SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.25 número2Utilização de medicamentos genéricos no município de São Paulo, Brasil, em 2003: estudo de base populacionalAvaliação da adequação do cuidado pré-natal segundo a renda familiar em Aracaju, 2011 índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

  • Não possue artigos citadosCitado por SciELO

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.25 n.2 Brasília abr./jun. 2016

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000200005 

ARTIGO ORIGINAL

Avaliação de indicadores de qualidade de prescrição de medicamentos em uma unidade de atenção primária com diferentes modelos de atenção

Evaluación de indicadores de calidad en la prescripción de medicamentos en una unidad de atención primaria con diferentes modelos de atención

Daniela Oliveira de Melo1  , Sílvia Regina Ansaldi da Silva2  , Lia Lusitana Cardozo de Castro3 

1Universidade Federal de São Paulo, Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas, Diadema-SP, Brasil

2Prefeitura Municipal de São Paulo, Secretaria Municipal de Saúde, São Paulo-SP, Brasil

3Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Campo Grande-MS, Brasil

Resumo

OBJETIVO:

descrever os indicadores de prescrição de medicamentos em uma unidade de atenção primária com diferentes modelos de atenção à saúde.

MÉTODOS:

estudo descritivo, com dados secundários das prescrições em uma unidade com três modelos de atenção à saúde - Assistência Médica Ambulatorial (AMA); Unidade Básica de Saúde (UBS); Estratégia Saúde da Família (ESF) - AMA/UBS Vila Nova Jaguaré, São Paulo-SP, em julho-outubro/2011, sobre indicadores de qualidade.

RESULTADOS:

foram estudadas 16.720 prescrições; a proporção de medicamentos da Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (Remume) foi maior em prescrições da ESF (98,9%), em relação à UBS (95,6%) e à AMA (95,7%); igualmente, tanto o emprego do nome genérico dos medicamentos quanto a proporção de medicamentos fornecidos foi superior, comparando-se as prescrições da ESF (98,9% e 96,1%, respectivamente) com as da UBS (94,4% e 92,9%) e da AMA (94,0% e 92,7%).

CONCLUSÃO:

todos os indicadores de prescrição apresentaram resultados melhores para a ESF.

Palavras-chave: Assistência Farmacêutica; Atenção Primária à Saúde; Indicadores de Serviços; Prescrição de Medicamentos; Sistema Único de Saúde

Resumen

OBJETIVO:

analizar los indicadores de prescripción de medicamentos en una unidad de atención primaria con diferentes modelos de atención en salud.

MÉTODOS:

estudio descriptivo, transversal, en el cual se analizaron las prescripciones medicamentosas de tres modelos de atención en salud: Atención medica Ambulatoria (AMA), Unidad Básica de Salud (UBS) y Estrategia de Salud de la Familia (ESF)- en la AA/UBS Vila Nova Jaguaré/São Paulo-SP, Brasil, entre julio y octubre de 2011, a través de indicadores de calidad.

RESULTADOS:

se incluyeron 16.720 prescripciones, la proporción de medicamentos de la Relación Municipal de Medicamentos esenciales fue mayor en la ESF (98,0%) en relación con UBS (95,6%) y AMA (95,7%); igualmente la utilización del nombre genérica del medicamento como la proporción de medicamentos suministrados fue mayor en la ESF (98,9% y 96,1%, respectivamente), en comparación con la UBS (94,4% y 92,9%) y AMA (94,0% y 92,7%).

CONCLUSIÓN:

todos los indicadores muestran mejores resultados para la ESF.

Palabras-clave: Servicios Farmacéuticos; Atención Primaria de Salud; Indicadores de Servicios; Prescripciones de Medicamentos; Sistema Único de Salud

Introdução

Desde a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), preconiza-se que o atendimento na atenção primária seja a "porta de entrada" do paciente no sistema e se responsabilize pela promoção e recuperação da saúde dos moradores da área de abrangência do serviço.1-3 A atenção básica à saúde caracteriza-se por um conjunto de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, no âmbito individual e coletivo, priorizando a integralidade do cuidado. A Estratégia Saúde da Família (ESF) tem sido adotada no Brasil como forma de reorganizar a prática assistencial, centralizando o cuidado no núcleo familiar, ao invés do indivíduo, e na interdisciplinaridade do cuidado,1 tendo como objetivo a atenção continuada aos moradores da área de abrangência e o desenvolvimento de ações de promoção da saúde, tendo em conta o contexto cultural, social e geográfico da área de abrangência de cada equipe da ESF.

