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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.4 Brasília dez. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000400014

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação da qualidade da atenção à doença meningocócica na Região Metropolitana de Campinas, 2000 a 2012*

 

Assessment of quality of care for meningococcal disease in the Metropolitan Region of Campinas, 2000-2012

 

Evaluación de la calidad de la atención a la enfermedad meningocócica en la Región Metropolitana de Campinas, 2000 a 2012

 

 

Raquel Maria Ramalheira DuarteI,II; Maria Rita DonalísioI; João FredII

IFaculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, Brasil
IIGrupo de Vigilância Epidemiológica XVII - Campinas -, Secretaria de Estado da Saúde, São Paulo-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar a assistência ao paciente, o diagnóstico laboratorial e a vigilância epidemiológica da doença meningocócica (DM) na Região Metropolitana de Campinas estado de São Paulo, mediante indicadores operacionais associados à qualidade da atenção.
MÉTODOS: estudo retrospectivo dos casos de DM notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) entre 2000 e 2012.
RESULTADOS: dos 929 casos estudados, 35,5% apresentaram a tríade de sintomas (febre, vômitos e rigidez de nuca) e 62,2% foram internados nas primeiras 24 horas; realizou-se punção lombar em 89,7%; houve confirmação laboratorial em 80,4%; 34,6% foram notificados nas primeiras 24 horas e 36,2% receberam quimioprofilaxia nas primeiras 48 horas.
CONCLUSÃO: as internações foram oportunas, o diagnóstico laboratorial de boa qualidade, a investigação epidemiológica e o encerramento dos casos revelaram-se adequados; todavia, as ações de notificação e quimioprofilaxia não foram oportunas; indicadores operacionais de qualidade da atenção contribuem para o monitoramento e controle da DM.

Palavras-chave: Infecções Meningocócicas; Epidemiologia Descritiva; Vigilância Epidemiológica; Indicadores de Qualidade em Assistência à Saúde; Avaliação em Saúde.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to analyze meningococcal disease (MD) patient care, laboratory diagnosis and epidemiological surveillance in the Metropolitan Region of Campinas (MRC) through operational indicators of care quality.
METHODS: this was a retrospective study of DM cases reported on the Epidemiological Surveillance System in MRC between 2000 and 2012.
RESULTS: among the 929 cases studied, 35.5% presented the three symptoms: fever, vomiting and stiff neck; 62.2% were hospitalized within the first 24 hours; lumbar puncture was performed in 89.7% and 80.4% had laboratory confirmation; 34.6% were reported in the first 24 hours and 36.2% received chemoprophylaxis during the first 48 hours.
CONCLUSION: hospitalizations were opportune, laboratory diagnosis was of good quality, epidemiological research and case closure were adequate; however, case reporting and chemoprophylaxis were not opportune; operational indicators of care quality contribute to DM monitoring and control.

Key words: Meningococcal Infections; Epidemiology, Descriptive; Epidemiological Surveillance; Quality Indicators, Health Care; Health Evaluation.


RESUMEN

OBJETIVO: analizar la asistencia al paciente, el diagnóstico de laboratorio y la vigilancia epidemiológica de la enfermedad meningocócica (DM) en la Región Metropolitana de Campinas estado de São Paulo, mediante indicadores operacionales asociados a la calidad de la atención.
MÉTODOS: estudio retrospectivo de los casos de DM notificados al Sistema de Información de Agravamientos de Notificación (Sinan) entre 2000 y 2012.
RESULTADOS: de los 929 casos estudiados, 35,5% presentaron la triada de síntomas (fiebre, vómitos y rigidez de nuca) y 62,2% fueron internados las primeras 24 horas; se realizó punción lumbar en un 89,7%; hubo confirmación de laboratorio en un 80,4%; 34,6% fueron notificados las primeras 24 horas y 36,2% recibió quimioprofilaxis las primeras 48 horas.
CONCLUSIÓN: las internaciones fueron oportunas, el diagnóstico de laboratorio de buena calidad, la investigación epidemiológica y el cierre de los casos se revelaron adecuados; sin embargo, las acciones de notificación y quimioprofilaxis no fueron oportunas; los indicadores operacionales de calidad de la atención contribuyen al monitoreo y al control de la EM.

