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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versión impresa ISSN 1679-4974versión On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.25 n.1 Brasília ene./mar. 2016

 

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000100020

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Toxoplasmose adquirida na gestação e toxoplasmose congênita: uma abordagem prática na notificação da doença*

 

Gestational and congenital toxoplasmosis: a practical approach to disease notification

 

Toxoplasmosis adquirida durante el embarazo y toxoplasmosis congénita: un enfoque práctico en la notificación de la enfermedad

 

 

Jaqueline Dario Capobiango1; Regina Mitsuka Breganó2; Fabiana Maria Ruiz Lopes Mori3; Italmar Teodorico Navarro4; Josemari Sawczuk de Arruda Campos5; Linda Tsuiko Tatakihara5; Thalita Bento Talizin6; Monica dos Santos6; Tayná Rolim Galvão Pereira6; Simone Garani Narciso7; Edna Maria Vissoci Reiche8

1Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Pediatria e Cirurgia Pediátrica, Londrina-PR, Brasil
2Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Ciências Patológicas, Londrina-PR, Brasil
3Centro Universitário Filadélfia, Curso de Biomedicina, Londrina-PR, Brasil
4Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Medicina Veterinária Preventiva, Londrina-PR, Brasil
5Hospital Universitário de Londrina, Núcleo Hospitalar de Epidemiologia, Londrina-PR, Brasil
6Universidade Estadual de Londrina, Faculdade de Medicina, Londrina-PR, Brasil
7Secretaria Municipal de Saúde, Serviço de Vigilância Epidemiológica, Londrina-PR, Brasil
8Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Patologia, Toxicologia e Análises Clínicas, Londrina-PR, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: relatar a experiência de implantação da notificação de toxoplasmose durante a gestação e toxoplasmose congênita em uma unidade sentinela (US) e descrever os casos notificados.
MÉTODOS: foi relatada a criação de um fluxo de notificação com utilização de ficha de notificação específica para os casos suspeitos de toxoplasmose na gestante e toxoplasmose congênita registrados em serviço de referência no estado do Paraná, Brasil, no período de agosto de 2013 a agosto de 2014.
RESULTADOS: todos os 64 casos suspeitos foram notificados e a investigação foi complementada pelo Núcleo de Epidemiologia da US; 63 desses casos realizaram pré-natal e 51 receberam tratamento durante a gestação; entre as crianças acompanhadas ambulatorialmente, 7 tiveram diagnóstico de toxoplasmose congênita confirmado.
CONCLUSÃO: a implantação da notificação da toxoplasmose permitiu a obtenção de dados epidemiológicos, clínicos e de diagnóstico da doença, que contribuíram para a avaliação da evolução clínica das crianças expostas ao Toxoplasma gondii.

Palavras-chave: Toxoplasmose Congênita; Notificação de Doenças; Serviços de Vigilância Epidemiológica; Vigilância em Saúde Pública.


ABSTRACT

OBJETIVE: to demonstrate the experience of implanting toxoplasmosis notification during pregnancy and congenital toxoplasmosis in a Sentinel Unit (SU) and describe reported cases.
METHODS: this was a descriptive study of the implantation of a notification protocol using a specific notification form for suspected cases of toxoplasmosis in pregnant women and congenital toxoplasmosis in a reference center in Paraná State, Brazil, from August 2013 to August 2014.
RESULTS: all 64 suspected cases were notified and case investigation was completed by the SU Epidemiology Sector; 63 received prenatal care and 51 received treatment duringpregnancy; 7 of the children being clinically monitored had confirmed diagnosis of congenital toxoplasmosis.
CONCLUSION: implanting toxoplasmosis notification afforded epidemiological, clinical and diagnostic data on the disease that contributed to the assessment of the clinical evolution of children exposed to Toxoplasma gondii.

Key words: Toxoplasmosis, Congenital; Disease Notification; Epidemiological Surveillance Services; Public Health Surveillance.


