Introdução
No mundo do trabalho, as mudanças ocorridas ao longo do tempo promoveram impacto importante na vida das pessoas. Ao transformar a natureza com seu trabalho, o homem transformou também sua maneira de ser, adoecer e morrer. Nas últimas décadas do século XX, profundas transformações ocorreram nos ambientes e nas condições de trabalho. Como consequência dessas transformações, modificou-se o perfil de morbidade dos agravos à saúde relacionados ao trabalho, resultando em acidentes e doenças ocupacionais, com destaque para as lesões por esforços repetitivos e o adoecimento mental.1
O trabalho pode ser fonte de satisfação e desenvolvimento humano, e também, a depender das condições em que é realizado, fator de risco para adoecimento. As condições físicas, químicas e biológicas dos ambientes de trabalho têm impactos mais evidentes no estado físico do trabalhador, enquanto a organização da produção com base nas divisões técnicas e sociais do trabalho repercute mais diretamente sobre a saúde psíquica, podendo causar sofrimento e doenças mentais.2 Uma preocupação crescente no campo das doenças relacionadas ao trabalhador são os transtornos mentais relacionados ao trabalho (TMRT), que resultam de situações do processo do trabalho. Diversos são os fatores associados aos TMRT, desde a exposição a determinados agentes tóxicos até a estrutura hierárquica organizacional do trabalho.3
Em todo o mundo, trabalhadores sofrem de doença mental. O número crescente de casos desse agravo relacionado ao trabalho tem motivado o interesse por esse campo de estudo,4 especialmente nos países de média e baixa renda, onde as condições laborais costumam ser mais precárias. Entre os determinantes dos transtornos mentais estão as condições de trabalho, além do estresse e das características individuais do trabalhador, como sua capacidade de controlar pensamentos, emoções, comportamentos e interações com os demais.5
No Brasil, no período de 1997 a 2009, a prevalência de transtornos mentais comuns variou entre 20 e 56% da população adulta, principalmente mulheres e trabalhadores.6 As taxas de mortalidade e de incapacidade por transtornos mentais variam na população de acordo o diagnóstico. A morbidade por transtornos mentais é considerada alta, além de influenciar comorbidades como diabetes, doenças cardiovasculares e outras,7 levando a redução da qualidade de vida dos trabalhadores e comprometimento do desempenho global do indivíduo: pessoal, familiar, ocupacional, emocional e social.6 Além disso, os transtornos mentais podem acarretar perdas econômicas de grande monta: no mundo, estima-se que o impacto cumulativo dos transtornos mentais tenha sido de US$16,3 bilhões entre 2011 e 2013.7
Os TMRT foram reconhecidos legalmente no país com a publicação da Portaria nº 1.339, de 19 de novembro de 1999.8 A Portaria nº 777, de 28 de abril de 2004, acrescentou esses transtornos - juntamente com mais dez outros agravos à saúde relacionados ao trabalho - à lista de doenças de notificação compulsória no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).9
Existe uma lacuna desse conhecimento nas publicações científicas sobre saúde de trabalhadores na Bahia, focadas em grupos específicos: professores,10 industriários,11 eletricitários,12 trabalhadores da zona urbana de Feira de Santana,13 entre outros.
Diante desse pressuposto, e da escassez de estudos epidemiológicos sobre os TMRT, o objetivo deste estudo foi descrever as características dos casos de transtornos mentais relacionados ao trabalho notificados no estado da Bahia, Brasil, no período de 2007 a 2012.
Métodos
Trata-se de um estudo descritivo com dados secundários.
Foram incluídos todos os casos de TMRT notificados na Bahia, no período de 2007 a 2012. O estado é formado por 417 municípios e uma população estimada, segundo a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 15.126.371 habitantes no ano de 2014. Administrativamente, a Bahia está dividida em nove núcleos regionais de saúde (antigas macrorregiões) e 28 regiões de saúde (antigas microrregiões) notificadoras de doenças e agravos à saúde da população.14
O banco de dados utilizado no presente estudo foi extraído do Sinan, disponibilizado no sítio eletrônico da Superintendência de Vigilância e Proteção da Saúde (SUVISA) do estado da Bahia. Os dados foram atualizados pela Diretoria de Informações em Saúde, em fevereiro de 2013; e a coleta de dados, realizada em março de 2013, a partir das investigações notificadas no período 2007-2012.
