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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.24 n.1 Brasília mar. 2015

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000100003

ARTIGO ORIGINAL

 

Evolução das internações hospitalares por causas externas no sistema público de saúde - Brasil, 2002 a 2011*

 

Evolution of public health system hospital admissions due to external causes - Brazil, 2002-2011

 

Evolución de las internaciones hospitalarias por causas externas en el sistema público de salud - Brasil, 2002 a 2011

 

 

Márcio Dênis Medeiros MascarenhasI,II; Marilisa Berti de Azevedo BarrosIII

IUniversidade Federal do Piauí, Hospital Universitário, Teresina-PI, Brasil
IIUniversidade Estadual de Campinas, Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas, Campinas-SP, Brasil
IIIUniversidade Estadual de Campinas, Departamento de Saúde Coletiva, Campinas-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever a evolução das hospitalizações por causas externas no Brasil, no período de 2002 a 2011.
MÉTODOS:  estudo de séries temporais sobre internações por causas externas em hospitais públicos, utilizando dados do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) analisados segundo regressão linear simples.
RESULTADOS: predominaram internações devidas às quedas (41%) e aos acidentes de transporte terrestre (ATT) (15%); observou-se aumento médio anual no coeficiente de internação hospitalar (∆CIH) por causas externas da ordem de 13,1 internações para cada grupo de 100 mil habitantes (p<0,001); verificou-se aumento nas internações por quedas (∆CIH: 2,7/100 mil; p<0,001) e ATT (∆CIH: 2,2/100 mil; p=0,014), e redução nas internações por lesões autoprovocadas (∆CIH: -0,2/100 mil; p<0,001); internações por agressões permaneceram estáveis.
CONCLUSÃO: o estudo confirma o aumento progressivo da demanda de internação hospitalar por causas externas, sobretudo causas acidentais, nos serviços públicos do Brasil, nos últimos anos.

Palavras-chave: Causas Externas; Acidentes; Violência; Hospitalização; Estudos de Séries Temporais.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the evolution of hospitalizations due to external causes in Brazil from 2002 to 2011.
METHODS:  a time-series study of hospitalizations due to external causes occurred in public hospitals, using data from the Hospital Information System of the Unified Health System (SIH/SUS) analyzed using simple linear regression.
RESULTS: predominated hospitalizations due to falls (41%) and traffic accidents (15%); the average annual increase in the hospitalization rates (∆HR) due to external causes was 13.1 hospitalizations/100,000 inhabitants (p<0.001); there was increase in hospitalizations due to falls (∆HR: 2.7/100,000; p<0.001) and traffic accidents (∆HR: 2.1/100,000; p=0.014) and reduction in hospitalizations due to self-harm injuries (∆HR: -0.2/100,000; p<0.001); hospitalizations for assaults remained stable.
CONCLUSION: the study confirms the progressive increase in the demand for hospitalization due to external causes, mainly due to accidental causes, in public hospitals in Brazil in recent years.

Key words: External Causes; Accidents; Violence; Hospitalization; Time Series Studies.


RESUMEN

OBJETIVO: describir la evolución de las hospitalizaciones por causas externas en Brasil, en el período de 2002 a 2011.
MÉTODOS: estudio de series temporales sobre internaciones por causas externas en hospitales públicos, utilizando datos del Sistema de Informaciones Hospitalarias del Sistema Único de Salud (SIH/SUS) analizados según regresión lineal simple.
RESULTADOS: predominaron internaciones debidas a caídas (41%) y a accidentes de transporte terrestre (ATT) (15%); se observó un aumento medio anual en el coeficiente de internación hospitalaria (∆CIH) por causas externas del orden de 13,1 internaciones para cada grupo de 100 mil habitantes (p<0,001); se verificó un aumento de las internaciones por caídas (∆CIH: 2,7/100 mil; p<0,001) y ATT (∆CIH: 2,2/100.000; p=0,014), y reducción en las internaciones por lesiones autoprovocadas (∆CIH: -0,2/100.000; p<0,001); internaciones por agresiones permanecieron estables.
CONCLUSIÓN: el estudio confirma el aumento progresivo de la demanda de internación hospitalaria por causas externas, sobre todo causas accidentales, en los servicios públicos de Brasil, en los últimos años.

Palabras clave: Causas Externas; Accidentes; Violencia; Hospitalización; Estudios de Series Temporales.


