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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.24 n.2 Brasília jun. 2015

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000200008

ARTIGO ORIGINAL

 

Consumo de alimentos não saudáveis relacionados a doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013

 

Unhealthy food consumption related to chronic non-communicable diseases in Brazil: National Health Survey, 2013

 

Consumo de alimentos insalubres relacionados a enfermedades crónicas no transmisibles en Brasil: Encuesta Nacional de Salud, 2013

 

 

Rafael Moreira ClaroI; Maria Aline Siqueira SantosII; Tais Porto OliveiraII; Cimar Azeredo PereiraIII; Célia Landmann SzwarcwaldIV; Deborah Carvalho MaltaI,II

IUniversidade Federal de Minas Gerais, Escola de Enfermagem, Belo Horizonte-MG, Brasil
IIMinistério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Brasília-DF, Brasil
IIIFundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Coordenação de Trabalho e Rendimentos, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IVFundação Instituto Oswaldo Cruz, Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever o consumo de alimentos não saudáveis relacionados ao risco aumentado para doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) segundo características regionais e sociodemográficas entre adultos brasileiros.
MÉTODOS: estudo descritivo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013, representativos da população ≥18 anos de idade; calculou-se, para o conjunto da população e segundo sexo, idade e nível de instrução, as prevalências e intervalos de confiança de 95% (IC95%) do consumo de alimentos não saudáveis pesquisados.
RESULTADOS: entre os 60.202 entrevistados, a prevalência de consumo de carne com excesso de gordura foi de 37,2% (IC95%:36,4-38,0), de leite integral, 60,6% (IC95%:59,8-61,4), de consumo regular de refrigerantes, 23,4% (IC95%:22,7-24,1), e de consumo regular de doces, 21,7% (IC95%:21,0-22,3); esses fatores foram mais frequentes em homens, jovens e pessoas com menor nível de instrução.
CONCLUSÃO: a população brasileira apresentou alta prevalência de consumo de alimentos não saudáveis considerados fatores de risco para DCNT.

Palavras-chave: Inquéritos Epidemiológicos; Doença Crônica; Estilo de Vida; Comportamento Alimentar; Epidemiologia Descritiva.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the consumption of unhealthy foods considered risk factors for chronic non-communicable diseases (NCDs) according to regional and sociodemographic characteristics of Brazilian adults.
METHODS: this was a cross-sectional survey representative of the Brazilian population aged ≥18 years using 2013 National Health Survey data; consumption prevalences were calculated by gender, age and schooling; consumption indicators were meat with excess fat, whole milk, soft drinks and sweets.
RESULTS: among the 60.202 respondents, the frequency of consumption of meat with excessfat was 37.2% (95%CI: 36.4-38.0), whole milk, 60.6% (95%CI: 59.8-61.4), regular consumption of soft drinks, 23.4% (95%CI: 22.7%-24.1), and regular consumption of candy and desserts, 21.7% (95%CI: 21.0-22.3); these factors were more common among men, young individuals and those with less schooling.
CONCLUSION: Consumption of dietary risk factors for NCDs is high in the Brazilian population.

Keywords: Health Surveys; Chronic Disease; Life Style; Feeding Behavior; Epidemiology, Descriptive.


RESUMEN

OBJETIVO: describir consumo de alimentos poco saludables considerados factores de riesgo de enfermedades crónicas no transmisibles (ENT), según características regionales y sociodemográficas entre adultos brasileños.
MÉTODOS: estudio descriptivo con datos de la Encuesta Nacional de Salud 2013, representativos de la población de ≥18 años; se calculó para toda la población, según sexo, edad e instrucción, las frecuencias de consumo de carne con exceso de grasa y leche entera, el consumo regular de gaseosas y de alimentos dulces.
RESULTADOS: entre los 64.348 encuestados, la frecuencia de consumo de carne con exceso de grasa fue del 37,2% (IC95%: 36,4%-38,0%), de leche entera, 60,6% (IC95%: 59,8%-61,4), el consumo regular de gaseosas, 23,4% (IC95%: 22,7%-24,1%), y de dulces, 21,7% (IC95%: 21,0%-22,3%); estos factores fueron más comunes entre hombres, personas jóvenes y personas con menor nivel educacional.
CONCLUSIÓN: la población brasileña presenta elevada ingesta de alimentos poco saludables considerados factores de riesgo para ENT.