Estudaram-se as seguintes variáveis:
características sociodemográficas: sexo (masculino; feminino), faixa etária (em anos, posteriormente categorizada em 18-49 ou 50-79 anos; considerou-se a idade ativa do trabalhador com mais facilidade na entrada ao mercado de trabalho), escolaridade (analfabeto, Ensino Fundamental, Ensino Médio ou Ensino Superior) e raça/cor da pele (parda, branca ou preta).
núcleo regional de saúde do estado notificador: Sudoeste, Sul, Extremo Sul, Norte, Centro-Norte, Oeste, Centro-Leste, Leste e Nordeste.
unidade de saúde notificadora: hospitais, centros de saúde, unidades básicas de saúde (UBS), unidades da Estratégia de Saúde da Família (ESF), Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e Secretarias Municipais de Saúde.
características ocupacionais: ocupação (campo aberto, categorizado posteriormente: trabalhadores de serviços e vendedores do comércio, trabalhadores de produção de bens e serviços, trabalhadores dos serviços administrativos, profissionais das ciências e das artes, técnicos de nível médio, membros superiores do poder público e dirigentes, e outras) e situação no mercado de trabalho (trabalho formal[emprego registrado: estatutário e celetista], trabalho informal [emprego não registrado], desempregado e outras [autônomo, aposentado, temporário etc.])
diagnóstico específico, segundo a 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10).
evolução clínica dos casos após o diagnóstico e tratamento: incapacidade temporária, incapacidade permanente parcial, incapacidade permanente total, cura não confirmada, cura e outras.
referência ao CAPS/Sistema Único de Saúde ou a outro serviço especializado no tratamento de transtornos mentais, como hospitais e clínicas (sim; não).
condutas gerais adotadas no ambiente de trabalho a posteriori da confirmação do caso: afastamento da situação de desgaste mental, afastamento do local de trabalho, mudanças na organização de trabalho, proteção coletiva, proteção individual, nenhuma e outras.
Foram calculadas as frequências absolutas e relativas das variáveis estudadas. O processamento dos dados foi realizado pelos programas ArcGIS 10.3, TABWIN versão 3.6 e Microsoft Office Excel 2007.
A completitude no preenchimento dos dados, presença de campos em branco e ignorados, foi avaliada segundo critérios adaptados do manual de operações do Sinan: boa (≤25% dos campos incompletos); regular (25,1 a 50,0%); ruim (50,1 a 75,0%); e muito ruim (≥75,1% dos campos incompletos).15 A completitude dos dados foi avaliada em todas as variáveis estudadas e apresentada no rodapé de tabelas ou figuras.
Esta pesquisa foi realizada com dados agregados, sem qualquer identificação dos trabalhadores (como nomes e endereços). Os dados são de domínio público e foram disponibilizados na internet pela SUVISA/BA, com informações e apresentações gerais e coletivas acerca da situação de saúde da população baiana, além de servir de subsídio a estudos como este. Dessa forma, foi dispensada a aprovação do projeto por Comitê de Ética em Pesquisa, de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012.
Resultados
No período estudado, foram notificados 211 casos de transtornos mentais relacionados aotrabalho - TMRT - no estado da Bahia; desses, 63 (29,9%) foram notificados no ano de 2011. Houve um crescimento nas notificações durante o período em estudo (2007-2012). Quanto ao sexo, o crescimento das notificações foi maior entre as trabalhadoras, em comparação aos trabalhadores (Tabela 1).
Os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador - CEREST - estadual, regionais e municipais notificaram a maioria dos casos de TMRT (97,0%). O núcleo regional de saúde Leste notificou 78 (37,0%) casos, seguido donúcleo regional Sul com 68 (32,6%). Alguns núcleos regionais não apresentaram nenhuma notificação (Figura 1).
Pouco mais da metade dos casos eram do sexo masculino (51,2%). Entre os casos, predominaram indivíduos na faixa etária de 18-49 anos (79,1%), com Ensino Médio (42,2%) e raça/cor da pele parda (47,4%) (Tabela 2).
a) 4 (1,9%) casos de 1-14 anos
b) 22 (10,4%) casos ignorados
c) 46 (21,8%) casos ignorados
d) 9 (4,3%) casos ignorados
e) 5 (2,4%) casos ignorados
f) 6 (2,8%) casos ignorados
Quanto à situação ocupacional, 84,8% dos trabalhadores tinham trabalho formal, 0,9% trabalho informal e 7,6% estavam desempregados. Entre as ocupações, 22,7% eram trabalhadores de serviços e vendedores do comércio, 19,4% trabalhadores de produção de bens e serviços, 19,0% trabalhadores dos serviços administrativos, 14,7% profissionais das ciências e das artes, 9,9% técnicos de nível médio e 7,6% membros superiores do poder público e dirigentes (Tabela 2).
