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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.25 n.1 Brasília jan./mar. 2016

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000100018

ARTIGO DE OPINIÃO

 

A vigilância epidemiológica da tuberculose no Brasil: como é possível avançar mais?

 

Epidemiological surveillance of tuberculosis in Brazil: How can more progress be made?

 

La vigilancia epidemiológica de tuberculosis em Brasil: como se puede avanzar más?

 

 

Ethel Leonor Noia Maciel1; Carolina Maia Martins Sales1

1Universidade Federal do Espírito Santo, Laboratório de Epidemiologia, Vitória-ES, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


 

 

No ano em que o Relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a tuberculose (TB) como a doença infecciosa mais mortal do planeta, superando pela primeira vez a aids, a necessidade de repensar as estratégias de prevenção e controle da TB se torna ainda mais evidente. As estimativas apontam que a doença matou 1,5 milhão de pessoas em 2014, contra 1,2 milhão de vítimas do HIV.1

Diagnosticar e tratar corretamente os casos de tuberculose pulmonar são medidas fundamentais para o seu controle. Esforços têm sido realizados para que a doença seja diagnosticada precocemente e o paciente inicie o tratamento adequado, de forma que a cadeia de transmissão do bacilo seja interrompida. No Brasil, a atuação do Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) é de fundamental importância para a redução da morbidade e mortalidade da TB. Os sucessos do PNCT têm sido enormes, mas, apesar da redução em 38,4% na taxa da incidência e 35,8% na taxa de mortalidade, de 1990 a 2010, o país ainda figurava entre os 22 países no mundo com maior carga desta doença.2

Uma das estratégias adotadas pelo PNCT é a busca passiva de casos novos centrada no exame baciloscópico do escarro, ou testes rápidos automatizados, como o GeneXpert, recentemente introduzido em capitais com alta incidência da doença, para os pacientes sintomáticos respiratórios que procuram espontaneamente as unidades de saúde. Nas últimas décadas, o PNCT recomendou que também se fizesse a busca ativa dos contatos (pessoas que convivam regularmente, em um mesmo ambiente, com um paciente diagnosticado com TB), principalmente no domicílio.2

No entanto, a transmissão domiciliar, apesar de fazer sentido epidemiológico, parece contribuir em menor escala como fonte de infecção e doença no número de casos notificados. Em um estudo realizado na Bahia para busca de contatos domiciliares de pacientes bacilíferos que apresentavam tuberculose, encontrou-se apenas 1,1% de contatos domiciliares com a doença.3 Na América Latina, o único estudo realizado sobre o assunto mostrou que, no Peru, a transmissão domiciliar era importante até a faixa etária de 5 anos, e que acima desta idade a transmissão ocorria na comunidade, e não no domicílio.4 Classen e colaboradores (1999)5 sugeriram que, em áreas de alta incidência de TB, contatos extradomiciliares têm um papel importante na transmissão da doença.

Além disso, a busca tradicional pelos contatos domiciliares não é capaz de identificar a transmissão ocorrida durante contatos breves e casuais entre indivíduos.6 Um estudo utilizando técnicas de biologia molecular realizado por Sebek (2000)7 mostrou que a transmissão ocorre, na maior parte dos casos, a partir do contato do caso índice com outros indivíduos durante um período muito curto de tempo e, dessa forma, é difícil de ser detectada através desta investigação tradicional. Small e colaboradores (1994),8 em um estudo realizado em São Francisco, Estados Unidos, relataram que a busca por contatos domiciliares foi responsável pela identificação de apenas 10% dos contatos de casos notificados.

Estudos realizados no Espírito Santo, Brasil, para análise da dinâmica da transmissão de Mycobacterium tuberculosis, a partir de dados genotípicos e espaciais, têm demonstrado - e corroborado com outros estudos - que a transmissão da TB em um ambiente urbano apresenta uma determinação espacial importante. Nesses estudos, utilizamos o conceito de território, ou espaço, como compreendido por Milton Santos9 (1996), enquanto lócus interdependente de modo de produção e formação socioeconômica, e não apenas espaço geográfico.