Palabras clave: Encuestas Epidemiológicas; Enfermedad Crónica; Estilo de Vida; Conducta Alimentaria; Factores de Riesgo; Epidemiología Descriptiva.


 

 

Introdução

Desde a segunda metade do Século XX, condições favoráveis à ocorrência de desnutrição e doenças infecciosas têm sido gradativamente substituídas por um cenário favorável à ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) relacionadas ao consumo excessivo e/ou desbalanceado de alimentos e à prática insuficiente de atividade física.1 Tal cenário pode ser verificado tanto em países desenvolvidos como em grande parte daqueles em desenvolvimento, incluído o Brasil.2 Nesse contexto, a estratégia global da Organização Mundial da Saúde (OMS) para Alimentação, Atividade Física e Saúde, de 2003, ressalta a necessidade de adequação dos padrões mundiais de alimentação, com ênfase na redução do consumo de alimentos com alto teor de energia, baixo teor de nutrientes e alto teor de sódio, gorduras saturadas, gorduras trans e carboidratos refinados.1,3

Estudos sobre a tendência de mudanças no padrão alimentar da população brasileira nas últimas décadas destacam a elevação do consumo de carnes e alimentos industrializados (refrigerantes, biscoitos e refeições prontas) e a redução do consumo de leguminosas, raízes e tubérculos, frutas e hortaliças.4,5 Diante dessas constatações, entre outras medidas, o Ministério da Saúde coordenou a elaboração do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022,6 no ano de 2011, e a revisão do 'Guia alimentar para a população Brasileira: promovendo a alimentação saudável', em 2014.7

Além disso, como parte do processo de dotar o país de ferramentas para monitorar a frequência e a distribuição dos principais fatores determinantes das DCNT, o Ministério implantou, no ano de 2006, o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) com o objetivo de monitorar continuamente, mediante entrevistas telefônicas, a frequência e distribuição de fatores de risco e proteção para doenças crônicas em todas as capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal. O Vigitel (i) averigua o consumo de alimentos tidos como fatores de risco ou proteção para ocorrência de DCNT e (ii) fornece estimativas anuais desse consumo entre sua população-alvo.8,9 Em seguida ao monitoramento dos fatores de risco e proteção para DCNT iniciado pelo Vigitel, no ano de 2013, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), em seu módulo de Estilo de Vida, averiguou o conjunto compatível de indicadores de consumo alimentar mediante entrevistas domiciliares em amostra expandida, representativa de todo país.10

O presente estudo teve por objetivo descrever o consumo de alimentos não saudáveis considerados fatores de risco para DCNT entre adultos brasileiros, segundo características regionais e sociodemográficas.

 

Métodos

Trata-se de estudo descritivo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde - PNS - para o ano de 2013, resultantes de inquérito transversal representativo de toda população adulta (idade ≥18 anos) do país, referente aos indicadores de consumo alimentar identificados como marcadores de alimentação não saudável. A PNS consiste de um inquérito domiciliar realizado em parceria, entre o Ministério da Saúde e a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e faz parte do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SIPD) do IBGE. A PNS tem como base a Amostra Mestra da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), contínua e também do IBGE, com ampliação de sua área geográfica para gerar estimativas mais precisas.10,11

O processo amostral foi composto por amostragem aleatória simples, por conglomerados, dividida em três estágios: setores censitários (unidades primárias); domicílios (unidades secundárias); e um morador adulto - 18 anos ou mais - (unidade terciária), selecionado a partir da lista de moradores construída no momento da entrevista, para responder ao questionário específico. Foram definidos pesos amostrais para as unidades primárias de amostragem (UPA), para os domicílios e todos seus moradores, e o peso para o morador selecionado.