Palabras clave: Infecciones Meningocócicas; Epidemiología Descriptiva; Vigilancia Epidemiológica; Indicadores de Calidad de la Atención de Salud; Evaluación en Salud.


 

 

Introdução

A doença meningocócica (DM) é um grave problema de Saúde Pública devido a seu potencial epidêmico e elevada letalidade, além dos recursos assistenciais dispensados na assistência ao paciente.1,2

A definição de caso confirmado de DM baseia-se em critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde, incluindo os sintomas clássicos: febre, vômitos, rigidez de nuca e presença de sufusões hemorrágicas ou petéquias. A doença é acompanhada de sinais de irritação meníngea e alterações do líquido cefalorraquidiano.2 A DM apresenta-se em três formas clínicas de infecção pelo meningoco: meningococcemia; meningite meningocócica; e meningite meningocócica com meningococcemia.3 O agente etiológico é a bactéria Neisseria meningitidis - um diplococo Gram-negativo da família Neisseriaceae -,3 classificada em sorogrupos, sorotipos e subtipos. Os sorogrupos mais importantes são A, B, C, W135 e Y.3

A incidência endêmica de DM na América Latina encontra-se ao redor de dois casos por 100 mil habitantes a cada ano, com registros de epidemias ocasionais, principalmente notificadas em países como o Brasil e o México, onde a vigilância epidemiológica é melhor estruturada.4 Na década de 2000 a 2010, no Brasil, foram notificados 34.997 casos de DM, representando 31,7% das meningites bacterianas; em 2009-2010, a taxa de incidência da doença foi de 1,51 casos por 100 mil habitantes, com predomínio do sorogrupo C da Neisseria meningitidis.5

A DM é uma doença de notificação compulsória imediata para o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SNVE) e as notificações de casos devem ser realizadas via Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).3,4

Embora as ações de vigilância e assistência da DM estejam bem definidas em protocolos e manuais publicados pelo Ministério da Saúde, poucos estudos avaliam a qualidade e a oportunidade dessas ações no Brasil. Tais ações organizam-se em torno de atividades relacionadas à assistência, diagnóstico laboratorial e vigilância epidemiológica, ações interligadas e complementares a serem desenvolvidas continuamente e de forma integrada, para o cuidado do paciente, controle da doença e prevenção de novos casos.3,6

Considerando-se que a vigilância da DM pressupõe uma boa integração entre as atividades de assistência aos casos, identificação e estudo das características do agente etiológico e do controle da doença, o presente artigo tem por objetivo descrever as medidas de assistência ao paciente, o diagnóstico laboratorial e a vigilância epidemiológica da DM na Região Metropolitana de Campinas, estado de São Paulo, Brasil, no período de 2000 a 2012.

 

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo dos casos de doença meningocócica notificados ao Sinan. Foram incluídos os casos de DM em indivíduos residentes na Região Metropolitana de Campinas (RMC), no período de 2000 a 2012. Foram utilizados indicadores relacionados à qualidade da atenção prestada ao paciente, à oportunidade e qualidade do diagnóstico laboratorial e às ações de vigilância epidemiológica.

A RMC compreende uma população total estimada de 2.866.453 habitantes em 2012,7 distribuída em 19 municípios: Americana, Artur Nogueira, Campinas, Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Holambra, Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte Mor, Nova Odessa, Paulínia, Pedreira, Santa Bárbara D'Oeste, Santo Antônio de Posse, Sumaré, Valinhos e Vinhedo. Trata-se de áreas conurbadas (resultantes de um processo de expansão e integração das áreas urbanas de municípios contíguos) com alta densidade populacional, grande trânsito de pessoas e intensa atividade econômica.

