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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.24 n.1 Brasília mar. 2015

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000100012

ARTIGO ORIGINAL

 

Distribuição dos mamógrafos e dos exames mamográficos no estado do Rio de Janeiro, 2012 e 2013*

 

Distribution of mammography equipment and mammographies in Rio de Janeiro State, Brazil, 2012 and 2013

 

Distribución de los mamógrafos y las mamografías en el estado de Rio de Janeiro, 2012/2013

 

 

Vanessa Cristina Felippe Lopes VillarI; Claudia Teresa Vieira de SouzaI; Elizabete Vianna DelamarqueII; Marismary Horsth De SetaII

IFundação Oswaldo Cruz, Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIFundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO
OBJETIVO: descrever a distribuição dos mamógrafos e das mamografias realizadas no estado do Rio de Janeiro, Brasil.
MÉTODOS: estudo descritivo, baseado em informações do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e do Sistema de Informação do Câncer de Mama (SISMAMA) referentes a 2012 e 2013.
RESULTADOS: dos 546 mamógrafos em uso, 142 (26,0%) atendiam ao Sistema Único de Saúde (SUS); não se verificou déficit de mamógrafos - inclusive no SUS - nas diferentes regiões do estado, segundo o parâmetro de cobertura nacional; a região Metropolitana I concentrou a maior parte dos mamógrafos em uso e dos exames realizados, apresentando a mais elevada razão entre população e mamógrafos SUS (170.231), e média de 228,3 exames/ano por equipamento.
CONCLUSÃO: apesar das desigualdades na distribuição dos equipamentos, não há déficit de mamógrafos; todavia, a produtividade média anual desses equipamentos foi baixa.

Palavras-chave: Mamografia; Equipamentos e Provisões; Acesso aos Serviços de Saúde; Alocação de Recursos para Atenção à Saúde.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the distribution of mammography equipament and mammographies performed in Rio de Janeiro State.
METHODS: this was a descriptive study based on information from the National Register of Health Establishments (CNES) and the Breast Cancer Information System (SISMAMA), 2012/2013.
RESULTS: there were 546 mammography machines in use, 142 (26.0%) of which serve the Unified Health System (SUS); no shortage of mammography machines was found - including in SUS services - in the state’s regions according to the national coverage parameter. Most mammography machines and exams were concentrated in Metropolitan Region I which had the highest ratio of SUS population and mammographies (170 231) with 228.3 tests per machine per annum on average.
CONCLUSION: there is no shortage of mammography equipment despite inequalities in their distribution; however, average annual equipment productivity was low.

Key words: Mammography; Equipment and Supplies; Health Services Accessibility; Health Care Resource Allocation.


RESUMEN

OBJETIVO: describir la distribución de los equipos de mamografía y las mamografías realizadas en el Estado de Rio de Janeiro.
MÉTODOS: estudio descriptivo basado en información del Catastro Nacional de Establecimientos de Salud (CNES) y del Sistema de Información de Cáncer de Mama (SISMAMA), en los años 2012 y 2013.
RESULTADOS: 546 equipos en uso, 142 (26,0%) para el Sistema Único de Salud (SUS); no ha habido escasez de mamógrafos, incluyendo los mamógrafos SUS, en las regiones del estado, según el parámetro de cobertura nacional; la Región Metropolitana concentró equipos y exámenes, con cociente más elevado de población y mamógrafos SUS (170. 231) y 228,3 exámenes anuales, en promedio, por equipo.
CONCLUSIÓN: a pesar de la distribución desigual de los equipos, no se encontró ningún déficit; pero, la productividad promedio anual de los equipos de mamografía fue baja.

Palabras clave: Mamografía; Equipos y Suministros; Accesibilidad a los Servicios de Salud; Asignación de Recursos para la Atención de Salud.