O tamanho mínimo da amostra foi de 1.800 domicílios por unidade da federação (UF). A amostra foi planejada para 81.167 domicílios, considerando-se apenas os domicílios ocupados. Foram realizadas entrevistas em 64.348 domicílios, nos quais foram efetivamente entrevistados 60.202 adultos, resultando em uma proporção de não resposta de 8,1%.

O trabalho de campo foi realizado sob a responsabilidade do IBGE e os profissionais envolvidos na pesquisa, como agentes de coleta de informações, supervisores e coordenadores, foram capacitados previamente. As entrevistas foram feitas com a utilização de PDA (personal digital assistance), computadores de mão, e foram agendadas conforme a disponibilidade e conveniência dos entrevistados, tendo sido previstas duas ou mais visitas a cada domicílio se necessário. Outros detalhes sobre o processo de amostragem e ponderação estão disponíveis na publicação sobre os resultados da PNS.10 O questionário da Pesquisa Nacional de Saúde pode ser acessado online, no seguinte endereço eletrônico: http://www.pns.icict.fiocruz.br/arquivos/Novos/Questionario%20PNS.pdf

O presente estudo utilizou os dados provenientes das respostas às questões relacionadas ao consumo alimentar não saudável contidas na PNS. Com base nessas questões, foram obtidos quatro indicadores:

a) Consumo de carne ou frango com excesso de gordura Prevalência (%) de indivíduos que referiram consumir carne com gordura e/ou frango com pele (independentemente da quantidade consumida e da frequência semanal), com base em duas questões propostas aos entrevistados, "Quando o(a) sr(a) come carne vermelha, o(a) sr(a) costuma: a) tirar o excesso de gordura visível, b) comer com a gordura?" "Quando o(a) sr(a) come frango/galinha, o(a) sr(a) costuma: a) tirar a pele, b) comer com a pele?" Ambas essas condições - consumir carne com gordura e/ou frango com pele - são suficientes para estabelecer a condição de risco.22

b) Consumo de leite com teor integral de gordura Prevalência (%) de indivíduos que referiram costume de tomar somente leite integral (independentemente da quantidade consumida e da frequência semanal), com base na seguinte questão proposta, "Quando o(a) sr(a) toma leite, que tipo de leite costuma tomar: a) integral, b) desnatado ou semidesnatado, c) os dois tipos?" A referência ao consumo exclusivo de leite integral ou de ambos os tipos de leite - integral e com teor reduzido de gordura - é suficiente para estabelecer a condição de risco.22

c) Consumo regular de refrigerante ou suco artificial Prevalência (%) de mdivíduos que referiram consumir refrigerante ou suco artificial 5 dias ou mais por semana, definida com base na seguinte questão proposta, "Em quantos dias da semana o(a) sr(a) costuma tomar refrigerante (ou suco artificial)? a) 1 a 2, b) 3 a 4, c) 5 a 6 d) Todos os dias e) Quase nunca f) Nunca".

d) Consumo regular de alimentos doces Prevalência (%) de indivíduos que referiram consumir alimentos doces em 5 ou mais dias da semana, definida com base na seguinte questão proposta aos entrevistados,"EM quantos dias da semana o(a) sr(a) come alimentos doces, tais como pedaços de bolo ou torta, doces, chocolates, balas, biscoitos ou bolachas doces? a) 1 a 2, b) 3 a 4, c) 5 a 6 d) Todos os dias e) Quase nunca f) Nunca"

A definição dos indicadores seguiu a classificação adotada pelo Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas não Transmissíveis por Inquérito Telefônico - Vigitel.9

As prevalências dos desfechos e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%) foram apresentadas para o conjunto da população estudada e - também - segundo sexo (masculino; feminino), faixa de idade (quatro faixas etárias: 18 a 24, 25 a 39, 45 a 59 e 60 anos e mais), nível de instrução (sem instrução e com Ensino Fundamental incompleto; com Ensino Fundamental completo e Médio incompleto; com Ensino Médio completo e Superior incompleto; com Ensino Superior completo), raça/cor da pele (branca; preta; parda; amarela; indígena), além da área (urbana; rural), UF e macrorregião de residência. A categorização das variáveis sociodemográficas baseou-se no modelo adotado pelo IBGE para o censo demográfico de 2010.

