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Epidemiologia e Serviços de Saúde

versão impressa ISSN 1679-4974versão On-line ISSN 2337-9622

Epidemiol. Serv. Saúde v.25 n.2 Brasília abr./jun. 2016

http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000200021 

ARTIGO DE OPINIÃO

Estratégias da agenda pós-2015 para o controle da tuberculose no Brasil: desafios e oportunidades

Estrategias de la agenda pos-2015 para el control de tuberculosis en Brasil: desafíos y oportunidades .

Ethel Leonor Noia Maciel1 

1Universidade Federal do Espírito Santo, Laboratório de Epidemiologia, Vitória-ES, Brasil.

A tuberculose (TB) é uma doença clássica relacionada à pobreza. Entre as doenças negligenciadas, a TB atinge os mais pobres, os vulneráveis, os marginalizados, quem durante séculos têm carregado o maior fardo da doença. Hoje, 134 anos depois da identificação do bacilo causador da doença, a tuberculose ainda mata mais pessoas do que qualquer outra infecção em todo o mundo.1 Apesar de décadas de progresso científico, com tantas descobertas que nos deixam otimistas, ainda são necessárias muitas outras para pôr fim ao sofrimento humano causado pela TB.

Em fevereiro de 2012, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a London School of Hygiene and Tropical Medicine convocaram uma reunião com um grupo de pesquisadores de diversos países, dedicados a estudar os determinantes sociais da tuberculose, entendendo-se que a forma como vivemos, crescemos, trabalhamos e envelhecemos também age sobre a manutenção da estratificação social e da manutenção da pobreza.2 No Brasil, a esses determinantes sociais soma-se a distribuição desigual de acesso à segurança alimentar, a condições adequadas de moradia e ambientes saudáveis, além de barreiras financeiras, geográfico-regionais e culturais para se alcançar os benefícios oferecidos pelos serviços de saúde, agregando dificuldades adicionais. Todos esses fatores têm influência sobre os quatro estágios do processo de patogênese da tuberculose: (i) exposição, (ii) infecção, (iii) progressão da doença entre os expostos e (iv) assistência à saúde desses indivíduos, seja no diagnóstico, tratamento ou acompanhamento do caso até seu encerramento.3 Apesar desse cenário propício ao avanço da TB no país, pesquisadores, autoridades governamentais e sociedade civil organizada têm-se mobilizado para propor estratégias para a abordagem e controle da doença.

No ano de 2012, durante o V Encontro Nacional de Tuberculose, discutiu-se pela primeira vez o tema dos determinantes sociais da TB enquanto fatores importantes para a manutenção dos indicadores da doença.4

No ano seguinte, na Universidade de São Paulo, foi realizada uma consulta da Organização Mundial da Saúde, em parceria com o Ministério da Saúde do Brasil e a Rede de Pesquisa em Tuberculose (Rede-TB), cujo tema foi a 'Eliminação do Ônus Econômico da Tuberculose: Cobertura Universal de Saúde e Oportunidades de Proteção Social'. Esta consulta teve como objetivo unir pesquisadores e membros dos governos de países com alta carga de TB, agências multilaterais e bilaterais e organizações da sociedade civil, em cooperação, no desenvolvimento de uma Estratégia pós-2015 de controle da TB, com o propósito de eliminar o ônus econômico relacionado ao tratamento da doença e discutir estratégias de proteção social para as pessoas com tuberculose e suas famílias.5

Em junho de 2013, na sede da OMS em Genebra, Suíça, foi discutida e debatida a proposta da nova agenda pós-2015 para o controle da TB, baseada em uma estratégia ousada de eliminação da TB até 2050.6 Em janeiro de 2014, essa proposta foi aprovada pelo comitê executivo da OMS, e uma resolução desse comitê endossou sua apresentação na Assembleia Mundial da Saúde a se realizar em maio daquele ano.

Em maio de 2014, o Brasil foi escolhido para fazer a apresentação da estratégia na Assembleia Mundial da Saúde. O convite da OMS justificou-se dada a experiência brasileira em cobertura universal dos serviços de Saúde Pública, por meio do Sistema Único de Saúde, e o fato de o país abrigar o maior programa de transferência de renda no mundo, o Bolsa Família. Após a manifestação de 54 países, a 'Estratégia global e metas para a prevenção, atenção e controle da tuberculose pós-2015' - ou estratégia 'Fim da TB' - foi aprovada em plenária, o que significou um acordo global para acabar com a tuberculose como uma pandemia, expresso nas metas estabelecidas de redução da incidência para menos de 10 casos por 100 mil habitantes e redução da mortalidade pela doença em 95% até 2035.6 Sem dúvida, aquele momento representou um marco histórico para toda a comunidade científica do campo da TB: a soma e intensificação dos esforços mundiais para o controle da doença.