Apesar de prioritária e acelerada em municípios de pequeno porte, a implantação da ESF nas grandes cidades tem ocorrido de forma lenta, dada a complexidade do processo, decorrente da concentração demográfica e da oferta desarticulada e mal distribuída dos serviços de saúde, principalmente.2,4 Desse modo, a cobertura da ESF ainda não é total - cerca de 63% de cobertura populacional no Brasil, em 2015-,5 mantendo-se muitas unidades básicas de saúde (UBS) dentro do modelo tradicional, ou seja, unidades que oferecem consultas e serviços de forma programada, podendo ou não contar com pronto atendimento. Devido à gradual inserção de equipes da ESF nas unidades de saúde, é comum a presença de unidades mistas, onde coexistem os dois serviços.1,3,6

A partir de 2005, foram implantados serviços de Assistência Médica Ambulatorial (AMA) no município de São Paulo. A AMA é um serviço de pronto atendimento que absorve a demanda de baixa e média complexidade e, ademais, ligada a unidades de atenção primária, procura aliviar a sobrecarga nos serviços de pronto-socorro municipais e dos hospitais.7 Mais recentemente, o município de São Paulo iniciou a implantação da UBS Integral, um novo modelo de atendimento que integra a atividade programática com o atendimento agendado, resgata o papel promotor de saúde e define as condições para coordenar a continuidade do cuidado com outros pontos de atenção da rede, quando necessário.8

O emprego de indicadores serve como parâmetro para avaliação de serviços, incluindo a assistência farmacêutica e a qualidade de prescrições de medicamentos. Permite a comparação das condições dos serviços prestados e do nível de resolutividade das ações desenvolvidas - por exemplo, da promoção do uso racional de medicamentos -, consolidando-se como estratégia de organização para gestão em saúde. Em 1993, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou o documento 'How to Investigate Drug Use in Health Facilities', propondo indicadores para mensurar aspectos-chave da prescrição de medicamentos, assistência ao paciente, disponibilidade de medicamentos e informação.9 Ainda hoje, esses indicadores são empregados na avaliação da assistência farmacêutica prestada em serviços de atenção primária do Brasil e do mundo. Contudo, a avaliação desses indicadores depende da entrevista com pacientes.

Não há literatura disponível que identifique quantas farmácias de UBS contam com farmacêutico no Brasil. Estudo realizado em 2009 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para avaliar a influência da indústria farmacêutica no SUS, identificou que de cada dez farmácias do sistema, em sete faltavam farmacêuticos.10 Segundo estudo realizado em um município do Rio Grande do Sul, das 15 unidades da ESF avaliadas, nenhuma contava com farmacêutico, sendo a gestão do estoque encarregada, geralmente, à enfermagem, e a dispensação, realizada pelos médicos, ao menos em uma parcela dessas unidades.11 Com as parcerias de gestão em unidades que contam com equipes da ESF e/ou AMA, houve aumento expressivo do número de farmacêuticos na atenção primária, na cidade de São Paulo. Para que esses farmacêuticos conheçam o perfil de atendimento de suas unidades, priorizem demandas e planejem ações com possibilidade de comparação dos resultados em diferentes períodos e entre unidades de saúde, é importante que sejam elaborados, interpretados e discutidos esses indicadores. Entretanto, dada a particularidade da organização dos serviços de saúde no SUS, particularmente no município de São Paulo, a adoção desses indicadores e o estabelecimento das respectivas metas é dificultada.

O objetivo desse trabalho foi descrever os indicadores de prescrição de medicamentos em uma unidade de atenção primária com diferentes modelos de atenção à saúde.

Métodos

Estudo descritivo, baseado em dados secundários obtidos das prescrições atendidas na farmácia da AMA/UBS Vila Nova Jaguaré, São Paulo-SP, Brasil. Trata-se de uma unidade da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo que, durante o período do estudo, estava sob contrato de gestão do Projeto Região Oeste, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Em 2011, a AMA/UBS Vila Nova Jaguaré constituía uma unidade-referência de atendimento à saúde para 42.479 paulistanos, incluindo serviço de Assistência Médica Ambulatorial - AMA -, unidade básica de saúde - UBS - e a Estratégia Saúde da Família - ESF -, esta, atualmente, com quatro equipes.