 

 

Introdução

As causas externas (acidentes e violências) de morbimortalidade são reconhecidas como um grave problema de Saúde Pública na atualidade, principalmente nos países em processo de desenvolvimento.1 Devido à gravidade das lesões, grande parte das vítimas de acidentes e violências procuram as unidades de assistência à saúde em busca de atendimento ambulatorial, internação hospitalar ou reabilitação. Além do impacto no perfil de mortalidade, as causas externas representam um importante desafio para o padrão de morbidade da população, haja vista o elevado número de internações e a ocorrência de sequelas físicas e psicológicas, temporárias ou permanentes.2

No Brasil, as causas externas também constituem um sério desafio para as autoridades sanitárias, principalmente quando se observa a ocorrência de lesões relacionadas ao trânsito, às agressões e às quedas. Neste último caso, deve-se destacar o contínuo aumento da proporção de idosos na população brasileira e a elevada incidência de quedas nesse grupo populacional.3 Em 2011, foram registradas 973.015 internações hospitalares por causas externas, representando 8,6% de todas as internações realizadas nos serviços próprios e conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS). Desse montante, as internações por quedas (38,4%) e por acidentes de transporte terrestre (ATT) (15,8%) apresentaram as maiores frequências.4

A análise epidemiológica das hospitalizações por causas externas encontra-se em fase de aprimoramento, ao contrário do que se observa na gama de estudos sobre a mortalidade por essas causas.5 Embora restrito aos serviços que oferecem assistência pública, o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) fornece dados que, gradativamente utilizados, têm servido a análises que extrapolam o âmbito financeiro e permitem conhecer o comportamento epidemiológico das internações hospitalares, inclusive daquelas por causas externas.6,7

A partir do formulário de autorização de internação hospitalar (AIH), o SIH/SUS disponibiliza dados demográficos e clínicos capazes de descrever a morbidade hospitalar no âmbito dos serviços próprios e conveniados ao SUS. Estima-se que a cobertura do sistema atinja 70 a 80% das internações hospitalares no Brasil, com variações entre as macrorregiões e estados, em função da população usuária de planos de saúde privados.8

Considerando-se que os eventos não fatais são mais frequentes do que os óbitos decorrentes de causas externas e ademais, frente à escassez de análises epidemiológicas acerca do padrão de internação hospitalar por acidentes e violências no Brasil, é fundamental oferecer uma compreensão mais ampla sobre a epidemiologia da morbidade por esses agravos para fins de vigilância em Saúde Pública e elaboração de ações preventivas.

O objetivo deste artigo foi descrever a evolução temporal das hospitalizações por causas externas no sistema público de saúde do Brasil, no período de 2002 a 2011.

 

Métodos

Trata-se de estudo observacional, de séries temporais, que compreendeu todas as hospitalizações por causas externas realizadas nos serviços próprios e conveniados ao SUS, no período de 2002 a 2011. Os dados referentes aos anos de 2008 e 2009 não foram incluídos na análise em razão das mudanças estruturais ocorridas no SIH/SUS, responsáveis, à época, pela redução de registros da base de dados nacional.

Considerou-se a definição de causas externas1 como o conjunto de agravos à saúde responsáveis por algum tipo de lesão, seja física, mental ou psicológica, podendo ou não levar ao óbito. Essas lesões, por sua vez, podem ser classificadas como:

- não intencionais (acidentes) - evento não intencional e evitável, causador de lesões físicas e emocionais, no âmbito doméstico ou social, como trabalho, escola, esporte e lazer -; e

- intencionais (violências) - uso da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.

Os dados que serviram de base a este estudo foram obtidos do SIH/SUS, disponibilizados pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, no portal eletrônico do Departamento de Informática do SUS (Datasus).4 Foram selecionados os registros cujo diagnóstico secundário correspondesse a um dos códigos do capítulo XX da Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10),9 de acordo com os seguintes agrupamentos:

- total de causas externas (V01-Y98);

- acidentes de transporte terrestre (V01-V89);

- quedas (W00-W19);

- agressões e intervenções legais - homicídios (X85-Y09, Y35-Y36);

- lesões autoprovocadas intencionalmente (X60-X84); e

- demais causas externas, incluindo outras causas externas de traumatismos acidentais, causas externas não classificadas e eventos de intenção indeterminada (V90-V99, W20-X59; Y10-Y34; Y40-Y98).