Nesse sentido, em um estudo realizado em Vitória-ES, observou-se que a TB se distribui heterogeneamente na cidade, tendo sido as maiores incidências encontradas nos bairros com pior índice de qualidade urbana (IQU).10 Outro estudo feito no estado do Espírito Santo, para análise espacial da TB infantil, verificou que a maior parte dos municípios com alta incidência são aqueles prioritários para o controle da doença, o que reforça a relação entre os aglomerados espaciais da endemia de TB em maiores de 15 anos e a TB infantil, além de ressaltar que tais locais são importantes na cadeia de transmissão, uma vez que são locais de infecção recente da doença e não de reativação endógena.11

Além disso, Maciel e colaboradores (2010)12 demonstraram que os casos de TB não tendem apenas a formar aglomerados espaciais, como descritos anteriormente, mas que alguns genótipos de Mycobacterium tuberculosis podem ser responsáveis pela formação desses aglomerados, sugerindo surtos de um mesmo genótipo em microrregiões. Esses aglomerados espaciais e genotípicos de casos de TB poderiam, portanto, ser uma representação de relações sociais em um bairro ou vizinhança.

Na análise mais especifica das distâncias entre genótipos de Mycobacterium tuberculosis, Ribeiro e colaboradores conseguiram determinar que uma distância média de aproximadamente 2.000 metros separa os pacientes de um mesmo aglomerado espacial, ou seja, um paciente x com a doença e com um determinado genótipo está a uma distância de aproximadamente 2.000 metros do paciente y com o mesmo genótipo. Esse achado sugere, portanto, que apesar de a transmissão da TB não ocorrer na maioria das vezes em nível domiciliar, ela ocorre numa área mais abrangente, porém ainda delimitada no espaço.13

Como é possível incorporar esses resultados na prática da vigilância epidemiológica? Os achados possuem um potencial de avançar na atual estratégia de busca de sintomáticos respiratórios, na medida em que se muda o foco do local de busca. O que atualmente é visto, ou recomendado como a avaliação no domicílio, passa a ganhar amplitude, ao se estender para os espaços sociais. A vigilância com base no território teria como objetivo principal, na atenção primária, construir as redes sociais do individuo com TB, e, a partir daí, estabelecer as estratégias de controle.

As redes sociais do indivíduo e sua família podem ser determinadas com a utilização do instrumento de avaliação da família empregado na Estratégia de Saúde da Família (ESF) - o ecomapa. Segundo o Ministério da Saúde (2011b), 14 o ecomapa é o instrumento que, junto com o genograma ou famioliograma, representa, através de formato gráfico, as relações da família com o meio social.

De acordo com os estudos acima descritos e, principalmente, com os achados de Ribeiro e colaboradores (2015),13 propomos um fluxograma de vigilância territorial da TB, abordando a busca de sintomáticos respiratórios, utilizando a técnica do ecomapa para a identificação das relações sociais do indivíduo. No fluxograma proposto na Figura 1, duas estratégias podem ser evidenciadas. A primeira de cunho individual, em que cada contato é identificado e encaminhado para uma investigação clínica; e a segunda, uma estratégia coletiva, de educação em saúde, na qual serão informados sinais e sintomas e orientados os cuidados em saúde, para identificação da necessidade de avaliação clínica. No início da Figura 1, um paciente com TB põe em movimento a estratégia de controle de contatos, que se baseia na busca de sintomático respiratório em diferentes ambientes sociais, por exemplo, em casa, no trabalho e em igrejas e escolas, abrigos ou em locais de lazer contínuo e regular, dentre outros. Caso o paciente more sozinho ou não tenha trabalho fixo ou não tenha este lazer com as mesmas pessoas, não há, especificamente, quem investigar. Ao contrário, caso more com outras pessoas ou tenha trabalho fixo, devem-se investigar os contatos individualmente. Se a tosse tiver duração de mais de duas semanas, a orientação é a coleta do escarro no momento da identificação e outra no dia posterior.2 Para os contatos em escolas e igrejas ou outros locais de aglomeração, nos quais o paciente tenha interação com muitas pessoas, orienta-se que seja realizada educação em saúde com o intuito de prevenir a doença e alertar para os sintomas, e seja prestada orientação caso alguém esteja com tosse há mais de duas semanas.

 

 

Este fluxograma para busca de sintomáticos respiratórios de TB poderá, na prática da atenção primária à saúde, orientar o processo de trabalho e organizar a demanda dos serviços de saúde; assim, um maior número de sintomáticos respiratórios pode ter a doença identificada e, consequentemente, a iniciação precoce do tratamento, ou tratamento de infecção latente, se indicado. Além disso, em casos de ambientes sociais em que circulem várias pessoas, a educação em saúde terá como consequência um maior número de pessoas orientadas e multiplicadoras desta informação. Desse modo, tais ações poderão apresentar um avanço para a vigilância epidemiológica da TB, com benefícios para os indivíduos afetados e a comunidade. Uma vez que essa abordagem considera a transmissão na comunidade e em seus espaços sociais e não somente o contato intradomiciliar, sua aplicação pode contribuir para organizar e dinamizar os processos de trabalho no âmbito da atenção primária à saúde para o controle da TB.

 

Referências

1. World Health Organization (WHO). Global tuberculosis report 2015 [Internet]. 20 th ed. Geneva: World Health Organization; 2015 [cited 2015 nov 14]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/191102/1/9789241565059_eng.pdf?ua=1.

2. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual de Recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [citado 2015 nov 14]. (Série A. Normas e Manuais Técnicos). Disponível em: http://www.cve.saude.sp.gov.br/htm/TB/mat_tec/manuais/MS11_Manual_Recom.pdf

3. Mota FF, Vieira-da-Silva LM, Paim JS, Costa MCN. Spatial distribution of tuberculosis mortality in Salvador, Bahia, Brazil. Cad Saude Publica. 2003 Jul-Aug;19(4):915-22.

4. Madico G, Gilman RH, Checkley W, Cabrera L, Kohlstadt I, Kacena K, et al. Community infection ratio as an indicator for tuberculosis control. Lancet 1995 Feb; 345(8947):416-9.

5. Classen CN, Warren R, Richardson M, Hauman JH, Gie RP, Ellis JH, et al. Impact of social interactions in the community on the transmission of tuberculosis in a high incidence area. Thorax. 1999 Feb;54(2):136-40.

6. Fok A, Numata Y, Schulzer M, FitzGerald MJ. Risk factors for clustering of tuberculosis cases: a systematic review of population-based molecular epidemiology studies. Int J Tuberc Lung Dis. 2008 May;12(5):480-92.

7. Sebek M. DNA fingerprinting and contact investigation. Int J Tuberc Lung Dis. 2000 Feb;4(2)Suppl 1:S45-8.

8. Small PM, Hopewell PC, Singh SP, Paz A, Parsonnet J, Ruston DC, et al. The epidemiology of tuberculosis in San Francisco: a population-based study using conventional and molecular methods. N Engl J Med. 1994 Jun;330(24): 1703-9.

9. Santos, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec; 1996.

10. Vieira RCA, Prado TN, Siqueira MG, Dietzes R, Maciel ELN. Distribuição espacial dos casos novos de tuberculose em Vitória, Estado do Espírito Santo, no período entre 2000 e 2005. Rev Soc Bras Med Trop. 2008;41(1):82-6.

11. Sales CMM, Figueiredo TAM, Zandonade E, Maciel ELN. Análise espacial da tuberculose infantil do estado do Espírito Santo, 2000 a 2007. Rev Soc Bras Med Trop. 2010 jul-ago;43(4):435-9.

12. Maciel EL, Pan W, Dietze R, Peres RL, Vinhas SA, Ribeiro FK, et al. Spatial patterns of pulmonary tuberculosis incidence and their relationship to socio-economic status in Vitoria, Brazil. Int J Tuberc Lung Dis. 2010 Nov;14(11):1395-402.

13. Ribeiro FK, Pan W, Bertolde A, Vinhas SA, Peres RL, Riley L, et al. Genotypic and spatial analysis of Mycobacterium tuberculosis transmission in a high-incidence urban setting. Clin Infect Dis. 2015 Sep;61(5):758-66.

14. Ministério da Saúde (BR). Guia prático de matriciamento em saúde mental [Internet]. Dulce Helena Chiaverini, organizadora. Brasília: Ministério da Saúde, Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2011 [citado 2015 nov 09]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_pratico_matriciamento_saudemental.pdf

 

 

Endereço para correspondência:
Ethel Leonor Noia Maciel -
Laboratório de Epidemiologia/
Universidade Federal do Espírito Santo (LabEPI/ UFES).
Av Marechal Campos, 1468.
Bairro Santos Dumont. Vitória - ES, Brasil.
E-mail: ethel.maciel@gmail.com