A farmácia da AMA/UBS Vila Nova Jaguaré atende prescrições da unidade e externas (de outras unidades de Saúde Pública ou do sistema privado), com média de 336 dispensações diárias entre janeiro e junho de 2011. Toda dispensação de medicamentos é registrada em sistema informatizado, para gerenciamento de estoques da Prefeitura Municipal de São Paulo (Gestão de Sistemas em Saúde [GSS]). Esse sistema gera apenas relatórios de movimentação de estoque, não permitindo o resgate de dados sobre o perfil de pacientes atendidos, perfil de prescrição, origem da prescrição, número de prescrições atendidas, entre outros. Sobre o perfil do usuário atendido pelos profissionais de saúde a serviço da atenção primária, embora o sistema armazenasse os dados por mais tempo, havia permissão para visualização tão somente dos dados referentes aos últimos três meses, período selecionado para este estudo.

Foram incluídas todas as prescrições atendidas pela equipe da farmácia, em todos os dias da semana, durante todo o horário de funcionamento, entre julho e outubro de 2011 - mesmo que o medicamento não fosse dispensado, para que fosse possível compreender a demanda e não apenas o consumo dos medicamentos. Foram excluídos registros incompletos, que impossibilitassem o cálculo dos indicadores, ou aqueles que apresentavam erro de digitação evidente. Uma vez que a população atendida na AMA é a mesma atendida na UBS e pela ESF, e que esta realiza um pronto atendimento complementar ao realizado na UBS, consideraram-se os dados de prescrição dos três serviços como os dados de prescrições da unidade de atenção primária analisada.

A coleta de dados foi realizada pelo dispensador, em planilha Excel(r) preenchida no momento da dispensação, após período de capacitação (fevereiro a junho de 2011). Quanto ao usuário, foram recolhidas as informações sobre idade, com base no ano de nascimento inscrito no Cartão Nacional de Saúde, apresentado junto à prescrição. Em relação à prescrição propriamente, foram avaliados os seguintes parâmetros: origem (AMA, UBS ou ESF); prescritor (clínico geral, pediatra, ginecologista, médico de família ou enfermeiro); número de medicamentos prescritos; número de medicamentos dispensados; número de medicamentos em falta; número de medicamentos da Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (Remume); e número de medicamentos prescritos pelo nome genérico. Na Figura 1, estão descritos os indicadores mensurados e respectivos cálculos.

Figura 1 - Quadro dos indicadores e respectivos cálculos empregados no estudo 

Os dados foram analisados separadamente, para pacientes atendidos por clínicos gerais, pediatras, ginecologistas, médicos de família ou enfermeiros. Também foram analisadas as prescrições de medicamentos para crianças (idade de até 12 anos) na comparação com adultos (18 anos ou mais), tornando possível avaliar diferenças no perfil de prescrição dos profissionais da ESF, que atendem públicos de várias idades.

Para análise estatística, foi utilizado o programa Epi Info(r) versão 3.5.4. Empregou-se o teste T-Student para comparações entre médias e o teste do qui-quadrado para comparação entre proporções.

Para ambos os testes, foi considerado o nível de significância de 5%. A comparação dos indicadores levou em consideração apenas os dados de cada uma das prescrições apresentadas para atendimento na farmácia; não foram realizadas comparações relacionadas ao número de medicamentos por consulta médica ou, ainda, qual a proporção de consultas médicas que geraram prescrição.

Uma vez que os dados para a presente pesquisa foram obtidos de prescrições e registros administrativos, o trabalho foi dispensado de aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa, conforme as recomendações da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012.

Resultados

Foram avaliados os dados de 16.720 prescrições médicas, contemplando 36.792 medicamentos, recebidas para atendimento entre julho e outubro de 2011. Foram excluídas 27 prescrições. A proporção média de registro das informações na planilha de coleta de dados foi de 90%, comparados os dados da planilha e do sistema informatizado de controle de estoque de medicamentos. Portanto, os dados foram representativos de todos os atendimentos da farmácia. A origem das prescrições recebidas para atendimento e a especialidade do prescritor, bem como o número de medicamentos prescritos, são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1 - Perfil das prescrições recebidas para atendimento na farmácia da Assistência Médica Ambulatorial/Unidade Básica de Saúde Vila Nova Jaguaré, segundo origem e especialidade do prescritor, São Paulo-SP, julho a outubro de 2011 

Na Tabela 2, são apresentados os resultados para os indicadores de acordo com cada um dos serviços - AMA, UBS e ESF - e perfil do prescritor.

