Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Epidemiologia e Serviços de Saúde
versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622
Epidemiol. Serv. Saúde v.25 n.1 Brasília jan./mar. 2016
http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000100014
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação da satisfação dos usuários dos Centros de Especialidades Odontológicas da macrorregião Sudeste de Minas Gerais, 2013*
Patient satisfaction evaluation at the Specialized Dental Centers in the Southeast Macro-region of Minas Gerais, Brazil, 2013
Evaluación de la satisfacción de los usuarios de los Centros de Especialidades Odontológicas de la Macro Región Sudestes de Minas Gerais, Brasil, 2013
Elisa Shizuê Kitamura1; Ronaldo Rocha Bastos2; Pamella Valente Palma3; Isabel Cristina Gonçalves Leite4
1Secretaria Municipal de Saúde de Leopoldina, Departamento de Saúde Bucal, Leopoldina-MG, Brasil
2Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Estatística, Juiz de Fora-MG, Brasil
3Universidade Federal de Juiz de Fora, Faculdade de Odontologia, Juiz de Fora-MG, Brasil
4Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Saúde Coletiva, Juiz de Fora-MG, Brasil
RESUMO
OBJETIVO: avaliar a satisfação dos usuários assistidos nos Centos de Especialidades Odontológicas (CEO) da macrorregião Sudeste de Minas Gerais, em 2013.
MÉTODOS: estudo transversal, utilizando o Questionário de Avaliação da Qualidade dos Serviços de Saúde Bucal, aplicado em amostra probabilística de 256 pacientes, e regressão linear múltipla para identificação de variáveis associadas à satisfação.
RESULTADOS: a maior parte dos usuários declararam-se satisfeitos (86,7%), seguidos por pouco satisfeitos (10,2%) e muito satisfeitos (3,1%); houve diferenças na satisfação entre usuários dos diferentes CEO; as variáveis independentes que se mostraram associadas à satisfação do usuário foram 'melhor autopercepção de saúde bucal' (p=0,001) e 'menor tempo de espera no consultório' (p<0,001).
CONCLUSÃO: a maioria dos usuários estava satisfeita com o serviço prestado; variáveis não analisadas no presente estudo, incluindo infraestrutura, recursos humanos e gestão, podem ter influenciado as diferenças na satisfação entre os usuários dos diferentes CEO.
Palavras-chave: Satisfação do Paciente; Saúde Bucal; Atenção Secundária à Saúde; Especialidades Odontológicas; Estudos Transversais.
ABSTRACT
OBJECTIVE: to evaluate patient satisfaction at the Specialized Dental Centers (SDCs) in the Southeast Macro-region of Minas Gerais, in 2013.
METHODS: this was a cross-sectional study using the Oral Health Services Quality Assessment Questionnaire, with a probabilistic sample of 256 patients, using multiple linear regression to identify variables associated with their satisfaction.
RESULTS: most patients stated they were satisfied (86.7%), followed by barely satisfied (10.2%) and very satisfied (3.1%); there were differences in satisfaction among patients attending the different SDCs; independent variables associated with patient satisfaction were 'improved self-perceived oral health' (p=0.001) and less 'waiting time at the clinic' (p<0.001).
CONCLUSION: the majority of patients were satisfied with the service provided; variables not analyzed in this study, including infrastructure, human resources and management, may have influenced the differences in patient satisfaction found between the different SDCs.
Key words: Patient Satisfaction; Oral Health; Secondary Care; Specialties, Dental; Cross-Sectional Studies.
RESUMEN
OBJETIVO: evaluar la satisfacción de los usuarios atendidos en los Centros de Especialidades Odontológicas de la Macro Región del Sudeste Minas Gerais, Brasil, en 2013.
MÉTODOS: estudio transversal utilizando el Cuestionario de Evaluación de la Calidad de Servicios de Salud Dental, aplicado en una muestra probabilística de 256 pacientes, y regresión lineal múltiple para identificar variables asociadas a la satisfacción.
RESULTADOS: la mayor parte de los usuarios se declararon satisfechos (86,7%) seguidos por los poco satisfechos (10,2%) y muy satisfechos (3,1%); las variables que se mostraron asociadas con la satisfacción fueron ‘mejor autopercepción de salud bucal’ (p=0,001) y ‘menor tiempo de espera en el consultorio’ (p<0,001).