Sobre o diagnóstico específico, 24,2% dos casos foram notificados com estresse pós-traumático, 9,5% como reação aguda ao estresse, 19,9% episódios depressivos, 6,2% como transtorno misto ansioso e depressivo e 4,3% transtornos de adaptação (Tabela 2).
A maioria dos casos apresentou incapacidade temporária (74,4%) (Figura 2) e 64,9% foram encaminhados a um CAPS ou outro serviço especializado, para acompanhamento e tratamento.
As condutas gerais adotadas no local de trabalho, após o diagnóstico da doença foram: afastamento do local de trabalho (73,5%), afastamento da situação de desgaste mental (61,6%) e mudanças na organização de trabalho (18,9%), sendo que 18,0% adotaram proteção individual, 7,1% adotaram proteção coletiva e 3,8% adotaram outras condutas (Tabela 3).
Casos ignorados: (a) 23 (10,9%); (b) 23 (10,9%); (c) 36 (17,1%); (d) 35 (16,6%); (e) 36 (17,1%); (f) 84 (39,8%).
A maioria das variáveis apresentou completitude considerada boa, com menos de 25% dos campos incompletos; exceção coube a outras condutas gerais adotadas no ambiente de trabalho, ao apresentar 39,8% dos campos incompletos. Apenas para a variável sexo, não houve nenhum campo incompleto nas notificações do período em estudo.
Discussão
Entre os casos notificados de TMRT na Bahia, no período estudado, predominaram o diagnóstico de estresse pós-traumático e os episódios depressivos, realizados pelos CEREST nas regiões de saúde Leste e Sul do estado. Esses casos representaram, em sua maioria, trabalhadores dos serviços e vendedores, na faixa etária de 18 a 49 anos, situados no mercado de trabalho formal. Percentual considerável deles apresentaram incapacidade temporária e foram afastados do trabalho.
Os diagnósticos específicos mais frequentes entre os TMRT foram o estresse pós-traumático e os episódios depressivos. O estado de estresse pós-traumático é um transtorno mental causado por uma situação estressante ameaçadora ou catastrófica, provocando, na maioria dos indivíduos, perturbações psíquicas. É considerada uma doença relacionada ao trabalho quando ocorre no ambiente de trabalho ou no exercíciodele, motivado por agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiros ou colegas de trabalho.3,16 Este foi o diagnóstico mais frequente entre os TMRT, por vários motivos possíveis: (i) a ficha de notificação desses agravos no Sinan conter o conceito desse transtorno; (ii) o estabelecimento do nexo dos TMRT ser complexo;17,18 (iii) o estresse pós-traumático apresentar sintomas presentes após um evento pontual; e (iv) falta de um protocolo ou manual para dar subsídios aos profissionais da saúde durante as notificações dos TMRT.
A prevalência do estresse pós-traumático na população geral é considerada alta e varia de acordo com o sexo, a idade e os critérios diagnósticos utilizados.19 Presume-se que entre trabalhadores, o risco de desenvolver esse transtorno seja maior naqueles expostos a maior periculosidade ocupacional. Estudo16 aponta aumento de casos desse agravo em ocupações expostas a situações violentas: por exemplo, assaltos a motoristas, determinados setores do comércio e vendedores, conforme encontrou este estudo.
Os CEREST foram os serviços de saúde responsáveis pela notificação da quase totalidade de TMRT, principalmente nos núcleos regionais de saúde Leste e Sul da Bahia. Os trabalhadores baianos contam com os serviços de um CEREST de abrangência estadual e 14 regionais em funcionamento,20 legalmente reconhecidos por portarias específicas a partir de 2002 e, desde então, implantados no interior do estado. A maioria dos registros de TMRT nesses núcleos regionais deve-se ao fato de constituírem grandes polos de empregos nos setores industriais, de comércio e serviços gerais, além de serem áreas de maior desenvolvimento no campo da Saúde e terem maior disponibilidade de capacitação dos profissionais de saúde nesse tipo de notificação.
