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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.4 Brasília dic. 2014

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000400016

ARTIGO ORIGINAL

 

Perfil dos agravos relacionados ao trabalho notificados no Rio Grande do Norte, 2007 a 2009*

 

Profile of work-related injuries reported in the state of Rio Grande do Norte, Brazil, 2007-2009

 

Perfil de los agravamientos relacionados al trabajo notificados en Rio Grande do Norte, 2007 a 2009

 

 

Cleonice Andréa Alves CavalcanteI; Renata Silva SantosII; Elisângela Franco de Oliveira CavalcanteI; Rogéria Lima MartinsIII; Erika Aparecida da SilveiraIV; Erica Tatiane da SilvaV

IEscola de Enfermagem de Natal, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, Brasil
IIDepartamento de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, Brasil
IIIVigilância Epidemiológica, Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte, Natal-RN, Brasil
IVFaculdade de Medicina, Universidade Federal de Goiás, Goiânia-GO, Brasil
VSecretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde, Brasília-DF, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever o perfil dos agravos relacionados ao trabalho notificados no estado do Rio Grande do Norte, Brasil, de 2007 a 2009.
MÉTODOS: estudo descritivo, com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador.
RESULTADOS: dos 167 municípios, 40,1% tiveram notificações de doenças e agravos, entre acidentes biológicos (53,7%), acidentes graves (38,4%), distúrbios oesteomusculares (3,1%), intoxicações exógenas (2,6%), transtornos mentais (1,5%), pneumoconioses (0,5%) e dermatoses (0,2%); entre acidentados, predominaram trabalhadores do sexo masculino (53,7%), de 25 a 44 anos de idade (62,1%), escolaridade até o Ensino Médio (25,9%), com emprego registrado (23,9%); incapacidades temporárias corresponderam a 32,0% dos registros.
CONCLUSÃO: evidenciou-se o perfil e o impacto das doenças e agravos ocupacionais no estado e a importância de dados consistentes e oportunos para seu monitoramento sistemático e o planejamento das ações em Saúde do Trabalhador.

Palavras-chave: Epidemiologia Descritiva; Doenças Profissionais; Acidentes de Trabalho; Saúde do Trabalhador.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the epidemiological profile of notified work-related health problems in Rio Grande do Norte State, Brazil, 2007-2009.
METHODS: this was a descriptive study using Occupational Health Reference Center data kept on the Notifiable Diseases Information System.
RESULTS: 40.1% of the 167 municipalities notified occupational diseases, as follows: biological accidents (53.7%), serious accidents (38.4%), Musculoskeletal Disorders (3.1%), exogenous poisoning (2.6%), mental disorders (1.5%), pneumoconiosis (0.5%) and dermatoses (0.2%). The most affected were male workers (53.7%), people aged 25-44 (62.1%), those with middle school education (25.9%) and those having formal employment (23.9%). 32.0% of cases reported temporary incapacity.
CONCLUSION: the profile and impact of occupational injuries and diseases in the State were revealed, as was the importance of consistent and timely data for their systematic monitoring and planning of Occupational Health actions.

Key words: Descriptive Epidemiology; Occupational Diseases; Occupational Accidents; Occupational Health.


RESUMEN

OBJETIVO: describir el perfil de los agravamientos relacionados al trabajo notificados en el estado de Rio Grande do Norte, Brasil, de 2007 a 2009.
MÉTODOS: estudio descriptivo, con datos del Sistema de Información de Agravamientos de Notificación del Centro de Referencia en la Salud del Trabajador.
RESULTADOS: de los 167 municipios, 40,1% tuvieron notificación de enfermedades y agravamientos, entre accidentes biológicos (53,7%), accidentes graves (38,4%), molestias osteomusculares (3,1%), intoxicaciones exógenas (2,6%), trastornos mentales (1,5%), neumoconiosis (0,5%) y dermatosis (0,2%); entre accidentados, predominaron trabajadores del sexo masculino (53,7%), de 25 a 44 años de edad (62,1%), escolaridad hasta la Enseñanza Secundaria (25,9%), con empleo registrado (23,9%); incapacidades temporales correspondieron a 32,0% de los registros.
CONCLUSIÓN: se evidenció el perfil y el impacto de las enfermedades y agravamientos ocupacionales en el estado y la importancia de datos consistentes y oportunos para su monitoreo sistemático y para la planificación de las acciones en la Salud del Trabajador.

