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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.4 Brasília dez. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000400015

ARTIGO ORIGINAL

 

Violência letal em Maceió-AL: estudo descritivo sobre homicídios, 2007-2012*

 

Lethal violence in Maceió-AL: a descriptive study of homicides, 2007-2012

 

Violencia letal en Maceió-AL: estudio descriptivo sobre homicidios, 2007-2012

 

 

Waneska Alexandra AlvesI; Divanise Suruagy CorreiaII; Lívia Lessa de Brito BarbosaII; Leonardo Moreira LopesII; Márcio Ighor Azevedo Silva de Mendonça MelâniaII

IDepartamento de Medicina, Universidade Federal de Juiz de Fora, Governador Valadares-MG, Brasil
IIFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Alagoas, Maceió-AL, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever o perfil epidemiológico e a magnitude dos homicídios ocorridos no município de Maceió, estado de Alagoas, Brasil, no período de 2007 a 2012.
MÉTODOS: estudo descritivo dos óbitos por homicídios registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) ocorridos em Maceió-AL.
RESULTADOS: registraram-se 5.735 homicídios no período, correspondendo à média de 955,8 homicídios/ano, com taxas que variaram de 89,6 óbitos/100 mil habitantes (2012) a 111,4 óbitos/100 mil hab. (2011); 94,8% das vítimas eram do sexo masculino, 66,2% eram jovens de 15 a 29 anos e 79,9% da raça/cor parda; os homicídios ocorreram, majoritariamente, nos períodos noturno e de madrugada (51,5%), com envolvimento de arma de fogo (87,8%), em bairros da periferia da cidade (32,6%).
CONCLUSÃO: a mortalidade por homicídios foi elevada, acometendo principalmente pessoas jovens, pardas e do sexo masculino; destaca-se a necessidade de políticas públicas efetivas para o combate à violência.

Palavras-chave: Homicídio; Mortalidade; Epidemiologia Descritiva; Violência; Causas Externas.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the epidemiological profile and the magnitude of homicides in the city of Maceió, Alagoas, Brasil, 2007-2012.
METHODS: this was a descriptive study of deaths from homicides recorded on the Mortality Information System occurring between January 1st, 2007 and December 31st, 2012.
RESULTS: 5,735 homicides were registered in the period, with rates ranging from 89.6 deaths/100 000 inhabitants (in 2012) to 111.4 deaths (in 2011); 94.8% of victims were male, 66.2% were youth aged from 15 to 29 years, 79.9% were of brown race/color; homicides occurred mostly at night and in the early hours (51.5%), involving firearms (87.8%) and in the city's suburbs (32.6%).
CONCLUSION: homicide mortality was high, affecting mainly young, male and brown skinned people. The study highlights the need for effective public policies to combat violence.

Key words: Homicide; Mortality; Epidemiology, Descriptive; Violence; External Causes.


RESUMEN

OBJETIVO: describir el perfil epidemiológico y la magnitud de los homicidios sucedidos en el municipio de Maceió, estado de Alagoas, Brasil, en el período de 2007 a 2012.
MÉTODOS: estudio descriptivo de los óbitos por homicidio registrados en el Sistema de Informaciones sobre Mortalidad (SIM) ocurridos en Maceió-AL.
RESULTADOS: se registraron 5.735 homicidios en el período, correspondiendo a un promedio de 955,8 homicidios/año, con tasas que variaron de 89,6 óbitos/100 mil habitantes (2012) a 111,4 óbitos/100 mil hab. (2011); 94,8% de las víctimas era del sexo masculino, 66,2% era joven de 15 a 29 años y 79,9% de raza/color pardo; los homicidios sucedieron, mayoritariamente, en los períodos nocturno y en la madrugada (51,5%), involucrando arma de fuego (87,8%), en barrios de periferia de la ciudad (32,6%).
CONCLUSIÓN: la mortalidad por homicidios fue elevada, acometiendo principalmente a personas jóvenes, pardas y de sexo masculino; se destaca la necesidad de políticas públicas efectivas para el combate a la violencia.

Palabras clave: Homicidio; Mortalidad; Epidemiología Descriptiva; Violencia; Causas Externas.


