pernambuco, 2007 a 2010

 

Ao se analisar a circunstância em que ocorreu a intoxicação, encontrou-se um número proporcional bastante significativo de tentativas de suicídio: 79,4% dos casos. Os eventos acidentais foram responsáveis por 14,1%, a violência/homicídio por 1,3% dos casos e a tentativa de aborto foi referida a tão somente 2 casos (0,4%). Observou-se que 33,7% dos casos implicaram hospitalização. Do total de casos notificados, 84,5% (338 expostos) tiveram como evolução a cura sem sequelas. Registrou-se 35 (8,8%) óbitos pelo tipo de intoxicação referido no estudo. Foram identificadas diferenças estatisticamente significativas entre as proporções correspondentes às diversas categorias, para todas as variáveis estudadas (p<0,001) (Tabela 2).

O sexo que apresentou maior número de intoxicações como tentativa de suicídio foi o masculino, com 82,7%, enquanto para o sexo feminino essa circunstancia representou 79,9% das ocorrências. Entretanto, não foram encontradas diferenças significativas entre os sexos (p=0,429) (Tabela 3).

 

Tabela 3 – Distribuição das vítimas de intoxicação aguda por agrotóxicos anticolinesterásicos, segundo perfil social e circunstância da intoxicação. Recife, Pernambuco, 2007 a 2010

 

Do total de casos de intoxicações intencionais (n=186), 93,9% tinham de 15 a 29 anos de idade. Na faixa etária até os 14 anos, a maioria dos atendimentos de intoxicação por agrotóxicos anticolinesterásicos deveu-se a motivos não intencionais (76,6%). Houve associação estatisticamente significativa entre faixa etária e circunstância ou motivo da intoxicação (p<0,001) (Tabela 3).

 

Discussão

O presente estudo descreveu o perfil dos casos de intoxicações agudas por agrotóxicos anticolinesterásicos em Recife-PE, no período de 2007 a 2010. Os mais acometidos pelo agravo foram jovens entre 15 e 29 anos, mulheres e indivíduos de cor da pele parda. A tentativa de suicídio, sobretudo decorrente da ingestão do agente tóxico, foi o principal motivo das intoxicações, e a substância conhecida como "chumbinho", a mais frequentemente utilizada nessa circunstância.

Entre os casos de intoxicação estudados, observou-se que as regiões político-administrativas mais acometidas foram as RPA III e VI, localizadas, respectivamente, ao noroeste e ao sul da cidade. Essa situação pode ser explicada pelo fato de a RPA VI ser a mais populosa, com 24,9% do total de habitantes do Recife-PE, e a segunda mais densa, como consequência da ocupação de morros, com 90,68 habitantes por hectare.9 A RPA III era a menos densa, com 36,38 habitantes por hectare, em razão de extensas áreas ocupadas pelas matas da Guabiraba/Pau Ferro, Sítio dos Pintos e Dois Irmãos. A despeito de sua menor densidade populacional, essa região apresentou maior concentração de áreas pobres, seguida pela RPA VI, cada uma dessas regiões abrigando 28,50% e 23,41% da população da cidade respectivamente.9

Em relação às demais variáveis estudadas, a faixa etária jovem, entre 15 e 29 anos, foi a mais exposta à intoxicação, sendo o sexo feminino o mais acometido. Nesse caso, a literatura corrobora o que foi encontrado por este estudo: o predomínio dos agravos de intoxicação por agrotóxicos anticolinesterásicos no sexo feminino e no perfil etário mais jovem, consonante com estudos descritivos sobre tentativas de suicídio.10,11 Quanto à cor ou raça, esperava-se que a parda alcançasse o maior percentual, pois grande parte dos brasileiros declaram-se pardos.

Zambolim e colaboradores relataram que mais de 70% das intoxicações são agudas, isto é, ocorrem em menos de 24 horas da exposição. Assim como foi apresentado no atual estudo, a literatura afirma que em cerca de 90% dos casos, a exposição ao agente tóxico ocorre por via oral e na própria casa da vítima ou arredores.12

Ao se analisar a circunstância na qual ocorreram as intoxicações, observou-se importante ocorrência de tentativas de suicídio. De forma semelhante, Correa e Barrero13 detectaram ser o suicídio intencional, em média, três vezes mais frequente nas mulheres, ao passo que o suicídio propriamente dito foi em torno de três a quatro vezes maior no sexo masculino. Segundo a OMS,10 diversas circunstâncias produtoras de estresse podem explicar o motivo da elevada proporção de tentativas de suicídio encontrada neste estudo. Entre esses fatores, destacam-se o desemprego, a pobreza, a perda de um ente querido, as discussões familiares ou com amigos, a ruptura de uma relação afetiva, problemas legais ou no trabalho, o uso abusivo de álcool e drogas, o isolamento social e os distúrbios psíquicos.10,11