Tabela 2 - Descrição dos indicadores obtidos a partir das prescrições de medicamentos recebidas para atendimento pela farmácia da Assistência Médica Ambulatorial/Unidade Básica de Saúde Vila Nova Jaguaré, São Paulo-SP, julho a outubro de 2011 

a) Remume: Relação Municipal de Medicamentos Essenciais

As prescrições da UBS continham um maior número médio de medicamentos prescritos, seguidas pelas prescrições da AMA e da ESF, em valores decrescentes. Todas essas diferenças foram estatisticamente significativas (p<0,001). Os dados são apresentados na Tabela 2, e a análise estatística comparativa das prescrições dos diferentes serviços, na Tabela 3.

Tabela 3 - Comparação entre os indicadores obtidos a partir das prescrições de medicamentos recebidas para atendimento pela farmácia da Assistência Médica Ambulatorial/Unidade Básica de Saúde Vila Nova Jaguaré, São Paulo-SP, julho a outubro de 2011 

a) Remume: Relação Municipal de Medicamentos Essenciais

b) Teste T-Student

c) Teste do qui-quadrado

Entre as prescrições da ESF, foi maior a proporção de medicamentos prescritos que constam da Remume (98,9%), comparativamente às prescrições da UBS (95,6%) e da AMA (95,7%). A ESF também referiu maior proporção de medicamentos fornecidos (p<0,001), prescrições atendidas integralmente (p<0,001) e prescrições pelo nome genérico do fármaco (p<0,001); e menor proporção de prescrição de medicamentos em falta (p<0,001), quando comparada à UBS e à AMA (Tabela 3).

Observando-se as prescrições da UBS e da ESF para pacientes com idade inferior a 12 anos, constatou-se diferença estatisticamente significativa entre número de medicamentos prescritos pelos pediatras da UBS e pelos médicos da família (p<0,001) (Tabela 3). Em cada um dos serviços - AMA, UBS e ESF -, as prescrições para pacientes com idade inferior a 12 anos apresentaram maior número médio de medicamentos prescritos, quando comparadas às prescrições para pacientes adultos (p<0,001), e maior frequência de medicamentos que não constavam da Remume: 96,9% para crianças versus 93,8% para adultos (p<0,001), considerando-se as prescrições de todos os serviços (Tabela 4).

Tabela 4 - Comparação entre indicadores obtidos a partir de prescrições de medicamentos, considerando-se todos os prescritores, para adultos (≥18 anos) e crianças (≤12 anos), recebidos para atendimento pela farmácia da Assistência Médica Ambulatorial/Unidade Básica de Saúde Vila Nova Jaguaré, São Paulo-SP, julho a outubro de 2011 

a) Remume: Relação Municipal de Medicamentos Essenciais

b) Teste T-Student

c) Teste do qui-quadrado

Discussão

O número médio de medicamentos prescritos, independentemente da idade do paciente, foi inferior entre as prescrições da ESF, fossem elas realizadas por médicos ou pela enfermagem, na comparação com as prescrições da UBS. Também o emprego do nome genérico dos medicamentos e a frequência de prescrição de medicamentos que constam da Remume foi superior entre os prescritores da ESF, frente aos demais serviços analisados. Para pacientes com menos de 12 anos de idade, o número médio de medicamentos por prescrição foi maior na UBS do que na AMA ou ESF. Observou-se, ainda, que para esses pacientes-crianças, atendidos em qualquer dos três serviços, foi mais frequente a prescrição de medicamentos não presentes na Remume.

Até o momento, não foram encontrados trabalhos que discutissem a importância e os desafios da coleta e análise de indicadores em farmácias do SUS que considerassem suas peculiaridades. Embora o número médio de medicamentos prescritos fosse descrito em vários estudos brasileiros,12-16 realizados entre 2002 e 2006, muitos desses estudos não analisaram as prescrições da clínica médica e da pediatria separadamente, conforme recomenda a OMS.9 Para as prescrições da UBS analisadas aqui, a média de 2,3 medicamentos por prescrição é similar à descrita em outras pesquisas com dados de prescrições de unidades básicas de saúde situadas em Campo Grande-MS (2002), no Distrito Federal (2004) e em Esperança-PB (2007), e superior às observadas em Ribeirão Preto-SP (2004) e Ibiporã-PR (2006).12-16

A média de medicamentos prescritos para pacientes atendidos pela ESF (2,0) foi menor que a média correspondente para pacientes atendidos na UBS, tanto nos atendimentos realizados pelo médico quanto pela equipe de enfermagem. Entretanto, ela foi superior à descrita em outros estudos que avaliaram o uso de medicamentos em unidades da ESF de Santa Cruz do Sul-RS, Blumenau-SC e Campina Grande-PB.17-19 Não foram encontrados estudos que permitissem comparação com os dados obtidos de prescrições da AMA.