A estratégia 'Fim da TB' da OMS amplia as ações de controle da doença, assentadas sobre três pilares:

  1. Integração dos cuidados e prevenção centrada no paciente.

  2. Políticas ousadas e sistemas de informações integrados, incluindo ações de proteção social aos pacientes e recomendação de acesso universal à saúde.

  3. Intensificação das pesquisas e ações de inovação, e a incorporação de novas tecnologias.7

Os desafios são imensos. No Brasil, nos últimos dez anos, tem-se reduzido o número de casos a uma média de 2% ao ano. Para que se atinja a meta proposta pela OMS, ter-se-ia de reduzir o indicador de incidência em 10% ao ano, durante os próximos 20 anos. O que, certamente, implica a proposição de novas estratégias.

Um grande avanço nesse sentido foi a experiência da formação da Rede-TB no Brasil, o que levou a OMS à indicação do país como exemplo na articulação entre Academia, Governo, Indústria e Sociedade Civil para o controle da TB.8 Em 2015, a Rede-TB apresentou uma agenda nacional de pesquisa visando a integração do pilar 3 - da nova estratégia da OMS - com os pilares 1 e 2 supracitados. Várias lacunas foram identificadas na nova agenda, entre elas a necessidade da intensificação de pesquisas sobre a interação patógeno-hospedeiro, incluindo estudos de marcadores genéticos, moleculares e imunológicos, o desenvolvimento de novas drogas e novos métodos diagnósticos, e a realização de pesquisas clínicas e operacionais. A agenda nacional de pesquisa em TB tem como diferencial o trabalho integrado entre as diversas instituições participantes da Rede-TB, criando uma plataforma que se estende do desenvolvimento e descoberta de novas substâncias, com potencial de se transformar em novas drogas, até o teste com humanos em fase IV de pesquisa, como posterior avaliação dos serviços e seus impactos de custo-efetividade na incorporação do produto.9

Haja vista a nova estratégia da OMS, de projetar seu foco de ação no longo prazo (2016-2035), cabe salientar que mudanças importantes estão a ocorrer, e outras dever-se-ão efetuar nos serviços de saúde dedicados ao atendimentos de pessoas com TB. Destacam-se avanços, como a implantação recente do teste rápido molecular para TB (TRM-TB), permitindo o diagnóstico da doença de forma rápida e segura, inclusive de suas formas resistentes. Entretanto, faz-se mister ampliar a rede diagnóstica para TB com cultura e realização de teste de sensibilidade a fármacos acessíveis a todos os pacientes.

Outro ponto importante, talvez o principal desafio - e oportunidade de ação - da Saúde Pública diante da realidade da TB é sua prevenção. A vacina BCG disponível no mercado previne casos graves da doença mas tem pouca eficácia contra a TB pulmonar.10 Encontrar novos candidatos a uma vacina mais eficaz é, sem dúvida, uma ação indispensável à nova estratégia. Outro ponto a considerar - não menos importante - em relação à prevenção é a oferta de tratamento para infecção latente em larga escala. Atualmente, as agendas dos serviços que atendem pacientes com TB têm-se concentrado nessa demanda, em detrimento dos exames dos contatos desses pacientes. Estima-se uma média de quatro contatos por paciente, razão porque os serviços teriam de ser reformulados quanto a sua força de trabalho disponível e organização estrutural, para receber, como mínimo, uma demanda quatro vezes superior à atual.11,12

No Brasil, não há um sistema nacional de informações para o diagnóstico e acompanhamento dos casos de tratamento para infecção latente. Mesmo nos Estados Unidos da América, onde já existe um sistema nesse modelo consolidado, um recente estudo identificou algumas dificuldades para sua consecução:

  1. apesar de sua recomendação para todos os contatos portadores de infecção latente por TB, mais de um terço desses indivíduos não se submeteram ao tratamento, possivelmente mal informados sobre os riscos e benefícios oferecidos;

  2. um em cada cinco contatos não foram examinados; e

  3. mais da metade dos contatos infectados não completaram o regime para prevenir a doença.

A principal barreira identificada por esse estudo norte-americano foi o tempo e o regime dedicados ao tratamento atual, com a isoniazida.13

Todavia não se dispõe de um indicador global com alvo específico na prevenção de casos, tampouco metas para finalização com sucesso do tratamento de infecção latente. Trata-se de uma das lacunas constatadas entre os estudos sobre TB. Para que haja de fato uma inovação a comemorar, o pilar 3 - pesquisa e inovação - deve ser a principal meta de todos os envolvidos no controle da TB, entendendo-se que as atuais ferramentas não permitem avançar nos indicadores em velocidade diferente da que se tem alcançado. Concomitantemente, deve-se envidar esforços no combate à pobreza e à desigualdade social, implantando-se políticas de transferência de renda e de mobilidade social, ações correspondentes ao pilar 2. E finalmente, imprimir as necessárias mudanças nas ações programáticas, focadas na prevenção e promoção do controle da TB, pilar 1 da estratégia em curso.

