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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.25 n.1 Brasília ene./mar. 2016

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000100012

ARTIGO ORIGINAL

 

Avaliação do acompanhamento de pacientes adultos com hipertensão arterial e ou diabetes melito pela Estratégia Saúde da Família e identificação de fatores associados, Cambé-PR, 2012*

 

Assessment of the follow-up of adult patients with arterial hypertension and/or diabetes mellitus by the Family Health Strategy and identification of associated factors in the city of Cambé, Brazil, 2012

 

Evaluación del acompañamiento de pacientes adultos con hipertensión arterial y/o diabetes mellitus por la Estrategía de Salud de la Familia e identificación de factores asociados. Cambé-PR, Brasil, 2012

 

 

Bárbara Radigonda; Regina Kazue Tanno de Souza; Luiz Cordoni Junior; Ana Maria Rigo Silva

Universidade Estadual de Londrina, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Londrina-PR, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar o acompanhamento de adultos com hipertensão arterial e/ou diabetes pelas equipes de Saúde da Família e identificar fatores associados, na cidade de Cambé-PR, Brasil, em 2012.
MÉTODOS: pesquisa avaliativa de base normativa, sobre indicadores de cobertura e concentração de visita domiciliar, consulta médica e de enfermagem.
RESULTADOS: dos 687 indivíduos com hipertensão e ou diabetes, 386 tinham registro nas unidades básicas; a cobertura de consulta médica (69,2%) foi regular, as de consulta de enfermagem (1,5%) e visita domiciliar (12,2%) foram críticas; a concentração revelou-se crítica em visitas domiciliares, consultas de enfermagem e consultas médicas aos grupos de alto risco; as coberturas de consulta médica foram mais elevadas em mulheres, indivíduos de menor escolaridade e que utilizavam unidades básicas de saúde (p<0,05), sem distinção conforme o risco cardiovascular.
CONCLUSÃO: o acompanhamento pelas equipes não atende ao padrão assistencial estabelecido para os grupos programáticos analisados.

Palavras-chave: Avaliação em Saúde; Estratégia Saúde da Família; Diabetes Mellitus; Hipertensão.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to assess the follow-up of adults with arterial hypertension and/or diabetes by the Family Health teams and identify associated factors in the city of Cambé-PR, Brazil, in 2012.
METHODS: evaluation research with normative approach on the following indicators: coverage and concentration of household visits, medical consultation, and nursing consultation.
RESULTS: 386 of the 687 individuals with hypertension or diabetes had records of their condition at the Primary Healthcare Units; medical consultation coverage (69.2%) was regular, while nursing consultation (1.5%) and household visit (12.2%) indices were critical; concentration was critical for household visits, nursing consultations, and medical consultations for high-risk groups; medical consultation coverage was higher among women, those with lower schooling, and those attending Primary Healthcare Units (p<0.05), but did not differ with regard to cardiovascular risk.
CONCLUSION: follow-up by the teams does not meet the healthcare standard set for the programmatic groups analyzed.

Key words: Health Evaluation; Family Health Strategy; Diabetes Mellitus; Hypertension.


RESUMEN

OBJETIVO: evaluar el acompañamiento de adultos con hipertensión arterial y/o diabetes por los equipos de Salud de la Familia e identificar factores asociados, en la ciudad Cambé-PR, Brasil, el 2012.
MÉTODOS: investigación evaluativa de análisis documental, se calcularon los indicadores de cobertura y concentración de visita domiciliaria, consulta médica y de enfermería.
RESULTADOS: de los 687 individuos con hipertensión y/o diabetes, 386 tenían registro de esta condición en las unidades básicas; la cobertura de consulta médica (69,2%) fue regular, las de consulta de enfermería (1,5%) y visita domiciliaria (12,2%) fueron críticas; la concentración se reveló crítica en visitas domiciliarias, consultas de enfermería y médicas en los grupos de alto riesgo; las coberturas de consulta médica fueron más altas en mujeres, individuos de menor escolaridad y que utilizaban unidades básicas de salud (p<0,05) sin diferencias con respecto al riesgo cardiovascular.
CONCLUSIÓN: el acompañamiento por los equipos no atiende el padrón asistencial establecido para los grupos programáticos analizados.