Diferenças significativas entre os indicadores e estratos populacionais avaliados foram identificadas a partir da comparação dos IC95% das frequências. A não sobreposição dos intervalos (no todo ou em parte) indica a presença de diferença significativa (p<0,05). A análise de dados foi realizada com auxílio do software Stata versão 11.0, que considerou efeitos da amostragem complexa da PNS 2013 (módulo survey).

A PNS foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ministério da Saúde, sob o Parecer no 328.159 de 26 de junho de 2013.

 

Resultados

O consumo de carne ou frango com excesso de gordura foi referido por 37,2% dos entrevistados, sendo maior entre homens (47,2%; IC95%:46,0-48,4), indivíduos na faixa etária de 25 a 39 anos (41,0%; IC95%:39,8-42,3), com nível de instrução Fundamental completo e Médio incompleto (42,2%; IC95%:40,4-44,1) e na população de raça/cor da pele preta (39,7%; IC95%:37,4-42,1) (Tabela 1).

 

 

Quanto à área e macrorregião de residência, verificou-se maior prevalência de consumo entre residentes na área rural (45,8%; IC95%:43,9-47,8) e nas regiões Sul (42,5%; IC95%: 40,5-44,5) e Centro-Oeste (45,7%; IC95%:44,0-47,5) (Tabela 1). Quando comparadas as UF, as maiores frequências de consumo foram observadas nos estados de Mato Grosso do Sul (55,7%; IC95%:52,9-58,5), Mato Grosso (55,1%; IC95%:51,3-59,0) e Rondônia (51,5%; IC95%: 47,7-55,4), e as menores no Amazonas (21,9%; IC95%:19,6-24,4), na Paraíba (28,2%; IC95%:25,0-31,5) e na Bahia (28,4%; IC95%:26,3-32,9) (Figura 1).

 

 

O consumo de leite integral foi referido por 60,6% (IC95%:59,8-61,4) da população entrevistada, sendo mais frequente entre indivíduos mais jovens (com idade entre 18 e 24 anos) (65,0%; IC95%:63,1-66,9) e entre aqueles sem nível Superior de instrução completo. Não foram identificadas diferenças na prevalência de consumo quanto ao sexo ou raça/cor da pele (Tabela 1). A frequência de consumo manteve-se semelhante entre as áreas urbana e rural, sendo a região Centro-Oeste do país aquela com maior prevalência (64,5%; IC95%:62,9-66,1) (Tabela 1). Quando comparadas as UF, as maiores frequências de consumo foram observadas nos estados de Roraima (73,2%; IC95%:70,2-76,1), Acre (72,3%; IC95%:69,0-75,7) e Tocantins (69,6%; IC95%:65,9-73,3), e as menores em Alagoas (49,0%; IC955%%:45,5-52,6), na Paraíba (49,8%; IC95%:46,1-53,4) e no Amazonas (51,5%; IC95%:48,1-54,9) (Figura 2).

 

 

A prevalência de consumo regular de refrigerante ou suco artificial foi de 23,4% (IC95%:22,7-24,1), maior entre homens (26,6%; IC95%:25,6-27,6), apresentando diminuição na medida do incremento da idade. A prevalência de consumo também foi maior nos níveis intermediários de instrução e não variou significativamente quanto às categorias de raça/cor da pele. No que concerne ao local de residência, verificou-se maior prevalência de consumo de refrigerante ou suco artificial na área urbana (24,9%; IC95%:24,2-25,7) e na região Centro-Oeste (27,7%; IC95%:26,1-29,3) (Tabela 1). Quando comparadas as UF entre si, as maiores prevalências desse consumo foram identificadas nos estados do Amapá (31,3%; IC95%:27,5-35,1), Goiás (30,4%; IC95%:27,5-33,4) e Mato Grosso do Sul (29,9%; IC95%:27,1-32,7); e as menores prevalências, no Rio Grande do Norte (10,9%; IC95%:9,0-12,8), em Sergipe (13,5%; IC95%:11,7-15,3) e na Paraíba (13,6%; IC95%:11,4-15,8) (Figura 3).