CONCLUSIÓN: la mayoría de los usuarios están satisfechos con el servicio prestado, variables no analizadas en el presente estudio, incluyendo infraestructura, recursos humanos y gestión, puede haber influenciado las diferencias en la satisfacción entre los usuarios de los diferentes CEO.
Palabras-clave: Satisfacción del Paciente; Salud Bucal; Atención Secundaria de Salud; Especialidades Odontológicas; Estudios Transversales.
Introdução
A saúde bucal, inserida no contexto de modelos assistenciais excludentes ao longo da história, acabou refletindo as mesmas práticas curativistas, tecnicistas e biologicistas dos modelos médico-centrados. No Brasil, assistiu-se a um avanço social e político com o advento do Sistema Único de Saúde (SUS), redefinição das atribuições para os níveis de governo federal, estadual e municipal e criação de novos espaços de participação social na Saúde.1
Em 2004, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Saúde Bucal - Brasil Sorridente. Por meio dessa política pública, que visa ao acesso universal e à integralidade da atenção à saúde bucal pela interface entre níveis de atenção, incluiu-se procedimentos mais complexos na atenção primária e criou-se uma rede de serviços de atenção à saúde bucal no SUS, com oferta de serviços especializados.2
Os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), instituídos pelas Portarias de no 5993 e no 600,4 ambas publicadas pelo Ministério da Saúde em 2006 e atualizadas pela Portaria no 1341, de 13 de junho de 2012,5 constituem, desde então, a estratégia da Política Nacional de Saúde Bucal destinada a garantir a atenção secundária pública em saúde bucal no país, devendo realizar, como mínimo, as seguintes atividades: diagnóstico bucal com ênfase na detecção do câncer bucal, periodontia, endodontia, cirurgia e atendimento a portadores de necessidades especiais.6
Representativos dos serviços secundários de saúde bucal, os CEO devem ser avaliados de acordo com o objetivo para o qual foram criados: melhorar o atendimento em todas suas dimensões, inclusive na de resultados, particularmente quanto à satisfação do usuário.7 A avaliação configura-se, então, como necessária, tanto para a tomada de decisões - e consequente reordenamento dos serviços de saúde - quanto para a melhoria da qualidade e vigilância em saúde bucal.7
Na avaliação da qualidade em saúde, um dos referenciais, amplamente empregado pelos pesquisadores e órgãos governamentais, é o modelo proposto por Avedis Donabedian, ou modelo Donabediano, que define a qualidade dos serviços de saúde pela análise do tripé estrutura-processo-resultado, segundo o qual:
a) estrutura corresponde às características relativamente estáveis das instituições - área física, recursos humanos, materiais e financeiros, bem como o modelo organizacional -;
b) processo refere-se ao conjunto de atividades desenvolvidas na produção geral, nas relações estabelecidas entre profissionais e usuários dos serviços de saúde, desde a busca de assistência até o diagnóstico e o tratamento; e
c) resultado diz respeito às características dos produtos ou serviços, cuja qualidade se traduz nos efeitos sobre a saúde do cliente e da população.8
Dessa forma, é possível avaliar a qualidade da atenção à saúde a partir do estudo do grau de satisfação do usuário - a quem se deve o porquê da existência de um serviço de saúde - como um indicador de resultado.9
Dentro dessa perspectiva, o presente estudo objetivou avaliar a satisfação dos usuários assistidos nos Centros de Especialidades Odontológicas - CEO - de oito municípios da macrorregião Sudeste de Minas Gerais, Brasil, no ano de 2013.
Métodos
Realizou-se um estudo de avaliação com delineamento transversal, por meio de inquérito, nos oito municípios que dispõem de CEO na macrorregião Sudeste do estado de Minas Gerais.
A macrorregião Sudeste contava com uma população estimada para o ano de 201210 em 1.584.338 habitantes, distribuídos em oito microrregiões, das quais Juiz de Fora é o polo macrorregional.
Os municípios participantes da pesquisa foram aqueles identificados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) em outubro de 2012. Fizeram parte do estudo os CEO instalados nesses oito municípios, assim nomeados: Juiz de Fora (CEO 1); Santos Dumont (CEO 2); Além Paraíba (CEO 3); Cataguases (CEO 4); Ubá (CEO 5); São João Nepomuceno (CEO 6); Patrocínio do Muriaé (CEO 7); e Leopoldina (CEO 8). Optou-se, para fins de avaliação, condensar os resultados dos 4 CEO de Juiz de Fora, sendo os dados desse município unificados no estrato CEO 1.