Palabras clave: Epidemiología Descriptiva; Enfermedades Profesionales; Accidentes de Trabajo; Salud Laboral.


 

 

Introdução

A exposição dos trabalhadores a riscos físicos, químicos, ergonômicos, psicossociais e/ou biológicos advindos da execução do trabalho pode resultar em doenças e agravos ocupacionais. Apesar de representar uma dimensão fundamental na estruturação do homem e da sociedade, o trabalho, tanto no que se refere ao desenvolvimento de suas capacidades como à garantia das condições materiais de sobrevivência, tem sido, ao longo dos tempos, provocador de sofrimentos, adoecimentos e morte.1,2

Os trabalhadores adoecem e morrem por causas relacionadas ao trabalho, como consequência direta das atividades profissionais que exercem ou exerceram, ou pelas condições adversas em que seu trabalho é ou foi realizado. Dessa forma, o trabalho impacta sobre o perfil de morbimortalidade dos trabalhadores, contribuindo, de forma direta - os acidentes de trabalho e as chamadas doenças profissionais - e indireta, nas chamadas doenças relacionadas com o trabalho.2

Em 2013, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimou que anualmente, 160 milhões de trabalhadores são atingidos por doenças ocupacionais no mundo e 2 milhões morrem de doenças e/ou acidentes ocorridos no ambiente de trabalho. Portanto, mais de 5 mil pessoas morrem a cada dia por problemas relacionados ao trabalho. A OIT também estimou que os acidentes de trabalho e as doenças profissionais resultam em uma perda anual de 4% no produto interno bruto (PIB) mundial, ou cerca de 2,8 bilhões de dólares, em custos diretos e indiretos relacionados a lesões e doenças. Nesse contexto, o Brasil ocupa o quarto lugar no mundo quanto ao risco de morte no trabalho.3

No Brasil, a despeito da ausência de informações precisas, os agravos relacionados ao trabalho constituem graves problemas de Saúde Pública. A escassez e a inconsistência das informações sobre a real situação de saúde dos trabalhadores dificultam a definição de prioridades para as políticas públicas, o planejamento e a implementação das ações de Saúde do Trabalhador, além de privar a sociedade de subsídios importantes para a melhoria das condições de vida e trabalho. No caso do sistema de informação em saúde, ressalta-se o evidente sub-registro de agravos relacionados ao trabalho, uma vez que seu número é muito baixo quando comparado ao de países desenvolvidos.4

O estudo desses agravos relacionados ao trabalho tem se mostrado de importância fundamental no cenário das atividades de vigilância em saúde, pois permite a realização do diagnóstico da ocorrência do evento na população, fornecendo subsídios para explicações causais dos agravos de notificação compulsória, além de indicar os riscos aos quais as pessoas estão sujeitas, contribuindo para a identificação da realidade epidemiológica de determinada área geográfica. Trata-se de um instrumento relevante para auxiliar o planejamento da saúde, definir prioridades de intervenção, além de permitir que seja avaliado o impacto das intervenções.

A disponibilização de informações sobre o perfil dos trabalhadores e a ocorrência dos agravos relacionados ao trabalho tem o potencial de subsidiar ações no campo da Saúde do Trabalhador, especialmente no planejamento e organização dos serviços e na proposição de estratégias de educação e prevenção. O presente estudo tem como objetivo descrever o perfil epidemiológico dos agravos relacionados ao trabalho notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do estado do Rio Grande do Norte, no período de 2007 a 2009.

 

Métodos

Estudo descritivo desenvolvido junto ao Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) da Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte.

O estado do Rio Grande do Norte está situado na região Nordeste, tem 167 municípios distribuídos em 52.811 km2, o que equivale a 3,42% da área do Nordeste e a 0,62% da superfície do Brasil, e uma população estimada de 3.373.959 de habitantes. Oficialmente, a única região metropolitana do estado é a Região Metropolitana de Natal, cujos municípios integrantes são Natal, Parnamirim, São Gonçalo do Amarante, Ceará-Mirim, Macaíba, Extremoz, São José de Mipibu, Nísia Floresta, Monte Alegre e Vera Cruz.

A Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast) é composta pelos (i) Centros Estaduais e Regionais de Referência em Saúde do Trabalhador - Cerest -, polos de suporte técnico-científico no processo de trabalho/saúde/doença que desenvolvem ações de prevenção e vigilância pela melhoria das condições de trabalho e da qualidade de vida dos trabalhadores, e por (ii) redes sentinelas de serviços médicos e ambulatoriais de média e alta complexidade, responsáveis por diagnosticar acidentes e doenças relacionados ao trabalho e registrá-los no Sinan-net, sistema desenvolvido para a coleta e divulgação dos dados gerados pela rotina da vigilância epidemiológica.

O processo de autorização e liberação dos dados pelo Cerest estadual ocorreu durante o mês de setembro de 2010, incluindo os dados lançados até a 37a semana epidemiológica, realizada no dia 18 de setembro de 2010. Considerando-se que o registro no Sinan dos agravos relacionados ao trabalho de investigação, conforme preconizado pela Portaria do Ministério da Saúde (GM/MS) no 777, de 28 de abril de 2004,5 foi implementado no Rio Grande do Norte a partir de 2007, este foi o ano do início do levantamento. Foram incluídos todos os casos de doença ou agravo ocupacionais notificados e encerrados nesse estado, presentes no banco de dados do Sinan, no período de 2007 a 2009.

Por meio da Portaria no 777/2004,5 o Ministério da Saúde regulamentou a notificação compulsória de acidentes e doenças relacionados ao trabalho. Para notificação dos agravos e doenças, existem nove fichas de notificação/investigação, as quais são lançadas no Sinan. A referida portaria foi substituída pela Portaria GM/MS no 104, de 25 de janeiro de 2011,6 que, entre outros documentos oficiais, define a relação de doenças, agravos e eventos em Saúde Pública de notificação compulsória.5-8

As variáveis de estudo foram:

a) tipo de agravo relacionado ao trabalho notificado

- acidente de trabalho fatal;

- acidente de trabalho com mutilações;

- acidentes de trabalho com crianças e adolescentes;

- acidente com exposição a material biológico;

- dermatoses ocupacionais;

- intoxicações exógenas;

- lesões por esforços repetitivos (LER)/distúrbios osteomusculares relacionadas ao trabalho (DORT);

- pneumoconioses;

- perda auditiva relacionada ao trabalho (PAIR);

- transtornos mentais relacionados ao trabalho; e

- câncer relacionado ao trabalho;

b) município de notificação

c) características demográficas e socioeconômicas do trabalhador

- sexo (masculino/feminino/ignorado);

- idade (em anos);

- raça (parda/branca/preta/amarela/indígena/ignorado);

- escolaridade (em anos);

- ocupação (campo aberto);

- área econômica de atuação (campo aberto);

d) situação do trabalhador no mercado de trabalho

- empregado registrado com carteira assinada ou não registrado;

- autônomo;

- servidor público;

- aposentado;

- desempregado;

- temporário;

- cooperativado;

- avulso;

- empregador;

- outra;

- ignorada/em branco; e

e) evolução do caso

- cura/cura não confirmada;

- incapacidade temporária ou permanente (parcial ou total);

- óbito por doença relacionada ao trabalho;

- óbito por outra causa;

- outra; e

- ignorada/ausente.

Para o cálculo da taxa de incidência, foi utilizado como numerador o número total dos agravos relacionados ao trabalho notificados por ano, e como denominador, a população economicamente ativa (PEA) no estado entre os anos de 2007 e 2009, fornecida pelo escritório estadual na Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os dados registrados nas fichas do Sinan foram exportados e tabulados pelo TabWin versão 3.6, vinculado ao Sinan-net, e pelo Microsoft Office Excel 2010. Para análise dos dados, foi realizada estatística descritiva, por meio de medidas de frequência absoluta e relativa. O georreferenciamento dos agravos relacionados ao trabalho, de acordo com o município de notificação, foi realizado com emprego do aplicativo ArcGis 9.1.

Este estudo foi realizado com base em dados secundários agregados, de acesso público, sem a identificação dos nomes e endereços dos sujeitos. Foi obtido o consentimento escrito do gestor estadual para a utilização dos dados do Cerest em conformidade com as Diretrizes e Normas de Pesquisa com Seres Humanos [Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 196/1996], atualizada pela Resolução CNS no 466, de 12 de dezembro de 2012.