Calculou-se o coeficiente de internação hospitalar por 100 mil habitantes, tomando-se em conta o número de internações segundo local de residência (numerador) e a população residente (denominador). Os dados populacionais foram baseados nos censos demográficos de 2000 e 2010, apresentados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), utilizando-se o método de cálculo de interpolação aritmética para estimar a população residente no período de estudo, disponibilizados no sítio eletrônico do Datasus.4

Os coeficientes de internação hospitalar foram calculados segundo sexo (masculino; feminino), faixa etária (0 a 9, 10 a 19, 20 a 39, 40 a 59, 60 e mais anos), tipo de causa (acidentes de transporte terrestre, quedas, agressões, lesões autoprovocadas, demais causas externas), macrorregião geográfica e estados de residência. Utilizou-se o modelo de regressão linear simples, sendo o coeficiente de internação hospitalar a variável dependente (Y) e o tempo (ano-calendário) a variável independente (X). Para verificar o comportamento (acréscimo, decréscimo, estabilidade) e a variação média anual do coeficiente de internação hospitalar, foi avaliado o sinal do coeficiente de regressão (β). O coeficiente de internação hospitalar foi considerado crescente quando β mostrou-se positivo, e decrescente quando β foi negativo.10 A significância estatística do modelo foi atestada quando p<0,05. As análises estatísticas foram realizadas com auxílio do programa Stata versão 11 (Stata Corp., College Station, Estados Unidos da América).

Foram empregados exclusivamente dados de acesso público, sem a identificação dos pacientes internados, atendendo às diretrizes éticas para a realização de pesquisas envolvendo seres humanos. O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas do Piauí - NOVAFAPI -, sob o Parecer nº 137.435, de 1o de novembro de 2012.

 

Resultados

Entre 2002 e 2011, foram registradas 6.515.009 internações por causas externas em hospitais públicos do Brasil. Nesse período, o total de internações apresentou aumento de 37,3%, passando de 708.829 em 2002 para 973.015 em 2011. As internações mais frequentes foram devidas às quedas (41%) e aos ATT (15%). As internações por agressões e lesões autoprovocadas apresentaram as menores proporções (6% e 1%, respectivamente). Perfazendo 37% das internações por causas externas, encontram-se as demais causas, incluindo outras lesões decorrentes de traumatismos acidentais, lesões de intenção indeterminada e causas externas não classificadas (Figura 1).

 

Figura 1 - Distribuição proporcional das internações hospitalares segundo tipo de causas externas (N=6.515.009). Brasil, 2002 a 2011a

 

O coeficiente de internação hospitalar por causas externas variou de 408,1/100 mil habitantes em 2002 para 504,3/100 mil habitantes em 2011, um padrão crescente portanto, com variação anual de 13,1 internações/100 mil habitantes/ano (p<0,001). O aumento dos coeficientes de internação hospitalar para o total de causas externas foi significativo, em ambos os sexos e para todos os grupos etários; à exceção do grupo de 0 a 9 anos de idade, cujo coeficiente permaneceu estável durante todo o período analisado. Verificou-se padrão crescente no coeficiente de internação por quedas (aumento médio de 2,7 internações/100 mil habitantes/ano; p<0,001), ATT (aumento médio de 2,1 internações/100 mil habitantes/ano; p=0,014) e demais causas (aumento médio de 8,3 internações/100 mil habitantes/ano; p<0,001). O coeficiente de internação por lesões autoprovocadas demonstrou padrão decrescente (diminuição média de 0,2 internação/100 mil habitantes/ano; p<0,001), enquanto o coeficiente de internação por agressões permaneceu estável (Tabela 1). Entre o agrupamento das demais causas, vale destacar as exposições a corrente elétrica, radiação e elevadas temperaturas e pressões no ambiente, responsáveis pelo considerável aumento de 3,6 internações/100 mil habitantes/ano (dados não apresentados).