O menor número médio de medicamentos prescritos na ESF, tanto para pacientes com idade inferior a 12 anos quanto para adultos, pode ser explicado pela característica de longitudinalidade do cuidado, acesso mais facilitado aos prescritores (médicos e enfermeiros) dada a proximidade da equipe aos pacientes acompanhados, e o próprio papel desempenhado pelo agente comunitário de saúde, tornando-se menos comum a prescrição de medicamentos para estoque em casa.

O número de medicamentos prescritos aos pacientes menores de 12 anos foi significativamente maior nas prescrições da UBS, seja em relação às crianças atendidas por pediatras na AMA, seja pela ESF. O que pode explicar tal diferença é o fato de a dispensação de medicamentos na farmácia da unidade ser realizada exclusivamente sob prescrição médica. Por exemplo, é comum que o pediatra da UBS prescreva analgésicos - como dipirona e paracetamol, antiemético (dimenidrinato) - com a recomendação de uso 'se necessário'. Alguns pediatras chegam a utilizar carimbos para esses fármacos, com espaço apenas para escrever a dose a ser administrada na criança, e prescrevem esses medicamentos em quase todos os atendimentos, muitas vezes a pedido das mães. Estudo de Fegadolli e colaboradores, realizado em Tabatinga-SP, relatou média de 2,6 medicamentos em prescrições pediátricas de UBS.20

Diante do acesso da população a medicamentos isentos de prescrição, da demanda crescente por consultas médicas, dos riscos relacionados à automedicação e à presença do estoque domiciliar de medicamentos, faz-se necessária a discussão de alternativas para fomentar a automedicação responsável, ou seja, aquela orientada por um profissional de saúde, como já é realizada pela enfermagem na ESF e recomendada pela OMS.21 Com a inclusão de farmacêuticos na equipe da atenção básica à saúde, deve-se levar em conta a possibilidade da contribuição desses profissionais nesse cenário. A mais recente Portaria Municipal sobre dispensação de medicamentos na rede pública de saúde da cidade de São Paulo já reconhece o farmacêutico como prescritor, seguindo o preconizado pela Resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) no 586, de 29 de agosto de 2013. Não obstante, ainda não há protocolos padronizando essa atividade, como acontece com a enfermagem.22,23

Para a população menor de 12 anos, é mais frequente a prescrição de medicamentos não previstos na Remume, se comparada à frequência dessas prescrições para adultos (maiores de 18 anos) em todos os serviços, AMA, UBS e ESF. Esse resultado já era esperado. A seleção de medicamentos, em geral, privilegia o público adulto, proporcionalmente maior na população, ademais da dificuldade em selecionar medicamentos para uso pediátrico diante da falta de formas farmacêuticas adequadas no mercado e da escassez de evidências clínicas de sua segurança, motivo pelo qual as crianças são consideradas "órfãos terapêuticos".24

O emprego do nome genérico dos medicamentos e a frequência de prescrição de medicamentos que constam da Remume foram superiores entre os prescritores da ESF, fossem eles médicos ou enfermeiros, na comparação com a frequência dessas prescrições observada nos outros serviços, AMA e UBS. Na AMA, a rotatividade da equipe é maior e o médico trabalha em regime de plantão, fazendo com que as recomendações e intervenções em relação à prescrição tenham de ser passadas e reforçadas periodicamente. Já na UBS, todavia, enfrenta-se alguma resistência à atuação da equipe multidisciplinar, com o cuidado do paciente bastante centralizado no papel do médico. Os profissionais da ESF são habituados a conviver e trabalhar em equipe, aceitando com mais naturalidade as observações e solicitações propostas por outros profissionais de saúde, como o farmacêutico. Além disso, os prescritores da ESF costumam trabalhar sob regime de dedicação integral ao SUS, totalizando 40 horas semanais, o que não é comum entre os médicos dos demais serviços.25

De qualquer forma, os valores verificados para ambos os indicadores foram superiores aos resultados encontrados em todos os demais estudos brasileiros comparáveis.13-18,20,26,27 Na ESF, nota-se que cerca de metade das prescrições partiam de enfermeiros, principalmente em procedimentos relativos à saúde da mulher e da criança, ampliando o acesso da população ao cuidado por meio do acolhimento, característica essencial desses profissionais.4