A ocorrência da maioria das notificações de TMRT pelos CEREST pode ser explicada pelo fato de constituírem centros de referência para ações na área de Saúde do Trabalhador, preparados para acolher as demandas dos agravos ocupacionais. A essa característica original dos CEREST, soma-se a expansão de sua cobertura para todo o estado. É possível que o evidente aumento do número de casos de TMRT no estado atribua-se mais à expansão da cobertura do sistema do que à elevação do número dessas ocorrências.
Destaca-se que as notificações desse agravo, apesar de seu aumento gradativo, ainda não foram instituídas em todos os CEREST da Bahia, ao se considerar que quatro das nove regiões de saúde não registraram nenhum caso de TMRT no período em estudo. A área de Saúde Mental relacionada ao trabalho tem enfrentado limitações para sua atuação, como a subnotificação no Sinan e o número reduzido de CEREST que atendam à demanda desses casos. A subnotificação de TMRT tem sido demonstrada por vários pesquisadores.18,21,22. Estudo realizado com os CEREST do Brasil, em 2014, apontou que aproximadamente metade desses centros realizavam ambulatório em saúde mental (46,9%), 58,8% dos CEREST realizavam essas notificações no Sinan.23
Contudo, percebe-se que a notificação de TMRT vem sendo fortalecida nos CEREST, embora não pareça se expandir entre os serviços de atendimento à saúde mental, normalmente os primeiros serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) que os usuários com esses agravos procuram. De acordo com estudos recentes,18,24 o principal serviço da Rede de Atenção Psicossocial (RAP), os CAPS, não estavam preparados para o estabelecimento do nexo da relação do agravo com o trabalho, fato que impossibilita a notificação no Sinan sob a categoria de TMRT. Apesar de oferecer tratamento dos casos de transtornos mentais menores, como aqueles predominantes entre os trabalhadores em atividade, o CAPS é o serviço gerenciador da RAP e, em muitos municípios, o único serviço em Saúde Mental existente. De fato, a grande maioria dos casos de TMRT no Brasil foi encaminhada pelos profissionais dos CEREST para tratamento nos CAPS (69,6%) e - apenas - 47,1% para os ambulatórios de saúde mental.23
Essas lacunas do processo de atendimento, estabelecimento do nexo, notificação e encaminhamento para tratamento contribuem para a invisibilidade dos TMRT.21,22 Assim, dificulta-se o desencadeamento de ações de atenção e assistência adequadas, ou medidas preventivas ancoradas em ações de vigilância em saúde, e consequentemente, a garantia da atenção integral a saúde dos trabalhadores que sofrem com TMRT permanece prejudicada.
Os setores de serviços, vendedores e atividades administrativas, juntos, representaram aproximadamente 40,0% das notificações de TMRT, proporção referida também por outro estudo realizado com trabalhadores, segundo o qual, do total de vendedores, 31,4% apresentaram risco de desenvolver depressão e ansiedade.4 A ocupação de vendedor está sujeita aos TMRT em virtude da pressão para que metas de trabalho sejam alcançadas, do conflito ético pela obrigatoriedade das "vendas casadas", do medo de ser demitido, do excesso de cobranças por parte dos superiores e da disputa por clientes.25
A faixa etária dos 18 aos 49 anos foi responsável pelo maior número de trabalhadores ativos e, portanto, maior exposição aos fatores associados aos TMRT. Estudo de revisão realizado com a população brasileira adulta acerca dos transtornos mentais comuns revelou maiores frequências desse agravo entre indivíduos de 25-54 anos, relacionado às condições socioeconômicas, estado civil, sexo, condições precárias de habitação, renda insuficiente para o acesso aos bens de consumo, baixa escolaridade e trabalho informal.6 Chama a atenção que os dois últimos determinantes tenham-se mostrado contraditórios aos resultados apresentados por este estudo. Aqui, as maiores proporções dos casos de TMRT tinham Ensino Médio e situação no mercado de trabalho formal. Essa divergência pode ser explicada pela diferença nos diagnósticos e entre as populações-alvo de ambos estudos.
A maior ocorrência de casos notificados em trabalhadores com vínculo de trabalho formal diverge do contexto esperado. Em princípio, admite-se existir maior estabilidade e seguridade social nesse tipo de vínculo. Não obstante, o fato de o trabalhador estar inserido no mercado de trabalho formal pode ter facilitado a procura pelo serviço de saúde e subsequente notificação no Sinan. A própria cobertura do sistema contempla, sobretudo, os trabalhadores formais. Pela mesma razão, a maior ocorrência de notificações entre indivíduos do sexo masculino justifica-se pelofato de os homens, comparados às mulheres, ocuparem a maior parte dos postos com vínculo de trabalho formal, principalmente nas indústrias.26
A evolução clínica dos casos de trabalhadores com TMRT após diagnóstico e tratamento, em sua maioria, resultou em incapacidade temporária. Esta situação é ratificada pelos transtornos mentais no Brasil serem considerados as principais causas de incapacidade, acarretando perda da qualidade de vida, sendo um grave problema de Saúde Pública.27
É possível visualizar o impacto da incapacidade para o trabalho na sociedade brasileira, os altos custos socioeconômicos que afastamentos do trabalho e aposentadorias precoces causam na força produtiva do país ao acometer, principalmente, a faixa etária da população ativa. Contribui para esse quadro desafiador a atual transição demográfica, reflexo das mudanças verificadas nas taxas de natalidade e de expectativa de vida no país.28,29
A conduta geral mais adotada após o diagnóstico de adoecimento por TMRT foi o afastamento do local de trabalho. Geralmente, essa conduta gera um vazio existencial nos indivíduos e, por conseguinte, urgente necessidade de acompanhamento dos casos pelos serviços de saúde, quando o trabalhador pode ser escutado e restaurar sua identidade e suas condições biopsíquicas, para retomar às atividades laborais ou até mesmo reinventar seu caminho profissional.25
Em muitos casos de adoecimento pelo trabalho, o afastamento do trabalhador tende a agravar seu estado de saúde devido à falta de apoio ou de programas de reabilitação. A depender da condição de saúde do trabalhador, uma reabilitação eficaz e eficiente durante esse período ajuda-o a restaurar suas funções físicas e mentais, tornando-o apto a retornar para seu posto de trabalho. A atividade laboral é condição necessária para o funcionamento pleno do ser humano, exceto nos casos de doença grave. O desafio maior no campo da Saúde do Trabalhador reside em como reverter as contradições entre saúde e condições de trabalho,30 reduzindo as situações possíveis de causar adoecimento e morte.
As limitações deste estudo referem-se ao uso de dados secundários provenientes de um sistema de informações em saúde com restrições de cobertura e qualidade e escassez de materiais publicados sobre TMRT no Brasil. Poucos estudos, com abrangência limitada, foram realizados no Brasil sobre esse tema utilizando dados do Sinan.23 Assim, vê-se dificultada a comparação de achados de publicações sobre diagnósticos e grupos de trabalhadores específicos. Ademais, o Sinan apresenta limitações quanto à completitude dos dados, falta de acurácia nos diagnósticos e nexo causal do agravo com o trabalho: alguns profissionais não são habilitados para essas notificações, situação agravada pela inexistência de um protocolo que os oriente, gerando subnotificações. Deve-se considerar, também, a inadequação dos encaminhamentos dos TMRT aos CAPS: este é um serviço de referência para transtornos mentais graves, sendo necessária a articulação com ambulatórios de saúde mental.
A análise das notificações por TMRT na Bahia evidenciou que os CEREST foram os principais responsáveis pelos registros. Isto indica que as questões relativas à saúde do trabalhador ainda permanecem reduzidas aos órgãos responsáveis diretos por essas ações (no caso, os CEREST), com cobertura limitada aos trabalhadores que já possuem acesso à seguridade social (trabalhadores formais). São necessárias ações de ampliação da atenção à saúde do trabalhador para toda a rede de prestação de serviços em saúde, especialmente da atenção básica em saúde, de maior acesso aos trabalhadores informais. Diante do significativo percentual de incapacidade temporária e afastamento do trabalho, cabe fortalecer as ações de reabilitação de modo que o trabalhador possa ser adequadamente reinserido em suas atividades e nelas permanecer, sem comprometimento de sua saúde e capacidade produtiva.
Também é necessária a adoção de medidas de promoção da saúde, prevenção de agravos e riscos nos ambientes de trabalho; e sua fiscalização pelos órgãos competentes, além da capacitação dos profissionais da saúde no diagnóstico adequado e na definição do nexo causal, e consequente aperfeiçoamento do Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan. A implantação de ambulatórios de saúde mental e a estruturação de uma Rede de Atenção em Saúde Mental capaz de incorporar a atenção em Saúde do Trabalhador e, principalmente, sustentar a implementação de políticas públicas sobre os determinantes dos processos de adoecimento relacionados ao trabalho, são medidas necessárias à maior proteção e promoção da saúde dos trabalhadores brasileiros.