 

Tabela 1 - Evolução do coeficiente de internação hospitalar por causas externas segundo tipo de causa, sexo e faixa etária. Brasil, 2002 a 2011a

 

A Tabela 2 apresenta a evolução do coeficiente de internação hospitalar por causas externas segundo as macrorregiões geográficas e estados de residência. Em todas as cinco grandes regiões do país, verificou-se padrão crescente no coeficiente de internação hospitalar, e as maiores variações médias anuais observadas encontram-se nas regiões Sul (aumento médio de 19,3 internações/100 mil habitantes/ano; p=0,003) e Centro-Oeste (aumento médio de 16,5 internações/100 mil habitantes/ano; p=0,014). Nas demais regiões, o aumento médio variou de 10,9 internações/100 mil habitantes/ano na região Sudeste a 13,0 internações/100 mil habitantes/ano na região Norte. Os coeficientes permaneceram estáveis em oito estados: Amazonas, Pará, Amapá, Maranhão, Alagoas, Sergipe, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul. Para os demais estados, observou-se padrão crescente no coeficiente de internação por causas externas, cujo aumento médio anual variou de 10,2 internações/100 mil habitantes/ano (p=0,001) no Rio Grande do Sul a 60,7 internações/100 mil habitantes/ano (p<0,001) no Tocantins. Nenhum estado apresentou padrão de redução no coeficiente de internação por causas externas.

 

Tabela 2- Evolução do coeficiente de internação hospitalar por causas externas segundo a macrorregião e o estado de residência. Brasil, 2002 a 2011a

 

Com relação ao coeficiente de internação hospitalar por quedas, percebeu-se padrão crescente em ambos os sexos, com variação média anual de 3,2 internações/100 mil habitantes/ano (p<0,001) entre homens e de 2,3 internações/100 mil habitantes/ano (p<0,001) entre mulheres (Tabela 3). O aumento também foi observado na população a partir de 20 anos de idade, com variação média anual de 2,3 internações/100 mil habitantes/ano (p=0,001) na faixa de 20 a 39 anos e de 3,3 internações/100 mil habitantes/ano (p<0,001) no grupo de 40 a 59 anos, atingindo 6,3 internações/100 mil habitantes/ano (p=0,006) entre os idosos. Houve decréscimo no coeficiente de internação por quedas entre as crianças de 0 a 9 anos de idade (diminuição média de 2,8 internações/100 mil habitantes/ano; p=0,041). A internação por quedas permaneceu estável nas regiões Norte e Sudeste, mantendo-se o padrão de aumento nas demais regiões.

 

Tabela 3 - Evolução do coeficiente de internação hospitalar por quedas e acidentes de transporte terrestre segundo sexo, faixa etária e região de residência. Brasil, 2002 a 2011a

 

Quanto ao coeficiente de internação hospitalar por ATT, percebeu-se aumento para os pacientes do sexo masculino (de 4,0 internações/100 mil habitantes/ano; p=0,008) e estabilidade entre as mulheres. Esse indicador variou segundo a faixa etária, apresentando aumento na população de 10 a 59 anos e redução entre crianças de 0 a 9 anos e idosos. O coeficiente de internação por ATT permaneceu estável nas regiões Sul e Centro-Oeste, com aumento nas demais regiões - destaque para a região Norte, com aumento de 3,1 internações/100 mil habitantes/ano (p=0,023).

Não foi observada variação significativa no coeficiente de internação hospitalar por agressões (Tabela 4). Quando feita a análise segundo a região de residência, percebeu-se decréscimo nesse indicador para a região Sul (diminuição de 0,6 internação/100 mil habitantes/ano; p=0,046) e aumento para a região Nordeste (de 1,5 internações/100 mil habitantes/ano; p=0,003). O coeficiente de internação hospitalar por lesões autoprovocadas apresentou redução no total de internações - diminuição média de 0,2 internação/100 mil habitantes/ano; p<0,001 -, para ambos os sexos. Esse padrão também foi observado em todos os grupos etários, à exceção das crianças de 0 a 9 anos, cujo coeficiente permaneceu estável. A redução desse indicador, em particular, também foi verificada entre os residentes das regiões Sudeste e Centro-Oeste, enquanto tendeu à estabilidade nas demais regiões.