 

 

Introdução

O câncer de mama é a principal neoplasia maligna a acometer o sexo feminino no Brasil, caracterizando-se como um grave problema de Saúde Pública. Segundo informações e estimativas do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), a cada ano, cerca de 22,0% dos casos novos de câncer em mulheres de todo o mundo são cânceres de mama. Para 2014, são esperados 57.120 novos casos apenas no Brasil.1

O principal método de rastreamento do câncer de mama é o exame de mamografia. A mamografia consiste na radiografia da mama e permite o diagnóstico precoce ao detectar lesões em sua fase inicial, da ordem de milímetros.2

Apesar do aumento ocorrido no número de exames mamográficos no Brasil, de 2003 a 2008, iniquidades segundo grupo etário, faixa de renda, acesso a consultas médicas e a planos de saúde persistem.3 Essas iniquidades no acesso, apontadas em outros estudos nacionais e internacionais, traduzem-se na existência de mulheres que nunca realizaram esse exame por falta de solicitação médica para que o fizessem, notadamente no sistema público de saúde.4-7

O Programa Nacional de Controle do Câncer de Mama apresenta-se como ação governamental para o enfrentamento das iniquidades de acesso aos métodos de diagnóstico e tratamento do câncer de mama, fornecendo aos profissionais de saúde e gestores as bases para o planejamento de ações de controle dessa neoplasia maligna.8

A partir do Plano Nacional de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer de Colo do Útero e de Mama, lançado em 2011, foram diversos os investimentos governamentais nesse sentido, tendo por alvo a rede do Sistema Único de Saúde (SUS): aumento do número de exames mamográficos, incorporação de novos medicamentos quimioterápicos e expansão dos serviços de radioterapia, com o objetivo de melhorar a prevenção e a assistência às mulheres com câncer de mama.8

Em 2012, instituiu-se o Programa Nacional de Qualidade em Mamografia (PNQM) visando garantir a qualidade da imagem dos exames de mamografia oferecidos à população.9 Cabe ressaltar que exames de baixa qualidade produzem tanto resultados falso-positivos, nos quais não há comprovação de malignidade após os exames histopatológicos, quanto falso-negativos, que podem postergar a adoção da conduta terapêutica mais adequada.10

Reconhecidamente uma medida de Saúde Pública com efetividade comprovada no rastreamento do câncer de mama,4,11-13 é necessário que a mamografia esteja ao alcance da população. Nesse sentido, é importante identificar a oferta de mamógrafos, assim como a distribuição regional dos equipamentos e dos exames realizados. Essa importância é ainda maior para o estado do Rio de Janeiro, identificado com a maior taxa bruta de incidência do câncer de mama feminina no país, estimada em 96,47 casos novos por 100 mil mulheres para o ano de 2014.1

O objetivo deste trabalho foi descrever a distribuição dos mamógrafos e das mamografias realizadas no estado do Rio de Janeiro, Brasil, no período entre 2012 e 2013.

 

Métodos

Trata-se de um estudo exploratório, de natureza descritiva, com base em informações secundárias do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e do Sistema de Informação do Câncer de Mama (SISMAMA), realizado no estado do Rio de Janeiro, localizado na região Sudeste do Brasil.

O estado do Rio de Janeiro conta com uma área de 43.780,172 km2, dividida em 92 municípios, e uma população estimada de 16.329.262 habitantes para o ano de 2012.14 O estado apresenta a segunda maior cobertura por planos de saúde na região Sudeste e no país (34,0%).3 Diferentemente do conjunto de estados do Sudeste brasileiro, cuja relação entre estabelecimentos públicos e privados mostra-se igualmente equilibrada, o Rio de Janeiro apresenta maior proporção de estabelecimentos privados.15

Inicialmente, as duas variáveis de interesse para o presente estudo foram o (i) número de mamógrafos existentes no estado do Rio de Janeiro em maio de 2013 e o (ii) número de exames mamográficos realizados no ano de 2012. As informações sobre esses exames referiram-se ao ano de 2012 - último ano de competência completo e disponível em maio de 2013.

Para consolidar as informações correspondentes aos mamógrafos, realizou-se um levantamento, junto ao CNES, dos equipamentos de diagnóstico por imagem: mamógrafo com comando simples, mamógrafo com estereotaxia e mamógrafo computadorizado.16

Essas informações, compiladas em maio de 2013, constituíram um banco de dados com as seguintes variáveis:

- localização geográfica;

- equipamento existente e em uso;

- tipo de equipamento (simples, estereotaxia, computadorizado);

- financiamento do atendimento (SUS ou não SUS);

- natureza do estabelecimento (ambulatorial ou hospitalar); e

- esfera administrativa (pública ou privada).