 

Resultados

No Rio Grande do Norte, de 2007 a 2009, foram notificados 2.180 casos incluindo sete dos nove agravos e doenças de notificação compulsória relacionadas ao trabalho, a saber: acidentes biológicos (n=1.170/53,7%); acidentes graves (n=838/38,4%); LER/DORT (n=67/3,1%); intoxicações exógenas (n=59/2,6%); transtornos mentais (n=32/1,5%); pneumoconioses (n=10/0,5%); e dermatoses (n=4/0,2%). Os agravos representados pelos acidentes foram predominantes, portanto, totalizando 92,1% dos casos notificados (n=2.008). A intoxicação exógena possui uma notificação única para todos os tipos de exposição (ocupacional ou não), impossibilitando que as variáveis sejam desagregadas das diversas origens externas, motivo porque não foi possível construir uma representação tabular ou gráfica exata para esse agravo. Assim, dos 275 casos notificados, conseguiu-se identificar que 59 foram ocupacionais. Não foram notificados casos de câncer relacionado ao trabalho e de perda auditiva relacionada ao trabalho - PAIR.

Dos 167 municípios do estado do Rio Grande do Norte, 40,1% (n=67) tiveram notificações relacionadas a doenças e agravos ocupacionais. A distribuição geográfica dos casos é apresentada na Figura 1. Os municípios com maior notificação foram Natal, Mossoró e Caicó.

 

Figura 1 - Distribuição dos agravos relacionados ao trabalho notificados, segundo município de notificação, no Rio Grande do Norte, 2007 a 2009

 

Evidencia-se aumento progressivo na incidência dos agravos relacionados ao trabalho notificados no Rio Grande do Norte, de 275 casos por 1000 trabalhadores em 2007 para 857,5/1000 trabalhadores em 2009 (Figura 2).

 

Figura 2 - Incidência (por 1000 trabalhadoresa) dos agravos relacionados ao trabalho notificados, por ano de notificação, no Rio Grande do Norte, 2007 a 2009

 

Os homens predominaram entre os acidentados e os portadores de doenças relacionadas ao trabalho. As mulheres predominaram entre os trabalhadores acometidos por acidentes envolvendo materiais biológicos. Houve um predomínio de trabalhadores na faixa etária dos 15 aos 44 anos, em todos os anos e em todos os agravos e doenças. Ademais, predominaram trabalhadores com menor escolaridade (25,9%), embora tenha-se observado um elevado número de dados ignorados ou ausentes quanto a essa variável (66,0%) (Tabela 1).

 

Tabela 1 - Distribuição dos agravos relacionados ao trabalho segundo variáveis sociodemográficas dos trabalhadores no Rio Grande do Norte, 2007 a 2009

 

Em relação à ocupação, entre os profissionais de enfermagem, foram predominantes os acidentes com material biológico (99,8%). Em trabalhadores da construção civil (97,2%) e do setor agropecuário (100,0%), os acidentes considerados graves foram mais frequentes (Tabela 1). No caso das doenças ocupacionais, os trabalhadores da área de serviços manuais - costureiras (93,3%) e operadores de caixa (75%) - foram mais acometidos por LER/DORT; os profissionais do transporte público (100%) e do setor de segurança (100%), por transtornos mentais; e os garimpeiros e mineiros (100%), por pneumoconioses. Metade dos casos de dermatose ocorreu em trabalhadores da construção civil (Tabela 1).

A incapacidade temporária foi o desfecho de maior ocorrência (n=687/32,4%) entre os casos investigados. Houve ainda um expressivo número de casos que tiveram o desfecho ignorado ou desconhecido: 49,8% das notificações (n=1.057), com predominância dos acidentes biológicos (n=1.021) (Tabela 2).

 

Tabela 2 - Distribuição dos principais agravos relacionados ao trabalho segundo evolução do caso no Rio Grande do Norte, 2007 a 2009

 

A maioria dos acidentes graves evoluiu para incapacidade temporária (71,9%), 13,0% para incapacidade parcial permanente, 0,6% para incapacidade total permanente, e 4,9% para óbito (Tabela 2).

A maior frequência de agravos relacionados ao trabalho notificados foi observada entre empregados registrados (n=553). Houve ainda um grande número de registros nos quais a situação dos trabalhadores era ignorada ou desconhecida (n=1.250), particularmente entre aqueles que sofreram acidentes biológicos (n=734) e graves (n=367) (Tabela 3).