A propósito da saúde da mulher e saúde materna, dois estudos sobre indicadores de prescrição descreveram a inclusão de prescrições da ginecologia na análise; porém, não apresentaram os respectivos dados.16,28

Cunha e cols. relataram que 80,7% dos medicamentos prescritos foram fornecidos nos atendimentos realizados por clínicos e pediatras em 12 unidades de atenção primária na região urbana de Campo Grande-MS, entre julho de 1998 e junho de 1999.13 Ao observar os atendimentos de clínicos e pediatras em dez unidades de atenção primária de Ribeirão Preto-SP em maio de 1998, Santos e Nitrini encontraram que 60,3% dos medicamentos prescritos foram fornecidos.14 Naves e Silver descreveram que 61,2% dos medicamentos prescritos foram efetivamente dispensados em 15 centros de saúde do Distrito Federal, em 2001.15 Os autores desses estudos revelaram dificuldades para o cálculo desse indicador, devido à falta de anotação da dispensação no fornecimento, padrões diferentes de anotação entre funcionários da farmácia, dispensação de medicamentos não padronizados (amostras grátis ou doações) ou, ainda, não retenção da segunda via da prescrição, comprometendo a coleta dos dados.13,14,19 Uma vez que, a coleta dos dados no presente estudo foi realizada no momento da dispensação, não dependendo da retenção da segunda via e tampouco da anotação, os problemas relatados para o cálculo do indicador foram evitados. Outro ponto a ressaltar: na unidade de saúde, não eram aceitas doações de medicamentos ou amostras grátis, por não haver como garantir a procedência e qualidade dos produtos.

Em relação à falta de medicamentos da Remume, há dois aspectos a serem considerados. O primeiro reside na gestão adequada do estoque de medicamentos, resultando em redução do desperdício e ajuste na programação da distribuição do medicamento, do almoxarifado à unidade.29 O segundo aspecto se refere à possível ocorrência de substituição da forma farmacêutica ou do fármaco, após a divulgação dos medicamentos em falta, uma rotina na unidade de saúde estudada. É importante ressaltar que houve avanços na gestão dos medicamentos pela Secretaria Municipal de Saúde, com a implantação do sistema informatizado em todas as unidades de saúde e a atuação do farmacêutico em tempo integral, por exemplo. Quanto à disponibilidade de medicamentos no período do estudo, a falta observada explica-se pelo recolhimento de lotes de anticoncepcionais injetáveis do mercado brasileiro. O presente trabalho demonstra, ademais, que uma equipe de técnicos bem treinada pelo farmacêutico pode coletar dados fidedignos, colaborando para a avaliação sistemática dos indicadores. O achado é tão mais positivo quando se sabe que o sistema não oferece relatórios capazes de contribuir para o cálculo dos indicadores, ainda que haja um sistema informatizado para gestão do estoque e registro da saída dos medicamentos dispensados.

A principal limitação do presente estudo foi o fato de ter sido realizado em apenas uma unidade de saúde. Acrescente-se a variação nas metodologias aplicadas aos estudos disponíveis sobre o assunto, dificultando a comparação dos resultados, e o desafio da coleta manual dos dados, diante da ausência de relatórios do sistema informatizado com essas informações. Este é o primeiro estudo que discute as diferenças quanto à prescrição de medicamentos na UBS (modelo tradicional) e na ESF, e avalia o perfil de prescrição em uma AMA.

Deve-se atentar para uma análise criteriosa de alguns dos indicadores, pois parte das prescrições da unidade tiveram influência direta do trabalho da equipe de farmácia. A exigência da prescrição pelo nome genérico fundamentou-se em intervenções educativas, iniciadas em maio de 2007.29 Além disso, periodicamente, a farmácia fornece aos prescritores um guia com a lista de medicamentos essenciais da Remume, por ordem alfabética e classificação farmacoterapêutica, além de informar a lista de medicamentos em falta para que possam ser prescritos fármacos alternativos. Também ocorre a intervenção direta da equipe junto ao prescritor, solicitando-lhe a adequação da prescrição, quando é escrito o nome comercial do medicamento ou a apresentação difere da preconizada.

Nesse sentido, em unidades mistas, a análise dos resultados de indicadores de prescrição pode ser dificultada pela diferença no perfil de prescrição, segundo os serviços existentes na unidade. Outrossim, os indicadores analisados podem servir à avaliação de intervenções, embora a comparação com outras unidades de saúde, particularmente aquelas com maior cobertura da ESF ou, ainda, que não tenham serviço de pronto atendimento, deva ser interpretada com cautela.