RESUMEN

OBJETIVO: relatar la experiencia de implementación de la notificación de toxoplasmosis durante el embarazo y toxoplasmosis congénita en una Unidad Centinela (US) y describir los casos reportados.
MÉTODOS: se realizó un estudio descriptivo, mediante la creación de un flujo de notificación y un registro de notificación específica para los casos sospechosos de toxoplasmosis en mujeres embarazadas y toxoplasmosis congénita en un centro de referencia en el estado de Paraná, Brasil, de agosto 2013 a agosto 2014.
RESULTADOS: todos los 64 casos sospechosos fueron notificados y la investigación se complementó por el Núcleo de Epidemiología del US; de estos 63 recibieron atención prenatal y 51 recibieron tratamiento durante el embarazo; entre los niños seguidos ambulatoriamente, 7 fueron diagnosticados con toxoplasmosis congénita confirmada.
CONCLUSIÓN: la puesta en práctica de la notificación de toxoplasmosis proporcionó datos epidemiológicos, clínicos y de diagnóstico de la enfermedad que contribuyeron a la evaluación de la evolución clínica de los niños expuestos al Toxoplasma gondii.

Palabras-clave: Toxoplasmosis Congénita; Notificación de Enfermedad; Servicios de Vigilancia Epidemiológica; Vigilancia en Salud Pública.


 

Introdução

A toxoplasmose é uma zoonose cosmopolita causada pelo protozoário Toxoplasma gondii (T. gondii) e infectante para diversos mamíferos.1,2 A soroprevalência da toxoplasmose em gestantes nas regiões Sul e Sudeste do Brasil varia entre 31,0 e 64,4%.3-5,6 Em Londrina, cidade da região norte do estado do Paraná, região Sul, 50,8% das gestantes não apresentaram anticorpos da classe IgG para o T. gondii.7 Por conseguinte, permanece elevada a frequência de gestantes susceptíveis a essa infecção no país.

A toxoplasmose congênita pode-se apresentar com formas graves ou com sequelas graves tardias, mesmo em crianças assintomáticas ao nascimento.8-9 O diagnóstico oportuno da infecção permite o tratamento adequado da gestante, capaz de reduzir a gravidade das sequelas da toxoplasmose no feto.10-11

No período de 2000 a 2010, 31 casos de toxoplasmose congênita foram registrados no Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina (HU/UEL) e somente 4 gestantes receberam tratamento, o que resultou em elevada frequência de crianças com toxoplasmose congênita sintomáticas (n=19) e com sequelas (n=20).12 Em 2006, implantou-se o Programa de Vigilância em Saúde da Toxoplasmose Gestacional e Congênita na atenção primária de Londrina, com a investigação sorológica para toxoplasmose durante o atendimento pré-natal.13

Nesse contexto, faz-se necessária a caracterização epidemiológica da toxoplasmose na gestação e congênita, por meio da notificação de todos os casos suspeitos. As Portarias do Ministério da Saúde GM/MS no 2.412, de 31 de agosto de 2010, e GM/MS no 104, de 25 de janeiro de 2011, tornaram a notificação de toxoplasmose gestacional e congênita obrigatória em unidades sentinelas.14-15 As unidades sentinelas do Brasil utilizam uma ficha de Notificação Individual (NOTINDIV) para agravos previstos no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) que não dispõem de ficha específica. É o caso da toxoplasmose na gestação e congênita, que todavia não conta com uma ficha de notificação padronizada para toxoplasmose.

Até o momento da experiência relatada, portanto, não havia instrumentos nacionais padronizados e validados para a notificação de toxoplasmose na gestação e congênita, o que justifica a realização do presente estudo, cujo objetivo é relatar a experiência de implantação da notificação de toxoplasmose durante a gestação e toxoplasmose congênita em uma unidade sentinela do município de Londrina e descrever os casos notificados.

 

Métodos

O presente relato de notificações de toxoplasmose adquirida na gestação e congênita refere-se aos casos notificados no HU/UEL - Hospital Sentinela para a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde -, referentes ao período de agosto de 2013 a agosto de 2014. O HU/UEL conta com um Núcleo Hospitalar de Epidemiologia (NHE), responsável por identificar casos de notificação compulsória e de outros agravos, como a toxoplasmose gestacional e congênita.

