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Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.23 n.4 Brasília dez. 2014
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742014000400021
REVISÃO SISTEMÁTICA
Heterogeneidade e viés de publicação em revisões sistemáticas
Heterogeneity and publication bias in systematic reviews
Mauricio Gomes PereiraI; Taís Freire GalvãoII
IProfessor Emérito, Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil
IIHospital Universitário Getúlio Vargas, Universidade Federal do Amazonas, Manaus-AM, Brasil
A maneira mais elaborada de resumir e divulgar os dados obtidos em revisões sistemáticas é por meio de meta-análise, uma soma estatística dos resultados de cada estudo.1 Os principais cuidados para evitar distorções nos resultados da meta-análise dizem respeito à heterogeneidade entre os estudos e viés de publicação, assuntos do presente artigo.
Heterogeneidade
Uma forma de evitar resultados heterogêneos é incluir na revisão sistemática apenas os estudos metodologicamente semelhantes. Esse objetivo pode ser alcançado por meio da execução adequada das etapas que abordamos anteriormente.1-3 No entanto, pode ocorrer não estarem algumas informações claramente relatadas nos artigos originais. A mudança na definição de doença ao longo do tempo ou nas técnicas diagnósticas são pontos a que o pesquisador precisa estar atento.
Para identificar a heterogeneidade nos achados, são aplicadas técnicas estatísticas com o propósito de verificar se as diferenças observadas nos resultados podem ser explicadas ou não pelo acaso.4 O teste do qui-quadrado é um dos mais empregados para avaliar a significância da heterogeneidade, sendo convencionado um nível de significância mais conservador de p<0,10, em lugar do usual p<0,05. A magnitude da heterogeneidade é averiguada principalmente pelo cálculo do i-quadrado, que varia de 0 a 100%. Um I-quadrado superior a 50% indica heterogeneidade substancial e, acima de 75%, heterogeneidade considerável.4 Quanto maior a heterogeneidade, maior o questionamento sobre a validade de combinar resultados. Na presença de heterogeneidade, recomenda-se investigar suas causas por meio de análise de sensibilidade e metarregressão.
Análise de sensibilidade
Na análise de sensibilidade varia-se a forma de análise dos dados para saber a repercussão dessa mudança nos resultados. Um caminho consiste em incluir somente estudos com características específicas, como os realizados em datas recentes. Havendo mudança de resultados, caso de se chegar a resultados mais homogêneos com a nova forma de análise, os autores decidem a maneira de apresentá-los, ou seja, se excluem os estudos identificados como fontes de heterogeneidade ou se apresentam os achados em análises de subgrupo.
A Figura 1 ilustra investigação da heterogeneidade em revisão sobre a prevenção de fraturas com uso da vitamina D.5 Na Figura 1a, foram incluídos todos os estudos, sendo encontrada redução no risco de fratura não vertebral, mas a heterogeneidade é significativa. Na Figura 1b, foram separados os estudos conforme a dose. Os resultados mostram que a heterogeneidade desapareceu, o que permitiu concluir com mais propriedade que a prevenção de fraturas não vertebrais só foi efetiva em doses maiores de vitamina D (700-800UI/dia).
Figura 1 - Abordagem da heterogeneidade em meta-análise sobre o uso de vitamina D na prevenção de fratura não vertebral. (a) Análise com todos os estudos da revisão. (b) Análise de subgrupo pela dose utilizada.
Metarregressão
Nos estudos primários, ou seja, nos relatos de pesquisas originais, a técnica de regressão é empregada rotineiramente para avaliar a relação entre uma ou mais covariáveis com a variável-desfecho. Da mesma forma, em meta-análises pode ser empregada técnica semelhante, denominada metarregressão.6 Ela permite avaliar o efeito de múltiplos fatores na heterogeneidade, respeitando-se o limite de um mínimo de dez estudos para efetuar a análise.
Viés de publicação
Os dados selecionados para compor a meta-análise podem estar influenciados pelo viés de publicação. Entende-se por viés de publicação a tendência de os resultados publicados estarem sistematicamente diferentes da realidade. Análise de ensaios clínicos com protocolo registrado na base de registros ClinicalTrial.gov revelou que menos de 70% dos estudos são publicados.7 A não publicação de resultados pode ser devida à decisão do autor ou do financiador do estudo, que não submetem para publicação os achados desfavoráveis, ou dos editores de periódicos científicos, que podem não ter interesse em divulgar resultados negativos (sem significância estatística).
Nas revisões sistemáticas, a presença desse viés pode ser identificada por meio de gráfico de funil e de testes estatísticos.4 A utilização dessas técnicas é recomendada para meta-análises com dez estudos ou mais e baseia-se em questões de estimativa e de precisão. Os estudos pouco precisos, em geral realizados com amostras de tamanho pequeno, poderão encontrar resultados positivos ou negativos (estatisticamente significativos ou não) por influência do acaso. Eles estariam distribuídos simetricamente na parte mais larga do funil. Estudos de maior precisão, em geral em menor número, estariam mais próximos do valor real e situados na parte mais estreita do funil (Figura 2). Também é possível estimar a presença desse viés em bases de registros de estudos, pela busca daqueles que não vieram a ser publicados.
Figura 2 - Prevalência de depressão (eixo x) pelo erro-padrão de cada estudo (eixo y). A parte mais larga do funil, em que ficam os estudos menos precisos, apresenta predominância de pesquisas com maiores prevalências, apontando que possivelmente estudos pequenos que encontraram prevalências mais baixas não chegaram a ser publicados.
Referências
1. Pereira MG, Galvão TF. Extração, avaliação da qualidade e síntese dos dados para revisão sistemática. Epidemiol Serv Saude. 2014 set;23(3):577-8.
2. Galvão TF, Pereira MG. Revisões sistemáticas da literatura: passos para sua elaboração. Epidemiol Serv Saude. 2014 mar;23(1):183-4.
3. Pereira MG, Galvão TF. Etapas de busca e seleção de artigos em revisões sistemáticas da literatura. Epidemiol Serv Saude. 2014 jun;23(2):369-71.
4. Higgins J, Green S, editors. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions [Internet]. Version 5.1.0. Oxford: Cochrane Collaboration; c2011 [cited 2014 Aug 8]. Available from: http://www.cochrane-handbook.org
5. Bischoff-Ferrari HA, Willett WC, Wong JB, Giovannucci E, Dietrich T, Dawson-Hughes B. Fracture prevention with vitamin D supplementation: a meta-analysis of randomized controlled trials. JAMA. 2005 May;293(18):2257-64.
6. Borenstein M, Hedges LV, Higgins JPT, Rothstein HR. Introduction to meta-analysis: John Wiley & Sons; 2009. Chapter 20, Meta-regression; p. 187-203.
7. Ross JS, Tse T, Zarin DA, Xu H, Zhou L, Krumholz HM. Publication of NIH funded trials registered in ClinicalTrials.gov: cross sectional analysis. BMJ. 2012 Jan;344(d7292):1-10.
8. Silva MT, Galvao TF, Martins SS, Pereira MG. Prevalence of depression morbidity among Brazilian adults: a systematic review and meta-analysis. Rev Bras Psiquiatr. 2014 Sep;36(3):262-70.
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