 

Tabela 4 - Evolução do coeficiente de internação hospitalar por agressões e lesões autoprovocadas segundo sexo, faixa etária e região de residência. Brasil, 2002 a 2011a

 

Discussão

O presente estudo evidencia a magnitude das internações por causas externas no sistema público de saúde do Brasil, com expressivo aumento das hospitalizações por quedas e acidentes de transporte terrestre - ATT. Esses achados são semelhantes a resultados de estudos sobre o padrão de morbidade hospitalar por causas externas, realizados no Brasil e em outros países.11,12

O aumento na internação por causas externas para o conjunto da população brasileira usuária dos serviços públicos de saúde já era, de certa forma, esperado. Outros estudos sobre a mortalidade por causas externas demonstraram padrão de aumento nos últimos anos, sendo essas ocorrências um sinalizador para compreender o padrão da internação hospitalar, uma vez que os casos letais representam apenas uma fração das vítimas de lesões que demandam internação hospitalar ou outro tipo de atendimento nos serviços de saúde.2

Indivíduos do sexo masculino, adultos jovens e idosos compuseram os grupos a referir os maiores incrementos anuais no coeficiente de internação hospitalar por causas externas. Estudos revelam a preponderância de pacientes do sexo masculino e de adultos jovens em praticamente todos os tipos de causas externas de internação, possivelmente em função das diferenças comportamentais e de estilo de vida entre homens e mulheres.11 O aumento no coeficiente de internação entre idosos, por sua vez, pode ser explicado pela ocorrência de quedas, mais frequente nesse grupo etário.13

O incremento no coeficiente de internação hospitalar segundo macrorregião e estados deve ser avaliado com cautela: esse aumento pode ser consequência tanto de (i) melhorias na qualidade do preenchimento da AIH - mediante uma informação mais fidedigna da causa que levou à internação, durante o preenchimento do diagnóstico secundário para as internações por causas externas - quanto pela (ii) oferta de serviços de saúde para o atendimento às vítimas desses agravos.7,8,14

Ao estratificar as análises segundo causas específicas, foi possível identificar diferentes padrões na evolução das internações hospitalares por causas externas. Estudos demonstram que as quedas são a principal causa de internação hospitalar entre as causas externas, com maior impacto na população idosa, principalmente entre as mulheres dessa faixa etária.13,15 O maior incremento no coeficiente de internação hospitalar por quedas verificado no Sul pode-se explicar para estrutura etária da população: apesar de a população idosa apresentar crescimento proporcional em todo o país, é na região Sul onde se encontra a maior participação de idosos sobre o total de residentes.16

O impacto da morbimortalidade por acidentes de transporte é maior entre homens e na população de adultos jovens.17 Em 2011, o coeficiente de internação hospitalar por esses acidentes envolvendo homens foi 3,8 vezes superior ao observado em mulheres. O maior incremento foi verificado no coeficiente de internação entre adultos de 20 a 39 anos. Estima-se que em 2030, os acidentes de transporte terrestre ocuparão as primeiras posições como causas de morte, especialmente em regiões onde a motorização não for acompanhada de melhorias nas estratégias de segurança viária e organização do espaço.2 Outrossim, tem-se constatado a importância dos acidentes envolvendo motocicletas, fenômeno favorecido por fatores como as recentes mudanças econômicas nos países da América Latina e consequentemente, a maior disponibilidade de acesso à motocicleta como meio de transporte, associados a falhas nas políticas de transporte público e fiscalização dos condutores.18,19

O aumento do coeficiente de internação por acidentes de transporte terrestre nas grandes regiões geográficas brasileiras é compatível com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-2008), apresentados por Malta e colaboradores,20 os quais identificaram referência ao envolvimento em acidentes de trânsito nos últimos 12 meses mais elevada entre os residentes da região Centro-Oeste. Estudo conduzido por Morais Neto e colaboradores21 encontrou tendência de aumento na mortalidade por acidentes de transporte terrestre, principalmente nos estados da região Nordeste.

O coeficiente de internação hospitalar por agressões (tentativas de homicídio) permaneceu estável no Brasil, durante o período analisado. As agressões representam uma pequena parcela das internações por causas externas (5%) e seu impacto é mais evidente no perfil da mortalidade. Porém, existem aspectos semelhantes entre os óbitos e internações por essa causa: predomínio de ocorrências no sexo masculino e na população jovem.22,23 A baixa frequência de internações por agressões, frente ao número de óbitos pela mesma causa, seria explicada pela alta letalidade no local de ocorrência desse evento e pelo sub-registro no hospital, seja por receio do paciente em revelar a agressão, seja por desinteresse/receio dos profissionais de saúde em coletar e registrar essa informação.8