Os casos incluídos no estudo preencheram os critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde para a definição de caso confirmado de doença meningocócica: todo caso suspeito e confirmado por meio de cultura, contraimunoeletroforese (CIEF) e látex; ou todo caso suspeito de meningite, com história de vínculo epidemiológico com caso confirmado laboratorialmente por um dos exames especificados acima; ou todo caso suspeito com exames laboratoriais inespecíficos (bacterioscopia, quimiocitológico ou outro) ou com evolução clínica compatível.3

Foram selecionadas algumas características da população estudada, utilizando-se as variáveis das fichas de investigação epidemiológica: sexo (feminino e masculino); idade (menos de 2; 2 a 4; 5 a 9; 10 a 19; 20 a 29; 30 a 39; 40 a 49; 50 a 59; 60 e mais anos); principais sintomas (febre, cefaléia, vômito, rigidez da nuca e petéquias); formas clínicas (meningococcemia; meningite meningocócica; meningite meningocócica com meningococcemia); e evolução (cura; óbito; ignorado; sem informação).

Foram construídos indicadores operacionais a partir de proporções entre as ações realizadas e o total de casos confirmados. Sobre esses indicadores, verificou-se a proporção de punções e de internações e a proporção de casos confirmados por critério laboratorial. Os indicadores de oportunidade foram categorizados em adequados e inadequados,8,9 conforme descrito a seguir:

a) Oportunidade de internação

É o intervalo entre a data do início dos sintomas e a data da internação. A internação foi considerada oportuna quando ocorreu em até 24 horas; e adequada quando mais de 50% dos casos foram internados oportunamente.

b) Oportunidade de notificação

É o intervalo entre a data do início dos sintomas e a data da notificação. A notificação foi considerada oportuna quando ocorreu em até 24 horas após o início dos sintomas; e adequada quando mais de 50% dos casos foram notificados oportunamente.

c) Oportunidade de investigação

É o intervalo entre a data da notificação e a data da investigação. A investigação foi considerada oportuna quando ocorreu em até 24 horas após a notificação; e adequada quando mais de 50% dos casos foram investigados oportunamente.

d) Oportunidade de realização da quimioprofilaxia

É o intervalo entre a data da realização da quimioprofilaxia e a data do início dos sintomas. A quimioprofilaxia foi considerada oportuna quando ocorreu em até 48 horas após o início dos sintomas; e adequada quando em mais de 50% dos casos, ela foi realizada oportunamente.

e) Oportunidade de encerramento

É o intervalo entre a data de notificação e a data do encerramento do caso. O encerramento oportuno foi considerado quando o encerramento dos casos deu-se em até 60 dias após a notificação; e adequado quando mais de 80% dos casos foram encerrados oportunamente.

Foram utilizados dados secundários provenientes do banco de dados gerenciado pelo Ministério da Saúde: Sinan Windows (de 2000 a 2006) e Sinan Net (de 2007 a 2012). Os bancos de dados foram cedidos pelo Grupo de Vigilância Epidemiológica Regional (Grupo de Vigilância Epidemiológica XVII - Campinas/Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo), sem qualquer identificação do paciente, garantindo o sigilo e confidencialidade dos indivíduos cujos dados foram analisados.

Para comparar as proporções de óbitos entre os casos (uma vez identificada a presença da tríade de sintomas clássicos da meningite: febre, vômitos e rigidez de nuca), internados e internados nas primeiras 24 horas, utilizou-se o teste do qui-quadrado com correção de Yates, considerando-se o nível de significância de 5% (p≤0,05). Foram utilizados os softwares Epi Info 2000 e Excel 2010. Foram calculados os coeficientes de incidência e letalidade por ano.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), conforme recomenda a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012, sob o Parecer no 166.693/2013.

 

Resultados

Na RMC, foram confirmados 929 casos de DM no período de 2000 a 2012, com média de 72 casos por ano e um coeficiente de incidência de 2,73 por 100 mil habitantes, variando de 1,62 em 2008 até 4,6 por 100 mil habitantes em 2010. O coeficiente de letalidade no período foi de 19,9%, variando de 10,5% em 2007 a 32,1% em 2012 (dados não apresentados em tabela).