O presente estudo também encontrou a ocorrência desse agravo em gestantes: uma gravidez indesejada poderia ser a causa da tentativa de aborto ou suicídio. Não obstante estudos relatarem que os praguicidas anticolinesterásicos não permanecem no organismo por tempo suficiente para exercerem efeitos teratogênicos, há referência de abortamento por intoxicação no primeiro trimestre de gravidez. Quando essas intoxicações ocorrem durante o segundo e o terceiro trimestres, a gestação pode ser levada naturalmente, gerando bebês saudáveis.14

A ocorrência de acidentes por agrotóxicos em menores de 14 anos de idade, encontrada neste estudo, justifica-se: pesquisas mostram que nessa fase da vida, as crianças estão em plena evolução e acelerada atividade, e a sede de curiosidade e descobertas expõem esse segmento às intoxicações acidentais.11,15

A substância conhecida como "chumbinho" foi a mais frequentemente utilizada. Além de se tratar de um produto comercializado de forma ilegal, é o principal agente envolvido nas tentativas de suicídio, de presença relevante também nas intoxicações pediátricas de forma acidental.8 Esse agrotóxico é registrado e autorizado exclusivamente para uso agrícola11 e causa intoxicações geralmente graves, com elevados índices de mortalidade.15-17 Esta alta mortalidade tem sido relacionada ao diagnóstico tardio e à conduta inadequada.15,17,18

Com relação às limitações deste estudo, destacam-se os problemas de preenchimentos das planilhas quanto as variáveis estudadas, principalmente as referentes a raça (212 casos não identificados), local de ocorrência da exposição (207 casos não identificados), circunstância de exposição (74 casos não identificados), hospitalização (47 casos não identificados) e evolução do caso (em 149 registros, não foi possível identificar o fechamento do caso). Os campos referentes a essas variáveis, em algumas situações, estavam mal preenchidos (incompletitude) ou sequer haviam sido preenchidos (em branco). Assim, ao utilizar dados secundários, aumenta-se a proporção de erros, nem sempre possíveis de serem resolvidos. Devido a essa situação, as variáveis dos casos apresentados no estudo foram, uma a uma, minuciosamente analisadas. Por se tratar de um preocupante problema de Saúde Pública, as intoxicações por agrotóxicos anticolinesterásicos requerem maior rigor na notificação, que todavia apresenta lacunas. Nesse sentido, uma maior colaboração dos profissionais de saúde no preenchimento correto e completo da ficha de notificação mostra-se fundamental, pois as variáveis em branco ou incompletas dificultam a construção do perfil epidemiológico e, consequentemente, o direcionamento das intervenções e ações que visam reduzir a magnitude e a gravidade desses eventos.

O raticida "chumbinho" foi o principal composto envolvido nas intoxicações do estudo. Portanto, faz-se necessário o controle e fiscalização do comércio ilegal desse agente e sua apreensão, sendo indispensável a conscientização da população sobre os riscos que o produto representa. Vale ressaltar a importância das políticas de promoção da saúde entre jovens e mulheres, por serem, segundo o estudo, os grupos mais susceptíveis a esse tipo de agravo.

Por ser o Brasil um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, mostra-se fundamental a construção coletiva de formas solidárias e sustentáveis de organização da vida social, que fortaleçam as experiências na Saúde Pública com o objetivo de diminuir a ocorrência desses casos, orientar a atuação da rede de atenção à saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), promover experiências agroecológicas e estimular a participação ativa da sociedade na definição de políticas públicas combinadas com práticas produtivas respeitadoras da vida e do meio ambiente.

 

Contribuição das autoras

Medeiros MNC e Medeiros MC participaram igualmente de todas as etapas de elaboração do artigo: concepção do estudo, coleta, organização, interpretação e análise dos dados, e redação do artigo.

Silva MBA participou da análise e revisão crítica dos dados e contribuiu na discussão e redação final do artigo.

Todas as autoras aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Márcia Noelle Cavalcante Medeiros
- Rua Ernesto de Paula Santos, no 454, Apto. 604,
Boa Viagem, Recife-PE, Brasil.
CEP: 51021-330

E-mail:marcia.noelle@hotmail.com

Recebido em 16/09/2013
Aprovado em 01/08/2014

 

 

*Artigo redigido com base em monografia de Márcia Noelle Cavalcante Medeiros e Marília Cavalcante Medeiros, apresentada à Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças (FENSG), Universidade de Pernambuco (UPE), defendida em junho de 2012. O estudo que resultou na elaboração deste artigo não foi financiado por qualquer agência.

 

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