 

 

Introdução

Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência está associada à intencionalidade, constituindo-se em agravo prevenível, e o setor da Saúde tem importante responsabilidade em sua prevenção e controle.1 A violência torna-se um tema de grande interesse devido ao impacto que provoca na qualidade de vida das pessoas e na necessidade de cuidados prestados pelos serviços médicos e hospitalares.2 O agravo deve ser compreendido como um conjunto de eventos individuais, sociais, econômicos e culturais, historicamente a acompanhar a humanidade.2,3

Em 2012, quase meio milhão de pessoas morreram por homicídio doloso em todo o mundo, um terço delas (36%) nas Américas.4,5 Naquele mesmo ano, a taxa de mortalidade média no mundo foi de 6,2 homicídios por 100 mil habitantes, e as taxas para os países da América do Sul variaram entre 16 e 23 homicídios por 100 mil habitantes. Segundo documento da Organização das Nações Unidas (ONU) datado de 2014, o Brasil apresenta taxas médias estáveis a partir da década de 1980; entretanto, há importantes disparidades nas taxas entre as diferentes unidades da Federação.4

No período de 2000 a 2011, no Brasil, os acidentes e violências representaram a terceira causa de óbito na população geral, atrás apenas dos óbitos causados por doenças cardiovasculares e neoplasias.5-7 Esses fenômenos sociais são os que mais têm chamado a atenção dos estudiosos e da sociedade.

Uma análise dos registros do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) mostrou que, no período entre 1980 e 2011, as taxas de mortalidade geral para o conjunto da população brasileira caíram 3,5%; todavia, as mortes por causas externas aumentaram 28,5%.6 Quanto às violências, os homicídios se destacam, constituindo a primeira causa de morte entre as causas externas com um crescimento de 132,1%.8,9

No período de 2001 a 2012, o estado de Alagoas e sua capital, Maceió-AL, têm estado em evidência na mídia nacional e internacional, quando o tema central é a violência letal. O estado experimenta um complexo cenário de ocorrência desse tipo de violência: desde 2012, as taxas de homicídios vêm sendo comparadas às de países que vivenciam situações de conflito armado.10

No ano 2000, Alagoas estava entre as 17 unidades da Federação com as menores taxas de homicídios do país (25,8/100 mil hab.). Em 2002, o estado passou a ocupar a 9a colocação, com taxa de 34,3 por 100 mil habitantes; em pouco mais de dez anos, assumiu a liderança nacional com uma taxa de 76,3 por 100 mil habitantes em 2012, valor de 2,6 vezes superior à taxa nacional de mortalidade por homicídios (25,2 por 100 mil hab.).3,10 Em 2012, Maceió-AL apresentou taxas de mortalidade por homicídios de 90,0 por 100 mil habitantes, assumindo a liderança entre as capitais brasileiras.11

Diante da escassez de estudos epidemiológicos abordando os homicídios em Maceió-AL, especialmente quando se considera a dimensão e transcendência que o fenômeno representa no município, justifica-se este estudo cujos objetivos foram descrever o perfil epidemiológico e a magnitude dos homicídios ocorridos na capital do estado de Alagoas, no período de 2007 a 2012.

 

Métodos

Trata-se de estudo descritivo com dados de óbitos por homicídio obtidos do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) da Secretaria Municipal de Saúde de Maceió.

O estado de Alagoas possui importantes diferenças sociais, tendo um dos índices de desenvolvimento humano (IDH) mais baixos do país. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2010, Maceió-AL ocupava a 1.266a posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), com valor de 0,721. Quanto à renda, à educação e à longevidade, os valores de IDHM para o município eram de 0,739, 0,799 e 0,635, respectivamente.12

Segundo dados do censo demográfico de 2010, disponibilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Maceió-AL possuía uma área territorial de 503.069 km2 e contava, então, com 932.748 habitantes, dos quais 436.492 (46,8%) eram do sexo masculino; 25,0% da população geral possuía menos de 14 anos de idade, 27,7%, de 15 a 29 anos, 38,8%, de 30 a 59 anos, e 8,5%, 60 anos e mais. A raça/cor predominante era a parda (54,3%).12

Foram estudados os registros de óbitos ocorridos na capital no período de 1o de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2012, disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde de Maceió-AL. Esses registros foram classificados segundo causa básica de morte ou causas subsequentes, codificadas de acordo com a 10a Edição Revisada da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), pelos códigos X85 a Y09 (Agressões). As causas cuja intencionalidade foi indeterminada (Y10 a Y34) não foram consideradas. Foram realizadas análises de duplicidade, completitude dos campos e consistência dos dados,13 visando constituir um banco de dados com melhor qualidade de informações.14

As variáveis estudadas foram relacionadas à vítima (sexo, raça/cor, faixa etária, ocupação, estado civil e causa básica de morte), ao tempo (hora do óbito e ano de ocorrência) e ao espaço (local de ocorrência do óbito e bairro de residência da vítima).