Houve maior ocorrência de casos no sexo masculino, 511 (55,0%), e na faixa etária de menores de 9 anos, 494 (53,2%), com predomínio nos menores de 2 anos. A Tabela 1 apresenta as características dos casos estudados.

 

Tabela 1 - Características demográficas e clínicas dos casos confirmados de doença meningocócica na Região Metropolitana de Campinas, São Paulo, 2000 a 2012

 

A febre foi o principal sintoma relatado, em 870 casos (93,6%), mas a tríade de sintomas (febre, vômitos e rigidez de nuca) foi relatada em 330 casos (35,5%). Entre os casos que apresentaram a tríade de sintomas, ocorreram 31 óbitos (9,6%), sendo este grupo associado a uma menor chance de óbito por DM (X2 = 35,8 e p<0,01) (dados não apresentados em tabela).

A meningite meningocócica com meningococcemia foi descrita em 404 (43,5%) casos, seguida pela meningite meningocócica com 284 (30,6%) e somente meningococcemia com 241 (25,9%) casos (Tabela 1).

A Tabela 2 apresenta os indicadores relacionados à qualidade da atenção ao paciente com DM. A internação ocorreu em 904 casos (97,3%), sendo que 168 (18,6%) evoluíram para óbito. Entre os 18 pacientes que não foram internados, 14 (77,8%) faleceram. A punção lombar foi descrita em 833 casos (89,7%), sendo que 15 fichas de notificação não apresentavam essa informação.

 

Tabela 2 - Indicadores operacionais relacionados à qualidade da atenção prestada aos casos confirmados de doença meningocócica na Região Metropolitana de Campinas, São Paulo, 2000 a 2012

 

Com relação à avaliação da oportunidade de internação, 562 pacientes (62,2%) foram internados nas primeiras 24 horas - 209 (23,1%) no mesmo dia do início dos sintomas. A internação foi considerada oportuna e adequada: mais de 50% dos casos foram internados nas primeiras 24 horas do início dos sintomas. A maior parte dessas internações oportunas aconteceu entre os casos de meningite com meningococcemia, 151 (65,1%), quando comparadas às internações dos casos das demais apresentações clínicas. Avaliando-se o tempo transcorrido desde o início dos sintomas até o falecimento, 26 (14,2%) casos foram a óbito no mesmo dia do início dos sintomas e 103 (56,3%) morreram quando já se passavam mais de 48 horas desde o início dos sintomas. Outrossim, 64 (38,6%) casos evoluíram para o óbito no mesmo dia da internação.

Avaliando-se as ações relativas ao diagnóstico laboratorial, a análise do indicador de critério diagnóstico utilizado para o encerramento dos casos apontou que 750 casos (80,4%) foram confirmados laboratorialmente, ou seja, foram encerrados por meio da cultura, CIEF, aglutinação por látex e PCR (polymerase chain reaction, ou reação em cadeia de polimerase). O percentual de casos com critério de encerramento sem preenchimento das fichas foi de 0,6%. O PCR foi o método utilizado para o encerramento de 35 casos (7,1%).

A identificação dos sorogrupos circulantes é uma das atividades da investigação laboratorial. Entre os anos 2000 e 2012, foram sorogrupadas 732 cepas de Neisseria meningitidis, correspondendo a 78,8% do total de casos de DM. A Figura 1 apresenta a distribuição temporal dos sorogrupos identificados no período. O sorogrupo B predominou até o ano de 2005, quando o sorogrupo C começou a crescer em protagonismo, prevalecendo a partir de 2006. No período estudado, o sorogrupo B correspondeu a 26,4% dos casos, o sorogrupo C referiu-se a 45,9%, e sorogrupo ignorado, a 21,2% dos casos. O diagnóstico laboratorial foi considerado de boa qualidade: a cultura e a sorogrupagem foram realizadas em um significativo percentual dos casos confirmados.

