Introdução
O câncer do colo do útero é um importante problema de Saúde Pública, de alta transcendência e magnitude, tendo como causa necessária para seu desenvolvimento a infecção pelo papilomavírus humano - humanpapilloma virus (HPV). Destaca-se por ser uma morbidade considerada prevenível e apresentar história natural conhecida, com etapas bem definidas, possibilitando a prevenção secundária pelo exame de Papanicolaou. Desde o início dos anos 2000, foram disponibilizadas vacinas profiláticas contra o HPV dos subtipos 6,11,16 e 18.1-3
Apesar das medidas de prevenção primária e secundária, o câncer do colo do útero continua a apresentar altas taxas de incidência e mortalidade, especialmente nos países com baixa e média renda. Em 2012, no mundo, foram estimados 528 mil casos incidentes de câncer do colo do útero e 266 mil óbitos, dos quais 87,0% ocorreram nestes países.4-6
No Brasil, foram estimados, para o ano de 2014, 15.590 casos novos do câncer do colo do útero e um risco de 15,33 casos por 100 mil mulheres. No país, e no mundo, as maiores taxas de incidência e mortalidade pela doença são observadas nas regiões de piores condições socioeconômicas.6-7 O câncer do colo do útero representa o câncer mais incidente em mulheres na região Norte - excluído o câncer de pele não melanoma -, e o segundo nas regiões Nordeste e Centro-Oeste.7 As taxas de mortalidade nacionais permaneceram superiores às encontradas nos países de renda alta, onde, em média, são inferiores a 5,0 óbitos/100 mil mulheres.4,8
Tal realidade persiste, não obstante a existência do Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero (PNCCC), implantado em 2001, dando prosseguimento ao Programa Viva Mulher. Acredita-se que esse quadro possa ser explicado pela característica do programa de rastreamento brasileiro, realizado de maneira oportunística, permitindo que algumas mulheres façam o exame mais do que o necessário e outras nunca o realizem.9-10
Logo, faz-se necessária a avaliação da evolução das taxas de mortalidade por câncer do colo do útero, bem como a realização de projeções para avaliar o padrão de sua ocorrência, identificando as regiões com maior risco de morte pela doença.
O presente estudo teve por objetivo analisar a tendência da mortalidade por câncer do colo do útero no estado brasileiro do Rio Grande do Norte e em suas microrregiões de saúde, no período de 1996 a 2010, e realizar projeções dessa tendência para os quinquênios no período de 2011 a 2030.
Métodos
Trata-se de estudo ecológico sobre a tendência da mortalidade por câncer do colo do útero no estado do Rio Grande do Norte e em suas microrregiões de saúde, no período de 1996 a 2010. Optou-se por esse período de análise porque um dos objetivos desta pesquisa foi analisar o padrão da mortalidade por essa neoplasia no triênio que antecedeu a implantação do PNCCC e nos triênios após sua implantação.
O Rio Grande do Norte caracteriza-se como a 16ª Unidade da Federação brasileira mais populosa e a décima mais povoada: 3.168.027 habitantes, distribuídos em 167 municípios que ocupam uma área de 52.810,699 km², resultando em uma densidade de 60 hab./km². Esse contingente populacional corresponde a 1,7% da população brasileira e 6% da população da região Nordeste, de acordo com o Censo Demográfico 2010, realizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em 2010, o estado encontrava-se dividido em oito Regiões de Saúde (RS):
1ª RS - São José de Mipibu -, com 351.502 habitantes, distribuídos pelos 27 municípios que a compõem;
2ª RS - Mossoró -, que reunia 15 municípios, a segunda região de saúde mais populosa, com 448.904 habitantes, concentrando 14,17% do total de habitantes do estado;
3ª RS - João Câmara -, com 25 municípios e 312.919 habitantes;
4ª RS - Caicó -, também formada por 25 municípios, com 295.726 habitantes;
5ª RS - Santa Cruz -, com 21 municípios e 185.719 habitantes;
6ª RS - Pau dos Ferros -, que aglutinava 36 municípios e 230.042 habitantes;
7ª RS - Metropolitana -, constituída por cinco municípios, reunindo o maior contingente populacional, 1.187.899 habitantes, ou 37,5% da população residente no estado, concentrada na capital, Natal, e também distribuída entre as localidades de Extremoz, Macaíba, Parnamirim e São Gonçalo do Amarante; e
8ª RS - Vale do Açu -, composta por 13 municípios, com 155.316 habitantes.
Em 2010, a microrregião Metropolitana apresentava a maior renda média per capita (R$ 821,23), seguida por Mossoró (R$ 484,73), Caicó (R$ 416,67), Açu (R$ 364,06), Pau dos Ferros (R$ 302,87), João Câmara (R$ 295,03), São José do Mipibu (R$ 293,54) e Santa Cruz (R$ 265,74).
Os registros de óbito por (i) câncer do colo do útero, (ii) câncer do corpo do útero e (iii) câncer do útero de porção não especificada foram obtidos no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), implantado pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), e referem-se ao período de 1996 a 2010 e às seguintes faixas etárias: 20-29, 30-39, 40-49, 50-59, 60-69, 70-79 e 80 e mais anos. Ressalta-se que as informações demográficas também foram obtidas no sítio eletrônico do Datasus; e os dados demográficos para os anos intercensitários, estimados pelo IBGE.
Com vistas a corrigir a grande proporção de óbitos classificados como câncer do útero de porção não especificada (C55) - o que se configura como má qualidade da informação -, realizou-se a redistribuição proporcional desses óbitos, por ano e faixa etária, para os registros de câncer do colo do útero (C53) e câncer do corpo do útero (C54). Esse método é realizado em quatro etapas: na primeira, os óbitos classificados como câncer do colo do útero e câncer do corpo do útero são somados; na segunda etapa, verificam-se as proporções de óbitos por câncer do colo do útero e corpo do útero relativas ao total de óbitos (câncer do colo do útero + câncer do corpo do útero); na terceira etapa, multiplicam-se essas proporções pelo número de óbitos classificados como câncer do útero de porção não especificada, por ano e faixa etária; e na quarta etapa, soma-se o valor obtido na etapa anterior com o número de óbitos originais de câncer do colo do útero e câncer do corpo do útero, obtendo-se, assim, o número de óbitos corrigidos.5
Após essa redistribuição, foram calculadas as seguintes taxas de mortalidade por 100 mil mulheres, para câncer do colo do útero: taxas médias segundo faixa etária; e taxas trienais, para o período de 1996 a 2010. Ademais, padronizaram-se as taxas pelo método direto, após a redistribuição, utilizando-se como padrão a população mundial proposta por Segi e modificada por Doll.11
Mapas foram construídos sobre as taxas trienais, com o intuito de avaliar a progressão da mortalidade por câncer do colo do útero nas microrregiões de saúde do estado, antes e após a implantação do PNCCC. Para tanto, utilizou-se o software Terraview 4.2.2, gerando-se mapas de mortalidade em quintis.
Em seguida, avaliou-se a tendência de mortalidade no período de 1996 a 2010, a partir da regressão binomial negativa. Destaca-se que mesmo em se tratando de dados provenientes de contagem, a regressão de Poisson não mostrou ser o método mais adequado, pois os dados apresentavam superdispersão (variância maior que a média).12
Nesta análise, o número de óbitos esperados para cada ano foi a variável dependente; e o ano calendário centralizado, a variável independente.
Como a diferença de tamanho populacional entre o estado e as microrregiões de saúde é bastante acentuada, optou-se por trabalhar com um modelo de regressão ponderado, atribuindo pesos a cada unidade de observação, proporcionais a seu tamanho populacional. O procedimento consiste em adicionar à equação de regressão um parâmetro conhecido como offset que, neste trabalho, consistiu no logaritmo da população da microrregião.13,14 Todas as análises foram realizadas pelo programa estatístico R versão 3.1.0.
A tendência temporal foi classificada como estacionária, decrescente ou ascendente, de acordo com o valor do risco relativo (RR, obtido pela exponencial do coeficiente da regressão) e seu respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%). Foram consideradas séries temporais com tendência estacionária aquelas em que o limite inferior do intervalo de confiança foi menor que 1 e o superior maior que 1. Foram consideradas séries com tendência descendente aquelas que apresentaram RR, limites inferior e superior do IC95% menores que um. E as séries ascendentes, as que mostraram valores de RR, limites inferior e superior maiores do que 1.13,14
As projeções foram feitas para cada período, utilizando-se o modelo idade-período-coorte do programa Nordpred, inscrito no programa estatístico R. As projeções foram realizadas para o conjunto do estado do Rio Grande do Norte. Os dados foram compilados em blocos de cinco anos (quinquênios), e o grupo de idade limite considerado para a análise foi o primeiro com mais de dez casos para o período combinado. Tal limitação do método impossibilitou estimar projeções por microrregiões.
Como resultado, apresentaram-se as taxas observadas e esperadas para cada período-quinquênio. Foram calculadas as taxas de mortalidade ajustadas com base na população mundial-padrão para comparações globais, expressas por 100 mil mulheres por ano (ASW∕100 mil hab.).15 Foram calculadas as mudanças anuais no número de casos do último período projetado (2026-2030) comparado ao número de casos do último período observado (2006-2010), considerando-se a proporção da mudança ocorrida, seja em função dos riscos para a doença, seja em função das características demográficas (tamanho ou estrutura da população). Esses dois componentes podem ser diferentes de zero, apresentando uma direção positiva ou negativa. O cálculo pode ser expresso da seguinte forma:15
onde Δ tot é a mudança total, Δ risk é a mudança em função do risco, Δ pop é a mudança em função da população, Nfff é o número de casos projetados, Noff é o número de casos esperados quando as taxas de mortalidade aumentam durante o período observado e Nooo é o número de casos observados.
Por se trabalhar com dados secundários, disponíveis em bancos de dados públicos, o estudo foi dispensando de apreciação por Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados
No período de 1996 a 2010, foram registrados no estado do Rio Grande do Norte (RN) 1.462 óbitos por câncer do útero, sendo 905 (61,9%) óbitos por câncer do colo do útero (CCL), 459 (31,3%) óbitos por câncer do útero de porção não especificada e 99 (6,7%) óbitos por câncer do corpo do útero (CCU).
Nesse cenário, os maiores números de óbitos por câncer do útero foram observados na microrregião Metropolitana (n=679; 46,2%), seguida das microrregionais de Mossoró (n=210; 14,3%), João Câmara (n=146; 9,9%), Caicó (n=129; 8,7%), Pau dos Ferros (n=94; 6,4%), São José de Mipibu (n=88; 5,9%), Santa Cruz (n=62; 4,2%) e Açu (n=55; 3,7%). Em todas as microrregiões, verificou-se grande proporção de óbitos classificados como câncer do útero de porção não especificada, sendo, inclusive, maiores as taxas por esse registro de óbito do que por câncer do corpo do útero.
Após a redistribuição proporcional desses óbitos entre os óbitos classificados como câncer do colo do útero e câncer do corpo do útero, verificou-se um aumento de 46,0% nas taxas médias de mortalidade por câncer do colo do útero e de 57,3% por câncer do corpo do útero. Se inicialmente, a taxa média do estado do Rio Grande do Norte era de 7,36 óbitos/100 mil mulheres para câncer do colo do útero, 0,75 óbitos/100 mil mulheres para câncer do corpo do útero e 3,80 óbitos/100 mil mulheres para câncer do útero de porção não especificada, após a redistribuição, as taxas de mortalidade média (por 100 mil mulheres) verificadas para câncer do colo do útero e câncer do corpo do útero foram, respectivamente, de 10,78 óbitos e 1,18 óbitos. Modificação semelhante também foi evidenciada nas taxas de mortalidade por essas causas entre as microrregiões de saúde (Tabela 1).
a) TM: taxa média por 100 mil mulheres, padronizada pela população mundial proposta por Segi e corrigida por Doll.11
As maiores taxas médias de mortalidade por essa neoplasia foram observadas nas microrregionais de saúde Metropolitana, Mossoró e João Câmara, no período estudado. Em contrapartida, as menores taxas foram evidenciadas pelas microrregionais de Santa Cruz e São José do Mipibu (Tabela 1).
Embora as microrregiões de saúde de Mossoró e Metropolitana tenham apresentado as maiores taxas de mortalidade, quando comparadas às demais microrregiões, ambas sinalizaram perfil decrescente em sua evolução ao longo do período. Já a microrregião de São José do Mipibu apresentou as menores taxas de mortalidade em todo o período analisado; no entanto, essa mesma microrregião e a microrregião de Caicó mostram uma evolução dessas taxas indicativa de tendência ascendente (Figura 1).
A distribuição espacial das taxas médias trienais de mortalidade por câncer do colo do útero nos mapas da Figura 2 revela que as maiores taxas médias trienais estão concentradas nas microrregiões de Mossoró, João Câmara e Metropolitana, enquanto as taxas mais baixas, nos cinco triênios, foram observadas nas microrregiões de Santa Cruz e São José do Mipibu. Em relação à evolução das taxas de mortalidade por câncer do colo do útero, verificou-se tendência ascendente em duas microrregiões de saúde - São José de Mipibú e Caicó - e perfil descendente na microrregião Metropolitana. As demais microrregiões (Pau dos Ferros, Mossoró, Açu, Santa Cruz, João Câmara), assim como o conjunto do estado, mostraram tendência estacionária (Tabela 2).
As projeções indicam que para o conjunto do Rio Grande do Norte, haverá uma redução nas taxas de mortalidade por câncer do colo do útero. No último período observado (2006-2010), essa taxa, que foi de 5,95 mortes/100 mil mulheres/ano, dever-se-á reduzir para 3,67 mortes/100 mil mulheres/ano no último período projetado (2026-2030). Ao calcular as mudanças provocadas no número de mortes, chegou-se a um aumento total de 22,0% de mortes esperadas, sendo 85,0% do aumento resultado das mudanças populacionais. Outrossim, projetou-se uma redução no risco de -63,0% (Tabela 3).
a) Taxa de mortalidade padronizada pela população mundial, proposta por Segi e modificada por Doll.11
Discussão
No presente estudo, observou-se que a tendência de mortalidade por câncer do colo do útero no estado do Rio Grande do Norte foi estacionária e apenas uma microrregião de saúde apresentou tendência descendente. Outra informação importante é que as taxas médias de mortalidade do estado e de todas as microrregiões de saúde foram superiores a 5,0 óbitos por 100 mil mulheres.
Destaca-se, ainda, a grande proporção de registros classificados como câncer do útero de porção não especificada. Trata-se de um dado indicativo da falta de assistência, dificuldade de acesso aos serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento, como também de assistência inadequada na ocasião do óbito.6
Tamanha proporção de óbitos classificados como câncer do útero de porção não especificada, sobretudo nas faixas etárias acima dos 50 anos, foi semelhante àquela observada em outros estudos brasileiros.16-20 Alguns autores advogam que tal constatação se explique pelo fato de a causa mortis ser menos investigada em idosos do que em pessoas mais jovens. Alguns estudos apontam menor cobertura de exame preventivo ginecológico com o avançar da idade, deduzindo-se daí que muitos casos são diagnosticados em estágio avançado, não sendo possível identificar a topografia exata da lesão.
O Rio Grande do Norte e suas microrregiões de saúde apresentaram altas taxas de mortalidade por câncer do colo do útero, quando comparadas às taxas de países desenvolvidos - inferiores a 5,0 óbitos por 100 mil mulheres - no ano de 2008. As taxas de mortalidade do estado nordestino também foram mais elevadas que as verificadas para Minas Gerais18 e o conjunto do Brasil.21 Contudo, deve-se ter maior cuidado ao comparar os resultados obtidos neste estudo com os de outras pesquisas realizadas no país: muitas delas não se propõem à correção dos óbitos registrados como câncer do útero de porção não especificada, podendo gerar taxas de mortalidade subestimadas para essa neoplasia.
Na análise de tendência das taxas de mortalidade, verificou-se evolução ascendente nas microrregiões de saúde de São José de Mipibu e Caicó. Observou-se, também, que a região com melhor condição socioeconômica - Metropolitana - apresentou tendência descendente. Esses achados são compatíveis com os resultados de três estudos, realizados nos Estados Unidos da América (EUA), no Japão e Nordeste do Brasil,6,22,23 demonstrativos de que a mortalidade por câncer do colo do útero está fortemente associada com as condições socioeconômicas e de acesso aos serviços de saúde.
Observe-se os resultados desses três estudos. Singh e colaboradores22 identificaram que mulheres habitando regiões dos EUA com piores condições socioeconômicas apresentaram 20,0% (IC95%: 10%;40%) maior probabilidade de serem diagnosticadas com câncer cervical - ou do colo do útero - em estádios avançados. O estudo desenvolvido no Japão,23 por sua vez, evidenciou que mulheres residentes em municípios com alta taxa de desemprego apresentaram maior probabilidade de serem diagnosticadas com câncer do colo do útero localmente avançado, comparativamente às que viviam em regiões com baixa taxa de desemprego (61,0% versus 51,6%; p<0,0001). E a pesquisa realizada, na região Nordeste do Brasil, no período de 1995 a 2006, evidenciou correlação positiva entre as localidades com altas taxas de mortalidade e indicadores sociais relacionados às piores condições de vida.6
Sobre a evolução das taxas de mortalidade por câncer do colo do útero no Rio Grande do Norte, observou-se um comportamento distinto à tendência descendente apresentada, por exemplo, no município de São Paulo (1980 a 2009),16 nos estados do Rio Grande do Sul (1979 a 1998)17 e de Minas Gerais (1980 a 2009),18 no mesmo estado de Minas Gerais entre 1980 e 2005,24 na cidade de Recife (1980 a 2005)25 e no Brasil como um todo (1981 a 2006).21 Não obstante, os achados do presente estudo são semelhantes aos resultados da pesquisa de Gamarra e cols.6 na região Nordeste, onde verificaram padrão ascendente nas taxas de mortalidade, com maior intensidade nos municípios do interior: especificamente, nos municípios do interior do estado do Rio Grande do Norte, os autores do referido estudo encontraram uma variação anual de 14,4% no período de 1996 a 2005.
Os resultados da presente pesquisa são preocupantes, tendo em vista que desde 2001, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA)/Ministério da Saúde desenvolve o Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero - PNCCC. Perceberam-se diferenças entre a evolução das tendências temporais por câncer colo do útero no Rio Grande do Norte e as projeções. Quanto à análise de tendência dos dados agrupados para todo o estado, apresentou-se estacionária; as projeções (2011 a 2030) revelaram declínio nas taxas de mortalidade.
As projeções têm como base as mudanças ocorridas nos grupos de idade, nas coortes de nascimento, na comparação entre as mudanças anuais no número de óbitos do último período observado (2006-2010) com o último período projetado (2026-2030). Por conseguinte, seus resultados podem expressar os efeitos de mudanças recentes, como a ampliação da cobertura da Estratégia Saúde da Família entre os municípios do estado a partir dos anos 2000 - e sua potencial eficácia e efetividade no diagnóstico precoce do câncer do colo do útero, o que não se expressou nas análises de tendência temporal. Nesse sentido, o PNCCC poderia ser apontado como uma das razões para essa redução no futuro, assim como para a melhoria nas condições de vida e no acesso aos serviços de saúde.26
No Brasil, o PNCCC tem como objetivo garantir o acesso ao exame preventivo para mulheres da faixa etária prioritária, qualificação do diagnóstico e tratamento das lesões precursoras.9 Apesar da melhoria nos indicadores de mortalidade alcançada, essa redução está aquém da esperada e pode-se explicar pelas características do programa de controle: oportunístico, não organizado, permite que algumas mulheres realizem mais exames do que o preconizado, enquanto outras nunca o realizam, sobretudo aquelas em piores condições socioeconômicas e de saúde.
Outras importantes questões, a serem levantadas em próximas pesquisas, referem-se à qualidade dos exames de citologia oncótica realizados, acesso aos serviços para realização da biópsia e confirmação diagnóstica, exames diagnósticos para estadiamento dos casos confirmados, e acesso a tratamento oncológico: cirurgia, radioterapia e quimioterapia.9-10
A avaliação do rastreamento do câncer do colo do útero no Brasil, no período de 2002 a 2006, evidenciou periodicidade de realização do exame de Papanicolau menor que a desejada, além de alto percentual de amostras insatisfatórias e ASC-US, o que é preocupante: 2 a 8% dos resultados insatisfatórios podem apresentar lesões pré-câncer após exame de repetição.26
Foi com o propósito de minimizar a principal limitação deste trabalho, relacionada à qualidade dos dados secundários, que se decidiu pela correção da grande proporção de registros classificados como câncer do útero de porção não especificada (processo devidamente explicitado na exposição dos Métodos do estudo), produzindo taxas de mortalidade por câncer do colo do útero mais fidedignas. É possível que persista uma subestimação residual nas taxas, haja vista a região Nordeste apresentar problemas relacionados à cobertura dos óbitos (subnotificação) e qualidade do Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM -, com alta proporção de registros cuja causa de óbito é mal definida.
Apesar dessas limitações, este relato sinaliza a necessidade da avaliação da prevenção e controle do câncer do colo do útero no estado do Rio Grande do Norte. Nesse sentido, é urgente analisar a cobertura e a qualidade do exame de Papanicolaou, o acesso a exames diagnósticos, cirurgias - e cirurgias de alta frequência -, radioterapia e quimioterapia. Essas medidas são capazes de auxiliar o planejamento e a gestão em saúde, ao permitirem a identificação dos principais problemas que têm contribuído para a situação descrita por este estudo.