Estudo conduzido por Gawryszewski e colaboradores,22 ao descrever a tendência da mortalidade por homicídios na região das Américas, classificou o Brasil entre os países com elevados coeficientes de mortalidade por homicídio, tendendo à estabilidade, ao contrário de países como Venezuela, Panamá, El Salvador e Porto Rico, onde essa tendência mostrou-se crescente no período de 1999 a 2009. Sem dúvida, os homicídios têm-se revelado como os principais responsáveis pelo aumento da mortalidade relacionada à violência no Brasil, desde a década de 1980. Entretanto, a partir de 2003, observa-se uma redução nesse indicador:3 no estado de São Paulo, por exemplo, verificou-se uma queda de 73,7% na mortalidade por homicídios entre 2001 e 2008, principalmente em homens, jovens de 15 a 24 anos de idade e moradores em áreas de extrema exclusão social.24 Todavia, não há estudos ocupados em analisar detalhadamente o padrão das internações por tentativas de homicídio no Brasil, com o objetivo de verificar se a queda apontada na mortalidade se repete na internação hospitalar.

A redução do coeficiente de internação hospitalar por lesões autoprovocadas foi significativa em ambos os sexos, a partir dos 10 anos de idade e nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Estudos realizados nos Estados Unidos da América25 e na Inglaterra26 também apresentaram redução nas internações hospitalares relacionadas a lesões autoinfligidas. Diversos fatores devem ser considerados, no sentido de tentar explicar essa redução. Não está claro se as tentativas de suicídio estão realmente diminuindo ou se os mecanismos utilizados são mais letais, tendo em vista que a mortalidade por suicídio apresenta comportamento heterogêneo no Brasil: aumento em alguns estados e decréscimo em outros. Pesquisas indicam ser a mortalidade por suicídio - geralmente - mais frequente e crescente na população masculina e entre idosos.27,28

O presente estudo pretende contribuir com o conhecimento da evolução da morbidade hospitalar por causas externas no Brasil. Apesar de registrar cerca de 70% das internações hospitalares ocorridas no Brasil14 e de ser um sistema com potencial para exploração de informações epidemiológicas,6 o SIH/SUS carece de melhorias no tocante à qualidade da informação fornecida, principalmente no preenchimento dos dados sobre os aspectos demográficos (sexo, idade, raça/cor da pele), e à correta codificação das causas externas das lesões motivadoras da hospitalização. Essas melhorias poderiam evitar alguns aspectos limitadores do uso do SIH/SUS para fins epidemiológicos, como (i) sub-registro de internações por causas externas, devido a equívocos ou distorções na identificação das causas da lesão,7 e (ii) baixo desempenho na fidedignidade dos dados clínicos, quando comparados aos registros hospitalares.8 Outra limitação para o presente estudo refere-se à decisão pela não inclusão dos dados de 2008 e 2009. Os dados referentes a esses dois anos, dada sua grande variação em relação aos demais anos da série, poderiam interferir nas análises, ocasionando grande alteração nos dados do período de 2002-2011 e sua análise.

Ao serem consideradas como importante questão de Saúde Pública, as causas externas foram incluídas na agenda de prioridades do Ministério da Saúde, na perspectiva de uma ação que ultrapasse a responsabilização exclusiva da assistência e reabilitação das vítimas, estendendo-se à promoção à saúde, prevenção e vigilância epidemiológica.

O uso dos sistemas de informações em saúde é fundamental para o contínuo acompanhamento da situação epidemiológica e melhor compreensão do impacto das causas externas na saúde da população brasileira, contribuindo com a elaboração de estratégias efetivas a serem executadas pela Saúde em articulação com os demais setores na prevenção desses agravos.29

 

Contribuição dos autores

Mascarenhas MDM participou na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados, redação do manuscrito e aprovação da versão final.

Barros MBA contribuiu na concepção e delineamento do estudo, interpretação dos dados, revisão crítica do conteúdo intelectual do manuscrito e aprovação final da versão final.

Ambos os autores assumem a responsabilidade por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

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Endereço para correspondência:
Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas

Rua General Lages, no 545, Apto. 1202, Jóquei Clube,
Teresina-PI, Brasil. CEP: 64048-350
E-mail: mdm.mascarenhas@gmail.com

Recebido em 03/09/2014
Aprovado em 03/12/2014

 

 

*Artigo elaborado a partir da tese de Doutorado de Márcio Dênis Medeiros Mascarenhas, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2014.