Palabras-clave: Evaluación em Salud; Estrategia de Salud Familiar; Diabetes Mellitus; Hipertensión.


 

 

Introdução

As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são as principais causas de morte no mundo. Entre as políticas de enfrentamento das doenças e agravos crônicos, as direcionadas às doenças cardiovasculares são prioridades de Saúde Pública,1,2 por serem a primeira causa de mortes e de hospitalizações pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Historicamente, no Brasil, a organização de serviços voltados para a redução da morbimortalidade por essas causas tem se pautado na identificação e no acompanhamento das pessoas com hipertensão arterial sistêmica (HAS) e ou diabetes melito (DM),2,3 tendo em vista a alta prevalência desses agravos na população adulta. A Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2013, estimou que 21,4% dos indivíduos com 18 anos ou mais de idade tiveram diagnóstico médico de HAS e 6,2% de DM.4,5

O acompanhamento de pessoas com diagnóstico de HAS e DM deve ser realizado, prioritariamente, pela Atenção Primária à Saúde (APS). A APS é considerada a porta de entrada para o sistema de saúde, por constituir nível próprio de atendimento,3 com a estruturação do serviço na lógica programática, na integralidade e longitudinalidade do cuidado e na coordenação das ações e serviços de saúde.6

A Estratégia Saúde da Família (ESF), com notória expansão no Brasil a partir do ano 2000, pauta-se na atuação sob essa lógica programática e na ruptura dos modelos de atenção fragmentados, aproximando o sistema de saúde da população.2 O acompanhamento periódico de indivíduos com DM e ou HA, mediante ações de prevenção, identificação, manejo e controle desses agravos e suas complicações, tem como maior objetivo evitar internações hospitalares e reduzir a mortalidade por doenças cardiovasculares.7 Estudo prospectivo realizado no município de Salvador, estado da Bahia, entre 2003 e 2005, observou que adultos com HAS acompanhados pela ESF apresentaram reduções significativas em seus níveis pressóricos.8

Apesar de já estabelecido o padrão assistencial para atendimento a pacientes com HAS e DM pela APS, com definição de metas terapêuticas de acordo com o perfil de risco cardiovascular e de cobertura da população adscrita pelas equipes da ESF, ainda se observa baixo percentual de acompanhamento desses pacientes por essas equipes.9 Diante desse cenário, avaliar as intervenções voltadas ao controle da HAS e do DM é primordial para detectar os atuais desafios para o aprimoramento da APS na abordagem das doenças cardiovasculares, no contexto do controle das DCNT.

O presente estudo teve como objetivos avaliar o acompanhamento de adultos com hipertensão arterial sistêmica e ou diabetes melito pelas equipes da Estratégia Saúde da Família, e identificar fatores associados, na cidade de Cambé, estado do Paraná, Brasil, no ano de 2012.

 

Métodos

Trata-se de uma pesquisa avaliativa de base normativa, com abordagem de processo e emissão de um juízo sobre ações de acompanhamento das pessoas com HAS e ou DM, em sua comparação com padrões previamente estabelecidos. Segundo Avedis Donabedian, no componente 'processo' dessa avaliação, analisam-se as atividades desenvolvidas entre os profissionais de saúde e os pacientes e sua atualização ao conhecimento técnico-científico vigente.10

O estudo foi realizado no município de Cambé, cuja população residente em 2010 era de 93.733 habitantes, distribuídos em sua maioria (98,0%) na área urbana.11 O município está localizado na região norte do estado do Paraná, Brasil, e integra a região metropolitana de Londrina. Em 2013, Cambé contava com 24 equipes, distribuídas entre as 13 unidades básicas de saúde (UBS) das cinco regiões municipais, correspondendo a uma cobertura de 87,4% da população pela estratégia. O município foi selecionado para este estudo pelas facilidades de abranger a totalidade de sua área urbana, relativa estabilidade da população residente e baixo índice de verticalização residencial -fatores facilitadores da coleta de dados populacionais disponíveis, atualizados para fins de amostragem -, além do interesse e apoio demonstrados pelo poder público municipal, por meio da Secretaria Municipal de Saúde Pública.