A população de referência foi composta de pessoas com idade superior a 18 anos assistidas nos CEO e, no caso de pacientes com necessidades especiais, seus acompanhantes. Para a realização do cálculo do tamanho da amostra, foi utilizado o programa estatístico Epi Info, versão 6.04 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos da América), com intervalo de confiança de 95% (IC95%), precisão de 5% e admissão de uma frequência de satisfação de 90%.11 Para a maximização da amostra, considerou-se uma população finita, estimada em 1.185 pacientes para cada CEO (9.480, no total dos 8 CEO), tendo por base os atendimentos nos CEO de Juiz de Fora, haja vista serem estes centros os de maior fluxo de sujeitos, resultando em uma amostra de 256 pacientes igualmente distribuídos: 32 respondentes de cada município pesquisado. No município de Juiz de Fora (CEO 1), foram entrevistados 8 pacientes por CEO (4 CEO), sendo 2 de cada especialidade em cada CEO.
A partir da agenda diária dos profissionais, foram sorteados, aleatoriamente, 32 pacientes, 8 para cada especialidade. Como as especialidades de cirurgia e estomatologia eram desempenhadas pelo mesmo especialista em todas as unidades pesquisadas, elas foram analisadas como uma única especialidade para fins do sorteio. Dos pacientes previamente selecionados na agenda, aqueles que faltaram à consulta foram prontamente substituídos pelos próximos nomes da lista de agendamento.
Para obter uma amostra representativa do serviço, a coleta de dados foi realizada em diferentes horas do dia, contemplando diversas especialidades e profissionais. Nem todas as especialidades e profissionais atuam diariamente, daí o sorteio ter-se realizado da forma descrita, na tentativa de minimizar algum viés decorrente da escolha do profissional para o agendamento.
O formulário de entrevista foi elaborado em partes estruturadas, a primeira relativa a dados demográficos, sendo a última categoria a de referência:
- sexo (feminino; masculino);
- idade (coletada como variável contínua, estratificada para análise em 18-30, 31-50 e 51-80 anos);
- escolaridade (em anos completos, estratificado para análise em analfabeto/Ensino Fundamental completo [até 8 anos de estudo] e Ensino Médio/Superior);
- classe socioeconômica (estratificada em classes A/B/C e D/E, segundo o critério da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [ABEP]);12 e
- autopercepção de saúde bucal positiva (muito boa; boa) ou negativa (regular; ruim).
A segunda parte do formulário constituiu-se do Questionário para Avaliação da Satisfação dos Usuários com Serviços de Saúde Bucal (QASSaB). Desenvolvido com base no modelo ampliado de avaliação da qualidade dos serviços proposto por Donabedian, o instrumento de pesquisa QASSaB foi adaptado para os serviços brasileiros, sendo devidamente validado.13 Esse questionário leva em consideração as dimensões da qualidade do serviço de saúde bucal e visa medir a satisfação dos usuários com ele; aplica uma escala do tipo Likert, com respostas que variam de 'excelente' a 'péssimo', tratadas como variáveis ordinais.6
O processo de validação do QASSaB constou da (i) etapa face a face, com a colaboração de dez pesquisadores da área, (ii) validação do conteúdo por contraste, comparando-se usuários da rede privada e da rede pública, e (iii) validação do constructo divergente (sensação de dor referida nos últimos 6 meses) e convergente (grau de satisfação com a saúde bucal). 0 instrumento apresentou boa consistência interna, após apuração pelos métodos aditivo e dicotomizado, demonstrando melhores qualidades psicométricas na apuração pelo método aditivo. Submetido a análise fatorial, o questionário a ser aplicado contemplou sete dimensões de qualidade:13
1 - Relações humanas: dentista-paciente; outros profissionais-paciente
2 - Eficácia/sensação de desconforto pós-tratamento
3 - Acessibilidade/disponibilidade: obtenção de vaga; tempo de espera
4 - Qualidade técnico-científica: equipamento
5 - Ambiente físico/limpeza: sala de recepção; banheiros
6 - Aceitabilidade: explicação do tratamento
7 - Efetividade/resolutividade: aparência dos dentes; capacidade de mastigação
Os dados coletados foram digitados e organizados em um banco de dados, utilizando-se o software Statistical Package for Social Sciences® (SPSS) versão 14.0. Na amostra deste estudo, para as variáveis categóricas, as comparações de proporções foram feitas pelo teste do qui-quadrado de Pearson, com correção pelo teste exato de Fischer quando necessário. Para identificação das variáveis sociodemográficas, de acesso e autopercepção (variáveis independentes) associadas à satisfação com o atendimento (pontuação final do QASSaB como variável dependente), foi conduzida a análise de regressão linear multivariada pelo método forward stepwise, utilizando-se a análise de variância para testar o poder de previsão da variável 'avaliação da satisfação dos usuários' (por meio do questionário QASSaB). Para avaliação do ajuste do modelo, foi verificado se as hipóteses de normalidade e variância constante (homoscedasticidade) dos resíduos foram satisfeitas.