A imagem adotada pela agenda pós-2015 para o controle da TB, de uma ponte sustentada sobre os três pilares da estratégia da OMS, uma vez capaz de impactar os indicadores de incidência e mortalidade da doença nos próximos anos, poderá nos conduzir ao fim da pandemia de tuberculose até 2035.

Referências

1. World Health Organization. Global tuberculosis report 2015 [Internet]. Geneva: World Health Organization;2015 [cited 2016 Feb 26].Available from: Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/191102/1/9789241565059_eng.pdf?ua=1Links ]

2. London School of Hygiene and Tropical Medicine. Action on the social determinants of tuberculosis: are social protection interventions the way forward [Internet]; 2012 Feb 15; London. London: London School of Hygiene & Tropical Medicine; 2012 [cited 2016 Feb 26]. Available from: Available from: http://tbsymposium.lshtm.ac.uk/presentations-2/Links ]

3. Hargreaves JR, Boccia D, Evans CA, Adato M, Petticrew M, Porter JD. The social determinants of tuberculosis: from evidence to action. Am J Public Health. 2011 Apr;101(4):654-62 [ Links ]

4. Maciel ELN. A promoção à saúde e os determinantes sociais da tuberculose: elementos para a ação. In: Landin FLP, Catrib AMF, Collares PMC. Promoção da Saúde na diversidade humana e na pluralidade de itinerários terapêuticos. Campinas: Saberes; 2012. p. 429-48. [ Links ]

5. World Health Organization. Eliminating the catastrophic economic burden of TB: universal health coverage and social protection opportunities [Internet]; 2013 Apr 29-May 1;São Paulo. São Paulo: Medical School of the University of São Paulo; 2013 [cited 2016 Feb 26].Available from: Available from: http://www.who.int/tb/Brazil_TB_consultation.pdf?ua=1Links ]

6. World Health Organization. Strategic and technical advisory group for tuberculosis (STAG-TB): report of the 13th meeting [Internet]; 2013 Jun 11-12; Geneva.Geneva: World Health Organization; 2013 [cited 2016 Feb 26].Available from: Available from: http://www.who.int/tb/advisory_bodies/STAG_report2013.pdfLinks ]

7. World Health Organization. Global strategy and targets for tuberculosis prevention, care and control after 2015 [Internet]. Geneva: World Health Organization; 2013 [cited 2016 Feb 26. ]Available from: Available from: http://www.who.int/tb/post2015_TBstrategy.pdfLinks ]

8. Rede TB: rede brasileira de pesquisas em tuberculose [Internet]. Rio de Janeiro: Rede TB: rede brasileira de pesquisas em tuberculose; 2016[citado 2016 jan 18]. Disponível em: Disponível em: http://redetb.org/Links ]

9. Kritski AL, Barreira D, Junqueira-Kipnis AP, Moraes MO, Campos MM, Degrae W, et al. Brazilian response to world health organization´s 'end tb strategy': national tuberculosis research agenda. Rev Soc Bras Med Trop. No prelo 2016. [ Links ]

10. Pereira SM, Dantas OMS, Ximenes R, Barreto ML.Vacina BCG contra tuberculose: efeito protetor e políticas de vacinação. Rev Saude Publica. 2007 set; 41 supl 1:59-66. [ Links ]

11. Freire DN, Bonametti AM, Matsuo T. Diagnóstico precoce e progressão da tuberculose em contatos. Epidemiol Serv Saude. 2007 jul-set;16(3):155-66. [ Links ]

12. Hartwig SV, Ignotti E, Oliveira BFA, Pereira HCO, Scatena JH. Avaliação da vigilância de contatos de casos novos de tuberculose no Estado de Mato Grosso - Brasil. J Bras Pneumol. 2008 maio;34(5):298-303. [ Links ]

13. Young KH, Ehman M, Reves R, Maddox BLP, Khan A, Chorba TL, et al.Tuberculosis contact investigations:United States of America, 2003-2012. MMWR Surveill Summ. 2016 Jan;64(50):369-74. [ Links ]

Correspondência: Ethel Leonor Noia Maciel - Av. Marechal Campos, no 1468, Maruípe, Vitória-ES, Brasil. CEP: 29043-900. E-mail: ethel.maciel@gmail.com

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