Para a variável raça/cor, de acordo com a classificação do IBGE, foram consideradas as categorias branca, preta, parda, amarela e indígena. A escolha dos estratos para a variável faixa etária (0 a 14, 15 a 29, 30 a 59 e 60 anos e mais) deve-se aos diferentes ciclos da vida, bem como à semelhança de comportamento no perfil de mortalidade por causas violentas e outras causas definidas pelo Ministério da Saúde, para análise da mortalidade.7,15

A variável ocupação foi classificada conforme a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) para o ano de 2002, considerando-se seus 192 subgrupos.16

Foram calculadas as taxas de mortalidade acumulada para o período do estudo, tendo por numerador a soma dos óbitos ocorridos no período, e por denominador, a média da população residente para o mesmo período. Com o propósito de definir a população residente por bairro, utilizou-se o método para projeções municipais adotado pelo IBGE, ou seja, de projeção da tendência do crescimento demográfico.17 Também foram calculadas as taxas de mortalidade específicas para ano, sexo, raça/cor e faixa etária, tendo por numerador os óbitos por ano, sexo ou faixa etária, e por denominador, a população por ano, sexo ou faixa etária, por 100 mil habitantes. Para o cálculo da taxa de mortalidade acumulada, dadas as dificuldades em obter o número de pessoas expostas ao risco de morte por homicídio em Maceió-AL, optou-se por utilizar a população residente na cidade.

Os dados sobre a população residente foram levantados do sítio eletrônico do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus) (2007 a 2010), administrado pelo Ministério da Saúde, e das estimativas do Tribunal de Contas da União (2011 e 2012), cujas fontes referem o IBGE.18 Também foi calculada a mortalidade proporcional por sexo, raça/cor, faixa etária, ocupação, causa básica, hora, local de ocorrência e bairro de residência do óbito, tendo por numerador os óbitos por sexo, raça/cor, faixa etária, ocupação, causa básica, hora do óbito ou local de residência, e por denominador, o total de óbitos.

Para a análise dos dados, foi utilizada estatística descritiva (análise de frequência e proporção). As analises foram realizadas pelos softwares Epi InfoTM (versão 3.5.2) e Microsoft Office Excel® (versão 2007).

A pesquisa respeitou as exigências éticas da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012, preservando a identidade das vítimas, e foi aprovada pela Comissão de Ética do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Instituto Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), sob o Parecer Consubstanciado de no 522.270.

 

Resultados

Foram registrados 5.735 homicídios no período de 2007 a 2012, representando uma média de 955,8 homicídios/ano (Tabela 1). O registro de média mensal foi de 79,7 homicídios, ou mais precisamente, de 2,62 registros/dia.

 

Tabela 1 - Distribuição do número de óbitos e taxas de homicídios por sexo e na população geral e razão de risco entre os sexos por ano de ocorrência do óbito em Maceió, Alagoas, 2007 a 2012

 

As taxas de homicídios por 100 mil habitantes variaram de 89,6 óbitos em 2012 a 111,4 óbitos em 2011. A maioria dos óbitos por homicídios ocorreu no sexo masculino (94,8%). Entre as mulheres, verificou-se um incremento nas taxas de homicídio de 53,1% entre 2007 e 2012. Neste mesmo período, a taxa de homicídios acumulada para o sexo masculino foi de 1.235,1/100 mil habitantes, e para o feminino, de 59,4/100 mil habitantes. A razão entre as taxas (masculino/feminino) variou de 17,2 em 2012 a 29,3 em 2007, sendo a razão das taxas acumuladas de 20,8 (Tabela 1). A maioria dos homicídios (66,2%) vitimou adolescentes ou adultos jovens (15 a 29 anos) de ambos os sexos. Observou-se 2,0% dos óbitos (115) na faixa etária menor de 14 anos (Tabela 2) e 79,7% de óbitos (4.569) em pessoas da raça/ cor parda (Tabela 2), embora não houvesse dados sobre essa variável em 17,2% dos registros. Mais de dois terços dos homicídios ocorreram em pessoas solteiras (70,5%), a despeito de não se encontrar informação sobre o estado civil do óbito em 19,8% dos registros (Tabela 2).