 

Figura 1 - Distribuição temporal dos sorogrupos circulantes da doença meningocócica na Região Metropolitana de Campinas, São Paulo, 2000 a 2012

 

Com relação às atividades da vigilância epidemiológica, a proporção de notificações oportunas, isto é, ocorridas em até 24 horas após o início dos sintomas, foi estimada em 34,6%, sendo considerada inoportuna e inadequada. A investigação da DM foi realizada em 100% dos casos e em 99,4% deles, nas primeiras 24 horas após a notificação. A quimioprofilaxia foi realizada em 36,2% dos casos nas primeiras 48 horas após o início dos sintomas e portanto, também foi considerada inoportuna e inadequada. Proporcionalmente, 90,2% dos casos elegíveis foram encerrados em até 60 dias contados a partir da data de notificação; portanto, o encerramento foi considerado um indicador oportuno e adequado. Os indicadores operacionais relacionados à qualidade da vigilância epidemiológica estão descritos na Tabela 3.

 

Tabela 3 - Indicadores operacionais relacionados à qualidade da vigilância epidemiológica dos casos confirmados de doença meningocócica na Região Metropolitana de Campinas, São Paulo, 2000 a 2012

 

Discussão

Dos casos de meningites em residentes na Região Metropolitana de Campinas - RMC - notificados ao Sinan no período de 2000 a 2012, aproximadamente um terço apresentou a tríade de sintomas clássicos -febre, vômitos e rigidez na nuca - e quase dois terços foram hospitalizados nas primeiras 24 horas. Houve predomínio de casos em menores de dois anos de idade, com envolvimento do sorogrupo C e de quadros de meningite com meningococcemia. As internações foram oportunas, o diagnóstico laboratorial foi de boa qualidade, a investigação epidemiológica e o encerramento dos casos foram adequados. Todavia, as ações de notificação e quimioprofilaxia não foram oportunas, ou seja, mostraram-se inadequadas em 50% dos casos.

Encontrou-se uma letalidade por DM de 19,9%, variando entre 10,7% (2006) e 32,1% (2012). Estudo realizado na região de Campinas-SP, entre 1993 e 1998, relatou letalidade de 17,3%.10 Coeficiente de letalidade menor (13,3%) foi registrado em hospital de referência do Rio de Janeiro, entre 1986 e 2002.6

A maior ocorrência de casos em crianças até 9 anos, especialmente entre os menores de 2 anos, tem sido observada por outros autores. Em estudo realizado no estado de Santa Catarina, abrangendo o período de 1971 a 2000, observou-se uma diminuição dos casos à medida que a idade aumentava.11 Alguns autores apontam que os menores de 1 ano podem ser mais suscetíveis à DM, devido à (i) presença dos anticorpos maternos apenas até os três meses de idade e por (ii) ainda não terem imunidade adquirida.1 Também a atividade bactericida do sistema imune é menor entre crianças com 6 a 24 meses de vida, facilitando a ocorrência de doenças infecciosas.1 Kemp e colaboradores encontraram alto coeficiente de incidência de DM em menores de 1 ano de idade, em estudo realizado no mesmo município de Campinas-SP.12

A detecção da tríade de sintomas e a baixa letalidade nesse estudo sugere que os serviços de saúde reconhecem os sintomas da meningite frente à sintomatologia clássica e, com o início do tratamento, reduzem a chance de óbito. Estudo realizado em hospital público do Rio de Janeiro, entre 1986 e 2002, encontrou uma menor chance de óbito hospitalar entre os casos que evoluíram com esses sintomas.6 Possivelmente, a presença da tríade de sintomas facilita a suspeita diagnóstica precoce e o tratamento oportuno.

Diante dos sintomas específicos sugestivos de meningite, geralmente os pacientes procuram por serviços de urgência/emergência, onde ocorre a internação.6 A internação foi realizada em 97,3% dos casos e considerada oportuna em 62,2%, portanto adequada, o que demonstra certa agilidade do sistema de saúde da RMC em detectar e iniciar o tratamento com o paciente internado. O tratamento oportuno do paciente hospitalizado pode evitar sequelas neurológicas e a evolução para o óbito.