A seleção dos participantes da pesquisa partiu de um estudo de base populacional sobre fatores determinantes de doenças cardiovasculares no Paraná, denominado VigiCardio,12 realizado com uma amostra representativa de indivíduos adultos (40 anos ou mais) e idosos residentes em todos os setores censitários da área urbana de Cambé. Detalhes do processo de amostragem estão descritos em publicação anterior.12

Dos 1.180 indivíduos entrevistados no estudo de base populacional supracitado, foram selecionados os 668 com HAS e ou DM, segundo os critérios do VigiCardio,12 residentes na área de cobertura da ESF. Desses 668, foram excluídos 220 (36,3%) cujo diagnóstico não estava registrado no prontuário, na Ficha A do Sistema de Informação da Atenção Básica (ficha de cadastramento das famílias atendidas pela ESF/SIAB) ou no Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos (SIS-Hiperdia) da UBS da área de abrangência à qual pertenciam. Também foram excluídos 7 (1,0%) idos a óbito e 55 (8,0%) que mudaram de endereço no período entre a coleta de dados do VigiCardio (primeiro semestre de 2011) e a realização desta análise documental (último trimestre de 2012), pois não eram passíveis de acompanhamento (Figura 1).

 

 

 

Para caracterização da população de estudo, foram utilizadas informações levantadas pelo VigiCardio:

a) Utilização dos serviços de saúde (somente plano de saúde; UBS; nenhum)

b) Dados sociodemográficos

- sexo (masculino; feminino)

- faixa etária (em anos: 40 a 59; 60 ou mais)

- escolaridade (em anos: 0 a 7; 8 ou mais)

- classe econômica (com base na classificação da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [ABEP]:13 A+B; C+D+E)

- situação conjugal (com companheiro; sem companheiro)

- exerce algum trabalho remunerado (sim; não)

c) Atual situação de saúde

- risco cardiovascular individual14 (baixo risco; risco moderado; alto risco)

- autopercepção de saúde (muito boa/boa; regular/ ruim/muito ruim).

As atividades contempladas para avaliação do acompanhamento foram: (i) visita domiciliar, realizada pelo agente comunitário de saúde (ACS), (ii) consulta médica e (iii) de enfermagem. As informações sobre essas atividades foram obtidas dos registros da Ficha B do SIAB (fichas de acompanhamento dos indivíduos pelos ACS) e de prontuário das UBS de abrangência, referentes ao endereço dos indivíduos participantes. Foram levantados registros dos 12 meses anteriores à coleta - à exceção da visita domiciliar, para a qual se estabeleceu o período de 11 meses, pois eram fichas do ano anterior e já estavam arquivadas ou haviam sido descartadas. Considerou-se visita domiciliar realizada pelo ACS aquela cujos campos da Ficha B do SIAB estavam preenchidos; como consulta de enfermagem, considerou-se todo registro do prontuário realizado por enfermeiro cuja assinatura e carimbo estavam presentes; e como consulta médica, todos os registros médicos do prontuário, inclusive daquelas realizadas no domicílio.

