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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2237-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.24 n.2 Brasília jun. 2015

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742015000200014

ARTIGO ORIGINAL

 

Uso de medicamentos para tratamento de doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013

 

Use of medication for treatment of noncommunicable chronic diseases in Brazil: results from the National Health Survey, 2013

 

Uso de medicamentos para tratamiento de enfermedades crónicas no trasmisibles en Brasil: Resultados de la Encuesta Nacional de Salud, 2013

 

Noemia Urruth Leão TavaresI; Karen Sarmento CostaII; Sotero Serrate MengueIII; Maria Lúcia França Pontes VieiraIV; Deborah Carvalho MaltaV,VI; Jarbas Barbosa da Silva JúniorII

IUniversidade de Brasília, Faculdade de Ciências da Saúde, Brasília-DF, Brasil
IIMinistério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Brasília-DF, Brasil
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Departamento de Medicina Social, Porto Alegre-RS, Brasil
IVFundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Diretoria de Pesquisas, Brasília-DF, Brasil
VMinistério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Brasília-DF, Brasil
VIUniversidade Federal de Minas Gerais, Escola de Enfermagem, Belo Horizonte-MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever a prevalência do uso de medicamentos para o tratamento de doenças crônicas não transmissíveis pela população brasileira segundo fatores demográficos.
MÉTODOS: estudo descritivo com dados da Pesquisa Nacional de Saúde 2013.

RESULTADOS: do total de hipertensos, 81,4% (IC95% 80,1-82,7) estavam em uso de medicamentos, com maior utilização na região Sul (83,6%; IC95% 80,8-86,4), por mulheres (84,6%; IC95% 83,2-86,5) e indivíduos de mais 75 anos de idade (92,2%; IC95% 89,7-94,6); dos que referiram diabetes e depressão, 80,2% (IC95% 78,0-82,5) e 52,0% (IC95% 49,1-54,9) usavam medicamentos, respectivamente, com maior uso na região Sudeste para ambas doenças (84,6% e 55,0%); do total de pacientes que referiram asma, 81,5% (IC95% 77,4-85,6) usavam medicamentos, sem diferenças entre as macrorregiões do país.
CONCLUSÕES: os resultados mostram elevada utilização de medicamentos para tratar as doenças crônicas investigadas, o que pode indicar um aumento do acesso ao tratamento para essas doenças, não obstante algumas diferenças regionais.

Palavras-chave: Doença Crônica; Uso de Medicamentos; Inquéritos Epidemiológicos; Epidemiologia Descritiva.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe the prevalence of medication use by the Brazilian population to treat chronic noncommunicable diseases, according to demographic factors.
METHODS: this was a descriptive study using 2013 National Health Survey data.
RESULTS: 81.4% (95%CI 80.1-82.7) of those with hypertension were taking medication, with higher use in the South (83.6%; 95%CI 80.8-86.4), women (84.6%; 95%CI 83.2-86.5) and in individuals aged over 75 (92.2%; 95%CI 89.7-94.6); 80.2% (95%CI 78.0-82.5) of those reporting diabetes and 52.0% (95%CI 49.1-54.9) reporting depression used medication, with higher use in the Southeast (84.6% and55.0%) for both diseases; 81.5% (95%CI 77.4-85.6) of patients reporting asthma used medication, there being no differences between the country's regions.
CONCLUSIONS: the results indicate high use of medication to treat the chronic diseases investigated, which may indicate increased access to their treatment, notwithstanding some regional differences.

Keywords: Chronic Disease; Drug Utilization; Health Surveys; Epidemiology, Descriptive.


RESUMEN

OBJETIVO: describir la prevalencia de uso de medicamentos para el tratamiento de enfermedades crónicas no transmisibles en la población brasileña según factores demográficos.
MÉTODOS: estudio descriptivo con datos de la Encuesta Nacional de Salud 2013.

RESULTADOS: del total de hipertensos, 81,4% (IC95% 80,1-82,7) estaban usando medicamentos, con un mayor uso en la región Sur (83,6%; IC95% 80,8-86,4), en mujeres (84,6%; IC95% 83,2-86,5); e individuos de más de 75 años de edad (92,2%; IC95% 89,7-94,6); de los que referían diabetes y depresión 80,2% (IC95% 78,0-82,5) y 52,0% (IC95% 49,1-54,9) usaban medicamentos, respectivamente, siendo el uso mayor en la región Sudeste (84,6% y 55,0%) para ambas enfermedades; del total de pacientes que referían asma, 81,5% (IC95%77,4-85,6) usaba medicamentos, sin diferencias entre las macro regiones del país.
CONCLUSIONES: los resultados muestran un alto uso de medicamentos para tratar las enfermedades crónicas investigadas, lo que puede indicar un mayor acceso al tratamiento de estas enfermedades, con algunas diferencias regionales en el país.

Palabras-clave: Enfermedad Crónica; Utilización de Medicamentos; Encuestas Epidemiológicas; Epidemiología Descriptiva.


 

 

Introdução

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) - doenças cardiovasculares, doenças respiratórias crônicas, diabetes, câncer e outras - constituem um dos mais desafiadores problemas da Saúde Pública global. Em 2012, as DCNT foram as principais causas de morte no mundo, correspondendo a 68% dos óbitos. Aproximadamente 75% das mortes por DCNT ocorrem em países de baixa e média renda, e 40% são consideradas mortes prematuras (antes dos 70 anos de idade).1-3 No Brasil, em 2007, aproximadamente 72% das mortes foram atribuídas às DCNT.4

O controle e a prevenção das DCNT vêm sendo alvo de programas e ações em diversos países, desde a década de 1990, com o desafio de redução de 25% da mortalidade por essas doenças até o ano de 2025.5 No Brasil, o controle das DCNT também se tornou uma prioridade das políticas públicas de saúde: o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) 2011-2022 define estratégias e prioridades de ação, e investimentos para detecção e controle das DCNT e seus fatores de risco no país.6,7

A ampliação do acesso aos medicamentos, como parte do cuidado integral aos portadores de doenças crônicas, inclui-se entre as estratégias implementadas, tendo em vista que o tratamento medicamentoso possibilita o controle das doenças, redução da morbimortalidade e melhoria da qualidade de vida dos usuários portadores de diversas condições de saúde.7,8

Os inquéritos de base populacional são ferramentas fundamentais para a eleição de grupos e demandas prioritárias de atenção, e elaboração de instrumentos para a formulação e avaliação de políticas públicas. Nesse sentido, o Ministério da Saúde, em parceria com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizou a Pesquisa Nacional de Saúde 2013 (PNS 2013). Entre os novos módulos temáticos da pesquisa, destaca-se o módulo de DCNT, que possibilitou dimensionar, entre outros, o acesso e utilização de medicamentos de uso contínuo pelos portadores dessas doenças no país.9

O objetivo do presente estudo foi descrever a prevalência do uso de medicamentos para o tratamento de doenças crônicas não transmissíveis - DCNT - pela população brasileira, segundo fatores demográficos.

 

Métodos

Trata-se de um estudo descritivo, com dados oriundos da Pesquisa Nacional de Saúde 2013 - PNS 2013 -, realizada pelo IBGE em parceria com o Ministério da Saúde. A população pesquisada compreendeu moradores de domicílios particulares do Brasil, exceto os localizados nos setores censitários especiais (quartéis, bases militares, alojamentos, acampamentos, embarcações, penitenciárias, colônias penais, presídios, cadeias, asilos, orfanatos, conventos e hospitais). A amostra da PNS 2013 compõe o Sistema Integrado de Pesquisas do IBGE, cuja abrangência corresponde aos setores censitários da Base Operacional Geográfica do Censo Demográfico 2010, exceto aqueles com número muito pequeno de domicílios e os setores censitários especiais supracitados.9

O plano amostral empregado foi o de amostragem por conglomerados em três estágios, com estratificação das unidades primárias de amostragem. Os setores censitários ou conjunto de setores formam as unidades primárias de amostragem (UPA), os domicílios representam as unidades de segundo estágio, e os moradores adultos (18 anos ou mais de idade) definem as unidades de terceiro estágio. O tamanho da amostra foi definido considerando-se o nível de precisão desejado para as estimativas de alguns indicadores de interesse. A descrição completa do plano de amostragem do inquérito está disponível em publicação do IBGE.9,10

A organização e a coordenação do trabalho de campo foram realizadas sob a supervisão do IBGE. Todos os responsáveis pela coleta de dados, supervisores e coordenadores da PNS 2013 foram capacitados para esse trabalho. O questionário foi aplicado por entrevistadores do IBGE, munidos de computadores de mão - personal digital assistance (PDA) - para registro dos dados coletados. Inicialmente, os agentes de coleta apresentavam o objetivo do estudo; a seguir, identificava-se o informante do questionário domiciliar - um único adulto (morador do domicílio, escolhido mediante o programa de seleção aleatória do PDA -, para entrevista individual.