O diagnóstico laboratorial das meningites é realizado pelo estudo do líquor coletado mediante punção lombar. Em alguns casos fulminantes, não havendo tempo suficiente para a coleta do líquor, o diagnóstico do agente causador é realizado em amostras de sangue ou de material post mortem, ou confirmado clinicamente.3

Neste estudo, constatou-se elevado percentual de confirmação laboratorial por meio de cultura (80,4%), considerada, na qualificação do diagnóstico laboratorial, como o exame padrão-ouro para identificação etiológica. No Brasil, a proporção de realização de cultura nos casos de DM atingiu 22,8% em 2002; no estado de São Paulo, no mesmo ano de 2002, a proporção de realização de cultura foi de 19,8%.13 Alta proporção já havia sido verificada no município de Campinas-SP, em estudo de casos notificados entre 1993 e 2002.14

Os resultados da bacterioscopia e da citoquímica são importantes para a formulação da hipótese diagnóstica, por direcionarem as ações da vigilância epidemiológica e auxiliarem no tratamento correto dos casos.3,12 Esses exames devem ser realizados nos laboratórios das instituições hospitalares. Aqui, ressalta-se a importância de profissionais capacitados e de uma estrutura adequada à realização correta do procedimento, para se obter um resultado seguro e preciso.3,6,12

Os meningococos dos diferentes sorogrupos e sorotipos são responsáveis por diversos padrões de comportamento da doença. O meningococo do sorogrupo A, geralmente, causa epidemias de grandes proporções devido a sua alta transmissibilidade.1,12 O sorogrupo B, por sua vez, está associado a epidemias menos "explosivas", apresentando curva epidêmica com formato insidioso, embora notifique-se maior letalidade associada a esse sorogrupo, quando comparada à letalidade referida ao sorogrupo A.12 O sorogrupo C ocorre, com frequência, em regiões tropicais.6,12 Os sorogrupos W135 e Y apresentam menor incidência. O sorogrupo W135, particularmente, foi responsável pela ocorrência de aproximados 12 mil casos de doença meningocócica em Burkina Faso e na Nigéria, no ano de 2002.15 Assim, ressalta-se a importância da sorogrupagem e sorotipagem das cepas circulantes.

A vacinação é considerada a melhor estratégia de controle da DM. Atualmente, a vacina conjugada C, licenciada e recomendada para crianças menores de 2 anos, faz parte do calendário de vacinação adotado pelo estado de São Paulo.16

No estado da Bahia, registrou-se percentual de sorogrupagem de 50,8% entre as amostras colhidas em 2007,17 enquanto o presente estudo alcançou um percentual correspondente de 78,8%, indicando, para a maioria dos casos, adequada e oportuna coleta e encaminhamento das amostras aos laboratórios locais e de referência.

As equipes de vigilância epidemiológica municipais são as responsáveis pela investigação epidemiológica, realização da quimioprofilaxia, análise e acompanhamento do comportamento epidemiológico, além da operação dos sistemas de informações.3 Os dados existentes nas fichas provêm dos hospitais e da investigação domiciliar realizada pelas equipes; entretanto, o encerramento dos casos depende das informações de evolução clínica, a serem retroalimentadas pelas equipes hospitalares. Na RMC, apenas o município de Campinas-SP conta com o Sinan descentralizado para os distritos de saúde e hospitais locais que possuem núcleo de epidemiologia hospitalar (NHE).

Segundo este estudo, a oportunidade de notificação foi considerada inadequada, sugerindo que a notificação está sendo realizada pelo hospital após a internação, sendo captada pelos núcleos hospitalares. É importante a existência de um NHE e sua integração com as equipes de vigilâncias locais, visando a melhoria do fluxo e da qualidade das informações.3 Estudo realizado no município de São Paulo-SP, entre 2006 e 2008, encontrou uma oportunidade de notificação até 42%, também considerada inadequada.8

A oportunidade de investigação foi considerada adequada. Porém, estudo realizado em São Paulo-SP, em 2012, relacionou o alto percentual de investigação oportuna ao preenchimento da data da investigação no mesmo dia da data da notificação, mesmo que as atividades não tenham sido iniciadas concomitantemente.8

Preferencialmente, a quimioprofilaxia deve ser realizada nas primeiras 48 horas após o início dos sintomas do caso, na tentativa de eliminar o portador e prevenir casos secundários.3,18 Na RMC, a quimioprofilaxia foi realizada em 179 casos (36,2%) e portanto, considerada inadequada.

