Introdução
As doenças respiratórias agudas são responsáveis por grande parte das internações nos países de alta renda, sendo a maioria das infecções (80%) de etiologia viral.1 Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de oito milhões de crianças menores de cinco anos de idade evoluíram a óbito em 2008 por infecções agudas de trato respiratório inferior (IATRI).2
Os vírus da influenza e da parainfluenza são importantes agentes etiológicos dessas infecções.3 Nas crianças menores de cinco anos, são mais comumente envolvidos nos casos de IATRI o vírus sincicial respiratório (VSR) e o rinovírus, associados não somente a episódios agudos como também à exacerbação de sintomas em pacientes portadores de pneumopatias crônicas e crianças de baixa idade.4,5 Estudos com crianças desse grupo etário indicam o rinovírus como o de presença mais frequente (30%), seguido pelo VSR (24 a 28%), vírus da influenza (10%), da parainfluenza (6%) e adenovírus (4%).6,7
As doenças respiratórias causadas pelos vírus da influenza podem ser responsáveis por até 64% das pneumonias de origem viral adquiridas na comunidade, e suas complicações se refletem em um volume importante de internações hospitalares no Brasil.3,8,9 A OMS estima em torno de um bilhão de indivíduos infectados pelo vírus da influenza anualmente, sendo que em anos epidêmicos, a taxa de ataque da doença é de aproximadamente 15%.10,11 Em 2009 - ano da pandemia do vírus da influenza A(H1N1)pdm09 -, especificamente no Brasil, a letalidade por influenza A foi de 5,8%, e a incidência, de 14,5/100 mil habitantes.12
O aumento de internações e atendimentos ambulatoriais motivados pelas infecções respiratórias agudas pode variar conforme a região do país, clima e sazonalidade, o que torna importante conhecer e monitorar seu perfil epidemiológico para definir prioridades na destinação de recursos humanos e financeiros.13 No Brasil, desde 2000, é realizada a vigilância sentinela de vírus respiratórios. Essa vigilância monitora as cepas dos vírus da influenza circulantes nas cinco grandes regiões do país, por meio da coleta de secreção respiratória de pacientes com síndrome gripal (SG) atendidos em ambulatório. Segundo um estudo sobre a vigilância sentinela de SG no Brasil, no período de 2000 a 2010, cerca de três milhões de pacientes com infecção respiratória aguda foram atendidos nas unidades sentinela: 54% desses pacientes eram pessoas menores de 15 anos de idade e 1% tiveram amostra de secreção respiratória coletada.14
Em 2011, quando o Ministério da Saúde iniciou a vigilância intensificada de vírus respiratórios nos pacientes internados com síndrome respiratória aguda grave, Belo Horizonte foi eleito município-piloto dessa estratégia nacional. A vigilância de SRAG deve ser universal, para monitoramento da ocorrência de vírus respiratórios na população hospitalizada, e os resultados desse monitoramento podem contribuir com a estratégia de vacinação anual. A vacina é o principal mecanismo de prevenção da influenza e suas complicações para a saúde.
Este estudo teve como objetivo analisar a circulação dos vírus respiratórios na população residente na região metropolitana de Belo Horizonte, estado de Minas Gerais, Brasil, hospitalizada em Belo Horizonte no período de 2011 a 2013.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo de pacientes com síndrome respiratória aguda grave (SRAG), residentes na região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), internados ou aguardando internação em hospitais ou unidades de urgência/emergência públicas e privadas de Belo Horizonte, no momento da notificação ao sistema de vigilância epidemiológica do município, no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2013.