Como atendimento não SUS, entende-se o atendimento financiado de forma privada (desembolso direto ao prestador, pelo usuário) e por meio de planos de saúde.

Neste estudo, considerou-se como mamógrafo hospitalar todo equipamento desse tipo localizado em estabelecimentos descritos na ficha do CNES como 'hospital geral' - independentemente de muitos estabelecimentos de diagnóstico por imagem, na condição de serviços terceirizados pelo sistema e localizados nesses hospitais, serem caracterizados como ambulatoriais.

As informações sobre a realização dos exames mamográficos em mulheres, por município de residência, correspondentes ao ano de 2012, foram obtidas no Sistema de Informação do Câncer de Mama (SISMAMA),17 disponível no sítio eletrônico do Departamento de Informática do SUS (Datasus).

As informações relativas aos mamógrafos e aos exames foram agrupadas segundo a região de saúde em que se localizava o equipamento ou o município de residência das pessoas que realizaram o exame. Utilizou-se a divisão instituída pela Deliberação no 1.452, da Comissão Intergestores Bipartite do Estado do Rio do Janeiro,18 em que constam nove regiões de saúde: (i) Baía da Ilha Grande; (ii) Baixada Litorânea; (iii) Centro-Sul; (iv) Médio Paraíba; (v) Metropolitana I; (vi) Metropolitana II; (vii) Noroeste; (viii) Norte; e (ix) Serrana.

Elaborou-se um mapa de distribuição espacial dos mamógrafos, em números absolutos, segundo os municípios e regiões de saúde do estado do Rio de Janeiro. Nesse procedimento, utilizou-se o software Tabwin e os mapas disponibilizados no sítio eletrônico do Datasus, malha municipal 2013: ftp://ftp.datasus.gov.br/territorio/mapas

A partir desses números absolutos, foram calculadas as frequências simples e relativas, bem como a razão entre população e mamógrafos e entre exames realizados e mamógrafos.

No cálculo da razão entre a população e os mamógrafos - tanto para o conjunto dos mamógrafos (mamógrafos em geral), quanto para os mamógrafos SUS especificamente - por região de saúde, utilizou-se como numerador os dados da estimativa de população residente segundo regional de saúde/município para 2012, disponibilizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A adoção da população geral para esse cálculo deveu-se ao parâmetro de cobertura populacional para mamógrafos, de 1 aparelho para cada 240.000 habitantes, contemplado na Portaria do Ministério da Saúde no 1.101/2002.19

Calculou-se a razão entre o número de exames realizados em um ano e o número de mamógrafos existentes em cada região, como para medida aproximada do desempenho do conjunto dos mamógrafos.

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz, sob o Parecer no 151/2011.

 

Resultados

Em maio de 2013, o estado do Rio de Janeiro apresentava 565 mamógrafos, dos quais 546 em uso. Os mamógrafos em uso, segundo os municípios e as nove regiões do estado onde se localizam, estão representados na Figura 1.

 

Figura 1 - Distribuição do número absoluto de mamógrafos segundo regiões e municípios do Rio de Janeiro, 2013

 

Dos 92 municípios do estado, 27 tinham até 20.000 habitantes; 28, entre 20.001 e 50.000 habitantes; e 37 possuíam mais que 50.001 habitantes, sendo 13 municípios com mais de 200.000 habitantes. Estes municípios mais populosos, localizados em cinco regiões, detinham 75,2% da população do estado, 81,5% dos mamógrafos em uso e 59,2% dos mamógrafos SUS. As regiões menos populosas, Noroeste, Centro-Sul e Baía da Ilha Grande, concentradoras de 5,6% da população do estado, possuíam 5,0% do total de mamógrafos e 14,1% dos mamógrafos SUS no estado.

Não possuíam mamógrafo 41 municípios (44,5%), assim distribuídos em cada uma das regiões de saúde do estado: Baía da Ilha Grande, 1 município; Baixada Litorânea, 2; Centro-Sul, 6; Médio-Paraíba, 7; Metropolitana I, 2; Metropolitana II, 2; Noroeste, 10; Norte, 3; e Serrana, 8. Todos os municípios sem mamógrafo tinham menos de 50.000 habitantes; à exceção de Seropédica (80.613 habitantes) e Japeri (97.920 habitantes), ambos localizados na região Metropolitana I (Tabela 1).