O encerramento oportuno de 80% dos casos no prazo de 60 dias é a meta definida para o indicador, de acordo com a recomendação do Ministério da Saúde. Esse indicador permite avaliar e monitorar a capacidade de resolução das investigações de casos registrados e a atualização do Sinan.3,19 No presente estudo, a oportunidade de encerramento foi considerada adequada embora, ressalta-se, a análise tenha se realizado no contexto da RMC. Se esse indicador fosse analisado para cada município e por ano, a meta recomendada não seria alcançada em todos os municípios.

Não obstante os dados estarem disponíveis e os indicadores fáceis de serem construídos, as avaliações não têm sido incorporadas às atividades de rotina da gestão do sistema de saúde. Tais indicadores são importantes marcadores da quantidade, qualidade, agilidade e integração das ações de assistência, prevenção e controle de doenças, como foi demonstrado aqui.20

A utilização de indicadores para a avaliação das ações relacionadas com a atenção prestada ao paciente de DM é uma estratégia de organização da atenção e gestão em saúde que depende de um sistema de vigilância epidemiológica ativo e descentralizado.

Algumas limitações na construção destes indicadores referem-se a problemas no preenchimento das fichas de notificação pelos profissionais de saúde e sua digitação no Sinan. Na maioria dos municípios, o sistema informatizado - Sinan Net - é centralizado nas Secretarias Municipais de Saúde, o que inviabiliza a coleta dos dados em tempo real, com o paciente presente. Nessas condições, as equipes municipais dependem da retroalimentação das informações provenientes dos outros níveis de atenção, como os hospitais que atendem os casos.

Cabe ressaltar que o presente estudo também encontrou limitações relacionadas ao uso de dados secundários do Sinan, sujeitos a sub-registro, erros ou subinformação no preenchimento dos campos da ficha de investigação.

Este estudo avaliou as medidas adotadas na assistência ao paciente, no diagnóstico laboratorial e na vigilância epidemiológica da doença meningocócica na RMC, identificando necessidades dos serviços a partir dos dados informados no Sinan pelas equipes de vigilância epidemiológica municipais. Na análise da Região Metropolitana de Campinas, embora alguns indicadores tenham se revelado adequados, outros necessitam investimentos e atenção por parte das equipes de saúde.

Evidencia-se a necessidade de melhorar a qualidade de preenchimento das fichas, a integração da vigilância epidemiológica com os serviços hospitalares, além da realização de análises periódicas das ações e dos sistemas de informações. A incorporação de indicadores operacionais e de oportunidade na rotina dos serviços de saúde pode facilitar o monitoramento da ocorrência das doenças e agravos nos âmbitos municipal, regional e estadual.

 

Contribuição dos autores

Duarte RMR participou no planejamento e desenvolvimento do estudo, coleta e análise dos dados e redação do artigo.

Donalísio MR participou no planejamento, análise dos dados e redação do artigo.

Fred J participou da redação e revisão do artigo.

Os autores assumem responsabilidade por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

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Endereço para correspondência:
Raquel Maria Ramalheira Duarte
-
Rua João Baptista Pupo de Moraes,
no 275, Parque Industrial, Campinas-SP,
Brasil. CEP: 13031-690

E-mail: rquelm@ig.com.br

Recebido em 01/12/2013
Aprovado em 19/10/2014

 

 

*Parte integrante da tese de Doutoramento de Raquel Maria Ramalheira Duarte, a ser defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, intitulada "Avaliação da qualidade da atenção à Doença Meningocócica na Região Metropolitana de Campinas, 2000 a 2012".