Belo Horizonte contava, no período analisado, com uma população de cerca de 2,5 milhões de habitantes,15 65 unidades hospitalares (sendo 60% de leitos do Sistema Único de Saúde [SUS]), oito unidades de pronto atendimento (UPA) e oito hospitais com núcleo de vigilância epidemiológica hospitalar (NUVEH). Os demais 38 municípios da região metropolitana somavam cerca de três milhões de habitantes, sendo Belo Horizonte sua referência de atendimento. São eles: Belo Vale, Betim, Bonfim, Brumadinho, Caeté, Confins, Contagem, Crucilândia, Esmeraldas, Florestal, Ibirité, Igarapé, Itabirito, Jaboticatubas, Juatuba, Lagoa Santa, Mariana, Mário Campos, Mateus Leme, Matozinhos, Moeda, Nova Lima, Nova União, Ouro Preto, Pedro Leopoldo, Piedade dos Gerais, Raposos, Ribeirão das Neves, Rio Acima, Rio Manso, Sabará, Santa Luzia, Santana do Riacho, São Joaquim de Bicas, São José da Lapa, Sarzedo, Taquaraçu de Minas e Vespasiano.
De acordo com a recomendação do Ministério da Saúde, é considerado caso de SRAG, todo paciente internado com SG, de qualquer faixa etária, com sinais/sintomas de dispneia ou saturação de O2 menor que 95% ou desconforto respiratório.16 Entende-se por paciente com SG o indivíduo que apresenta febre de início súbito, mesmo que referida, acompanhada de tosse ou dor de garganta e pelo menos um dos seguintes sintomas, cefaleia, mialgia ou artralgia, na ausência de outro diagnóstico específico.16
Foi definido pela equipe da vigilância epidemiológica de Belo Horizonte que os pacientes aguardando internação também seriam notificados, assim como crianças menores de dois meses ou adultos com 60 anos ou mais de idade, mesmo na ausência de febre. Estes casos deveriam ser avaliados e notificados à vigilância municipal pelos médicos e enfermeiros da unidade. Aqueles pacientes notificados nos primeiros sete dias de sintomas, pacientes admitidos em unidades de terapia intensiva (UTI) ou óbitos em qualquer fase da doença, tiveram espécimes clínicos coletados por meio de swab de nasofaringe. Foram contemplados os pacientes internados com resultado laboratorial positivo para vírus respiratórios, logo comparados com aqueles de resultado negativo ou que não realizaram coleta.
A técnica de reação da transcriptase reversa, seguida de reação em cadeia de polimerase (RT-PCR), e/ou imunofluorescência indireta (IFI), foram as metodologias utilizadas. Realizaram-se reuniões com os profissionais envolvidos, na Secretaria Municipal de Saúde e nas unidades, para explicar a importância do monitoramento de vírus respiratórios e o fluxo de atendimento e coleta de amostra. Mensalmente, eram disponibilizados boletins com os resultados preliminares dessa vigilância.
Para notificação e investigação dos casos, utilizou-se formulário padronizado pela vigilância epidemiológica com as seguintes variáveis:
- sexo;
- faixa etária, em anos completos (<5; 5 a 19; 20 a 39; 40 a 59; e ≥60 anos);
- local de residência (Belo Horizonte; outros municípios da região metropolitana de Belo Horizonte);
- gestante (sim; não);
- puérpera (sim; não);
- comorbidades - cardiopatia; diabetes; hepatopatia; doença neurológica; pneumopatia; nefropatia; imunodepressão; obesidade; asma; tabagismo; hemoglobinopatia; síndrome de Down; doença metabólica crônica - (sim; não);
- uso de antiviral (sim; não);
- sintomas - febre; tosse; dispneia; desconforto respiratório; saturação de oxigênio menor que 95%; dor de garganta; mialgia -; e
- internação em unidade de terapia intensiva - UTI - (sim; não).
A coleta de dados pela vigilância epidemiológica municipal era feita mediante notificação passiva ou ativa. A notificação passiva era realizada por profissional de saúde da unidade responsável pelo atendimento do paciente: o caso era notificado por telefone, sendo preenchida uma ficha padronizada de notificação. A busca ativa era realizada a partir da checagem diária - no sistema de informações da Central de Internação Hospitalar do município - de todos os pacientes internados ou aguardando internação por doença respiratória aguda. O profissional da vigilância epidemiológica solicitava à unidade de internação o preenchimento da ficha. Esta, uma vez preenchida, era devolvida ao serviço de vigilância epidemiológica do município para registro no sistema de informações. As notificações foram registradas em um sistema de informações denominado Influenza-BH, paralelo ao sistema nacional de rotina. A equipe da vigilância epidemiológica municipal era responsável por receber a notificação e solicitar - à equipe do serviço de atendimento domiciliar (SAD) de Belo Horizonte - a coleta de swab de secreção respiratória. A coleta era realizada em até 24 horas da solicitação, não obstante o período oportuno para esse procedimento ser de até sete dias do início dos sintomas; para pacientes hospitalizados em UTI e para óbitos, a coleta era sempre realizada.
A análise estatística do estudo utilizou-se dos programas SPSS(r) versão 19.0 e Microsoft Excel(r) 2010. Adotou-se o teste do qui-quadrado de Pearson, com nível de significância de 5%, para comparação de proporções entre casos confirmados e descartados ou sem coleta de swab.
O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte: CAAE no 19790213.7.0000.5149.
Resultados
Foram incluídos no estudo todos os casos notificados com SRAG entre 2011 e 2013 (n=5.158), dos quais 68,6% eram residentes em Belo Horizonte e 31,4% nos demais municípios de sua região metropolitana (Figura 1). A coleta de material laboratorial foi realizada em 77,4% dos casos notificados (n=3.992) e 691 desses pacientes (17,3%) tiveram amostra positiva para ao menos um vírus respiratório; 3 pacientes apresentaram infecção viral dupla. Apesar de a faixa etária com maior número de casos notificados (n=2.275) e confirmados (n=355) ter sido a de crianças menores de cinco anos, quase 30% das pessoas com amostra positiva para vírus respiratório tinham entre 20 e 59 anos. Não houve diferença entre as proporções de homens e de mulheres. Das 2.597 mulheres notificadas (50%), o grupo de gestantes e o de puérperas, somados, representavam menos de 2%, embora a proporção de casos confirmados nesses grupos fosse de 25% e aproximadamente 15%, respectivamente (Tabela 1).
a) Cálculo em relação ao total de casos notificados
b) Cálculo em relação ao total de casos da coluna (notificados, descartados ou sem coleta, confirmados)
c) Qui-quadrado de Pearson
d) Região Metropolitana de Belo Horizonte
e) Núcleo de Vigilância Epidemiológica Hospitalar
f) Unidade de Pronto Atendimento
g) Unidade de Terapia Intensiva
Os oito hospitais de Belo Horizonte com núcleos de vigilância epidemiológica hospitalar - NUVEH - foram responsáveis por mais da metade dos casos notificados (52,3%) e confirmados (50,4%); o principal hospital pediátrico notificante encontra-se no grupo de hospitais com NUVEH. Houve diferença significativa (p<0,05) entre os casos confirmados e os casos descartados ou que não realizaram coleta de amostra, para as seguintes variáveis: faixa etária; unidade de atendimento notificante; ser gestante; fazer uso de antiviral; apresentar pelo menos uma comorbidade; e ter sido admitido em UTI (Tabela 1).
O vírus da influenza A (50,7%) foi o mais frequente entre todos os vírus respiratórios isolados, e o subtipo A(H1N1)pdm09 foi identificado em maior proporção na população adulta. O VSR (36,0%) foi o segundo vírus respiratório mais isolado na população residente na RMBH, nos três anos selecionados para o estudo, em maior proporção nas crianças menores de cinco anos (94,0%) (Tabela 2). Nas pessoas adultas com 60 anos ou mais, o subtipo A(H3N2) foi mais frequente. Nas crianças menores de cinco anos, foram identificados, majoritariamente, VSR com 65,6%, A(H1N1) com 10,3% e A(H3N2) com 10,1%. O vírus da influenza circulou em todas as estações do ano, sendo seus períodos de maior incidência intercalados com os períodos de maior atividade do VSR (Figura 2).
Os sintomas mais frequentemente relatados pelos pacientes com infecção por vírus respiratório confirmada laboratorialmente foram febre (n=4.794), tosse (n=4.559) e dispneia (n=4.480). A frequência desses sintomas foi semelhante em pacientes infectados por influenza e pelos demais vírus. Os sintomas de dor de garganta e de mialgia foram encontrados em maior proporção nos pacientes infectados pelo vírus da influenza.
Entre os 54 pacientes infectados por vírus respiratório que evoluíram para óbito, cerca de 80% foram infectados pelo vírus da influenza (n=43) - sendo 55,6% pelo subtipo A(H1N1)pdm09 - e 43,3% eram adultos da faixa etária de 40 a 59 anos. Entre as gestantes e puérperas notificadas com síndrome respiratória aguda grave, uma gestante faleceu em decorrência da infecção pelo subtipo (H1N1)pdm09; e uma puérpera, após complicações resultantes da infecção pelo subtipo A(H3N2). As pessoas com 60 anos ou mais de idade que vieram a óbito foram infectadas, em maior proporção, pelos vírus da influenza subtipados A(H1N1)pdm09 (n=7) e A(H3N2) (n=5); 3 crianças menores de cinco anos faleceram por infecção pelo A(H1N1)pdm09, e outras 3, pelo VSR (Tabela 3).
Discussão
Os resultados deste estudo indicam que a vigilância intensificada de vírus respiratórios em Belo Horizonte teve grande importância para o conhecimento da circulação viral no município e respectiva região metropolitana. A maior parte dos pacientes notificados com SRAG teve amostras coletadas (77,4%) e 17,3% dessas amostras foram positivas para vírus. A positividade revelada neste estudo é semelhante à encontrada no estudo de autoria de Freitas, em que a positividade para vírus respiratórios foi de 17,0%, totalizando 6.421 amostras positivas em pacientes com síndrome gripal - SG - nas cinco grandes regiões do Brasil, entre 2000 e 2010.14
É provável que tenha ocorrido subnotificação na RMBH, especialmente dos casos que recebiam alta nas unidades de pronto atendimento - UPA - e tornavam desnecessária sua transferência para o hospital; recomenda-se que esses pacientes sejam igualmente notificados e sua evolução considerada como cura, uma vez que não houve internação.
Parte importante dos profissionais das unidades de saúde contribuiu com a vigilância intensificada de SRAG, possibilitando a coleta adequada e oportuna. A estratégia de incluir pacientes das UPA que aguardavam vaga de internação foi importante pela oportunidade de realizar a coleta e iniciar o tratamento com o antiviral mais precocemente. A centralização da coleta nas equipes do serviço de atendimento domiciliar - SAD -, treinadas à época da pandemia do vírus da influenza A(H1N1)pdm09, potencializou a coleta adequada, evitando perda dessas amostras.
É importante destacar que Belo Horizonte foi o primeiro município do país a intensificar a vigilância de SRAG para todo paciente hospitalizado ou aguardando internação. Este estudo apresenta os resultados relativos ao monitoramento viral na região metropolitana de Belo Horizonte entre 2011 e 2013, cuja causa mais comum de adoecimento nos pacientes notificados foi a infecção pelo vírus da influenza. Os resultados dessa vigilância mostraram a importância da equipe de epidemiologia em nível hospitalar. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) estimulou a criação desse serviço com a doação de equipamentos de informática aos hospitais e ampliou a vigilância de SG nas unidades públicas de urgência e emergência. As campanhas de vacinação em Belo Horizonte contaram com um período maior que o definido pelo Ministério da Saúde, para mais pessoas terem acesso ao imunobiológico e ao antiviral - este disponível em todas as unidades de saúde, sob o controle da SMS. Belo Horizonte também dispõe de um Plano de Contingência de Influenza com previsão de três cenários - habitual; de alerta; epidêmico -, para acompanhamento da circulação dos vírus respiratórios.
No contexto do presente relato, cumpre destacar o fato de estudos recentes de base populacional sobre o tema serem praticamente inexistentes no país. Há mais de 20 anos, foi realizado um estudo longitudinal de base populacional na cidade do Rio de Janeiro, com quatro anos de duração, focado em crianças menores de cinco anos de idade.17
No presente estudo, foi possível perceber que na RMBH, a influenza teve sua atividade mantida em todas as estações do ano, com incidência aumentada no mês de maio e picos em junho e julho. Verificou-se a sazonalidade dos vírus e sua ocorrência em pacientes hospitalizados no município, representativos de todas as faixas etárias.
Os dois subtipos do vírus da influenza A acometeram diferentes faixas etárias. O subtipo A(H3N2) infectou, em sua maioria, pessoas nos extremos de idade; e metade daqueles que adoeceram com influenza A(H1N1)pdm09 eram adultos de 20 a 59 anos, em maior proporção dos 40 aos 59 anos. Estudo realizado na cidade de São Paulo, em escolares menores de 12 anos de idade, confirmou esse achado entre crianças de cinco a 12 anos, cuja maior prevalência de infecção correspondeu ao subtipo A(H1N1)pdm09.18
O VSR foi o segundo vírus com maior número de amostras positivas neste estudo, e o mais frequente em crianças. Esse vírus circulou durante todo o ano, com maior incidência de março a maio e pico em abril. Trata-se de um vírus de circulação mundial, responsável por causar surtos anuais, acometendo principalmente crianças jovens.7,18 Esses resultados corroboram o estudo realizado em nível nacional, com dados de 2000 a 2010, sobre amostras de SG.14 Outro estudo, realizado no estado de São Paulo entre 2005 e 2006, mostrou maior incidência de VSR nos meses de março (37,0%) e julho (50,0%), com circulação até agosto.18 Mais uma pesquisa levada a cabo no mesmo estado mostrou início de surtos por VRS mais tardiamente, no final do outono ou no início do inverno, com pico em maio.7 Esses achados acerca do período de maior incidência e circulação do VSR, ao mesmo tempo que corroboram os resultados apresentados sobre a RMBH - alta atividade em março e abril, extensiva a agosto -, reafirmam o Brasil enquanto país de escala e características continentais, implicando especificidades locais e variações climáticas diversas, igualmente capazes de determinar a sazonalidade desses eventos.
Ainda sobre o VSR, a análise de distribuição das idades dos infectados observada aqui revela que o maior número de casos positivos ocorreu nas crianças menores de cinco anos, o que também está de acordo com achados da literatura internacional.19,20 Há três revisões sistemáticas da literatura demonstrativas da redução de internações em lactentes de alto risco após a introdução do anticorpo monoclonal contra VSR, o palivizumabe. Porém, antes de tomar essa medida, é necessário conhecer a sazonalidade do vírus.21-23 Os resultados das revisões referidas são semelhantes, demonstrando que a profilaxia com palivizumabe foi eficaz na redução do número de internações e admissões em UTI: entre as crianças pré-termo (≤35 semanas de vida) ou crianças com doença pulmonar crônica, houve redução de 55,0% na taxa de hospitalização; e entre crianças com cardiopatia congênita, essa redução foi de 45,0%. Já os resultados em relação à redução da mortalidade são controversos, todavia.
Mais da metade dos óbitos notificados acometeram pessoas com 60 anos ou mais de idade (51,9%); no entanto, adultos entre 20 e 59 anos corresponderam a metade dos óbitos positivos para vírus respiratórios, destacando-se o vírus da influenza A(H1N1)pdm09 com 72,2% dos óbitos no grupo de 40 a 59 anos. Na França e nos Estados Unidos da América, a taxa de mortalidade por influenza A(H1N1)pdm09 atingiu seu pico em indivíduos com menos de 20 anos, evidenciando a susceptibilidade dessas pessoas ao novo vírus, cuja circulação foi anterior ao ano de 1957, e confirmando a baixa idade como importante fator de risco de mortalidade por essa infecção.24 Importante destacar que uma hipótese explicativa para o maior número de pessoas infectadas serem adultas é o fato de a imunização contra influenza não atingir esse público ou grande parte dele, e os idosos serem contemplados desde o início das campanhas na década de 1990, no Brasil.
O segundo grupo etário com maior número de óbitos positivos foi o de pessoas com 60 anos ou mais, metade deles infectados pelo vírus A(H1N1)pdm09. No mundo, a influenza é a sexta causa de morte, principalmente em idosos e portadores de doenças crônicas.25 Estudos futuros serão bem-vindos, no sentido de melhor avaliar a importância da prevenção dessa doença por meio da vacinação de grupos vulneráveis, como os idosos,26 assim como da ampliação das campanhas de vacinação para outros grupos populacionais. Igualmente importante será avaliar os fatores que predispõem ao aumento da morbidade e da mortalidade por doença respiratória, oferecendo maiores subsídios para a adequação das políticas de saúde nessa área.