Finalmente, desde que o modelo de UBS integral - unidades de saúde com atendimento programado (UBS e ESF) e pronto atendimento de pequenas urgências (AMA) no mesmo espaço físico - vem sendo adotado no município de São Paulo e pode ser ampliado para outros municípios, é relevante a discussão sobre como devem ser calculados e interpretados indicadores para avaliar os serviços farmacêuticos em implementação nessas unidades.

Agradecimentos

À Caroline de Godoi Rezende Costa Molino e Eliane Ribeiro pela leitura crítica e sugestões para o texto.

Referências

1. Giovanella L, Mendonça MHM, Almeida PF, Escorel S, Senna MCM, Fausto MCR, et al. Saúde da família: limites e possibilidades para uma abordagem integral de atenção primária à saúde no Brasil. Cien Saude Coletiva. 2009 maio-jun;14(3):783-94. [ Links ]

2. Silva LA, Casotti CA, Chaves SCL. A produção científica brasileira sobre a Estratégia Saúde da Família e a mudança no modelo de atenção. Cien Saude Coletiva. 2013 jan;18(1):221-32. [ Links ]

3. Sousa MF, Hamann EM. Programa Saúde da Família no Brasil: uma agenda incompleta? Cien Saude Coletiva. 2009 set-out;14 supl 1:1325-35. [ Links ]

4. Escorel S, Giovanella L, Mendonça MHM, Senna MCM. O Programa de Saúde da Família e a construção de um novo modelo para a atenção básica no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2007 fev-mar;21(2-3):164-76. [ Links ]

5. Ministério da Saúde (BR). Departamento de Atenção Básica. Sistema de Informação da Atenção Básica [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [citado 2016 fev 12]. Disponível em: Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/historico_cobertura_sf.phpLinks ]

6. Viana ALD, Dal Poz MR. A reforma do sistema de saúde no Brasil e o Programa de Saúde da Família. Physis. 2005;15 supl:225-64. [ Links ]

7. Secretaria Municipal de Saúde (SP). AMA - Assistência Médica Ambulatorial [Internet]. São Paulo: Secretaria Municipal de Saúde; 2013 [citado 2014 mar 20]. Disponível em: Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/atencao_basica/ama/index.php?p=1911Links ]

8. Secretaria Municipal de Saúde (SP). Diretrizes gerais: Unidade Básica de Saúde (UBS). [Internet]. São Paulo: Secretaria Municipal de Saúde ; 2015 [citado 2015 maio 6]. Disponível em: Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/Diretrizes_Geraiz_UBS_final_baixa(1).pdfLinks ]

9. World Health Organization. How to investigate drug use in health facilities: selected drug use indicators [Internet]. Geneva: World Health Organization; 1993 [cited 2014 Apr 12]. (Action programme on essential drugs). Available from: Available from: http://apps.who.int/medicinedocs/en/d/Js2289e/Links ]

10. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Diagnóstico situacional da promoção de medicamentos em unidades de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília: Anvisa; 2010 ,091;citado 2014 abr 12]. Disponível em: Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/6567a80047457a738711d73fbc4c6735/Relatorio_UBS_final_jan2011.pdf?MOD=AJPERESLinks ]

11. Canabarro IM, Hahn S. Panorama da assistência farmacêutica na saúde da família em município do interior do estado do Rio Grande do Sul. Epidemiol Serv Saude. 2009 dez;18(4):345-55. [ Links ]

12. Portela AS, Silva PCD, Simões MOS, Medeiros ACD, Montenegro Neto AN. Indicadores de prescrição e de cuidado ao paciente na atenção básica do município de Esperança, Paraíba, 2007. Epidemiol Serv Saude. 2012 jun;21(2):341-50. [ Links ]

13. Cunha MCN, Zorzatto JR, Castro LLC. Avaliação do uso de medicamentos na rede pública municipal de saúde de Campo Grande/MS. RBCF, Rev Bras Cienc Farm. 2002 abr-jun;38(2):215-27. [ Links ]

14. Santos V, Nitrini SMOO. Indicadores do uso de medicamentos prescritos e de assistência ao paciente de serviços de saúde. Rev Saude Publica. 2004 dez;38(6):819-34. [ Links ]

15. Naves JOS, Silver LD. Avaliação da assistência farmacêutica na atenção primária no Distrito Federal. Rev Saude Publica. 2005 abr;39(2):223-30. [ Links ]