 

Tabela 1 - Distribuição dos mamógrafos segundo tipo de estabelecimento, região de saúde e tipo de mamógrafo no Rio de Janeiro, maio de 2013

 

Dos equipamentos em uso, predominaram os de comando simples. Apenas 20 mamógrafos (3,6%) eram computadorizados, majoritariamente localizados na região Metropolitana I, maior concentradora de mamógrafos em uso, de mamógrafos de propriedade estatal, e da quase totalidade dos mamógrafos pertencentes a instituições militares (10/11). A região de Baía da Ilha Grande apresentou a menor concentração de equipamentos em uso.

Predominaram os mamógrafos localizados em estabelecimentos sem infraestrutura de internação, bem como os pertencentes a instituições privadas. Entre os de propriedade estatal, predominaram os municipais, seguidos dos federais. Contudo, havia 2,0% de equipamentos de propriedade de instituições militares - sem compromisso de atendimento universal -, destinados a militares e seus dependentes.

Os mamógrafos SUS e não SUS distribuíram-se desigualmente nas regiões do estado e pouco mais da quarta parte do total desses equipamentos (26,0%) realizavam atendimento pelo SUS (Tabela 2). A razão entre a população e o número total de mamógrafos em uso (SUS e não SUS) variou entre as regiões; como também variou, ainda mais, a razão entre a população e os mamógrafos SUS. Não foi possível quantificar os estabelecimentos que atendem ao SUS e à demanda privada concomitantemente.

 

Tabela 2 - Distribuição dos mamógrafos em uso e da população geral, razões entre população, exames e equipamentos SUS a e não SUS a segundo região de saúde no Rio de Janeiro, 2012 e 2013

 

Na comparação com as demais regiões do estado, a região Metropolitana I concentrou a maior parte dos exames realizados, o maior número absoluto de mamógrafos SUS e a maior razão entre população e mamógrafos SUS, não obstante reunir o menor percentual desses equipamentos (17,7%) em relação ao total de mamógrafos existentes. O conjunto de mamógrafos dessa região, contudo, teve o quarto pior desempenho entre as nove regiões, realizando, em média, 228,3 exames/ano por equipamento.

A região que realizou menor número de exames no período foi a Centro-Sul fluminense, que também apresentou o mais fraco desempenho médio anual para o conjunto de seus mamógrafos. O melhor desempenho desses equipamentos foi alcançado na Baixada Litorânea (629,9 exames/ano, por mamógrafo), seguida pela região Noroeste, que concentrava o maior percentual de mamógrafos SUS (80,0%).

 

Discussão

Segundo este estudo, embora de forma não equitativa, a distribuição dos mamógrafos, especialmente dos mamógrafos SUS, acompanhou a distribuição percentual da população segundo as regiões do estado. Entretanto, se não havia déficit de mamógrafos na comparação com o parâmetro nacional, constatou-se ociosidade em sua utilização.

A concentração dos mamógrafos nos grandes centros urbanos, particularmente nas regiões Metropolitana I - que abriga a capital do estado - e Metropolitana II, assemelha-se a resultados encontrados para Goiás:5 sua capital, Goiânia, localizada na região central do estado, concentra os equipamentos e realiza um número de exames mamográficos superior ao da população-alvo, quando comparado aos números correspondentes às demais regionais de saúde.

Conforme descreve estudo realizado por Lee e colaboradores em 2012, a distribuição dos mamógrafos no território nacional era irregular e variava entre 2 (Roraima) e 335 (São Paulo, estado) mamógrafos.6 Calculando-se a razão entre a população e o número de mamógrafos com os dados do mesmo estudo, verificou-se uma variação entre 225.289,50 (RR) e 123.170,74 (SP) em 2010. Embora possa-se considerar o parâmetro de cobertura do Ministério da Saúde19 limitado e insuficiente, trata-se de dados disponíveis e oficiais, e sua aplicação indica uma situação de conformidade entre esses dois estados.