As análises do presente artigo foram realizadas com a amostra de pessoas ≥18 anos que referiram ter diagnóstico médico de alguma das DCNT investigadas: hipertensão arterial (n=12.500); diabetes (n=3.638); asma (n=2.620); e depressão (n=4.235).

O uso de medicamentos foi investigado para todos os indivíduos que referiram serem portadores de alguma das DCNT investigadas, sendo considerado em uso de medicamento para hipertensão, diabetes e asma todo entrevistado que respondesse 'sim' à seguinte pergunta: Nas duas últimas semanas, o(a) sr(a) tomou medicamentos por causa da doença? (resposta possível: sim ou não)

Para os indivíduos que referiram asma, considerou-se tanto o uso de inaladores como de aerossol ou comprimidos; e para pessoas com diabetes, o uso de medicamentos orais ou insulina. No caso de depressão, o indivíduo foi considerado em tratamento medicamentoso quando referiu que 'toma medicamento' em resposta à seguinte pergunta: Quais tratamentos faz atualmente para depressão? Toma medicamento? (resposta possível: sim ou não)

Foram estimadas as prevalências do uso de medicamentos para tratamento medicamentoso das doenças crônicas investigadas segundo variáveis demográficas (sexo e grupos de idade [em anos]: 18 a 29; 30 a 59; 60 a 64; 65 a 74; e 75 ou mais) e distribuição por Unidades da Federação (UF), grandes regiões e Brasil.

Para o cálculo das prevalências (%) e respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), as análises levaram em conta o plano amostral complexo e a ponderação da amostra, com auxílio do software SAS versão 9.0. A diferença foi considerada estatisticamente significativa quando os IC95% não apresentaram sobreposição na comparação das categorias das variáveis de interesse.

A Pesquisa Nacional de Saúde 2013 foi aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), mediante Parecer n° 328.159, de 26 de junho de 2013. Os entrevistados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para participação na pesquisa, cujos preceitos éticos foram assegurados com o cumprimento da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012.

 

Resultados

A prevalência de diagnóstico referido de hipertensão arterial no Brasil foi de 21,4% (IC95% 20,8-22,0); destes, 81,4% (IC95% 80,1-82,7) estavam em uso de medicamentos para seu tratamento nas duas semanas anteriores à entrevista, sendo esse uso maior na região Sul (83,6%; IC95% 80,8-86,4) e menor na região Norte (71,4%; IC95% 67,6-75,1). Estima-se que 6,2% (IC95% 5,9-6,6) referiram diagnóstico médico para diabetes e 80,2% (IC95% 78,0-82,5) estavam em uso de medicamento oral ou insulina para seu tratamento, sendo o uso de tais medicamentos maior na região Sudeste (84,6%; IC95% 81,2-88,1) e menor na região Norte (74,1%; IC95% 67,0-81,1). Em relação à depressão, a prevalência referida de diagnóstico de depressão - realizado por profissional de saúde mental - foi de 7,6% (IC95% 7,2-8,1); aproximadamente, metade dos indivíduos com diagnóstico de depressão referiu usar medicamentos para seu tratamento (52,0%; IC95% 49,1-54,9), sendo esta utilização menor no Norte do país (41,5%; IC95% 35,1-48,0) e maior no Sudeste (55,0%; IC95% 50,1-60,0). Do total de pacientes que referiram diagnóstico de asma (4,4% (IC95% 4,1-4,7), 81,5% (IC95% 77,4-85,6) usaram medicamentos para seu tratamento, sem diferenças significativas entre as grandes regiões nacionais (Figura 1).

 

 

Na avaliação dos dados globais do país, foram encontradas diferenças significativas entre sexos somente para a hipertensão arterial, sendo maior o uso de medicamentos anti-hipertensivos pelas mulheres (84,6%; IC95% 83,2-86,5) do que pelos homens (76,7%; IC95% 74,5-78,8). Também no que toca às grandes regiões do país, as mulheres apresentaram maior uso de medicamentos para tratamento da hipertensão, comparativamente aos homens, sendo o percentual de utilização mais elevado nas mulheres da região Sul (87,0%; IC95% 83,7-90,2). Quanto ao diabetes e à asma, não foram encontradas diferenças significativas segundo o sexo, a partir das estimativas pontuais encontradas nas grandes regiões. Entre os entrevistados com diagnóstico de depressão, foram observadas diferenças significativas no uso de medicamentos na região Sul, onde as mulheres apresentaram maior prevalência (55,7%; IC95% 50,2-61,3) do que os homens (40,0%; IC95% 30,7-49,3) (Tabela 1).