A partir do levantamento de dados de prontuário e da Ficha B, foram calculados indicadores de cobertura e proporção de indivíduos com concentração-padrão de consultas para hipertensão e ou diabetes. A cobertura de consulta médica e de enfermagem foi calculada pela razão entre o número de pessoas que apresentaram pelo menos um registro da atividade nos últimos 12 meses e a população total do estudo, multiplicada por 100. A proporção de indivíduos com concentração-padrão de consultas (médica ou de enfermagem) foi calculada pela razão entre o número de pessoas que apresentaram a quantidade recomendada de consultas nos últimos 12 meses (segundo risco cardiovascular individual e diagnóstico) e o total de indivíduos com o risco e diagnóstico correspondente, multiplicada por 100 (Figura 2). Considerando-se que indivíduos com HAS e DM devem ter tanto a Ficha B-HA (para hipertensão) como a Ficha B-DIA (para diabetes melito) preenchidas, foram analisadas ambas as fichas para contemplar o indicador de visita domiciliar. A unidade de análise desse indicador foi a Ficha B do SIAB, e o total esperado de fichas B (Ficha B-HA, n=369; Ficha B-DIA, n=81) constituiu o denominador no cálculo do indicador (Figura 2). Não foi necessário realizar esse procedimento metodológico para os demais indicadores - consulta médica e de enfermagem -, uma vez que os dados foram obtidos do prontuário das UBS.

 

 

Como referencial teórico, foram considerados os parâmetros de acompanhamento preconizados pelo Ministério da Saúde,7,15 vigentes à época da realização da pesquisa. Construiu-se uma matriz de indicadores, cujos resultados foram comparados ao padrão estabelecido pelo consenso dos pesquisadores e julgados de acordo com os percentuais obtidos, tendo como referência a seguinte escala de valores: excelente (90 a 100°%); satisfatório (70 a 89%); regular (50 a 69%); ou crítico (<50%) (Figura 2). Os autores partiram do pressuposto que os critérios e normas utilizados para definir um julgamento são influenciados pelos grupos que os definem, isto é, dependem do conhecimento prévio, da expectativa e dos valores dos avaliadores.16

A concentração-padrão das consultas médicas e de enfermagem para os indivíduos com DM foi de pelo menos três registros em 12 meses. O padrão para pessoas com HAS foi estabelecido conforme o risco cardiovascular individual, calculado pelo escore de Framingham,14 a partir de dados levantados do banco do VigiCardio: sexo; idade; condição de diabetes; tabagismo; pressão arterial; low density lipoproteins (LDL) e high density lipoproteins (HDL); e taxa de colesterol (Figura 2).

Na análise de associação, foi selecionado como desfecho o indicador 'cobertura de consulta médica', dado seu papel nuclear na definição do projeto terapêutico e no acompanhamento das pessoas com HAS e ou DM.

Os dados foram duplamente digitados em plataforma do software Epi Info 2010, versão 3.5.2 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos da América [EUA]), possibilitando a comparação e correção de inconsistências. A análise dos fatores associados à cobertura de consulta médica foi realizada com o auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences SPSS®, versão 19.0, para Windows (SPSS Inc., Chicago, EUA). Na análise bruta, calculou-se a razão entre as taxas de cobertura e respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%) por meio da regressão múltipla de Poisson. Considerando-se a característica exploratória do estudo, todas as variáveis que apresentaram valor de p<0,20 na análise bruta pelo teste de Wald foram incluídas no modelo ajustado, por meio da regressão múltipla de Poisson, respeitando-se os pressupostos da normalidade dos dados e a análise de resíduos. Foram consideradas estatisticamente significativas as associações que apresentaram valor de p<0,05 para o teste de Wald da análise ajustada.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos: Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) no 07831212.9.0000.5231. Todos os participantes do projeto VigiCardio12 assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A coleta de dados junto às UBS foi autorizada pela Secretaria Municipal de Saúde Pública de Cambé.