Voltando a atenção ao estado do Rio de Janeiro, a população estimada para ano de 2012 era de 16.329.262,14 o que demandaria 68 equipamentos pela aplicação do parâmetro nacional.19 Tanto o total de mamógrafos em uso (546) quanto os disponíveis para o SUS (142) configuraram para o estado fluminense, em 2012, uma situação que ultrapassou a superoferta - segundo o parâmetro nacional - verificada para o estado de São Paulo em 2010. Portanto, sob todos os pontos analisados e em todas as regiões, não se constatou déficit de equipamentos no estado do Rio de janeiro.

A aparente escassez, em números absolutos e em percentuais, de mamógrafos não SUS nas regiões mais afastadas (Noroeste e Baía da Ilha Grande) é, em parte, compensada pelo fato de os percentuais de mamógrafos SUS serem maiores do que o dobro do percentual de mamógrafos não SUS existentes nessas regiões - o que não se verifica nas demais regiões do estado. Esse achado pode representar, em alguma medida e pelo menos para a região Noroeste do estado, onde apenas 20,0% dos mamógrafos é não SUS, uma decisão alocativa com o objetivo de alcançar maior equidade nessa distribuição.

A região Noroeste, constituída por municípios pobres, com herança socioeconômica problemática e sem capacidade própria de fomento do desenvolvimento,20 abrangia os dois municípios de menor índice de desenvolvimento humano (IDH) municipal no estado, em 2010. Ademais, o valor correspondente à média e à mediana do IDH municipal (0,695) para a região mostrou-se inferior aos valores encontrados para a média e a mediana relativas ao estado, respectivamente 0,709 e 0,713, considerados como valores altos de IDH. Porém, o estudo não considerou o poder de compra e a afiliação a seguros ou planos de saúde, o que pode influenciar as decisões econômicas regionais do setor privado não SUS.

Observou-se assimetria entre os equipamentos de natureza jurídica pública e privada - com predomínio dos privados sobre os públicos -, e entre os mamógrafos disponíveis para o SUS (n=142) e para a clientela não SUS, privada e de planos de saúde (n=404), sugerindo maior disponibilidade de equipamentos para as usuárias da rede privada. Essa maior disponibilidade pode decorrer da decisão alocativa do setor privado, ao reconhecer o patamar de afiliação a planos de saúde no estado do Rio de Janeiro (34,0%) superior ao da média nacional (25,9%).3

A questão fundamental não é a natureza jurídica mas o tipo de atendimento, SUS ou não SUS. Em 2008, das brasileiras de 50 a 69 anos de idade, faixa recomendada pelo Ministério da Saúde para o rastreamento mediante mamografia a cada dois anos, 28,9% nunca realizaram o exame, ao passo que no estado do Rio de Janeiro, 66,3% das mulheres dessa mesma faixa etária tinham realizado mamografia pelo menos uma vez em três anos. As iniquidades estão relacionadas ao menor acesso ao exame por mulheres com menor escolaridade e menor renda mensal domiciliar.3 Uma menor disponibilidade de acesso aos mamógrafos para uso no SUS pode contribuir para a persistência dessas iniquidades.

A análise comparativa das variações na razão de exames por mamógrafo entre as diversas regiões resultou, quando da descrição dos resultados deste estudo, no uso das expressões ‘melhor desempenho’ e ‘pior desempenho’, sem que isso significasse bom desempenho ou desempenho insatisfatório. Não se estimou a capacidade de produção de exames por meio dos mamógrafos. A rigor, tampouco se analisou a capacidade de funcionamento desses equipamentos, haja vista ter-se trabalhado com o total de exames realizados e de equipamentos informados como ‘em uso’. Entretanto, pode-se concluir pela ociosidade dos equipamentos, desde que não estão sendo usados em sua capacidade plena. Essa mesma ociosidade também foi observada em outros estudos.21

Sobre a suficiência ou escassez relacionada ao funcionamento pleno ou à ociosidade desses equipamentos, sua concentração nas regiões mais desenvolvidas do estado mantém-se associada à baixa produtividade: apenas 136.506 exames realizados no período estudado.17 Resultado encontrado no estudo realizado no estado de Goiás, onde se constatou serem suficientes os mamógrafos, indicou que essa suficiência poderia ser apenas aparente, decorrendo de distribuição desigual dos mamógrafos e baixa produção dos exames pela rede SUS.5