 

Tabela 3 - Distribuição dos principais agravos relacionados ao trabalho segundo situação no mercado de trabalho no Rio Grande do Norte, 2007 a 2009

 

Discussão

Entre os agravos relacionados ao trabalho de notificação compulsória no estado do Rio Grande do Norte, no período investigado, predominaram os acidentes biológicos, seguidos pelos distúrbios osteomusculares, intoxicações exógenas, transtornos mentais, pneumoconioses e dermatoses. Não foram notificados casos de câncer relacionado ao trabalho e casos de PAIR. No entanto, LER/DORT, câncer e PAIR foram agravos frequentes entre trabalhadores no país, e são passíveis de agravamento com a alta exploração dos trabalhadores, flexibilização dos contratos de trabalho e importação de tecnologias sujas, decorrentes da globalização.3

Os achados desta pesquisa sugerem aumento na notificação dos agravos relacionados ao trabalho após a implantação da Portaria no 104/2011.6 Contudo, apesar dos avanços, estima-se que esse número seja bastante superior. Estudos prévios realizados no Brasil indicaram que a ausência de notificação não indica, necessariamente, a inexistência de casos, e sim subnotificação.9-13 O acidente do trabalho é registrado no protocolo da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), conforme determinação da Previdência Social, e disponibilizado no Sinan-net, por via impressa e eletrônica. Ainda assim, de acordo com a literatura, menos de 30% dos acidentes ocorridos no Brasil são notificados.11,14-16

Em sua maioria, os acidentes graves foram identificados em municípios mais desenvolvidos economicamente, no âmbito da construção civil, mecanização da agricultura e indústria - Natal, Mossoró, Caicó e João Câmara -, e nas ocupações em que há, proporcionalmente, um maior número de trabalhadores no estado, caso da construção civil e da agricultura. Além disso, são nessas cidades que se encontram as unidades das regionais de saúde da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Rio Grande do Norte (URSAP), o que favorece a concentração e a valorização do registro das informações em saúde.

Estudos constataram que a maior parte dos acidentes atinge homens jovens e produtivos, que trabalham em indústrias, na construção civil, no setor de transportes e na agricultura, locais onde mais ocorrem acidentes graves.15,17,18 Isso reflete tanto os riscos inerentes ao exercício dessas funções quanto o descumprimento do uso de equipamentos e medidas de segurança.

Os acidentes biológicos ocorreram em municípios diversificados. Acredita-se que tal fato esteja relacionado à existência de profissionais e unidades de saúde em todos os municípios, o que potencializa o aumento de ocorrência de acidentes, bem como sua notificação. Apesar da existência dessas notificações, Silva e colaboradores11 constataram em seu estudo que, todavia, é expressiva a subnotificação e a falta de registros de investigações dos casos, além da ausência de acompanhamento do desfecho.

O elevado número de casos de acidentes biológicos com desfecho ignorado ou desconhecido demonstra, além da incompletude dos dados, perda de acompanhamento do profissional e falta de registro de soroconversão pós-exposição biológica, situação evidenciada também no estudo de Silva e cols.11

Houve um predomínio no número de casos de acidentes biológicos entre os profissionais de enfermagem, categoria historicamente mais acometida por esse tipo de acidente, justamente pelas especificidades de um processo de trabalho de cuidado ininterrupto e contínuo de parte desses profissionais, portanto sob maior exposição.14,17,19-21

Os transtornos mentais apresentaram casos apenas nos municípios de Natal e Mossoró, cidades com maior densidade demográfica e concentradoras das atividades produtivas consideradas mais estressantes e perigosas, regimes de turnos alternados e trabalho noturno - como os de profissionais dos setores de segurança e dos transportes públicos.22,23

A pneumoconiose acometeu principalmente os garimpeiros e mineiros da região central potiguar, estando, portanto, relacionada às atividades de mineração desenvolvidas nessa região. Porém, foram registrados casos da doença em apenas dois municípios: Equador e Parelhas. Essa situação é ocasionada, geralmente, pela dificuldade de estabelecer o nexo causal da pneumoconiose, que apresenta longos períodos de latência e permanece irreconhecível até que seus sintomas clínicos se manifestem.3

Os casos de LER/DORT foram notificados na região do Seridó, com concentração em Caicó, e na região da Grande Natal, em trabalhadores da área de serviços manuais como costureiros e operadores de caixa. Pode-se inferir que a concentração de casos notificados em Caicó ocorra devido à presença da sede da IV Regional de Saúde do Estado, como também pela grande quantidade de bordadeiras, fabricantes de queijos artesanais e bonelarias no município. Na Grande Natal, a maior presença de indústrias nessa área explica a concentração de casos de LER/DORT, relacionados à execução de atividades com movimentos repetitivos.24-25