Para a análise descritiva sintética da pontuação obtida com a aplicação do QASSaB, criou-se um escore final categorizado em três estratos: pouco satisfatório (inferior a 33 pontos); satisfatório (de 34 a 50 pontos); e muito satisfatório (superior a 51 pontos). Os parâmetros utilizados para essa categorização foram estatísticos. Dessa forma, foi utilizada como amostra de referência aquela relativa a Juiz de Fora, dada sua representatividade macrorregional e diversidade de modalidades de credenciamento. A pontuação final do CEO de Juiz de Fora (CEO 1) apresentou distribuição normal pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, tendo como parâmetros, média de 42,09 e desvio-padrão (DP) de 5,05. Assim, a estratificação do escore final seguiu a distribuição Z, com 90% das centrais da distribuição correspondendo à categoria satisfatório (-1,644<Z<+1,645).
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Juiz de Fora, conforme o Parecer no 131.886, em consonância com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) no 466, de 12 de dezembro de 2012. O estudo foi autorizado pela Gerência Regional de Saúde (GRS) de cada microrregião, mediante carta de autorização assinada por seu representante legal, permitindo a realização da pesquisa junto aos CEO cadastrados.
RESULTADOS
Não houve recusas em participar da pesquisa. A Tabela 1 apresenta as variáveis demográficas e socioeconômicas da população estudada. A idade dos entrevistados variou entre 18 e 77 anos, com uma média de 38,27 anos (DP=13,38). A maioria entrevistada foi do sexo feminino, 62,6%. Quanto ao nível de escolaridade, a maior parte dos entrevistados respondeu ter cursado até o Ensino Fundamental (67,6%). A caracterização quanto ao nível socioeconômico mostrou um percentual de 69,1% da amostra representativo do nível C, definido por uma renda média familiar entre R$1.024,00 e R$1.541,00 em valores brutos.
Sobre acesso aos serviços de saúde, 74,2% dos usuários foram referenciados para a atenção secundária a partir de uma unidade de atenção primária à saúde (APS) de caráter público. Outras formas de referência também foram citadas, como contato político ou outro profissional dentro do próprio CEO (Tabela 1).
A maior parte dos usuários (56,64%) classificou sua saúde bucal como 'positiva'. Metade (50,4%) deles relatou não ter sentido dor nos últimos seis meses, sendo a presença de dor mais frequente nas especialidades de endodontia e cirurgia (p=0,02).
O tempo médio para início do tratamento foi de 63,1 dias, e variou do atendimento no mesmo dia da procura até 1.080,0 dias de espera. Quando as especialidades são analisadas em relação a esse tempo, observa-se que na endodontia, 42,2% dos usuários esperaram mais de 30 dias para conseguir iniciar o tratamento especializado. Nas demais especialidades, porém, a maioria dos usuários aguardou menos de 30 dias. Nos CEO avaliados, o usuário esperava, em média, 33,5 minutos para ser atendido no dia da consulta (dados não apresentados).
A maioria dos avaliados (86,7%) mostrou-se satisfeita com o serviço oferecido nos CEO. A Tabela 2 apresenta a distribuição desse escore em cada CEO avaliado.
Os resultados do QASSaB sobre as diversas dimensões de qualidade mostram avaliações positivas para todas elas, e encontram-se apresentados na Tabela 3.
A maioria dos entrevistados avaliou a atenção recebida pelo cirurgião-dentista como excelente (62,1%), assim como por outros profissionais do serviço (52,3%). Quanto ao desconforto pós-tratamento, 71,5% relataram não ter sentido qualquer incômodo. Na dimensão da acessibilidade, 51,6% consideraram fácil a obtenção de vaga para tratamento e relataram um tempo de espera curto (41,4%) no dia do atendimento (Tabela 3).
A maior parte dos usuários considerou os equipamentos modernos (54,3%), referiu sempre receber informações sobre o tratamento (51,6%), estar satisfeita com a aparência dos dentes da região anterior (51,2%) e com sua capacidade de mastigação (54,3%) (Tabela 3).
Com relação à dimensão 'ambiente físico/limpeza', a situação de limpeza da sala de recepção teve avaliação positiva pela maioria dos usuários, sendo considerada boa por 55,9% deles (Tabela 3).
Quando se avaliaram as dimensões de qualidade relativas a cada CEO pesquisado, encontrou-se diferença significante (p<0,05) em todas as dimensões analisadas (dados não apresentados).
As variáveis independentes significativamente associadas à satisfação com os serviços foram: sexo feminino, classe socioeconômica mais baixa (D/E), referência ao serviço a partir do próprio CEO ou particular, autopercepção de saúde bucal positiva, e aquelas relativas ao menor tempo de espera por tratamento. Após análise ajustada, as variáveis que permaneceram significativamente associadas à maior satisfação foram: autopercepção de saúde bucal positiva e menor tempo de espera no consultório (R2=0,45) (Tabela 4).
Discussão
A maioria dos usuários entrevistados estava satisfeita com a qualidade dos serviços odontológicos oferecidos. Este desfecho esteve associado à melhor autopercepção de saúde bucal e ao menor tempo de espera no consultório.
A satisfação dos usuários com o serviço oferecido nos CEO, revelada neste estudo, foi semelhante à de outros achados da literatura.6,11 Em um estudo sobre satisfação do usuário dos CEO no município do Recife, estado de Pernambuco,6 foram encontradas avaliações positivas individuais nas sete dimensões de avaliação da qualidade dos serviços sob a ótica do usuário. Outra pesquisa de avaliação de desempenho, um estudo exploratório realizado por Souza11 nos CEO do município de Natal, estado do Rio Grande do Norte, revelou a satisfação com o atendimento por 90,9% dos usuários.
É importante evidenciar que todos os usuários entrevistados conseguiram atendimento nos CEO; ou seja, utilizou-se uma amostra de demanda ao invés de uma amostra de base populacional.14 Posto isso, o estudo abordou apenas aqueles que tiveram acesso ao serviço, fato que pode ter influenciado na satisfação dos usuários. Outros fatores a serem ressaltados são a (i) não adoção de um comparador interno à amostra de demanda e a (ii) não dissociação entre os dias de recrutamento e os de aplicação do instrumento. Essa avaliação positiva também deve ser interpretada à luz de alguns fatores, como receio de sanção no atendimento,15 sentimento de gratidão do usuário pelo serviço gratuito, baixa expectativa e impossibilidade de acessar outro serviço odontológido.16
Contudo, a avaliação dos serviços de saúde, especialmente os de caráter público, permite a expressão do usuário que, afinal, é quem exerce o controle social sobre os serviços públicos. Ademais, a orientação desse tipo de avaliação visa trazer ao cotidiano dessas instituições um aperfeiçoamento que propicie benefícios ao próprio usuário, aos profissionais e à própria gestão dos serviços de saúde.
Considerando-se os limites da avaliação dos serviços centrada no usuário e buscando minimizar a subjetividade presente nesse tipo de avaliação, utilizou-se um questionário adaptado e validado para a realidade brasileira, além de ter-se levado em conta aspectos relevantes da amostra e dos municípios. A análise dos dados levantados pelo questionário revelou maior utilização do serviço por mulheres (62,6%), o que não diferiu de achados de outros estudos14,17,18 Pinto, Matos e Loyola Filho17 sugeriram que uma maior utilização de serviços odontológicos públicos pelas mulheres pode estar associada a sua maior disponibilidade de tempo para comparecer às unidades de saúde pública no horário de atendimento desses serviços, visto que as mulheres apresentam um nível de ocupação (percentual de pessoas ocupadas) mais baixo que os homens. A essa constatação também pode-se somar a crença, vigente em nossa sociedade, de que o cuidado consigo e com o outro são valores associados à feminilidade.
Segundo o presente estudo, 69,1% dos respondentes pertenciam à classe C (renda entre 2 e 3 salários mínimos). Dados dissonantes quanto ao indicador de renda foram encontrados em estudo realizado junto aos CEO do município de Olinda, Pernambuco,1 onde se observou uma amostra predominante de baixa renda (66,1%), apresentando rendimento familiar de até 1 salário mínimo. As diferenças nas prevalências entre os estudos citados podem-se atribuir tanto ao delineamento e metodologias adotadas, quanto ao fato notório das diferenças regionais existentes no Brasil.