 

 

Por fim, a prevalência de consumo regular de doces foi de 21,7% (IC95%:21,0-22,3) para o conjunto da população estudada. Essa prevalência tendeu a diminuir com o aumento da idade e a aumentar com a elevação do nível de instrução, sendo maior entre os indivíduos de cor da pele branca (24,6%; IC95%:23,6-25,6) na comparação com os demais (Tabela 1). Quanto à área e macrorregião de residência, verificou-se maior prevalência de consumo regular de doces entre os residentes na área urbana (22,0%; IC95%:21,3-22,7) e na região Sul (26,2%; IC95%:24,5-27,9) (Tabela 1). As UF com as maiores prevalências desse consumo foram Santa Catarina (31,0%; IC95%:27,2-34,8), Rio Grande do Sul (25,4%; IC95%: 22,6-28,1) e São Paulo (25,2%; IC95%:23,5-26,8), e as menores, Pará (8,5%; IC95%:6,6-10,5), Amazonas (8,7%; IC95%:7,4-10,1) e Piauí (10,5%; IC95%:8,7-12,3) (Figura 4).

 

 

Discussão

O estudo detalhado da frequência de consumo de alimentos considerados fatores de risco para DCNT na população brasileira fornece informações importantes para o planejamento e avaliação das ações de prevenção dessas doenças no país. Para todos os indicadores estudados, no que se refere ao conjunto da população, a prevalência identificada ficou acima dos 20%, indicando elevada presença de comportamentos de risco na população. O pior quadro encontrado diz respeito à grande prevalência de consumo dos alimentos-fonte de gordura saturada: 6 a cada 10 brasileiros referiram consumir leite integral; e 4 a cada 10 referiram consumir carne ou frango com excesso de gordura. O consumo dos alimentos-fonte de açúcar mostrou-se menos frequente, com 2 a cada 10 brasileiros referindo consumir refrigerantes (ou suco artificial) ou doces regularmente. De um modo geral, os fatores de risco foram mais prevalentes no sexo masculino e nas faixas inferiores de idade e de instrução.

Algumas limitações devem ser observadas na apreciação dos resultados do presente estudo. Uma questão central reside na validade e reprodutibilidade dos indicadores apresentados. Ainda que nenhum estudo tenha sido feito sobre dados coletados na PNS 2013, três dos quatros indicadores aqui apresentados tiveram sua validade analisada (as questões sobre esses indicadores são compartilhadas entre o Vigitel e a PNS).12-14 Os indicadores de consumo de carne ou frango com excesso de gordura, de leite integral e de refrigerantes apresentaram validade satisfatória em todos os estudos publicados, até o presente momento.12-14 Mesmo assim, por se tratar de informação autorreferida (pelos entrevistados), seria natural acreditar que, em caso de viés - por se tratar de comportamento reconhecido como negativo pelas autoridades sanitárias e Opinião Pública -, as frequências reais seriam todavia mais elevadas que as apresentadas por este estudo. Ainda que o indicador do consumo de doces não tenha sido avaliado até o momento da conclusão deste relato, é natural supor que sua validade seja semelhante à observada para os demais, haja vista esses indicadores terem sido criados de forma semelhante.

O instrumento de coleta de dados empregado na PNS não permite que a quantidade total de gordura saturada e de açúcar livre consumida seja diretamente avaliada, dado que informações sobre a quantidade consumida dos alimentos-alvo do presente estudo e de outras fontes desses nutrientes não são aferidas. Não obstante, a grande participação dos alimentos avaliados no consumo total de gordura saturada e de açúcares livres na população brasileira permite concluir que sua investigação forneça uma boa aproximação (proxy) do consumo desses nutrientes.15 Estudo realizado a partir de dados de consumo alimentar coletados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares POF/IBGE de 2008-2009 destaca a grande participação das carnes (junto aos óleos e gorduras) no consumo de gordura saturada e dos refrigerantes e doces no consumo de açúcar da população brasileira, reforçando a consistência dos dados aqui apresentados.15