Quanto ao acompanhamento da evolução nos casos de LER/DORT e transtornos mentais, observou-se incapacidade temporária (83,6% e 75,0% respectivamente) e parcial permanente (7,5% e 6,2% respectivamente), além de cura não confirmada (5,9% e 9,4% respectivamente). Esses agravos impõem limitações físicas e emocionais ao trabalhador, muitas vezes comprometendo seu retorno ao trabalho, e necessitam, para seu tratamento, de um longo período de acompanhamento multiprofissional.3,14,26 Destacam-se ainda os acidentes graves, que causam mais incapacidades e afastamentos. Estudos demonstram o impacto socioeconômico desses afastamentos para a empresa, o trabalhador, a Previdência Social, e para toda a sociedade.3,12,17,22,27-29

Em relação ao sexo, observou-se que em 2009, os homens foram os mais acometidos pelos agravos relacionados ao trabalho no Rio Grande do Norte. Em 2007 e 2008, ao contrário, foi o sexo feminino o mais atingido. Essa realidade reflete o predomínio de homens em atividades de maior risco, como construção civil e mineração. Por outro lado, as mulheres foram as mais vitimadas pelos acidentes biológicos: historicamente, há um predomínio da força de trabalho feminina na área da Saúde, principalmente na Enfermagem.10,12,15,24,17

No que se refere à faixa etária, houve um maior número de casos em trabalhadores de 15 a 44 anos, em todo o período analisado, o que está em concordância com o fato de ser maior a exposição desses indivíduos enquanto componentes da população economicamente ativa.

Os eventos ocorreram com mais frequência entre os trabalhadores de menor nível educacional. Outros estudos também evidenciaram que os trabalhadores com baixa qualificação profissional, menores salários e baixo poder decisório são os que mais se acidentam e adoecem.11,12,17,27

Observou-se uma concentração de trabalhadores no setor formal da economia. Este achado tem semelhança com outros estudos e evidencia que as estatísticas oficiais dos agravos relacionados ao trabalho no Brasil, tradicionalmente, têm origem em dados da CAT, instrumento de informação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que gera benefícios previdenciários aos trabalhadores do mercado formal.17,20,23,24

O presente estudo evidenciou que os sistemas de informações em saúde do país continuam a demandar melhores registros, tanto de cobertura como de qualidade dos dados. O número considerável de dados em branco ou ignorados, encontrados em todas as variáveis consideradas, reforça essa questão.

Portanto, é preciso ter em conta, como limitação do estudo, o uso dos dados produzidos pelo sistema de vigilância. Ainda que o Sinan seja a melhor fonte para análise de dados epidemiológicos, sabe-se que problemas do sistema impossibilitam um diagnóstico situacional da Vigilância em Saúde do Trabalhador sobre bases mais profundas e acuradas.3,10,12,30

A inclusão dos agravos relacionados ao trabalho na lista de notificação compulsória, desde 2004, tem permitido o desvelamento da realidade desses agravos no país, subsidiando, com maior fidedignidade, as políticas públicas de saúde e segurança para o trabalhador.

Os resultados deste estudo representam o primeiro passo de uma importante tarefa de avaliação epidemiológica da situação do trabalhador no estado do Rio Grande do Norte, no caminho do aprimoramento do sistema de informação, assim como das ações de promoção, prevenção, controle e reabilitação da saúde do trabalhador.

 

Contribuição dos autores

Cavalcante CAA, Cavalcante EFO, Santos RS, Martins RL, Silva ET e Silveira EA contribuíram na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo intelectual e aprovação da versão final do manuscrito.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e declaram serem responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

 

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Endereço para correspondência:
Cleonice Andréa Alves Cavalcante
- Av. Gandhi, no 1652, Residencial Santa Sofia,
Casa 13, Nova Parnamirim, Parnamirim-RN,

Brasil. CEP: 59152-780
E-mail: cleoandreaeen@gmail.com

Recebido em 24/05/2014
Aprovado em 10/10/2014

 

 

*Artigo desenvolvido como pré-requisito para conclusão do Curso de Especialização em Epidemiologia, por Cavalcante CAA, Santos RS, Cavalcante EFO e Martins RL, na modalidade de Ensino a Distância - Polo Natal -, financiado com recursos da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde e executado pela Universidade Federal de Goiás.