 

 

Ao analisar as UF, foram constatadas diferenças significativas no uso de medicamentos para tratamento da hipertensão no estado do Rio Grande do Norte, com maiores prevalências de uso pelas mulheres (91,4%; IC95% 88,0-94,9) em comparação aos homens (73,9%; IC95% 64,5-83,2). Nas demais UF, o número de casos insuficiente não permitiu uma avaliação adequada (Tabela 1).

A avaliação do uso de medicamentos para hipertensão, segundo grupos de idade, permitiu verificar uma maior prevalência de uso por indivíduos de 75 anos ou mais (92,2%; IC95% 89,7-94,6), principalmente quando comparados com os jovens de 18 a 29 anos (35,2%; IC95% 27,4-42,9). Nas grandes regiões, essa ocorrência se manteve, sendo marcadamente maior na região Norte, com maiores proporções de tratamento no grupo dos indivíduos considerados muito idosos (75 anos ou mais) (85,9%; IC95% 77,5-94,2) e menores proporções entre os jovens de 18 a 29 anos (14,2%; IC95% 6,3-22,2) (Tabela 2).

 

 

Avaliando os dados nacionais, no grupo etário mais jovem, aproximadamente 60,0% (59,5%;IC95% 42,2-76,8) estavam em tratamento medicamentoso para diabetes, e os maiores percentuais de uso foram encontrados no grupo de 65 a 74 anos (81,3%;IC95%74,6-87,9) (Tabela 3).

 

 

A avaliação do uso de medicamentos para tratamento da asma por grupos de idade não revelou diferenças significativas a partir das estimativas pontuais encontradas nos dados do Brasil e de suas grandes regiões. Verificou-se alta prevalência de uso de medicamentos em todos os grupos etários, com maior proporção nos indivíduos com 75 anos ou mais (82,6%; IC95% 68,9-96,3), e na quase totalidade dos idosos de 60 a 64 anos da região Sudeste (97,0%; IC95% 92,4-101,7) (dados não apresentados em tabelas).

Não foram encontradas diferenças significativas no uso de medicamentos para tratamento da depressão por grupos de idade, com aproximadamente metade dos entrevistados em tratamento medicamentoso. No que se refere às grandes regiões brasileiras, tampouco foram observadas diferenças significativas entre os grupos de idade. Contudo, cabe destacar a região Sudeste, onde 51,0% (IC95% 37,1 - 64,9) dos jovens de 18 a 29 anos com diagnóstico de depressão estavam em uso de medicamentos nos quinze dias anteriores à entrevista (Tabela 4).

 

 

Discussão

A prevalência do uso de medicamentos para as doenças crônicas investigadas no Brasil foi elevada -em torno de 80% para hipertensão arterial, diabetes e asma -, enquanto somente metade dos diagnosticados com depressão estavam em uso de medicamentos. Observou-se maior prevalência de uso de medicamentos para tratar a hipertensão pelas mulheres e entre hipertensos pertencentes a grupos etários de maior idade. Para as demais doenças, as diferenças descritas não se mantiveram para o conjunto da população brasileira, e houve diferenças nas prevalências do uso de medicamentos entre as grandes regiões do país.

As diferenças encontradas no uso de medicamentos para tratar as DCNT investigadas indicam desigualdade no processo de cuidado dos pacientes, entre as grandes regiões. A região Norte apresentou menores prevalências de diagnóstico e de tratamento medicamentoso relativas às doenças crônicas não transmissíveis investigadas. O Sudeste e o Sul, por sua vez, foram as regiões que referiram maior prevalência de uso desses medicamentos. Tal desigualdade regional envolve o acesso a serviços de saúde e diagnóstico médico, uma vez que essas doenças dependem de diagnóstico prévio para indicação e controle no uso desses medicamentos.11 Estudos anteriores confirmam essa hipótese. Análises dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em suas edições de 1998 e 2003, apontaram que o local de residência afeta o acesso aos serviços de saúde. De modo geral, os entrevistados residentes nas regiões Sudeste e Sul apresentaram maiores proporções de acesso do que os residentes nas demais regiões, especialmente na região Norte.12

No âmbito nacional, o presente estudo encontrou maior prevalência de uso de medicamentos para hipertensão arterial entre mulheres, na comparação com homens, sem diferenças entre as grandes regiões. Ferreira e colaboradores (2014),13 ao analisarem os dados da PNAD de 2008, também identificaram maior uso de medicamentos para tratamento da hipertensão em mulheres. Sobre pacientes da região Sul que referiram diagnóstico de depressão, também foi constatado maior uso de medicamentos entre mulheres.

Considerando-se o uso global de medicamentos, diversos trabalhos nacionais14-19 e internacionais20,21 evidenciaram maior uso de medicamentos por mulheres, achado atribuído a fatores relacionados à maior utilização dos serviços e maiores cuidados com a saúde.22 No presente estudo, entre as doenças crônicas investigadas, o maior uso de medicamentos pelas mulheres foi constatado somente nos casos acima mencionados - hipertensão arterial e depressão -, revelando poucas diferenças no uso de medicamentos entre homens e mulheres para tratar essas doenças no país.

A maior prevalência de uso de medicamentos para tratamento da hipertensão arterial entre indivíduos com maior idade é consistente com outros achados internacionais23,24 e nacionais.13,25 Para diabetes, também foi observada maior prevalência de uso de medicamentos nos idosos, embora sem diferenças marcantes entre os grupos etários. Essas diferenças nas prevalências de uso de medicamentos em relação à idade, com menor uso entre a população mais jovem, principalmente para hipertensão e diabetes, pode ser atribuída a uma menor indicação de tratamento medicamentoso e à indicação de terapias não medicamentosas, como alimentação saudável, prática de atividade física, redução do consumo de álcool e não consumo do tabaco.7,26,27 A própria literatura aponta que o tratamento medicamentoso deva ser priorizado em pessoas com alto risco global cardiovascular.7

Em relação à asma, foi observada alta prevalência de uso de medicamentos em todas as faixas etárias, sem diferenças regionais. Considerando-se tratar de uma doença crônica manifesta com agudização de sintomas, os resultados encontrados podem se justificar pela principal meta estabelecida para o tratamento da asma: obtenção e manutenção do controle das manifestações clínicas e funcionais por períodos prolongados, normalmente obtidas com os tratamentos medicamentosos disponíveis.28

Uma menor prevalência de uso de medicamentos para depressão foi observada em relação às demais doenças crônicas investigadas. Apesar de o uso de medicamentos antidepressivos ser uma medida importante do tratamento, cabe ressaltar que o próprio estigma social da doença, a possibilidade reduzida de uma resposta clinicamente significativa imediata e uma baixa adesão constituem fatores relevantes de não reposta ao tratamento prescrito.29 Além desses fatores, a disponibilização dos medicamentos para tratamento dessa doença requer acesso à consulta médica: são medicamentos acessíveis mediante prescrição médica, seja pelo sistema público de saúde, seja pela setor privado, condição capaz de justificar, ainda que parcialmente, as diferenças nas estimativas apresentadas.

Tomando-se como necessário tratar com medicamentos todas as pessoas diagnosticadas com doença crônica não transmissível, uma possível limitação ao presente estudo encontra-se na falta da informação relativa à indicação médica para tratamento farmacológico das DCNT investigadas e, consequentemente, na subestimação da proporção de uso desses medicamentos. A ausência da identificação dos medicamentos utilizados também impede uma avaliação mais aprofundada sobre as características dos tratamentos das diversas doenças referidas.

Apesar das limitações expostas, os resultados encontrados demonstram a alta prevalência de utilização de medicamentos pela população brasileira para tratar as DCNT investigadas - principalmente hipertensão arterial, diabetes e asma-, o que pode indicar melhoria no acesso ao tratamento medicamentoso para essas doenças. Entretanto, algumas diferenças entre as grandes regiões do país podem refletir desigualdades no processo de cuidado aos pacientes portadores desses agravos, incluído o tratamento medicamentoso.

 

Contribuições dos autores

Tavares NUL, Costa KS, Mengue SS e Malta DC contribuíram na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos resultados e revisão crítica do conteúdo intelectual do manuscrito.

Silva-Júnior JB e Vieira MLFP contribuíram na análise e interpretação dos resultados. Todos os autores participaram da redação, aprovaram a versão final do manuscrito e declaram serem responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Noemia Urruth Leão Tavares
- Universidade de Brasília,
Faculdade de Ciências da Saúde,
Campus Universitário Darcy Ribeiro, s/n,
Brasília-DF, Brasil. CEP: 70910-900.
E-mail: nul.tavares@gmail.com.

Recebido em 25/03/2015
Aprovado em 20/04/2015