Além do encaminhamento ao NHE das fichas de gestantes suspeitas atendidas no ambulatório, o rastreamento específico para toxoplasmose adquirida na gestação recorreu ao sistema informatizado do Laboratório de Análises Clínicas do HU/UEL, buscando resultados reagentes de IgM anti-T gondii em gestantes. Para cada gestante com IgM anti-T gondii reagente, considerada como caso suspeito, foi aberta uma ficha específica de investigação. Inicialmente esboçado em 2006, o modelo dessa ficha específica foi concluído em 2013 (ver modelo da ficha no Anexo a este relato), dispondo de campos de registro de dados da mãe e da criança, criados segundo as recomendações de vigilância do Centers for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos da América (CDC/USA).16 O NHE também dispôs a ficha NOTINDIV para registro - pela Vigilância Epidemiológica (VE) - dos dados de identificação da gestante no Sinan.

Os critérios de classificação diagnóstica dos casos suspeitos de toxoplasmose adquirida na gestação e de toxoplasmose congênita estão descritos na Figura 1.9,17,18

 

 

As gestantes com reatividade para IgM anti-T. gondii (exceto quando o teste de avidez para IgG demonstrasse forte avidez no 1° trimestre) iniciaram tratamento com espiramicina e foram encaminhadas ao Ambulatório de Alto Risco de Obstetrícia do HU/UEL, para definição diagnóstica e acompanhamento do tratamento, seguindo o protocolo do Programa de Vigilância em Saúde da Toxoplasmose Gestacional e Congênita do HU/ UEL e da Secretaria Municipal de Saúde de Londrina, que recomenda o início do tratamento para os casos suspeitos até a definição diagnóstica.19

Foi considerado como caso suspeito de toxoplasmose congênita toda criança menor de 12 meses de idade cuja mãe teve suspeita de toxoplasmose adquirida na gestação.

A Figura 2 ilustra os fluxos de notificação dos casos suspeitos ou confirmados de toxoplasmose na gestação e toxoplasmose congênita, elaborados e implantados em 2013, no início da presente experiência.

 

 

Após o recebimento da ficha específica do ambulatório e da maternidade, foram criadas agendas anuais de acompanhamento pelo Núcleo Hospitalar de Epidemiologia - NHE. Com base na data provável do parto, foram agendadas as datas para revisão dos casos após o nascimento da criança.

O verso da ficha específica, direcionada à criança, foi preenchido em três momentos:

1) na maternidade do HU/UEL, pelo pediatra que encaminhou a ficha para o NHE;

2) completado um ano de idade da criança, pelo profissional do NHE que preencheu os dados a partir dos registros no prontuário de acompanhamento ambulatorial; e

3) completados dois anos de vida da criança, pelo profissional do NHE que encerrou o caso após avaliação por médico infectologista.

Para as crianças provenientes de outras maternidades, a ficha foi preenchida pelo médico durante a primeira consulta de atendimento no Ambulatório de Infecções Congênitas do HU/UEL e logo encaminhada ao NHE. Para as crianças com toxoplasmose congênita confirmada, a partir de 24 meses de idade foi programado o agendamento anual para acompanhamento pelo Ambulatório de Infecções Congênitas do HU/UEL e no NHE, visando a detecção de possíveis sequelas tardias da doença (Figura 2).

Foi criado um banco de dados sobre a plataforma Microsoft Office Excel 2007, com registros de todos os casos suspeitos; para a análise dos dados, foi utilizado o programa SPSS versão 15.0. As variáveis quantitativas foram expressas em medianas e variação interquartil (IQR 25%-75%), e as variáveis qualitativas, em números absolutos (n).

O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina: Parecer no 047/05.

 

Resultados

O preenchimento das fichas de notificação e a confirmação do diagnóstico de toxoplasmose na gestante e na criança ocorreram de acordo com os fluxogramas propostos (Figura 2), com o envolvimento de vários profissionais da saúde. O trabalho foi realizado por equipe multiprofissional, composta de docentes, residentes, plantonistas, enfermeiros e alunos de graduação da área da Saúde.

Na fase de notificação, médicos obstetras e pediatras participaram no atendimento e preenchimento das fichas de notificação. A equipe de enfermagem encaminhou as fichas preenchidas para o Núcleo Hospitalar de Epidemiologia do HU/UEL, responsável pelo registro de dados complementares, como os resultados sorológicos em amostras seriadas e as informações da evolução do caso referentes ao tratamento e efeitos adversos. Após este procedimento, a classificação final do diagnóstico de toxoplasmose na gestação foi realizada pelo médico infectologista.

No período de agosto de 2013 a agosto de 2014, foram notificados 64 casos de toxoplasmose na gestação (Tabela 1). A idade mediana das gestantes notificadas foi de 24 anos (IRQ 25%-75% de 18,3 e 24,0). Destas, 63 realizaram pré-natal e 51 casos suspeitos receberam tratamento durante a gestação. O tratamento foi iniciado no primeiro trimestre em 23 gestantes, no 2° trimestre em 20 e no 3° trimestre em 8 gestantes. As 2 gestantes com o diagnóstico confirmado foram tratadas com sulfadiazina, pirimetamina e ácido folínico; o tratamento das demais gestantes ocorreu conforme a classificação diagnóstica. Em uma gestante com diagnóstico possível, o tratamento foi suspenso pela presença de exantema. Os efeitos colaterais do tratamento foram relatados por 12 entre 41 gestantes que usaram sulfadiazina pirimetamina e ácido folínico; entretanto, esses efeitos foram revertidos em todas elas. Nenhuma das 10 gestantes tratadas com espiramicina relatou efeitos colaterais. Entre as 14 gestantes notificadas que não foram tratadas, 1 não realizou pré-natal, 6 não tinham indicação de tratamento, pois o diagnóstico era improvável, 6 perderam a oportunidade de tratamento e 1 teve o tratamento suspenso.

 

 

 

Entre as 29 gestantes com IgG anti-T. gondii com avidez fraca ou intermediária, 27 foram tratadas e 2 não receberam o tratamento, pois apresentaram soroconversão ao final da gestação. Dessas 29, 2 tiveram a classificação de diagnóstico confirmado, 23 provável e 4 possível. Entre as 8 gestantes com teste de avidez não realizado, 3 tiveram o diagnóstico provável, 2 possível, 2 improvável e 1 susceptível.

Dos 64 nascidos vivos das gestantes acompanhadas, 46 permaneceram em acompanhamento por mais três meses após o término do estudo; as demais 18 crianças não retornaram ao serviço, para seguimento. O diagnóstico de toxoplasmose congênita foi confirmado em 7 crianças (4 sintomáticas ao nascimento) e descartado em 8. Entre as crianças infectadas, 4 apresentaram coriorretinite e 3 calcificação cerebral. As demais 34 crianças que permaneceram em acompanhamento não tiveram o diagnóstico concluído, nesse período. A idade gestacional mediana foi de 39 semanas (IRQ 25%-75% de 38 e 39 semanas), e a mediana de peso ao nascimento, de 3.118 g (IRQ 25%-75% de 2.686,2 e 3.117,5 g).

 

Discussão

A implantação da notificação dos casos suspeitos de toxoplasmose adquirida durante a gestação e toxoplasmose congênita em Londrina, estado do Paraná, foi bem-sucedida. A experiência possibilitou a identificação de 64 casos suspeitos de toxoplasmose adquirida durante a gestação no período de um ano, uma melhor avaliação do perfil epidemiológico das gestantes infectadas, além da maior adesão das crianças expostas, para acompanhamento pelo serviço de referência.

Observou-se mudança no acompanhamento dos casos de toxoplasmose adquirida na gestação e congênita atendidos no HU/UEL, ao se comparar os resultados do presente estudo com os de estudo anterior, realizado entre 2000 e 2010:12 a maioria das gestantes sem diagnóstico durante o pré-natal - pois a sorologia para toxoplasmose não era solicitada pela rotina dos serviços de saúde pública -, e somente 4 tendo recebido tratamento específico. A adoção da ficha de notificação específica, portanto, contribuiu para a melhoria no diagnóstico e tratamento da doença na gestante, como resultado da implantação do Programa de Vigilância em Saúde da Toxoplasmose Gestacional e Congênita da Universidade Estadual de Londrina/Secretaria Municipal de Saúde de Londrina-PR.13 São avanços que também refletem a boa adesão dos profissionais dedicados ao atendimento pré-natal pela rede pública, na investigação e condução dos casos suspeitos.

O atual modelo de ficha de notificação foi testado em campo, pelos médicos, alunos e equipe do Núcleo Hospitalar de Epidemiologia - NHE. O instrumento teve boa aceitabilidade, desde que permitiu melhor definição dos casos, conforme as demais fichas do Sinan,20 e seguiu as recomendações do CDC/USA,16 demonstrando representatividade, simplicidade em seu preenchimento, fácil acesso aos dados e aos exames incluídos na rotina do pré-natal.

Estima-se que 90% das mulheres que adquirem toxoplasmose durante a gestação são assintomáticas,21-22 reforçando a importância da realização de testes sorológicos para confirmação da infecção. Porém, há dificuldade de interpretação dos exames e, muitas vezes, o diagnóstico é inconclusivo ao final da gestação, o que torna necessário o fechamento do caso somente após a definição do diagnóstico na criança. Diferentemente das demais doenças de notificação obrigatória, o encerramento de um caso de toxoplasmose como confirmado ou descartado nem sempre se aplica à gestante com suspeita da doença.

É importante o seguimento ambulatorial das crianças infectadas no longo prazo, haja vista a possibilidade de coriorretinite com dano visual, atraso de desenvolvimento neuropsicomotor, hidrocefalia, convulsões e/ou surdez, no transcurso de anos após o nascimento.11,23-26 No caso da experiência aqui relatada, para o fechamento do diagnóstico na criança, foi priorizado o seguimento até os dois anos de idade, mantendo-se um campo aberto ao final da ficha para anotação de sequelas mais tardias. Estudos futuros permitirão a conclusão do diagnóstico de todas as crianças em seguimento, com avaliação das possíveis sequelas.

Na maioria dos paises, a toxoplasmose congênita não é uma doença de notificação obrigatória.27 Em 12 países da Europa, a toxoplasmose sintomática (congênita ou não) é objeto de notificação obrigatória, embora somente na França, Alemanha e Itália haja uma vigilância da toxoplasmose congênita. Contudo, o grupo de estudos europeu sobre prevenção da toxoplasmose ressalta a importância dessa vigilância para definir a tendência epidemiológica da doença. 27

O presente estudo teve como referência a Portaria GM/MS n° 2.472, de 31/08/10.14 Provavelmente, a falta de um modelo de ficha de notificação específica para toxoplasmose padronizado pelo Ministério da Saúde tenha contribuído para a não inclusão, nas Portarias GM/MS n° 1.984 (12/09/14) e GM/MS n° 1.271 (06/01/14), da toxoplasmose aguda gestacional e congênita entre as doenças de notificação compulsória em unidades sentinelas.28-29

No interesse da vigilância, a notificação do caso suspeito é válida para (i) obtenção dos dados de incidência da toxoplasmose adquirida na gestação e congênita, (ii) cálculo da taxa de transmissão congênita, além de sua (iii) relevância para a avaliação da gravidade da doença no binômio mãe-criança e (iv) análise da eficácia do tratamento materno na prevenção da transmissão congênita e de suas sequelas na criança.

Conclui-se que uma rotina de notificação da toxoplasmose na gestação e da toxoplasmose congênita, mediante a utilização de uma ficha específica, pode ser aplicada, inicialmente, pelas unidades sentinelas, e posteriormente, pelos diversos serviços de saúde, contribuindo para a coleta de dados, produção de informações epidemiológicas regionais e ampliação do conhecimento sobre a doença no país.

 

Contribuição dos autores

Capobiango JD participou de todas as etapas da pesquisa, na concepção, metodologia, pesquisa, análise e interpretação dos dados e redação do artigo.

Mitsuka-Breganó R, Lopes-Mori FMR e Navarro IT participaram do delineamento do estudo, implantação do método e redação do artigo.

Campos JSA, Tatakihara LT e Narciso SG participaram da coleta e interpretação de dados e implantação do método.

Talizin TB, Santos M e Pereira TRG participaram da coleta e tabulação dos dados, implantação do método, pesquisa bibliográfica e redação do artigo.

Reiche EMV participou na orientação do trabalho e revisão crítica.

Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os aspectos do trabalho, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

 

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Endereço para correspondência:
Jaqueline Dario Capobiango -
Universidade Estadual de Londrina,
Centro de Ciências da Saúde,
Departamento de Pediatria e Cirurgia Pediátrica,
Avenida Robert Koch, no 60, Vila Operária,
Londrina-PR, Brasil. CEP: 86038-350.
E-mail: jaquedc@uel.br

Recebido em 12/06/2015
Aprovado em 14/10/2015

 

 

* Artigo elaborado a partir de tese de Doutorado de Jaqueline Dario Capobiango, defendida junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina, estado do Paraná, Brasil, em 2014.