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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.25 n.1 Brasília jan./mar. 2016

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000100010

ARTIGO ORIGINAL

 

Mortalidade por acidentes de trânsito e homicídios em Curitiba, Paraná, 1996-2011

 

Traffic accident and homicide mortality in Curitiba, Parana, Brazil, 1996-2011

 

Mortalidad por accidentes de tránsito y homicidios en Curitiba, Paraná, Brasil, de 1996 a 2011

 

 

Mayckel da Silva Barreto1; Elen Ferraz Teston1; Maria do Rosário Dias de Oliveira Latorre2; Thais Aidar de Freitas Mathias1; Sonia Silva Marcon1

1Universidade Estadual de Maringá, Departamento de Enfermagem, Maringá-PR, Brasil
2Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, São Paulo-SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: descrever a tendência da mortalidade por homicídios e acidentes de trânsito de residentes em Curitiba, Paraná, Brasil, no período 1996-2011.
MÉTODOS: estudo ecológico de séries temporais com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade; a análise de tendência foi realizada por modelos de regressão polinomial, segundo sexo.
RESULTADOS: o coeficiente de mortalidade por acidentes de trânsito no sexo masculino declinou de 61,7 em 1996 para 28,4 em 2011 (-46%), e no feminino, de 16,5 para 7,3 óbitos por 100 mil habitantes (-44,2%); o coeficiente de mortalidade por homicídios entre os homens elevou-se de 32,5 para 69,3 (+113,2%) e, entre as mulheres, de 4,4 para 5,3 óbitos por 100 mil habitantes (+20,4%).
CONCLUSÃO: a mortalidade por homicídios aumentou; estratégias de prevenção das violências devem ser direcionadas às especificidades das causas externas e à maior exposição dos homens a esses agravos.

Palavras-chave: Causas Externas; Violência; Acidentes de Trânsito; Homicídio; Estudos de Séries Temporais.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to describe trends in mortality due to homicides and traffic accidents among people living in Curitiba, Parana, Brazil, from 1996to 2011.
METHODS: this is an ecological time-series study using National Mortality Information System data; trend analysis was performed by polynomial regression models according to sex.
RESULTS:
the mortality coefficient due to traffic accidents among males declined from 61.7 in 1996 to 28.4 in 2011 (-46%), whilst among females it decreased from 16.5 to 7.3 deaths per 100,000 inhabitants (-44.2%); in turn, the mortality coefficient for homicides among males rose from 32.5 to 693 (+113.2%), whilst among females it rose from 4.4 to 53 deaths per 100,000 inhabitants (+20.4%).
CONCLUSION: mortality due to homicides increased;prevention strategies to tackle violence should be aimed at the specificities of external causes and greater male exposure to these injuries.

Key words: External Causes; Violence; Accidents, Traffic; Homicide; Time Series Studies.


RESUMEN

OBJETIVO: describir las tendencias de mortalidad por homicidios y accidentes de tránsito en los residentes de Curitiba, Paraná, Brasil, entre 1996 y 2011.
MÉTODOS: estudio ecológico de series temporales con datos del Sistema de Información de Mortalidad; el análisis de tendencias se realizó mediante modelos de regresión polinómicas.
RESULTADOS: la tasa de mortalidad por accidentes de tránsito en hombres aumentó de 61,7 en 1996 para 28,4 en 2011 (un 46%), en las mujeres disminuyó de 16,5 para 7,3 muertes por 100.000 habitantes (caída 44,2%); la tasa de mortalidad por homicidio en hombres aumentó de 32,5 para 69,3 (caída 113,2%) y en las mujeres de 4,4 para 5,3 muertes por cada 100.000 habitantes (aumento del 20,4%).
CONCLUSIÓN: la mortalidad por homicidios aumentó, estrategias de prevención de violencia deben ser direccionadas a las especificidades de las causas externas y a la mayor exposición de los hombres a estos agravios.

Palabras-clave: Causas Externas; Violencia; Accidentes de Tránsito; Homicidio; Estudios de Series Temporales.