16. Girotto E, Silva PV. A prescrição de medicamentos em um município do Norte do Paraná. Rev Bras Epidemiol. 2006 jun;9(2):226-34. [ Links ]

17. Colombo D, Santa Helena ET, Agostinho ACMG, Didjurgeit JSMA. Padrão de prescrição de medicamentos nas unidades de programa de saúde da família de Blumenau. Rev Bras Cienc Farm. 2004 out-dez;40(4):549-58. [ Links ]

18. Farias AD, Cardoso MAA, Medeiros ACD, Belém LF, Simões MOS. Indicadores de prescrição médica nas unidades básicas de Saúde da Família no município de Campina Grande, PB. Rev Bras Epidemiol. 2007 jun;10(2):149-56. [ Links ]

19. Fröhlich SE, Mengue SS. Os indicadores de qualidade da prescrição de medicamentos da Organização Mundial da Saúde ainda são válidos? Cien Saude Colet. 2011 abr;16(4):2289-96. [ Links ]

20. Fegadolli C, Mendes IJM, Simões MJS. Avaliação da prescrição médica em pediatria, baseada nos indicadores do uso de medicamentos selecionados pela OMS em município do interior do estado de São Paulo. Rev Bras Cienc Farm. 2002;23(2):239-54. [ Links ]

21. World Health Organization. The role of the pharmacist in self-care and self-medication [Internet]. Geneva: World Health Organization; 1998 [cited 2015 Apr 27]. 17 p. Available from: Available from: http://apps.who.int/medicinedocs/en/p/printable.htmlLinks ]

22. Conselho Federal de Farmácia. Resolução nº 586, de 29 de agosto de 2013. Regula a prescrição farmacêutica e dá outras providências [Internet]. Brasília: Conselho Federal de Farmácia; 2013. Disponível em: http://www.cff.org.br/userfiles/file/resolucoes/586.pdfLinks ]

23. São Paulo. Portaria nº 338/2014-SMS.G, de 06 de fevereiro de 2014. Normatiza a prescrição e a dispensação de medicamentos no âmbito das unidades pertencentes ao Sistema Único de Saúde (SUS) sob gestão municipal. Diário Oficial da Cidade de São Paulo [Internet], São Paulo (SP), 2014 fev 6 [citado 2015 abr 27]; 25:19. Disponível em: Disponível em: http://www.cff.org.br/userfiles/file/noticias/SMS de S%C3%A3o Paulo - Portaria n%C2%BA 338-2014%28prescri%C3%A7%C3%A3o de medicamentos%29.pdfLinks ]

24. Costa PQ, Rey LC, Coelho HLL. Carência de preparações medicamentosas para uso em crianças no Brasil. J Pediatr. 2009 maio-jun;85(3):229-35. [ Links ]

25. Lima-Costa MF, Turci MA, Macinko J. Estratégia Saúde da Família em comparação a outras fontes de atenção: indicadores de uso e qualidade dos serviços de saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica. 2013 jul;29(7):1370-80. [ Links ]

26. Simöes MJS, Falvo IF. Estudo da prescriçäo de medicamentos para idosos atendidos em serviço público de saúde, em município da regiäo sudeste, Brasil 1999. Rev Bras Cienc Farm. 2000;21(2):217-27. [ Links ]

27. Oliveira CAP, Marin MJS, Marchioli M, Pizoletto BHM, Santos RV. Caracterização dos medicamentos prescritos aos idosos na Estratégia Saúde da Família. Cad Saude Publica. 2009 mai;25(5):1007-16. [ Links ]

28. Souza JM, Vinholes ER, Trauthman SC, Galato D. Avaliação dos indicadores de prescrição e da demanda atendida de medicamentos no Sistema Único de Saúde de um município do Sul do Estado de Santa Catarina. Rev Cienc Farm Basica Apl. 2012;33(1):107-13. [ Links ]

29. Melo DO, Castro LLC. O farmacêutico promovendo o acesso e uso racional de medicamentos essenciais no SUS. Cien Saude Colet. No prelo 2016. [ Links ]

Recebido: 22 de Dezembro de 2015; Aceito: 08 de Janeiro de 2016

Correspondência: Daniela Oliveira de Melo - Av. Conceição, no 329 - Centro, Diadema - SP, 09920-000. E-mail: melo.daniela@unifesp.br

Todas as autoras contribuíram para a concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica relevante do conteúdo intelectual do manuscrito, aprovaram a versão final e declaram-se responsáveis por todos os aspectos do trabalho, garantindo sua precisão e integridade.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons