O Ministério da Saúde do Brasil foi pioneiro ao reconhecer a implicação do vírus Zika na ocorrência do surto de microcefalia, uma associação inédita na literatura científica. A posição do Ministério da Saúde, em novembro de 2015, foi subsidiada por informações da vigilância epidemiológica nacional e pela identificação deste vírus em amostras de bebês com malformações.1 A Organização Mundial da Saúde (OMS), ao declarar o evento como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), em fevereiro de 2016, foi cautelosa e não assumiu a comprovação dessa relação causal, embora tenha considerado a existência de uma "possível associação".2 Em março de 2016, a existência de um forte consenso científico sobre o envolvimento do vírus Zika na causalidade da microcefalia foi reconhecida pela OMS, com base nos resultados de estudos epidemiológicos, clínicos e biológicos então disponíveis.3
Desde a detecção do evento epidêmico, e diante de uma situação epidemiológica inusitada, o Ministério da Saúde adotou uma postura de transparência na divulgação dos dados e iniciou a investigação de campo em Pernambuco. Por sua vez, pesquisadores de diversas regiões do Brasil se mobilizaram rapidamente para buscar evidências e acelerar o desenvolvimento de tecnologias que pudessem contribuir no enfrentamento da epidemia. Em pouco tempo, muito se avançou. Os estudos epidemiológicos, além dos estudos clínicos e laboratoriais realizados no país, tiveram papel fundamental para a comprovação da relação causal entre a infecção pelo vírus Zika na gestação e a ocorrência de microcefalia em bebês, assim como de outras complicações neurológicas.4 O trabalho dos pesquisadores brasileiros também resultou em importantes desenvolvimentos tecnológicos, a exemplo dos testes diagnósticos.5,6
Apesar dos progressos obtidos e da expressiva expansão da publicação científica sobre o tema em um curto período de tempo, ainda permanecem muitas perguntas não respondidas. Estudos adicionais são, naturalmente, necessários para um melhor conhecimento sobre o vírus Zika e seus mecanismos de infecção, sua relação com o vetor (Aedes aegypti), suas potenciais complicações nas diversas etapas do ciclo de vida, além de outras questões importantes para a prevenção, o controle e o tratamento da doença.7 Estas lacunas demandam investimento em pesquisa e inovação, especialmente no cenário brasileiro, onde a epidemia impõe desafios maiores, em virtude das marcantes desigualdades sociais e das condições precárias de saneamento, em muitas localidades.8
Visando solucionar as questões aludidas, o Ministério da Saúde promoveu, com a participação do então Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), uma reunião com gestores e especialistas convidados, em março de 2016. Discutiu-se a agenda de prioridades de pesquisas relacionadas à emergência de saúde pública em curso, com o objetivo principal de indicar as linhas de pesquisa prioritárias a serem apoiadas. O resultado dessa reunião passou a orientar as estratégias adotadas pelo Ministério da Saúde para contratação e apoio a projetos de pesquisa sobre o tema - por modalidade de contratação direta ou por chamada pública. Está previsto o lançamento de um edital, em articulação com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações - MCTIC) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação do Ministério da Educação e Cultura (Capes/MEC).
É evidente a necessidade da mobilização de recursos de pesquisa de toda ordem, incluindo os grupos de pesquisa, as agências de fomento e as instâncias responsáveis pela apreciação ética dos projetos, tendo em vista a celeridade que o processo de produção científica exige para fazer frente à emergência de saúde pública.
Como recomendações da reunião supracitada, também foram levantadas algumas diretrizes a serem adotadas na condução das pesquisas apoiadas pelo Ministério da Saúde, que incluem: (i) a utilização de protocolos e instrumentos de pesquisa harmonizados; (ii) o compartilhamento de bases de dados; (iii) o armazenamento de amostras, de modo a possibilitar reanálise e realização de pesquisas futuras; (iv) a elaboração de relatórios de pesquisas parciais e a divulgação oportuna de achados que tenham relevância para as políticas de enfrentamento da epidemia, bem como para o desenvolvimento de protocolos de tratamento para os enfermos; (v) a publicação em acesso aberto; e (vi) a tradução para o português das publicações em língua estrangeira, de maneira a torná-las acessíveis a trabalhadores e usuários do Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS), assim como a outros potenciais usuários da informação em nosso país e nos demais países de língua portuguesa.
Essas diretrizes estão alinhadas a iniciativas de movimentos internacionais que incentivam o compartilhamento de dados (open data) e a publicação de resultados de pesquisa em acesso aberto (open access). O compartilhamento de dados pode ampliar grandemente a sua disseminação, a realização de metanálises e a compreensão dos resultados de estudos; ademais, pode ajudar a confirmar ou refutar resultados por meio da replicação, além de permitir uma melhor utilização dos resultados das pesquisas e aumentar a transparência sobre sua qualidade e integridade.9 A finalidade maior dessas iniciativas é permitir a reutilização e reanálise dos dados, de modo a se acelerar a produção e melhorar a qualidade das evidências científicas disponíveis, para apoiar de forma mais robusta a tomada de decisão, tanto na clínica, quanto na saúde pública.
Em face das situações de emergência de saúde pública, como a epidemia pelo vírus Zika, o compartilhamento de dados e a publicação em acesso aberto tornam-se ainda mais relevantes.10A Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do Sistema Único de Saúde do Brasil (RESS) é uma publicação em acesso integralmente aberto que apoia o compartilhamento de dados, conforme pautado em sua Declaração sobre Ética na Publicação.11 Neste número, a RESS publica artigo de revisão sobre as estratégias de controle do Aedes aegypti, que contribui para se refletir sobre a incorporação de inovações tecnológicas promissoras no enfrentamento das arboviroses no Brasil.12