A priorização de encaminhamentos vindos da atenção primária à saúde, critério definido na Política Nacional de Saúde Bucal - Brasil Sorridente -, foi observada em 74,2% da amostra. Não obstante, alguns CEO indicaram que a porta de entrada preferencial era o próprio serviço. Pode-se compreender esse referenciamento "impróprio" quando se analisa a rede de serviços local, a falta de cumprimento de pactuações intermunicipais e até mesmo a necessidade do usuário em buscar atendimento onde o acesso ao sistema é mais fácil ou possível.19 Para que a interface recomendada pelos SUS se realize, atendendo de maneira integral o usuário, faz-se necessária a utilização de protocolos que transcendam o plano meramente teórico e, respeitando a realidade prática, considerem as particularidades regionais.
Após regressão linear múltipla, duas variáveis permaneceram associadas à satisfação do usuário: autopercepção de saúde bucal; e tempo de espera pelo atendimento no dia da consulta. A autopercepção positiva quanto à saúde bucal, com 56,64% dos respondentes considerando-a muito boa e boa, foi consoante com os achados expostos no relatório final do inquérito epidemiológico sobre saúde bucal SB Minas 2013, 20 que encontrou 60,96% dos entrevistados, na faixa etária de 12 a 74 anos, satisfeitos e muito satisfeitos com seus dentes e boca. Oliveira1 encontrou em Olinda, percentual elevado (64,2%) de indivíduos percebendo sua saúde bucal como 'mais ou menos' ou 'ruim'. Estudo prévio, de alcance nacional, identificou pior autopercepção de saúde associada a menor satisfação com o atendimento público de saúde, sendo potencialmente influenciada pelo nível de escolaridade, que interfere na percepção dos problemas de saúde, entendimento de informações e aquisição de estilo de vida saudável.21
Um estudo epidemiológico de abrangência nacional, ao investigar a utilização de serviços odontológicos públicos, concluiu que a insatisfação com o atendimento odontológico público pode estar relacionada mais à diminuição da oferta e à demora em receber o atendimento, do que com a avaliação da capacidade técnica do profissional envolvido e dos equipamentos utilizados.17
Essa hipótese é sustentada pelos resultados do presente estudo, no qual encontrou-se tempo médio de espera no dia do atendimento de 33,5 minutos (variando do atendimento imediato até 3 horas de espera), sendo classificado por 84,4% dos entrevistados como 'muito curto', 'curto' e 'nem longo e nem curto'. Outro estudo,22 realizado em unidades de saúde do município de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul, revelou que os usuários demoram de 5 minutos até 1 hora e 25 minutos para serem atendidos, classificando este tempo-limite maior de espera como 'longo' ou 'muito longo'.
Os resultados encontrados com a aplicação do Questionário para Avaliação da Satisfação dos Usuários com Serviços de Saúde Bucal - QASSaB - revelam elevados percentuais de satisfação na dimensão de relações humanas, tanto com o dentista quanto com outros profissionais, coerentes com achados em outras pesquisas.6,9,12 O usuário que utiliza o serviço do CEO revela-se satisfeito com a limpeza do ambiente (sala de recepção e banheiros) e não apresenta queixas de desconforto pós-tratamento (eficácia). Relata boa acessibilidade (obtenção de vaga e tempo de espera) e satisfação com a resolutividade do serviço (aparência dos dentes e capacidade de mastigação).
Embora a maioria das avaliações tenham sido positivas para todas as dimensões de qualidade, nas questões que envolveram explicação sobre o tratamento (aceitabilidade) e qualidade técnico-científica dos equipamentos, foram observados menores índices de satisfação.
Algumas particularidades podem ser salientadas, como o fato de menores frequências de aceitabilidade e maior tempo de espera no dia do atendimento serem observadas em municípios menos populosos, com menores índice de desenvolvimento humano (IDH) e de produto interno bruto (PIB) per capita. Justamente nesses municípios, foram encontrados maiores percentuais de usuários pouco satisfeitos com o serviço prestado pelo CEO.
No município de maior porte, mais populoso e polo da macrorregião, os usuários relataram ter maior dificuldade em obter vaga para tratamento. Desigualdades em nível regional refletem, de um modo geral, as diferenças no tamanho e complexidade da rede de serviços.23 O estudo de Baldani, Almeida e Antunes24 observou a tendência de os municípios mais carentes apresentarem maior número de dentistas e equipamentos odontológicos por habitante, o que implica maior oferta de serviços de saúde para esses municípios com piores condições socioeconômicas.
Algumas limitações para a consecução deste estudo merecem ser ressaltadas. Por exemplo, a ausência de escuta de gestores e profissionais da saúde e a falta de avaliação da infraestrutura do serviço. Também cabe lembrar a possibilidade de gratitude bias, ou seja, o viés da resposta movido por um sentimento de gratidão pelo serviço,6 dificultando uma visão mais crítica do usuário sobre o atendimento recebido.
A atenção odontológica pública de média complexidade é uma realidade relativamente nova, em construção, com particularidades regionais que, uma vez avaliadas em seu conjunto, retratam as conquistas obtidas por esse nível de atendimento desde sua implantação. Inegavelmente, algumas adequações nos critérios e normas de implantação e monitoramento desses serviços devem ser consideradas, além do que os sistemas de avaliação são incipientes - quando existentes.
O estudo em tela pautou-se no pressuposto da utilização da avaliação para a melhoria da qualidade do serviço prestado, e da informação para a ação. Relatórios técnicos foram encaminhados para os gestores de cada município participante da pesquisa, no sentido de aperfeiçoar o processo de tomada de decisão.
A elevada frequência de satisfação dos usuários corrobora alguns apontamentos da literatura. Entretanto, para melhor compreensão dos resultados encontrados, há necessidade de identificar outros fatores associados, que não foram considerados nesta pesquisa. Acredita-se que variáveis não analisadas aqui, incluindo infraestrutura, recursos humanos e gestão, podem ter influenciado na diferença de achados entre os CEO avaliados, na macrorregião Sudeste de Minas Gerais.
A escassez de publicações sobre avaliação de atenção especializada em saúde bucal é evidente. Neste contexto, a iniciativa de política pública nacional representada pelo Programa de Melhoria do Acesso e Qualidade dos Centros de Especialidades Odontológicas (PMAQ-CEO), instituída a partir de fevereiro de 2013, traz consigo a expectativa positiva de novos incentivos financeiros, especialmente para a realização de estudos de indicadores de produção, gestão, processo de trabalho e satisfação do usuário.25
Espera-se que os resultados alcançados por esta pesquisa sirvam ao planejamento e execução de outras avaliações do serviço prestado pelos Centros de Especialidades Odontológicas - CEO. E que sensibilizem os gestores dedicados ao desenvolvimento de políticas e práticas de saúde bucal, a exemplo da promoção de maior eficiência no sistema de referência e contrarreferência, minimizando o tempo de espera pós-encaminhamento e fortalecendo a integralidade da atenção à saúde, na observância do cumprimento de metas e mecanismos de avaliação desses serviços - inclusive qualitativas - com efetiva participação popular.
Contribuição dos autores
Kitamura ES, Bastos RR, Leite ICG e Palma PV contribuíram na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do conteúdo intelectual do manuscrito.
Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e declaram serem responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.
Referências
1. Oliveira RS. Acesso aos serviços de saúde bucal e avaliação da satisfação do usuário em Olinda, Pernambuco [monografia]. Campina Grande (PB): Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas; 2008.
2. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da política nacional de saúde bucal. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.
3. Brasil. Ministério da Saúde (BR). Portaria n° 599 de 23 de março de 2006. Define a implantação de especialidades odontológicas (CEOS) e de laboratórios regionais de próteses dentárias (LRPDS) e estabelecer critérios, normas e requisitos para seu credenciamento. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2006 mar 24; Seção 1:51.
4. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 600 de 24 de março de 2006. Institui o financiamento dos Centros de Especialidades Odontológicas. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2006 mar 24; Seção 1:52
5. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 1.341 de 13 de junho de 2012. Define os valores dos incentivos de implantação e de custeio mensal dos Centros de Especialidades Odontológicas - CEO e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 2012 jun 13; Seção 1:74
6. Lima ACS, Cabral ED, Vasconcelos MMVB. Satisfação dos usuários assistidos nos Centros de Especialidades Odontológicas do Município do Recife, Pernambuco, Brasil. Cad Saude Publica. 2010 maio;26(5):991-1002.
7. Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, Silveira FMM, Costa JFR, Pucca Júnior GA, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad Saude Publica. 2012;28 supl:s81-9.
8. Donabedian A. Evaluación de la calidad de la atención médica. In: White KL, editor. Investigaciones sobre servicios de salud: una antología. Washington: Organizacion Panamericana de la Salud; 1992. (Publicación Científica; 534). p.382-404.