 

Resultados

Entre os 386 indivíduos incluídos no presente estudo, 288 (74,6%) eram portadores de HAS, 12 (3,1%) de DM e 86 (22,3%) de ambas as condições. Quanto às principais características desses indivíduos, a maioria era do sexo feminino, na faixa etária de 40 a 59 anos, com até sete anos de escolaridade, vivendo com companheiro e pertencente à classe econômica C, D ou E. Além disso, 55,7% não trabalhavam, 58,0% consideravam sua saúde regular, ruim ou muito ruim, 94,0% utilizavam a UBS como fonte regular de cuidado e 81,0% apresentavam risco cardiovascular individual moderado ou baixo. Para este estudo avaliativo, que considerou o registro da condição de HAS e ou DM em prontuário e ou Ficha A e ou SIS-Hiperdia da UBS, dos 386 indivíduos identificados, 305 (79,0%) apresentaram registro de HAS em pelo menos um dos documentos, 17 (4,4%) o registro de DM e 64 (16,6%) o registro de ambas condições (Tabela 1).

 

 

Para a maioria dos indivíduos (72,8%), foi verificado pelo menos um registro de uma das atividades analisadas. Porém, a se considerar cada atividade isoladamente, observou-se cobertura crítica de visita domiciliar, pois somente 12,2% das fichas B-HA e 12,3% das fichas B-DIA apresentaram pelo menos um registro de visita do ACS. Quanto à concentração dessa atividade, o julgamento também foi crítico, visto que apenas 5,7% das fichas B-HA e 6,2% das fichas B-DIA apresentaram pelo menos quatro registros de visita domiciliar no período analisado (Figura 3).

 

 

Na avaliação da consulta de enfermagem, todos os indicadores apresentaram resultados críticos. Somente em 1,5% dos prontuários dos indivíduos que apresentaram HAS e ou DM, constava pelo menos um registro dessa atividade nos últimos 12 meses; e desses, apenas um apresentou número adequado de consulta, de acordo com o risco cardiovascular individual (Figura 3).

A cobertura de consulta médica apresentou-se regular: em 69,2% dos prontuários dos pacientes estudados, constava pelo menos um registro nos últimos 12 meses. A proporção de indivíduos com concentração-padrão de consultas médicas de acordo com o risco foi crítica nos grupos classificados com alto risco cardiovascular e diabetes, 11,8% e 35,3%, respectivamente; e regular para aqueles de baixo risco e risco moderado, e com ambas as condições: 67,5% e 57,0%, e 53,1%, respectivamente (Figura 3).

A Tabela 2 apresenta a análise bruta e ajustada dos fatores associados à ocorrência de consulta médica no período estudado. Na análise bruta, a proporção de indivíduos que realizaram pelo menos uma consulta médica nos últimos 12 meses foi significativamente mais elevada entre mulheres, indivíduos com sete ou menos anos de escolaridade, pertencentes à classe econômica C, D ou E e que utilizavam, predominantemente, a UBS como recurso no cuidado a sua saúde. Na análise ajustada, as variáveis 'sexo' (razão entre coberturas 1,17; IC95% 1,00;1,36), escolaridade (razão 1,32; IC95% 1,06;1,64) e utilização dos serviços de saúde (razão 20,15; IC95% 5,08;79,9) permaneceram independentemente associadas à cobertura de consulta médica.

 

 

 

Discussão

O presente estudo mostrou baixa cobertura do acompanhamento das pessoas com hipertensão arterial sistêmica - HAS - e ou diabetes melito - DM - residentes nas áreas atendidas pela Estratégia Saúde da Família - ESF - no município de Cambé, onde a cobertura e a proporção de indivíduos com concentração-padrão de visita domiciliar e de consulta de enfermagem foram críticas, assim como a concentração de consultas médicas para os grupos de alto risco cardiovascular. Desse modo, a possibilidade de associação entre o risco cardiovascular individual e a cobertura do acompanhamento não foi considerada. Tais resultados sugerem dificuldade na cobertura integral do acompanhamento dos indivíduos com HAS e ou DM no âmbito da Atenção Primária à Saúde - APS -, já observada em outros municípios com elevada cobertura da ESF.17 Nesse sentido, cabe lembrar a meta populacional ideal de 3.000 pessoas atendidas por cada equipe de Saúde da Família, conforme orienta a Política Nacional de Atenção Básica - PNAB.18

Considerando-se que o ponto de partida da presente avaliação foi um estudo de base populacional, o fato de apenas 46,4% dos 606 casos com HAS e ou DM terem algum registro de acompanhamento chama a atenção para a factibilidade das metas de cobertura desses agravos pela APS. O baixo alcance das ações preconizadas indica que a adscrição do território de atuação da ESF não se traduz, necessariamente, na garantia de atendimento universal das demandas de saúde.9 Confirma-se, portanto, a insuficiência do estabelecimento de metas exclusivamente com base no quantitativo de residentes em determinada área. Para que uma avaliação do alcance de uma estratégia de ação seja indutora de mudanças, é fundamental o estabelecimento de metas atingíveis. Frente a essa questão, pode-se cogitar a necessidade de readequação estrutural e das práticas adotadas na rede básica, para que estejam em consonância com as necessidades de saúde da população.

O nível crítico do preenchimento da Ficha B das visitas domiciliares do agente comunitário de saúde - ACS - revela a não utilização do sistema conforme sua concepção original, qual seja: apoiar o processo de vigilância, o planejamento e a execução das ações pelos profissionais da equipe,19 bem como propiciar aos gestores o acompanhamento da situação de saúde.20 Em outras localidades do Brasil, também foram evidenciadas a parcialidade no preenchimento desses relatórios, a falta de qualidade dos dados,21 o reduzido manuseio das fichas B do SIAB pelos ACS22 e o uso de registros informais por esses agentes.22,23 Pode-se considerar que a baixa frequência de preenchimento da Ficha B e o possível uso de registros informais refletem o processo de trabalho das equipes da ESF, não alinhado com o princípio da vigilância em saúde, um dos pilares da estratégia.24 Ademais, essa situação sugere lacunas na longitudinalidade, compreendida como uma característica central da APS que, possivelmente, não estaria sendo contemplada, dada a rápida expansão da ESF no país.9

O nível crítico da cobertura de consulta de enfermagem (1,5%) é concordante com o observado em estudo realizado no ano de 2008, sobre os dados de prontuários de pessoas com DM usuárias de uma Unidade Básica Distrital de Saúde de Ribeirão Preto-SP.25 Apesar de essa atividade integrar a prática desses profissionais, na perspectiva da concretização de um modelo assistencial adequado às necessidades de saúde da população,26 os resultados encontrados por este estudo sugerem que a consulta de enfermagem não faz parte do trabalho cotidiano do enfermeiro, no contexto da atividade programática aos indivíduos com HAS e ou DM.

De acordo com outro estudo, entre as dificuldades mencionadas para a não realização da consulta pelos enfermeiros, encontram-se a alta demanda de usuários dos serviços de atenção básica, descrença da população no profissional enfermeiro e falta de espaço físico.27 O acúmulo de funções assumidas por esse profissional, a falta de aperfeiçoamento para essa atividade e a falsa compreensão pela população de que a consulta é atividade exclusiva do médico - fortalecida pela pouca divulgação do procedimento - também são obstáculos a interferir na realização da consulta pelo enfermeiro.28 Também cabe destacar que a ausência de registro não expressa necessariamente a omissão desse profissional no processo de atendimento. É possível que essa situação decorra, principalmente, da ausência de sistematização na atenção e da desvalorização de sua função pelas equipes do trabalho interdisciplinar, este que, pela própria lógica programática, supõe a definição das responsabilidades de cada integrante.23

Parte da dificuldade em atingir a cobertura e a concentração satisfatórias das atividades analisadas pode resultar da organização do modelo de atenção,2 sugerindo a ideia de que a maioria dos usuários busca espontaneamente o atendimento. Essa hipótese pôde ser verificada na análise dos fatores associados à cobertura de consulta médica: a maioria de pessoas atendidas por essas atividades constituiu-se de mulheres, indivíduos com baixa escolaridade e que utilizam predominantemente a UBS, semelhante ao perfil da população que procura os serviços públicos de saúde e já foi observada em outro estudo.29 Corrobora tal aspecto a ausência do atendimento de acordo com a classificação de risco, confirmada pelo maior número de consultas a indivíduos portadores de HAS com risco moderado e baixo, sugerindo dificuldades de efetivação de condutas padronizadas,23 como a programação da periodicidade e o cumprimento de parâmetros definidos para o cuidado.17

A consulta médica é atividade essencial do acompanhamento. Ela permite reavaliar o tratamento, os valores pressóricos, motivar a capacidade de autocuidado e encaminhar o paciente para outros profissionais de saúde quando necessário.17 Entretanto, a maior cobertura da consulta médica, aliada à deficiência de registros na Ficha B e da consulta de enfermagem, aponta que o modelo de organização assistencial mantém-se centrado na consulta médica e, consequentemente, direcionado para responder à demanda espontânea. Tal situação sugere dificuldades na implementação de mudanças no processo de trabalho e fortalece a necessidade da educação permanente dos trabalhadores da Saúde, orientada pelo princípio da atuação interdisciplinar e da vigilância em saúde, e pela valorização dos sistemas de informações instituídos, de tal forma que os registros disponíveis permitam a produção de indicadores confiáveis.

O presente estudo avaliou o processo de acompanhamento por meio da consulta aos dados secundários disponíveis e identificou algumas limitações a serem consideradas. Uma delas foi a impossibilidade de classificação do risco cardiovascular para a totalidade dos indivíduos, dada a adesão parcial à realização de exames laboratoriais no estudo VigiCardio, da ordem de 18,0%.12 A população selecionada para a presente avaliação concentrou pouco mais dessa proporção - 19,5% -, possivelmente pelo fato de contemplar apenas indivíduos atendidos pelo serviço, com maior facilidade de acesso aos exames periódicos. Outra limitação do estudo residiu nas fontes de análise, restritas aos dados disponíveis, uma vez que a qualidade do registro nos prontuários da atenção básica é precária,30 havendo a possibilidade de sub-registro das atividades realizadas e ou registros em documentos informais.

O estudo permitiu identificar algumas questões ou temas merecedores de maior aprofundamento em pesquisas futuras. Entre esses temas, pode-se destacar o acesso aos cuidados primários, a dinâmica de trabalho do ACS, a percepção do enfermeiro sobre a consulta de enfermagem, a estrutura da UBS e o trabalho interdisciplinar, ampliado com a inserção dos profissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família - NASF.

Conclui-se que o processo de acompanhamento de pacientes com hipertensão arterial sistêmica e ou diabetes melito pelas equipes da Estratégia Saúde da Família não atende o padrão assistencial estabelecido. Para o aprimoramento dessas atividades, com vistas à promoção, prevenção e cumprimento das metas, reveste-se da maior importância a incorporação da prática avaliativa no serviço de Atenção Básica - incluído o monitoramento dos indicadores de desempenho de cada equipe de Saúde da Família -, com destaque para o acompanhamento das condições crônicas, entre as quais o diabetes e a hipertensão.

 

Agradecimentos

Ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina.

À Secretaria Municipal de Saúde Pública de Cambé.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação.

E à equipe de pesquisadores do projeto VigiCardio.

 

Contribuição dos autores

Radigonda B participou na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados, redação e revisão do manuscrito.

Souza RKT e Cordoni Junior L colaboraram na análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do manuscrito.

Silva AMR contribuiu substancialmente na interpretação dos dados do trabalho e na revisão crítica de importante conteúdo intelectual.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e declaram serem responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Bárbara Radigonda
Rua Júlio Bocatto, 44 B
Cambé-PR, Brasil.
CEP: 86192-777
E-mail: barbara_2887@hotmail.com

Recebido em 05/05/2015
Aprovado em 03/01/2016

* Artigo elaborado a partir da dissertação de Mestrado intitulada "Avaliação da atenção às pessoas com hipertensão e ou diabetes no município de Cambé-PR" apresentada por Bárbara Radigonda junto ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina em fevereiro de 2014.