 

 

Introdução

As causas externas, compostas por diferentes agravos, principalmente pelos acidentes de trânsito e homicídios, constituem um importante problema de Saúde Pública devido a sua magnitude nos coeficientes de hospitalizações e mortalidade, possível geração de aposentadorias precoces e pensões, além de seu impacto negativo na qualidade de vida dos envolvidos.1

Diante desse contexto, considera-se que informações de qualidade referentes aos óbitos por homicídios e acidentes de trânsito não são apenas uma questão técnica. Trata-se de uma ferramenta importante para a adequada tomada de decisão, referente às estratégias de intervenção.1 A análise detalhada da mortalidade por essas causas pode auxiliar no aprimoramento de políticas públicas de saúde.2

Os estudos sobre os óbitos por causas externas, em geral, limitam-se à população masculina.2 Expandir o conhecimento dos gestores públicos e dos profissionais de saúde acerca da tendência de mortalidade por homicídios e acidentes de trânsito em ambos os sexos é importante, enquanto um dos elementos utilizados para se conhecer a magnitude do impacto de algumas intervenções das políticas públicas adotadas para reduzir a ocorrência de violência - por exemplo, a chamada "Lei Seca" 3 e a Lei Maria da Penha.4

Resguardadas as diferenças geopolíticas, econômicas, sociais e educacionais, evidenciou-se, na primeira década dos anos 2000, um aumento na tendência de mortalidade por homicídios e acidentes de trânsito em diferentes partes do mundo, do Quênia,5 Venezuela, Panamá, El Salvador e Porto Rico6 aos Estados Unidos da América.7 No Brasil, o cenário não tem sido diferente e os coeficientes de mortalidade por essas causas aumentaram sobremaneira, no mesmo período, principalmente na região Nordeste do país.8

Com relação ao homicídio, estudo cujo objetivo foi descrever a magnitude e tendências temporais desse evento no período de 2001 a 2010, considerando-se suas vítimas de 10 a 24 anos de idade e do sexo masculino, segundo municípios dos estados do Paraná e Santa Catarina, destacou que os homicídios apresentaram maior magnitude nos municípios paranaenses.2 Por sua vez, estudo realizado em cinco capitais brasileiras, entre elas Curitiba, apresentou o Projeto Vida no Trânsito como uma estratégia de articulações intersetoriais capaz de levar à redução das mortes no trânsito.9 Além de capital do estado, Curitiba, na qualidade de município mais populoso do Paraná, destaca-se pela importância e necessidade de se descrever a tendência das mortes por causas externas em sua população.

É inegável a relevância de estudos sobre mortalidade por homicídios e acidentes de trânsito, responsáveis pela maior proporção de óbitos entre as causas externas no país.1 É preciso estudar e discutir mais, no âmbito da Saúde Pública, a visibilidade dos homicídios e dos acidentes oferecida pelos indicadores de morbimortalidade.10 Conhecer a magnitude desses eventos é pré-requisito para a formulação de programas voltados à promoção da saúde e prevenção de agravos decorrentes de acidentes e violências.3

O objetivo deste estudo foi descrever a tendência da mortalidade por homicídios e acidentes de trânsito em residentes no município de Curitiba, estado do Paraná, Brasil, no período de 1996 a 2011.

 

Métodos

Estudo ecológico, de séries temporais, que descreveu a mortalidade por homicídios e acidentes de trânsito de residentes em Curitiba no período de 1996 a 2011. Em 2010, Curitiba, capital do estado do Paraná, apresentava população superior a 1.800.000 habitantes e índice de desenvolvimento humano (LDH) de 0,823, o maior valor para o estado e o décimo do país.11

As causas externas estão classificadas no Capítulo XX da 10a Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CLD-10): Acidentes de trânsito (V01-V99) e Agressões (X85-Y09). Os coeficientes de mortalidade foram calculados pela razão entre o número de óbitos por determinada causa (acidentes de trânsito ou homicídios) e a população de cada ano da série, multiplicada por 100 mil. Para tanto, utilizaram-se as informações contidas na declaração de óbito (DO), no formulário de coleta de dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), e as informações referentes à população residente estimadas pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) disponíveis no Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus)/Ministério da Saúde.

A análise de tendência foi realizada pelo modelo de regressão polinomial, no qual o coeficiente de mortalidade segundo causa básica de óbito e sexo foi considerado variável dependente (y), e os anos do período selecionado, variável independente (x). Foi utilizada a variável 'tempo' centralizada, ou seja: ao invés de se trabalhar com X, utilizou-se o termo X-2003, onde 2003 é o ponto médio da série histórica. Foram construídos diagramas de dispersão dos coeficientes de mortalidade e os anos em estudo, para identificar a função que expressasse a relação entre eles e assim, escolher a ordem do polinómio para a análise, estimando, a partir dessa relação funcional, o modelo de regressão polinomial. Como medida de precisão do modelo, empregou-se o coeficiente de determinação (r2). Salienta-se que os dados apresentaram distribuição normal, verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, e a descrição das análises realizadas confirmou a suposição de homocedastici-dade do modelo.12 Inicialmente, testou-se o modelo de regressão linear simples (Y = β0+β1X); e posteriormente, os modelos de ordem maior, de segundo (Y = β0+β1X+β2X2) ou de terceiro grau (Y = β0+β1X+β2X2+β3X3). Considerou-se como melhor modelo aquele que apresentou maior significância estatística (menor valor de p) e resíduos sem vícios. Quando dois modelos revelaram-se semelhantes do ponto de vista estatístico, para a mesma variável, optou-se pelo modelo mais simples, atendendo ao princípio de parcimônia. Considerou-se tendência significativa aquela cujo modelo estimado obteve valor de p<0,05. O agrupamento dos dados foi realizado pelo software Microsoft Excel 2010, sendo o tratamento e a análise realizados pelo software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0.

O projeto foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (COPEP/UEM): Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 33177414.0.0000.0104.

 

Resultados

No período de 1996 a 2011, foram registrados 15.024 óbitos de residentes em Curitiba por homicídios e acidentes de trânsito, 85,7% deles ocorridos em homens. O coeficiente de mortalidade por acidentes de trânsito no sexo masculino, de 61,7 em 1996, diminuiu para 28,4 óbitos por 100 mil habitantes em 2011, representando queda de 46%. Para as mulheres, o coeficiente passou de 16,6 em 1996 para 7,4 em 2011, uma queda de 44,2%. Apesar da redução no coeficiente de mortalidade por acidentes de trânsito em ambos os sexos no período, observou-se que para cada óbito feminino ocorreram, em média, 3,9 masculinos (Tabela 1).

 

 

O declínio na mortalidade por acidentes de trânsito pode ser observado nas Figuras 1A e 1B. O coeficiente médio de mortalidade por acidentes de trânsito entre as mulheres foi de 10,3 óbitos por 100 mil habitantes, com queda de 0,43 ao ano (Tabela 2). A regressão polinomial de terceiro grau evidenciou que para o sexo masculino, a queda desacelerou a partir de 2000, com nova aceleração a partir de 2008 (Figura 1B). Entre os homens, o coeficiente médio de mortalidade foi de 38,4 com decréscimo de 0,05 ao ano. O declínio na mortalidade por acidentes de trânsito, embora mais rápido para as mulheres, foi significativo para ambos os sexos: no sexo masculino, p<0,001 e r2=0,98; e no feminino, p<0,001 e r2=0,77 (Tabela 2).

 

 

 

 

Ao contrário dos acidentes de trânsito, os coeficientes de mortalidade por homicídios aumentaram no período: entre os homens, passou de 32,6 para 69,3 óbitos por 100 mil habitantes, uma elevação relativa de 113,2%; para as mulheres, o coeficiente passou de 4,4 para 5,3, representando aumento no risco de morte por homicídio de 20,4%. Destaca-se que a sobremortalidade masculina, observada durante todos os anos da série, sempre foi superior a 7, chegando a 17,7 óbitos em homens para cada óbito em mulheres no ano de 2006 (Tabela 1). O padrão de elevação dos coeficientes de mortalidade por homicídios para ambos os sexos pode ser verificado nas Figuras 2A e 2B. A análise de tendência mostrou que a mortalidade por homicídios aumentou significativamente para homens (p<0,001; r2=0,95) e mulheres (p<0,001; r2=0,76). Nos homens, o coeficiente médio de mortalidade no período foi de 56,8 com tendência de elevação de 3,8 óbitos a cada 100 mil habitantes a cada ano. Nas mulheres, o coeficiente de mortalidade médio foi de 4,8 com tendência de elevação de 0,29 a cada ano (Tabela 2).

 

 

Discussão

Entre os principais achados desta investigação, destaca-se a redução dos coeficientes de mortalidade por acidentes de trânsito para homens e mulheres. Por sua vez, os coeficientes de mortalidade por homicídios, para ambos os sexos, aumentaram. Também é importante destacar que, para as duas causas de mortalidade analisadas, os homens apresentam sempre coeficientes de mortalidade superiores aos das mulheres, em todos os anos investigados.

O presente estudo possui algumas limitações. Uma delas decorre da qualidade dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM. Apesar da melhora dos registros nesse sistema, verificada ao longo dos anos,13 todavia pode ocorrer sub-registro das informações sobre a causa básica de óbito ou elevado percentual de óbitos classificados como 'óbito por intenção indeterminada', levando à subestimação dos coeficientes de mortalidade por causas externas. Nos casos de óbito devido a essas causas, por vezes é registrada apenas a natureza da lesão, não sendo indicado se por motivo de acidente, homicídio ou suicídio, prejudicando uma análise fidedigna do perfil de mortalidade e consequentemente, do conjunto de dados estatísticos de base para o planejamento de estratégias de prevenção.14 Entretanto, neste estudo, o número de registros de 'óbito por intenção indeterminada' foi pequeno (11) e sua exclusão, provavelmente, não influenciou a análise e interpretação dos achados.

Sobre o registro do óbito no SIM, é importante destacar a possibilidade de alteração da causa mortis ou acréscimo de condições que o influenciaram, obtidas após investigação. Contudo, não há como monitorar e garantir que todas as alterações necessárias - após essa investigação - sejam efetuadas.

Outra limitação deste trabalho está na não inclusão da causa básica de óbito nos casos de 'intervenções legais' (Y35), as quais, muitas vezes, são classificadas como mortalidade por homicídio. Outrossim, cabe mencionar que, para possibilitar a comparação dos resultados com informações de outras localidades brasileiras e até de outros países, faz-se necessária a padronização dos coeficientes. E, finalmente, destaca-se a utilização da regressão polinomial como mais uma limitação, uma vez que não é possível o controle da autocorrelação serial. No caso deste estudo, pode ter ocorrido a correlação entre integrantes de séries de observações ordenadas no tempo.

A redução nos coeficientes de mortalidade por acidentes de trânsito para ambos os sexos ao longo do período em estudo pode refletir as diversas campanhas educativas midiáticas, realizadas pelos setores da Saúde, econômico e da Seguridade Social, como também a promulgação da Lei no 11.705, de 19 de junho de 2008, chamada Lei Seca, a qual proíbe o consumo de bebidas alcoólicas por condutores de veículos em quantidade superior a 0,1 mg de álcool por litro de ar expelido no exame do etilômetro (ou 2 dg de álcool por litro de sangue).5

No mesmo cenário, igualmente capaz de influenciar a queda da mortalidade por acidentes de trânsito, destaca-se o Projeto Vida no Trânsito. Trata-se de iniciativa internacional implantada no ano de 2010, em cinco capitais brasileiras - entre elas, Curitiba -, tendo como foco principal a realização de intervenções intersetoriais, articuladas entre si, com o intuito de reduzir as mortes no trânsito.9

Embora o coeficiente de mortalidade por acidentes de trânsito tenha apresentado tendência decrescente, os dados brutos mundiais relativos ao ano de 2010 são alarmantes sobre o número de mortes: mais de 1,2 milhão.15 Corroborando o resultado deste trabalho, estudo de revisão da literatura16 apontou que no Brasil, em 1998, 30.890 pessoas perderam a vida em acidentes de trânsito. Em 2008, esse número mostrou crescimento de 19% (36.666 mortes) em relação a 1998, enquanto a população brasileira aumentou 17% no transcurso daqueles anos. Entretanto, se o período de 1998 a 2000 mostrou queda no número de vítimas fatais (28.995 mortes), voltou-se a observar constante elevação nos anos seguintes, chegando a 37.407 mortes em 2007.

Segundo estudo realizado no município do Rio de Janeiro, a queda de acidentes com vítimas fatais entre julho de 2007 (antes da Lei Seca) e julho de 2008 (após a Lei Seca), foi de quase 13%.17 Esses dados coadunam os apresentados pela Associação Brasileira de Medicina do Tráfego,18 ao relatar redução de 24% nos atendimentos a acidentes de trânsito realizados pelo Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU) de São Paulo após a aprovação da Lei Seca. No presente estudo, a acentuação da queda de mortes por acidentes de trânsito a partir de 2008 também foi observada para os homens.

Contudo, vale salientar que o mesmo não é observado nos acidentes com motocicletas, especificamente. Motocicletas fazem parte do cenário urbano e constituem eficientes ferramentas de transporte, especialmente nos grandes centros. Porém, a forma de condução e a vulnerabilidade do condutor e do passageiro têm contribuído para o aumento dos acidentes de trânsito e da morbimortalidade, especialmente no sexo masculino. Estudo realizado na cidade de Campinas, estado de São Paulo, por exemplo, apontou que embora tenha ocorrido uma redução da letalidade dos acidentes com motocicletas entre 2000 e 2008, essa categoria representou 49,3% do total dos acidentes fatais no período. As motos já foram apontadas como responsáveis pelas maiores taxas de atropelamento (66,7%) e de atropelamento seguido de morte (4 óbitos/mil acidentes).19 O comportamento social e cultural da população masculina caracteriza-se pela maior exposição aos riscos de lesões e mortes: direção em maior velocidade, maior consumo de álcool, maior agressividade no trânsito, tendência a realizar manobras arriscadas, entre outros hábitos que os predispõe a acidentes.17,19 Para além do sexo do condutor, estudo realizado com 750 motociclistas de duas cidades do Paraná - Londrina e Maringá - evidenciou associação dos acidentes graves com características como idade mais jovem (18 a 24 anos), uso do telefone celular durante a condução, excesso de velocidade e mais de um turno de trabalho.20

O estudo em tela e a literatura apontam que estratégias de intervenção como a Lei Seca podem impactar na redução dos coeficientes de mortalidade por acidentes de trânsito, tanto em homens como em mulheres. Não obstante, o sexo masculino permanece como grande perpetrador dos casos levados a óbito, impondo o atual desafio da gestão pública nas áreas da Saúde e da Segurança: planejar e implementar estratégias e políticas que objetivem atingir outros comportamentos de risco, principalmente aqueles praticados pelos homens, mais além do uso da bebida alcoólica pelos condutores de veículos.

Por sua vez, os coeficientes de mortalidade por homicídios apresentaram aumento significativo para ambos os sexos. Diferentemente desses resultados, estudo realizado na cidade de São Paulo evidenciou queda de 74% na mortalidade por homicídios no período de 1996 a 2008, tendência não observada para as demais causas externas, como por exemplo, acidentes de trânsito, suicídios e latrocínio. Segundo os autores do estudo, seus achados decorrem do fato de a redução na mortalidade por causas externas resultar de processos que influenciam, de maneira diferenciada, a violência letal interpessoal;3 o que explica, em parte, o fato de a capital do Paraná, no período avaliado pelo presente estudo, também ter apresentado queda nos coeficientes de mortalidade por acidentes de trânsito e aumento nos coeficientes de mortalidade por homicídios.

Outro fator importante a ser considerado é a melhoria na qualidade dos registros e na cobertura dos sistemas de informações, conforme indica estudo realizado no estado de Pernambuco.21 Esses dois aspectos contribuem sobremaneira para a identificação do perfil das ocorrências em localidades específicas, permitindo inclusive a comparação entre regiões distintas, além de subsidiar a discussão e implementação de intervenções específicas para cada contexto.

Os achados da presente pesquisa corroboram os de um estudo22 realizado no Brasil, que apontou aumento de 8% no coeficiente de mortalidade por homicídios tão somente no período de 2000 a 2003, sendo maior em homens, da mesma forma como foi identificado em investigação que analisou a mortalidade por homicídios no Paraná, no período de 1970 a 2005.23 Mais um estudo, de análise de tendência sobre dados de 121.297 mortes por homicídios ocorridas nas Américas entre 1999 e 2009, evidenciou que 89% dos óbitos referiram homens.6 Do mesmo modo, estudo realizado na cidade de Maceió, estado de Alagoas, evidenciou que nessa capital, de 2007 a 2012, registraram-se 5.735 homicídios, dos quais 94,8% das vítimas eram do sexo masculino.24

A associação entre masculinidade e violência, observada na sociedade, tem sido discutida no meio científico-acadêmico.25 Investigação apontou que os homens, desde a adolescência, assumem uma atitude mais temerária diante do mundo, colocando-se mais expostos e vulneráveis aos riscos de serem vítimas de eventos violentos. Nessas circunstâncias, eles vivenciam, por um lado, as tensões e ansiedades geradas por uma identidade constantemente ameaçada e desafiada a se afirmar mediante comportamentos viris, autoritários e agressivos, tornando-os agentes de violência; por outro lado, a exposição a agressões e outras formas de violência, que tais comportamentos propiciam, transforma-os em alvos da violência. Esse comportamento da juventude, na maioria das vezes, estende-se à vida adulta, perpetuando os mesmos riscos de gerar e sofrer violências pelos homens.25

No caso da violência contra a mulher, quando esta não culmina no óbito, impacta negativamente no âmbito econômico, social e reprodutivo da vida, inclusive sobre os filhos.26 No Brasil, em 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei n° 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, responsável pela criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.4 Porém, estudos nacionais25,26 têm demonstrado que a implantação da Lei não se fez acompanhar de uma significativa redução na mortalidade por homicídios entre as mulheres, cujos indicadores continuaram a se elevar, conforme evidenciado na presente investigação.

Os homicídios de mulheres representam cerca de 10% do total da mortalidade por agressão. A despeito de apresentar proporções menores entre as mortes por agressões, os assassinatos de mulheres constituem um problema social sem paralelo na população masculina, uma vez que a maior parte dos homicídios femininos está relacionada à condição de gênero.27 A realidade desses homicídios merece especial atenção dos gestores públicos, para que a Lei possa ser cumprida de fato e, por conseguinte, reduza-se a frequência de agressão e óbito entre as mulheres vitimadas pela violência, principalmente a doméstica intrafamiliar.

É evidente que diante dos dados levantados e da literatura consultada, estratégias de combate e prevenção da mortalidade por acidentes de trânsito e homicídios devem-se pautar nas características de cada localidade e nos diversos fatores determinantes dessas ocorrências, não devendo ser abordados por uma única estratégia de intervenção. As causas externas têm assumido cada vez maior importância na estrutura geral das causas de morte, atingindo as áreas mais desenvolvidas do centro-sul do país, de acordo com os registros do Ministério da Saúde.28

Por fim, ressalta-se a tendência divergente entre as duas causas externas de mortalidade descritas aqui - redução do coeficiente de mortalidade por acidentes de trânsito e aumento do coeficiente de mortalidade por homicídios -, reforçando a importância da realização de estudos de tendência segundo grupos de causas menos agregadas, para possibilitar a compreensão mais completa desses fenômenos e assim, subsidiar a implementação de estratégias específicas de enfrentamento desses problemas. Diante dos resultados apresentados, percebe-se que o enfrentamento, tanto dos acidentes de trânsito como dos homicídios, é multidetermina-do e deve envolver políticas e ações intersetoriais, capazes de transformar para melhor as condições gerais de vida da população.

 

Contribuição dos autores

Barreto MS contribuiu com a redação do manuscrito, análise e interpretação dos dados e revisão de literatura.

Teston EF contribuiu com a análise de dados, revisão de literatura e redação do manuscrito.

Latorre MRDO contribuiu com o desenho do estudo, realização da análise estatística, interpretação dos resultados e redação do manuscrito.

Mathias TAF contribuiu com a análise e interpretação dos dados, revisão de literatura e redação do manuscrito.

Marcon SS contribuiu com o desenho do estudo, análise e interpretação dos dados, revisão de literatura e redação do manuscrito.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e declaram ser responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Mayckel da Silva Barreto
Rua Renê Táccola, no 152,
Centro, Mandaguari-PR, Brasil.
CEP: 86975-000
E-mail: mayckelbar@gmail.com

Recebido em 13/04/2015
Aprovado em 31/10/2015