9. Oliveira RS, Magalhães BG, Gaspar GS, Rocha RACP, Góes PSA. Avaliação do grau de satisfação dos usuários nos serviços de saúde bucal da Estratégia de Saúde da Família. Rev Bras Pesqui Saude. 2009;11(4):34-8.
10. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estimativas da população residente nos municípios brasileiros com data de referência em 1° de julho de 2012 [Internet], Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;2012 [citado 2014 out 14]. Disponível em: ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2012/estimativa_2012_municipios.pdf
11. Souza GCA. Centros de Especialidades Odontológicas: avaliação da atenção de média complexidade na rede pública da Grande Natal [dissertação]. Natal (RN): Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2009.
12. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de classificação econômica: Brasil [Internet]. São Paulo: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa; 2012 [citado 2014 out 14]. Disponível em: http://www.abep.org/criterio-brasil
13. Fernandes LMAG. Validação de um instrumento para avaliação da satisfação dos usuários, com os serviços públicos de saúde bucal [tese]. Camaragibe (PE): Universidade de Pernambuco; 2002.
14. Chaves SCL, Cruz DN, Barros SG, Figueiredo AL. Avaliação da oferta e utilização de especialidades odontológicas em serviços públicos de atenção secundária na Bahia, Brasil. Cad Saude Publica. 2011 jan;27(1):143-54.
15. Andrade KLC, Ferreira EF. Avaliação da inserção da odontologia no Programa Saúde da Família de Pompéu (MG): a satisfação do usuário. Cienc Saude Colet. 2006 jan-mar;11(1):123-30.
16. Vaitsman J, Andrade GRB. Satisfação e responsividade: formas de medir a qualidade e a humanização da assistência à saúde. Cienc Saude Colet. 2005 jul-set; 10(3):599-613.
17. Pinto RS, Matos DL, Loyola Filho AI. Características associadas ao uso de serviços odontológicos públicos pela população adulta brasileira. Cienc Saude Coletiva. 2012 fev;17(2):531-44.
18. Saliba NA, Nayme JGR, Moimaz SAS, Cecilio LPP, Garbin CAS. Organização da demanda de um Centro de Especialidades Odontológicas. Rev Odontol UNESP 2013 set-out;42(5):317-23.
19. Cecílio LCO. Modelos tecno-assistenciais em saúde: da pirâmide ao círculo, uma possibilidade a ser explorada. Cad Saude Publica. 1997 jul-set;13(3):469-78.
20. Secretaria da Saúde (Minas Gerais). SB Minas Gerais: pesquisa das condições de saúde bucal da população mineira: resultados principais. Belo Horizonte: Secretaria da Saúde; 2013.
21. Gouveia GC, Souza WV, Luna CF, Souza-Júnior PRB, Szwarcwald CL. Satisfação dos usuários do sistema de saúde brasileiro: fatores associados e diferenças regionais. Rev Bras Epidemiol. 2009 set;12(3):281-96
22. Ramos DD, Lima MADS. Acesso e acolhimento aos usuários em uma unidade de saúde de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saude Publica. 2003 jan-fev;19(1):27-34.
23. Lima JC, Azoury EB, Bastos LHCV, Coutinho MM, Pereira NN, Ferreira SCC. Desigualdades no acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Saude Debate. 2002 jan-abr;26(60):62-70.
24. Baldani MH, Almeida ES, Antunes JLF. Equidade e provisão de serviços públicos odontológicos no estado do Paraná. Rev Saude Publica. 2009 maio-jun;43(3):446-54.
25. Machado FCA, Silva JA, Ferreira MAF. Fatores relacionados ao desempenho de Centros de Especialidades Odontológicas. Cienc Saude Coletiva. 2015 abr 20(4):1149-65.
Endereço para correspondência:
Elisa Shizuê Kitamura
Rua Santa Filomena, 34/102,
Centro, Leopoldina-MG, Brasil.
CEP: 36700-000
E-mail: elisaskit@hotmail.com
Recebido em 07/04/2015
Aprovado em 06/11/2015
* Artigo baseado na dissertação de mestrado de Elisa Shizuê Kitamura, intitulada 'Avaliação da satisfação dos usuários assistidos pelos Centros de Especialidades Odontológicas pertencentes à macrorregião sudeste de Minas Gerais', defendida junto ao Mestrado Acadêmico de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Juiz de Fora em dezembro de 2013.