Poucos estudos avaliaram o consumo de alimentos e bebidas-fonte de gordura saturada e açúcares de modo a ser possível a comparação direta de seus resultados com os do presente estudo.15-17 De maneira geral, análises de adequação do consumo de nutrientes pela população brasileira usando dados das POF/IBGE de 2002-2003 e 2008-2009 indicam que a população brasileira apresenta consumo de gordura saturada dentro do limite máximo preconizado pela OMS (de 10% das calorias totais).1,4 Apesar disso, a grande frequência de indivíduos que relataram consumo de carne ou frango com excesso de gordura e de leite integral indica que o consumo desse nutriente poderia atingir níveis ainda mais baixos, caso medidas simples fossem tomadas no ambiente doméstico: por exemplo, remover a gordura aparente da carne e a pele do frango antes de seu consumo, e substituir o leite integral por leite desnatado.

Sabe-se que o consumo de açúcar livre pela população brasileira excede - em mais de 50% - o limite máximo recomendado pela OMS, de 10% das calorias totais.1,18 De fato, a frequência de consumo de refrigerantes e sucos artificiais identificada no presente estudo é semelhante àquela observada nos Estados Unidos da América (EUA) em 2011, 26,3%.19 Tal situação é alarmante, dada a relação claramente definida entre o consumo de bebidas adoçadas e o ganho excessivo de peso.20

Evidências apontam para a coexistência de gordura saturada e açúcares livres no padrão de consumo da população brasileira,21 sugerindo que intervenções educativo-preventivas simultâneas possam compor uma estratégia interessante para a redução no consumo excessivo desses nutrientes.

O Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) no Brasil 2011-2022, do Ministério da Saúde, prioriza a redução da exposição da população aos fatores de risco e o incentivo aos fatores protetores, visando ampliar medidas de proteção da saúde, seja na criação de espaços para a prática de atividade física, seja com medidas de proibição à propaganda do cigarro e criação de ambientes livres de fumo, entre outras, além do apoio a estilos de vidas saudáveis, pela melhoria da qualidade de vida e bem-estar da população.22,23 Ainda que a redução no consumo de gorduras e açúcares livres não esteja explicitada entre as metas previstas, em diversas vezes está subentendida entre as ações sugeridas pelo Plano, como a regulação da composição nutricional de alimentos processados para redução de seu teor de açúcar.22

Outrossim, entre as inúmeras ações em curso para o enfrentamento das práticas alimentares inadequadas na população brasileira, destaca-se a publicação, em 2014, de uma nova edição do 'Guia Alimentar para a População Brasileira: promovendo a alimentação saudável'.7 Entre suas orientações, o Guia prioriza o consumo de alimentos in natura ou minimamente processados, especialmente aqueles de origem vegetal, em detrimento ao consumo de alimentos ultraprocessados como o refrigerante e os doces.

Este estudo identificou elevada prevalência de consumo de alimentos não saudáveis tidos como fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis -DCNT - na população brasileira. De forma geral, esse consumo foi mais frequente entre indivíduos do sexo masculino, nos menores níveis de idade e instrução. Ações de prevenção de DCNT e promoção da saúde devem considerar a distribuição desses fatores na população, para que se confirmem mais efetivas.

 

Contribuição dos autores

Claro RM, Santos MAS e Malta DC participaram da concepção e delineamento do estudo, análise dos dados, revisão crítica e discussão dos resultados, e redação da versão inicial do manuscrito.

Oliveira TP, Pereira CA e Szwarcwald CL participaram da concepção e delineamento do estudo, análise dos dados e redação do manuscrito.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos seus aspectos, garantindo sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Rafael Moreira Claro
Universidade Federal de Minas Gerais,
Escola de Enfermagem,
Departamento de Nutrição,
Av. Prof. Alfredo Balena, no 190,
Santa Efigênia, Belo Horizonte-MG,
Brasil. CEP: 30130-100.
E-mail: rafael.claro@gmail.com

Recebido em 09/02/2015
Aprovado em 17/03/2015