 

Tabela 2 - Número e distribuição proporcional (%) dos homicídios em Maceió, Alagoas, 2007 a 2012

 

Quanto à ocupação das vítimas, predominaram trabalhadores da conservação, manutenção e reparação (20,0%), ajudantes de obra (14,6%) e técnicos de nível médio em operações comerciais (4,4%); não obstante, essa informação não estava disponível em mais de um quarto dos registros (27,6%) (Tabela 2).

As agressões por arma de fogo foram a causa básica da morte mais comum (87,8%), seguida de agressões por meio de objeto cortante ou penetrante (7,1%), agressões por meio de objeto contundente (3,6%) e agressões por outras causas (0,7%) (Tabela 2). A maioria dos homicídios (51,5%) ocorreu nos períodos noturno e de madrugada; 15,2% dos registros não possuíam informações quanto ao horário do crime (Tabela 3). A via pública foi o local de ocorrência mais comum, com 1.627 homicídios (62,8%); apenas 0,2% dos registros não possuíam informações quanto ao local de ocorrência do óbito (Tabela 3).

 

Tabela 3 - Número e distribuição proporcional (%) dos homicídios segundo horário do óbito, via e bairros de ocorrência em Maceió, Alagoas, 2007 a 2012

 

Todos os bairros registram ocorrência de homicídios, embora 9 bairros concentrassem 71,5% das vítimas aproximadamente (Tabela 3). As taxas de mortalidade acumulada entre os bairros variaram de 11,9 a 6.780,0 óbitos por 100 mil habitantes. A mediana das taxas acumuladas foi de 567,9 óbitos, e a média, de 360,6 óbitos (Figura 1).

 

Figura 1 - Distribuição das taxas de mortalidade acumuladas por bairro em Maceió, Alagoas, 2007 a 2012

 

Discussão

No período de 2007 a 2012, foram evidenciadas elevadas taxas de homicídio em Maceió-AL, com uma variação de 110,9/100 mil habitantes em 2010 para 89,6 em 2012 - com destaque para a taxa de 111,4/100 mil habitantes em 2011. Esses valores são superiores àqueles observados para o Brasil, com taxas de homicídios/100 mil habitantes de 27,1 em 2010, 27,5 em 2011 e de 25,8 em 2012.4,8,19 Os dados apresentados fazem com que a capital alagoana esteja no topo do ranking das cidades mais violentas do Brasil e do mundo.4,8,11,19

Aproximadamente 95% dos homicídios ocorreram na população masculina. Resultados semelhantes são citados em outros estudos.5,9,20-22 Os dados de mortalidade acumulada para ambos os sexos e mortalidade específica para as causas básicas de morte revelam uma intensa produção da violência armada, a demandar abordagens diferenciadas nas ações das políticas de enfretamento da criminalidade letal.

Esses dados corroboram a afirmação de que a violência urbana em Maceió-AL vitimiza, especialmente, homens e jovens. Vale ressaltar o aumento na taxa de homicídio no sexo feminino. Ao considerar o início e o final do estudo, a variação nessa taxa foi de 53,1%, mesmo com o advento da Lei Federal no 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha),23 para proteger e coibir o vitimização do sexo feminino. Os dados apresentados estão em concordância com os demais estudos publicados sobre a violência letal no sexo feminino, indicando aumento na ocorrência dos homicídios em mulheres.24

A maioria dos homicídios ocorreu em indivíduos adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos, correspondendo a 66,7% (3.826) dos assassinatos, média de 637,6 óbitos por ano. Comparando-se esses dados com a realidade do conjunto do país, a média maceioense representa quase o dobro da média nacional, que é de 39,3%.8

Em seu estudo sobre o perfil de mortalidade no Brasil, Nascimento e Moraes Neto7 observam que as agressões são a primeira causa de morte em jovens do sexo masculino entre 10 e 29 anos, no país e em sua macrorregião Nordeste; e a segunda e terceira causa de mortes no sexo feminino, respectivamente no país e no Nordeste. Walselfisz11 aponta Maceió-AL como detentora da maior taxa de mortalidade em jovens, na comparação com as capitais brasileiras: 218,1 óbitos por 100 mil habitantes. Alguns dos fatores capazes de justificar esses dados são a maior exposição dos jovens a comportamentos de risco e o fato de esses mesmos jovens viverem em comunidades de áreas mais pobres, com sérios problemas de exclusão juvenil e desigualdade social.25,26

O presente estudo também apontou a ocorrência dos óbitos em vias públicas, principalmente, além de sua maior incidência no período noturno, e o fato de a causa básica de morte ser, majoritariamente, por uso de arma de fogo (87,8%). Apesar de o Estatuto do Desarmamento já contar mais de dez anos de existência, os dados levantados demonstram, com clareza, que o impacto social do documento nos índices de violência do estado de Alagoas não foi o desejado.

Neste estudo, observou-se que a maioria dos óbitos referiam-se à população de raça/cor de pele negra (80,2%).8 Estudos têm apontado que esses resultados podem ser consequência da desigualdade social, como também do preconceito e discriminação entre segmentos da sociedade. Dentro da sociedade geral, grupos discriminados ocupam uma posição de desvantagem, desvalorização e maior exposição a riscos.27,28

A análise dos dados do SIM para Maceió-AL revela um perfil de mortalidade semelhante ao padrão nacional e regional predominante: vítimas jovens, do sexo masculino, solteiras e da cor/raça negra, cujo local do óbito encontra-se principalmente na via pública, causado por arma de fogo e ocorrido no período noturno.4,29,30

Acredita-se que a perda dos jovens para os subprodutos da criminalidade terá graves consequências futuras: do ponto de vista demográfico e econômico, é possível afirmar que a geração de jovens afetados observada, economicamente ativa, não contribuirá com a economia nacional como poderia. Segundo a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, mortes prematuras trazem consequências psicofísicas e socioeconômicas enquanto vidas jovens perdidas em plena fase produtiva.27

Maceió-AL vivencia intenso crescimento econômico e de infraestrutura, em contraste com um contexto social e econômico marcado por grande desigualdade social relacionada à condição e situação de vida das pessoas. Neste cenário, a capital alagoana se destaca entre os lugares com maior risco de morte por assassinatos no país.8 A criminalidade manifestada na cidade não se resume às questões quantitativas e sim a sua abrangência e complexidade, reveladas pela alta mortalidade por violência. Os homicídios, portanto, são a face visível de uma realidade grave e complexa.29,30

As limitações encontradas no desenvolvimento do presente estudo referem-se ao uso de dados secundários, sobretudo às proporções de campos sem preenchimento para algumas variáveis, e à própria cobertura do SIM.14 Todavia, os dados permitiram caracterizar o perfil epidemiológico e a magnitude da letalidade violenta em Maceió-AL. Outra limitação deste estudo remete à exclusão dos registros de óbitos cuja intencionalidade foi classificada como indeterminada, visto que tal retirada pode subestimar as taxas de mortalidade. Contudo, vale salientar que os dados de Maceió-AL para causas externas são considerados de boa qualidade:29,30 para o período de 2007 a 2012, 0,3% dos óbitos por causas externas representam registros de intencionalidade indeterminada.

O Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM - tem apresentado melhora de cobertura e de qualidade, no decorrer dos últimos anos, constituindo-se no sistema-base para a análise da mortalidade no país.7 O estudo em tela revela o município de Maceió-AL com altas taxas de homicídios, que, embora tenham diminuído discretamente no ano de 2012, permanecem elevadas.

A magnitude exacerbada da violência letal torna evidente a necessidade de mais estudos para investigar o tema sob diferentes olhares, dirigidos a suas vítimas e autores, abordando as políticas públicas intersetorais (focadas na prevenção e combate à violência) assim como o Sistema de Justiça Criminal brasileiro e a questão da impunidade desses crimes.

Recomenda-se que os resultados obtidos, apresentados aqui, sejam utilizados como subsídio para o diálogo entre os diversos setores da Saúde e da Segurança públicas na implantação de estratégias efetivas de prevenção e controle da violência.

 

Contribuição dos autores

Alves WA e Correia DS contribuíram na concepção e delineamento do estudo, redação e revisão crítica do conteúdo.

Barbosa LLB, Lopes LM e Melânia MIASM foram responsáveis pela análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e declaram serem responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Waneska Alexandra Alves
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Universidade Federal de Juiz de Fora,
Departamento de Medicina,
Rua São Paulo, no 839, Centro,
Governador Valadares-MG, Brasil.
CEP: 35010-180
E-mail: waneska.alves@yahoo.com.br

Recebido em 01/12/2013
Aprovado em 19/10/2014

 

 

*Este manuscrito é parte dos resultados da tese de Doutoramento em Saúde Pública de autoria de Waneska Alexandra Alves, defendida junto à Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fundação Instituto Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) em outubro de 2014.