As técnicas utilizadas apresentam sensibilidades e especificidades diferentes. A imunofluorescência indireta - IFI - apresenta sensibilidade em torno de 70,0% e especificidade de 80%; a reação da transcriptase reversa, seguida de reação em cadeia de polimerase - RT-PCR -, por sua vez, é mais sensível (80,0%) e específica (95,0%). Apesar de ser relativamente baixa a positividade das amostras (17,3%), este estudo permitiu conhecer o perfil de morbimortalidade dos pacientes internados no município de Belo Horizonte com quadro respiratório agudo, os vírus mais prevalentes e as faixas etárias correspondentes, no período observado.
Entretanto, é mister considerar possíveis limitações à consecução dos objetivos do estudo, no momento de interpretar e discutir seus resultados. O sistema de informações utilizado, de uso restrito ao município de Belo Horizonte, baseia-se, em grande parte, na notificação passiva, não refletindo, efetivamente, todas as internações por doenças respiratórias ocorridas no município e prováveis casos com SRAG não notificados. Outrossim, o estudo baseou-se em dados secundários. A ausência de informações como, por exemplo, status vacinal (com a identificação viral em pessoas previamente vacinadas), raça/cor, nível de escolaridade, tempo da doença e data de início do uso de antiviral, impediu a análise dessas variáveis e sua possível correlação com a doença. Amostras do vírus da influenza A sem a identificação dos subtipos foram denominadas como 'A não subtipado', cerca de 4% dos casos. Se essas amostras não eram do subtipo A(H1N1)pdmo9, tampouco poder-se-ia afirmar que não fossem do subtipo A(H3N2). Ademais, não foi possível calcular a taxa de mortalidade e letalidade, seja pela impossibilidade de provar que todos os doentes com SRAG houvessem sido hospitalizados em Belo Horizonte, seja porque, entre os que tivessem se hospitalizado, nem todos houvessem sido notificados. Finalmente, são poucos os estudos publicados no Brasil a abordar a vigilância de vírus respiratórios,14 geralmente restritos ao monitoramento em hospitais específicos.6,7 Outros trabalhos estão relacionados à cobertura vacinal contra influenza ou às técnicas utilizadas para identificar os vírus respiratórios circulantes.27
Apesar dessas limitações, é possível afirmar que as análises apresentadas contribuem para um maior conhecimento da magnitude, distribuição e sazonalidade dos vírus respiratórios na região metropolitana de Belo Horizonte.
Pode-se concluir que a proposta da vigilância de vírus respiratórios em Belo Horizonte permitiu conhecer o perfil de morbimortalidade dos pacientes internados com quadro respiratório agudo, os vírus mais prevalentes e as faixas etárias correspondentes. É possível melhorar a capacidade de resposta do serviço com a implantação e/ou fortalecimento de núcleos de vigilância epidemiológica hospitalar - NUVEH - preparados para a detecção precoce da alteração do padrão de circulação do vírus, especialmente do vírus da influenza, mutável e capaz de provocar epidemias e pandemias. Campanhas de vacinação prolongadas, preconização do uso de terapia antiviral precoce e atendimento diferenciado a grupos de risco também podem ser estratégias eficientes na redução da mortalidade entre esses grupos.
Apesar de o presente estudo contemplar uma região metropolitana densamente povoada no estado de Minas Gerais, faz-se necessária a realização de outras pesquisas com amostra populacional de várias regiões do país e diferentes grupos etários, permitindo comparar resultados quanto à sazonalidade dos vírus respiratórios, grupos etários mais susceptíveis às infecções, fatores de risco associados e coeficientes de letalidade e mortalidade. Novos estudos, portanto, poderão contribuir com a formulação de políticas públicas mais adequadas, com o objetivo de reduzir a ocorrência de doenças respiratórias agudas, o volume das hospitalizações e as mortes por essas causas.