Embora este não seja um estudo sobre o acesso, dele se aproxima na medida em que a realização do exame mamográfico representa a concretização de um procedimento diagnóstico e de rastreio efetivo para a detecção do câncer de mama. Inquérito telefônico, realizado em 2012, detectou que 72,0% das mulheres na idade entre 50 e 69 anos, residentes na capital do estado do Rio de Janeiro, informaram terem realizado mamografia nos últimos dois anos, enquanto 85,8% disseram ter-se submetido a mamografia em algum momento da vida.22

No Brasil, a cobertura de exames é desigual, e a oferta, inferior à necessária. Esse problema não decorre apenas da quantidade de equipamentos e sua distribuição espacial, como também do número e da qualificação dos profissionais, da disponibilidade de insumos e da existência de mecanismos de gestão que garantam a utilização dos serviços.7,12,23,24 Este estudo não se deteve em dados quantitativos e na qualificação dos profissionais, embora um dos fatores a contribuir para a ociosidade dos equipamentos seja a escassez de técnicos em mamografia: uma realidade presente nos serviços públicos de saúde, cujas causas fogem ao escopo deste trabalho.

Seguindo tendência internacional,25 as iniciativas governamentais no sentido de ampliar a cobertura mamográfica devem priorizar a minimização das iniquidades no acesso, de modo a reduzir a subutilização dos mamógrafos e melhorar sua distribuição, efetivando o rastreamento mamográfico, especialmente nas áreas com maior incidência de câncer de mama. A melhoria dos sistemas de informações e seu uso no planejamento de ações, orientando a alocação de recursos físicos e humanos, deve ser fomentada.

Além do acesso aos serviços de saúde, a efetividade do rastreamento mamográfico é diretamente influenciada pela qualidade da imagem.9 Não basta que o mamógrafo esteja disponível e sua produtividade seja adequada. É indispensável que se reúnam todas as condições necessárias para produzir uma imagem de qualidade, capazes de possibilitar a detecção de lesões da ordem de milímetros. É necessário, também, cuidar da garantia dos recursos para a adequação e a continuidade do tratamento das lesões diagnosticadas.

Limitações do estudo foram explicitadas ao longo desta discussão. Contudo, deve-se também considerar a existência de discrepância temporal entre os períodos dos dados referentes aos exames realizados (2012) e aos mamógrafos (maio de 2013), além das limitações decorrentes da qualidade das informações coletadas a partir das fontes oficiais do SUS (CNES e SISMAMA) e do IBGE. Sem deixar de mencionar uma provável inconsistência de registro, também manifesta como duplicidade e deficiência no controle de qualidade das informações nas fontes ligadas ao SUS. Cabe ressaltar, entretanto, que se trata de informação de acesso livre e passíveis de serem usadas nos processos decisórios, principalmente para o planejamento em saúde.

Essas limitações também podem ser encaradas como desafios para futuros estudos de abordagem e aprofundamento na investigação sobre questões não respondidas aqui. Espera-se que os resultados deste trabalho possam despertar o interesse de profissionais e gestores para a elaboração de planos de ação visando a melhoria do rastreamento do câncer de mama. Entre essas iniciativas, destaca-se a reflexão sobre a necessidade da instalação de novos mamógrafos, manutenção dos existentes, priorização do rastreamento nas estratégias de regionalização dos serviços ou a adoção de mamógrafos móveis, sobretudo na esfera municipal.

 

Contribuições das autoras

Villar VCFL e De Seta MH contribuíram com a concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados e redação do manuscrito.

Souza CTV contribuiu no delineamento do estudo, redação e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual.

Delamarque EV contribuiu com a redação e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual.

Todas as autoras aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos seus aspectos, garantindo sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Vanessa Cristina Felippe Lopes Villar.

Av. Brasil, no 4365, Manguinhos
Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
CEP: 21040-360.
E-mail: vanessafelippe@ig.com.br

Recebido em 28/07/2014
Aprovado em 06/01/2015

 

 

*Este trabalho foi parte da dissertação de Mestrado em Saúde Pública intitulada ‘Qualidade da imagem e proteção radiológica: a mamografia sob o foco da Vigilância Sanitária do Estado do Rio de Janeiro’, defendida por Vanessa Cristina Felippe Lopes Villar, junto à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz, em 2012.